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Iniciação à
Docência em Pedagogia
Memórias que contam histórias
Iniciação à
Docência em Pedagogia
Memórias que contam histórias
Dóris Bittencourt Almeida
Maria Aparecida Bergamaschi
(Organizadoras)
2012
OI OS
E D I T O R A
Catalogação na publicação:
Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184
I56 Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam
histórias / Organizadoras Dóris Bittencourt Almeida e Ma-
ria Aparecida Bergamaschi. – São Leopoldo: Oikos, 2012.
136 p.; 14 x 21cm.
ISBN 978-85-7843-227-0
1. Professor – Formação – Pedagogia. 2. Memória. I. Al-
meida, Dóris Bittencourt. II. Bergamaschi, Maria Aparecida.
CDU 371.13
© Organizadores – 2012
E-mail: pibid@ufrgs.br
Editoração: Oikos
Capa: Juliana Nascimento
Revisão: Luís M. Sander
Arte-final: Jair de Oliveira Carlos
Impressão: Rotermund S. A.
Conselho Editorial:
Antonio Sidekum (Ed. Nova Harmonia)
Arthur Blasio Rambo (UNISINOS)
Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL)
Danilo Streck (UNISINOS)
Elcio Cecchetti (ASPERSC)
Ivoni R. Reimer (UCG)
Luis H. Dreher (UFJF)
Marluza Harres (UNISINOS)
Martin N. Dreher (UNISINOS)
Milton Schwantes (UMESP)
Oneide Bobsin (EST)
Raul Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha)
Rosileny A. dos Santos Schwantes (UNINOVE)
Editora Oikos Ltda.
Rua Paraná, 240 – B. Scharlau – Cx. Postal 1081
93121-970 São Leopoldo/RS
Tel.: (51) 3568.2848 / Fax: 3568.7965
contato@oikoseditora.com.br
www.oikoseditora.com.br
SUMÁRIO
Lembranças que tecem as escolhas de docência:
Memoriais das bolsistas do PIBID Pedagogia ...................... 7
Dóris Bittencourt Almeida
Maria Aparecida Bergamaschi
Memórias de um sonho .................................................... 17
Ana Paula Ribeiro de Souza
Pedagogia por opção ........................................................ 24
Michelle Zilli Monsú
A beleza de ser uma eterna aprendiz ................................. 31
Naira Gislaine Cooper Carvalho
Uma história com final feliz .............................................. 40
Simone Silveira
A trilha da minha vida ...................................................... 50
Karina Leitzke Fernandes
Nada vai conseguir mudar o que ficou... ........................... 61
Gabriela Golembiewski Passuelo
Tecendo com fios dourados a minha trajetória ................... 67
Maiara Michele Carvalho Correa
Vou descobrir o que me faz sentir ...................................... 77
Ana Cristina Polo
6
Memórias: uma história que apenas começou... ................ 87
Cristiane Camargo Gimenes
Veredas do amor pela docência ......................................... 94
Bruno Henrique Silva de Castilhos
Entre leituras e lembranças: a escolha da docência .......... 102
Nicole Fischer Perez
Acredite nos seus sonhos ................................................ 111
Marcéli Machado Santos
Alegre nostalgia .............................................................. 121
Júlia Pereira Cabral
Para ser grande ............................................................... 129
Viviane Malheiro Barbosa
7
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
Lembranças que tecem as
escolhas de docência
Memoriais das bolsistas
do PIBID Pedagogia
Dóris Bittencourt Almeida
Maria Aparecida Bergamaschi1
“A memória opera com grande liberdade,
escolhendo acontecimentos no espaço e no tempo,
não arbitrariamente mas porque se relacionam
através de índices comuns. São configurações mais
intensas quando sobre elas incide o brilho
de um significado coletivo.”
(Ecléa Bosi, O tempo vivo da memória, p. 31)
“Cada um escolhe o tom para contar a própria
história; gostaria de optar pela durável clareza de
uma fixação em platina, mas nada em meu destino
tem essa luminosa claridade. Vivo entre difusos
matizes, velados mistérios, incertezas; o tom
adequado para contar minha vida se ajusta melhor
ao de um retrato em sépia.” (Isabel Allende, 2002).
Este é um livro de memórias, de preciosas memórias de
alunas e de um aluno do Curso de Pedagogia da Faculdade de
Educação da UFRGS, bolsistas do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) que aqui narram um
pouco de suas trajetórias de vida.
1 Professoras na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Coordenadoras do PIBID Pedagogia.
8
ALMEIDA, D. B.; BERGAMASCHI, M. A. • Lembranças que tecem as escolhas de docência
A escrita autobiográfica se constituiu em uma possibili-
dade de ressignificarem suas histórias de vida, bem como a ex-
periência da docência compartilhada proporcionada pelo PIBID.
Então, fizeram um balanço do vivido, procurando conferir sen-
tidos à própria existência, escreveram suas histórias de alguma
forma para serem lembradas, escreveram como que um regis-
tro para ter perenidade.
Como iniciar um processo de escrita sem ao menos en-
tender o que significa memória? Memórias são apenas lembran-
ças? E aquilo que esquecemos já não faz mais parte de nossas
memórias? Foi preciso estudarmos este tema para o compreen-
dermos melhor.
Na mitologia grega, Mnemósine é uma titânida, irmã de
Chronos, o titã devorador de todos os seres. Da união de Me-
nemósine e Zeus nascem as musas, belas jovens que têm seu
lugar no Monte Parnaso. Uma delas é Clio, a Musa da Histó-
ria. Portanto, Mnemósine, Chronos e Clio são entidades que se
aproximam, pois a História é filha da Memória e neta do Tem-
po. A memória, entre lembranças e esquecimentos, é o “fio”
que localiza a existência individual e coletiva no labirinto do
tempo, que faz o elo entre as gerações, que dá sentido à ances-
tralidade e aos pertencimentos de cada pessoa e cada grupo no
seu tempo e espaço.
Precisávamos refletir mais. A literatura foi mais uma
parceira nesse processo de buscar entender o que é a memó-
ria. Conversamos acerca da história de “Guilherme Augusto
Araújo Fernandes” (FOX, 1995), um menino que convive com
idosos, entre eles uma senhora chamada “D. Antônia”. Atra-
vés dessa pequena narrativa, em que o menino descobre que
memória é “algo que se lembre, algo que faz rir, que faz chorar,
que vale ouro...”, vimos que nossas memórias não são espontâ-
neas, mas precisam ser estimuladas; necessitam, portanto, de
evocadores materiais, sensoriais... Cheiros, sons, imagens po-
dem nos ajudar a lembrar... Na sequência, a leitura de “Teceli-
9
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
na” também contribuiu para desencadear o processo de escri-
ta. Nas palavras da protagonista do livro, “história é que nem
fio: a gente tece e o fio cresce, a gente inventa e tudo o que a
gente tenta se transforma em coisa nova” (SOUZA, 2002, p.
04). Somaram-se a isso leituras de algumas partes de livros au-
tobiográficos, como “As pequenas memórias”, de José Sara-
mago, “Alfabetto”, a autobiografia escolar de Frei Betto, entre
outros.
Buscando uma maior sensibilização, escutamos canções
que de alguma forma remetiam ao tema das memórias e nos
emocionamos com os versos de Lennon e McCartney “Dese-
nhos que a vida vai fazendo, desbotam alguns, uns ficam iguais”, cho-
ramos com a linda letra musical de Sater e Teixeira, “Cada um
de nós compõe a sua história, cada ser em si carrega o dom de ser
capaz e ser feliz”. E cada uma contou um pouco de suas histórias
para o grupo, inspiradas pela canção “Roda Viva”, de Chico
Buarque, representativa de uma época da história do Brasil,
mas que também conduz à reflexão acerca da própria existên-
cia: “Roda mundo, roda gigante, roda moinho, roda pião, o tempo
rodou num instante, nas voltas do meu coração.”
Uma atividade que auxiliou no processo da escrita foi a
leitura do livro “Caminhadas de universitários de origem po-
pular” (2006), produzido pelo Programa Conexões de Sabe-
res: Diálogos entre a Universidade e as Comunidades Popula-
res da UFRGS, pois neste programa também houve o estímulo
à produção de memoriais. Assim, as histórias de vida de 23
bolsistas do Conexões foram processualmente construídas e re-
gistradas, como uma estratégia de afirmação da presença de
estudantes de origempopular na universidade. A leitura das
histórias destes estudantes promoveu identificação, pois cenas
de vida relatadas no livro se aproximavam de situações vividas
por nossas bolsistas do PIBID: a barreira representada pelo
vestibular e a felicidade de rompê-la; as dificuldades de encon-
trar seu lugar na UFRGS, visto que o ensino superior historica-
10
mente foi um nível de ensino elitizado em nosso país; as difi-
culdades de remexer no “rio da memória” e deixar turvas as
águas da lembrança de cada uma, que talvez também gostasse
de deixar guardadas no esquecimento algumas passagens da
sua vida... Enfim, ler o “Caminhadas” foi significante, pois per-
ceberam a importância de produzir escritas que tornam pere-
nes suas histórias e que se tornarão leituras necessárias para
outras pessoas e para elas próprias em outros tempos. Cada
uma das bolsistas do PIBID ficou responsável por ler ao menos
uma história de vida do livro “Caminhadas”, e depois refletía-
mos juntas sobre os efeitos dessa leitura, a importância de fa-
zer com que as memórias produzidas registrassem a voz de es-
tudantes de Pedagogia e os caminhos trilhados até chegar ao
curso que as licencia para a docência. E os labirintos da memó-
ria começaram a ser percorridos nesse ritual de encontro com
outras narrativas, com outros personagens, com os quais se es-
tabeleceram identificações e cumplicidades.
Entretanto, mesmo com todas essas discussões sobre
memória, inicialmente a proposta não foi acolhida com gran-
de satisfação por todas. Afinal, refletir, evocar e escrever sobre
a própria vida é algo difícil, exige a disposição para penetrar nas
camadas da memória, por vezes endurecidas pelas marcas que o
tempo vai deixando. É preciso considerar o estranhamento de
narrar as experiências passadas; não é fácil permitir-se parar em
meio ao cotidiano que nos exige atender inúmeras demandas e
dedicar-se a esse trabalho de rememoração e escrita. Neste senti-
do, foram muitas as implicações nesse processo de escrita do
memorial. Escolher o que contar, como contar, assumir os riscos
de uma exposição pública, são situações delicadas que foram
discutidas ao longo da escrita e reescrita do texto.
Fomos em frente. Ainda havia resistências. Havia quem
ainda não compreendesse o valor do livro, e algumas vozes di-
ziam: “Quem vai se interessar por nossas histórias?” “Ninguém
vai querer ler.” Momentos de insegurança, de incerteza, de
ALMEIDA, D. B.; BERGAMASCHI, M. A. • Lembranças que tecem as escolhas de docência
11
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
questionamento acerca da validade da escrita do memorial.
Entendemos que tais manifestações sejam evidências de res-
quícios de uma formação escolar em que as pessoas ainda não
se sentem partícipes da História, acreditam que somente sejam
significativas as narrativas dos “grandes homens responsáveis
por grandes feitos”. Então, promovemos uma reflexão sobre os
sentidos da História, bem como explicitamos algumas concep-
ções teóricas norteadoras do que se entende por História e por
Memória na contemporaneidade, para que sentissem que valia
a pena assumir este desafio.
Procuramos refletir acerca do significado da memória para
a História. Em princípio, pareceu essencial uma compreensão
mais fecunda acerca dos sentidos da memória. Assim, é impor-
tante concebê-la muito além da mera capacidade de lembrar os
fatos passados. De acordo com o senso comum, pode-se pensar
que as memórias se referem àquilo que lembramos. Sim, a me-
mória também é isso, mas é muito mais; as lembranças podem
se apresentar como a ponta de um iceberg. Há um processo de
interação entre os atos de lembrar e de esquecer. A memória é
uma teia de subjetividades; por mais que haja imersão, por mais
que se busquem evocadores, por mais que se evite a superficiali-
dade, não há como atingir a totalidade daquilo que foi vivido no
passado. Portanto, a memória constitui-se dos atos de lembrar e
de esquecer, a um só tempo, e estes são produzidos socialmente.
Como explica Bosi, “cabe-nos interpretar tanto a lembrança quan-
to o esquecimento” (2003, p. 18). O exercício do lembrar não é
em si um ato soberano, próprio de um sujeito autônomo e cons-
ciente. Há uma complexidade que permeia a evocação das lem-
branças, a produção dos silêncios e dos esquecimentos.
Rejeita-se, por conseguinte, a ideia da memória puramen-
te individual, uma vez que não se pode desconsiderar o contex-
to vivido pelo sujeito que é “convidado” a pensar sobre o que
viveu (SANTOS, 1993). A memória, portanto, também é coleti-
va (BOSI, 2003), difundida e alimentada na convivência com os
12
outros, produzida pelos discursos e pelas representações que pro-
põem uma identidade ao grupo. Toda narrativa compreende certa
fabulação, uma invenção da realidade vivida, ou, ainda, possui
uma dimensão simbólica que leva a um certo desapego do real
em busca do imaginário, sendo, antes de mais nada, um ponto
de vista sobre algo (AMADO, 1995). Assim, o narrar não é algo
absoluto, estático, mas depende muito de elementos articulados,
tais como: “quem narra, o que narra, por que narra, como narra,
para quem narra, quando narra” (AMADO, 1995, p. 133).
As pessoas comumente constroem uma história sobre
suas vidas. Thomson (2001, p. 86) complementa: “Construí-
mos nossa identidade através do processo de contar histórias
para nós mesmos – como histórias secretas ou fantasias – ou
para as outras pessoas no convívio social” (p. 57). Ou seja, quan-
do narramos uma história vivida, narramos aquilo que elabo-
ramos acerca do que aconteceu, as lembranças são também re-
formuladas de acordo com as situações do cotidiano e com as
emoções vividas, pois “as histórias que relembramos não são
representações exatas do nosso passado, mas traduzem aspec-
tos desse passado e os moldam para que se ajustem às nossas
identidades e aspirações atuais” (p. 57).
Entretanto, mesmo com alguns receios, assumindo os ris-
cos da exposição de suas trajetórias, as meninas e o menino do
PIBID enfrentaram o desafio, romperam o anonimato, e aqui
está o resultado na publicação de suas autobiografias. Assim,
escreveram a primeira versão, a segunda, a terceira... Nós pro-
fessoras lemos, fizemos anotações, nos emocionamos com a
riqueza, singularidade e fecundidade das histórias, instigamos
as autoras e o autor a escrever mais, sugerimos pensar melhor
em algumas circunstâncias. Para que a leitura alcançasse ou-
tros leitores, cada uma escolheu entre o grupo “um leitor fiel”
que fizesse uma imersão no texto e apontasse algumas suges-
tões para a reescrita.
ALMEIDA, D. B.; BERGAMASCHI, M. A. • Lembranças que tecem as escolhas de docência
13
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
Neste exercício de escrita de si, cada autora e autor ela-
borou representações de si mesmos, misturaram-se nos textos
acontecimentos pessoais, da escolha da docência, da vida aca-
dêmica, das experiências da docência compartilhada oportuni-
zadas pelo PIBID. Ao lembrar e registrar suas lembranças, cada
bolsista recolheu, organizou e reorganizou, como num mosai-
co, as peças de sua memória, reconfigurando o tempo de vida
ou a vida no tempo. Ao escrever, revelaram suas múltiplas iden-
tidades: são mulheres, um homem, estudantes, filhas, algumas
são mães, são pessoas com caminhadas diferentes, cada qual
com suas ancestralidades, crenças, valores, e esses aspectos se
fundem naquilo que foi eleito para ser contado. Como sugere
Lovisolo (1989), as questões de memória têm a ver com nossos
pertencimentos, com aquilo que imaginamos sobre nós mes-
mos, com nossos desejos, que vamos construindo, desconstru-
indo e reconstruindo ao longo da vida. Do mesmo modo, Fen-
tress e Wickham afirmam que “a nossa experiência do presen-
te fica, portanto, inscrita na experiência passada. A memória
representa o passado e o presente ligados entre si e coerentes,
neste sentido, um com o outro” (1992, p. 39).
Os memoriais que aqui estão foram escritos por estudan-
tes que desejam partilhar suas histórias. É interessantedesco-
brir o que há de singular, de inédito em cada uma das narrati-
vas, que, em conjunto, formam uma teia, a teia da vida de estu-
dantes da Licenciatura em Pedagogia que escolheram a docên-
cia como futura profissão. Embora cada história aqui relatada
teça fios em direção ao passado, cada uma delas aponta possi-
bilidades de futuro, construídas num presente, e, como diz Te-
celina (SOUZA, 2002, p. 11), “o que foi tecido é presente”.
Nessas histórias se entrelaçam diferentes vivências. Nes-
te percurso de escrita de si, cada autora e autor se deixa revelar
um pouco. Ao ler cada história, é possível compor uma espécie
de retrato de cada narrador, talvez um “retrato em sépia”, como
diz Isabel Allende (2002). Algumas narrativas apresentam um
14
conteúdo intenso, são reflexões densas acerca da própria exis-
tência. Algumas são lineares, pois os acontecimentos escolhi-
dos seguem a sequência cronológica, enquanto outras rompem
com a linearidade num vaivém no tempo.
Assim, cada um escolheu o que contar e como contar
seu percurso. Escrevem sobre momentos felizes, falam das lem-
branças da infância, enfatizam as lutas para construir outras
perspectivas de vida, valorizam suas ancestralidades e suas re-
des de afetos. Mencionam momentos marcantes da trajetória
escolar, descrevendo situações desafiadoras, como o vestibular
para ingressar no curso de Pedagogia da UFRGS, que, ao mes-
mo tempo, é obstáculo e vitória festejada pelas famílias. Bus-
cam na vida acadêmica os elos que ligam a docência a uma
cadeia de vivências e reflexões que dão sentido à sua formação.
Remetem suas lembranças a situações inspiradoras da escolha
da licenciatura que as encaminha para uma futura profissão, e
no PIBID já começam a exercê-la como docência compartilha-
da, deixando transparecer nesses relatos o encantamento pela
escola, amarrando no presente os fios que tecem suas lembran-
ças.
Pela leitura de cada história, percebem-se as afinidades
de cada autor/a, a força de suas ancestralidades, os percursos
vividos em múltiplos lugares, e os textos traduzem uma busca
pela maturidade em olhar para o vivido. Poemas, trechos de
músicas foram escolhidos como inspiradores para a escrita, com
estilos singulares que compõem uma pluralidade de formas.
Idas e vindas, chegadas, partidas, conflitos, alegrias, tristezas,
perdas, conquistas, tudo isso se mistura à escolha da docência
como ofício e se revela nos percursos trilhados, que, compon-
do as narrativas apresentadas neste livro, traduzem as autorias
de Ana Cristina, Gabriela, Ana Paula, Viviane, Maiara, Cris-
tine, Simone, Maiara, Karina, Julia, Marcéli, Naira, Nicole e
Bruno.
ALMEIDA, D. B.; BERGAMASCHI, M. A. • Lembranças que tecem as escolhas de docência
15
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
Referências bibliográficas
ALLENDE, Isabel. Retrato em sépia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2002
AMADO, Janaina. O grande mentiroso: tradição, veracidade e ima-
ginação em História Oral. Revista História, São Paulo, 14, p. 125-136,
1995.
BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
FENTRESS, James; WICKHAM, Chris. Memória social: novas pers-
pectivas sobre o passado. Lisboa: Teorema, 1992.
FOX, Mem; ilustrações de Julie Vivas. Guilherme Augusto Araújo Fer-
nandes. São Paulo: Brinque-book, 1995.
LOVISOLO, Hugo. A memória e a formação dos homens. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, 1989, p. 16-28.
SANTOS, Myriam. O pesadelo da amnésia coletiva: um estudo sobre
os conceitos de memória, tradição e traços do passado. Revista Brasi-
leira de Ciências Sociais, ano 8, n. 23, p. 68-84, out. 1993.
SOUZA, Gláucia de; ilustrações de Cristina Biazetto. Tecelina. Porto
Alegre: Editora Projeto, 2002.
THOMSON, Alistair. Memórias de Anzac: colocando em prática a
teoria da memória popular na Austrália. Revista da Associação Brasilei-
ra de História Oral, n. 4, p. 85-101, jun. 2001.
WEBBER, Alexsander Lourence ... [et al.]. Caminhadas de universitá-
rios de origem popular. UFRGS. Rio de Janeiro: UFRJ, Pró-Reitoria de
Extensão, 2006.
16
ALMEIDA, D. B.; BERGAMASCHI, M. A. • Lembranças que tecem as escolhas de docência
17
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
Memórias de um sonho
Ana Paula Ribeiro de Souza2
Iniciando o percurso da escrita...
Tem lugares que me lembram
Minha vida, por onde andei
As histórias, os caminhos
O destino que eu mudei...3
Ao iniciar a escrita do memorial, me fiz a seguinte pergun-
ta: “Como começar a escrever sobre minhas memórias?” Então,
resolvi escrever sobre o que me lembro, mesmo que essas memó-
rias não sejam tão verdadeiras quanto parecem em minha mente
e os fatos, talvez, não tenham acontecido exatamente como lem-
bro, pois acredito que na memória tem um pouco de fantasia.
Não conseguimos lembrar de tudo como realmente ocor-
reu. Ao lembrar-me do primeiro beijo entre Samuel, meu mari-
do, e eu, me vem à lembrança uma melodia, um cheiro, um
clima que, talvez, na hora não ocorreram da mesma forma,
pois tenho certeza de que o amor faz isso se intensificar, por-
que eu não o amava como o amo hoje.
Nasci em uma madrugada quente no início do outono
de 1987. Talvez seja por isso que eu goste tanto de calor. Neste
dia, ocorreu um episódio engraçado: meu pai, ao despedir-se
de minha mãe, que ia para a sala de parto, viu-a acenar com a
2 Acadêmica de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.
Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID.
3 Trechos da música Minha Vida, que irão aparecer no decorrer do texto,
interpretada por Rita Lee, traduzida do inglês para o português e composta por
John Lennon e Paul McCartney.
18
mão o número quatro; era apenas um aceno, mas ele pensou
que fossem quatro bebês. Ele conta, brincando, que teve vonta-
de de se atirar pela janela do 12º andar do Hospital das Clíni-
cas de Porto Alegre. Mas hoje ele diz que eu valho por quatro e
que minha mãe já estava prevendo isso.
Bem, acabei contando que já sou casada, que tenho mãe
e pai, mas falta algo que é, também, muito importante em mi-
nha vida e é o assunto que irá permear todo o memorial: a
profissão que escolhi.
Ser professora é muito mais do que ensinar e aprender. É
conviver com a alegria, a insegurança, a espontaneidade, a trans-
parência, o carinho, os conflitos, a sabedoria e muitos outros
traços das crianças, dos adolescentes e dos adultos. Escrevo isso
porque ser professora me coloca muitas possibilidades: é uma
profissão que tem rotina, mas essa é sempre diferenciada. Pos-
so trabalhar com crianças, com jovens ou com adultos, e isso
possibilita vivências muito ricas.
Constituindo-me professora...
Cenas do meu filme
Em branco e preto
Que o vento levou
E o tempo traz
Entre todos os amores
E amigos
De você me lembro mais...
Tive uma infância muito feliz. Morei por alguns anos em
frente a uma praça e a frequentava diariamente; adorava brin-
car na areia com meus amigos. Gostava muito de brincar com
bonecas, de fazer roupinhas para elas e montar casinha. No
verão era mais divertido porque eu colocava as bonecas na pis-
cina e brincava que eram sereias. Mesmo com todas essas brin-
cadeiras, o que mais me entretinha era brincar de escolinha. Eu
ficava horas brincando e fazia questão de que todos aprendes-
SOUZA, A. P. R. de • Memórias de um sonho
19
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
sem o que eu estava ensinando e não permitia que ninguém
saísse da brincadeira. Quando minha mãe preparava o lanche,
eu dizia que era a hora do recreio.
Iniciei minha escolarização no Jardim de Infância. Ti-
nha muita vontade de aprender a ler e a escrever, e foi nessa
época que minhas amigas e eu brincávamos mais de escolinha:
eu sempre gostava de ser a professora. Mais tarde, quando já
estava alfabetizada, eu tentava ensinar uma amiga, que era mais
nova, a ler. Lembro que eu ficava brava com essa amiga quan-
do ela queria adivinhar o que estava escrito noslivros. Porém,
hoje sei que a leitura das imagens de livros na alfabetização é
uma prática natural e muito positiva, mas na época eu não sa-
bia, e fico com um pouco de remorso por isso.
Sempre fui uma ótima aluna e gostava de ir à escola; tira-
va boas notas e sempre passava de ano. Quando alguém me
perguntava o que eu gostaria de ser quando crescesse, eu dizia
que “queria ser professora”. Meus pais me apoiavam e me in-
centivavam com materiais escolares, de que gosto até hoje: adoro
cadernos, lápis, canetas coloridas, etc. Esse incentivo fazia com
que eu tivesse mais vontade de estudar.
Na oitava série, em minha escola, teria que escolher se
no Ensino Médio iria cursar o Magistério ou matérias por dis-
ciplina, como se fossem as “cadeiras” na Faculdade. Eu queria
Magistério, mas, de certa forma, havia menos conteúdos, pois
não havia as mesmas matérias do Ensino Médio por discipli-
nas: por exemplo, em vez de Matemática, tínhamos Didática
da Matemática, e assim com as demais disciplinas. A carga
horária era diferente, pois no magistério teria Didática e Práti-
ca de Ensino. Minha mãe viu o currículo e aconselhou-me a
não cursar o Magistério naquele momento, porque mais tarde
seria mais difícil passar no vestibular. Ouvi minha mãe e então
cursei as matérias por disciplina.
Quando terminei o Ensino Médio, abriu, na mesma es-
cola, o Curso Normal Pós-Médio. Fiz a prova e passei. Iniciei
20
o Curso Normal no ano de 2005. Aos poucos, fui percebendo
que o que eu realmente gostaria de seguir era a docência. Du-
rante o período do Curso, tive muito contato com alunos dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, na escola em que cursei,
e com o Jardim de Infância em uma escola particular onde fui
professora por mais ou menos um ano.
E então a Faculdade...
Tem pessoas que a gente
Não esquece, nem se esquecer
O primeiro namorado
Uma estrela da TV
Personagens do meu livro
De memórias
Que um dia rasguei
Do meu cartaz
Entre todas as novelas
E romances
De você me lembro mais...
No início de 2007, resolvi fazer um curso pré-vestibular, pois
queria muito fazer Faculdade de Pedagogia. Havia me formado no
Magistério no ano anterior, mas não queria parar de estudar. Prepa-
rei-me muito para as provas, realizei o ENEM antes do vestibular
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Eu
precisava passar em um dos dois, pois não teria condições de
custear as mensalidades de uma Universidade particular.
Para minha surpresa, em meados de novembro de 2007
saiu o resultado de que eu tinha conseguido bolsa integral do
PROUNI (Programa Universidade para Todos) no curso de Pe-
dagogia da PUC/RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul). A inscrição era até o primeiro dia de fevereiro.
Esperei, então, sair o listão da UFRGS, pois quem sabe teria
passado. E foi o que aconteceu, passei na UFRGS! Nem acre-
ditei quando vi meu nome na lista. Minha mãe e eu choráva-
mos muito de pura felicidade, pois meu sonho se concretizou.
SOUZA, A. P. R. de • Memórias de um sonho
21
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
Iniciei na UFRGS no segundo semestre de 2008, e já no
primeiro dia descobri que, naquela semana, aconteceria o fa-
moso “trote”. No início eu não queria participar, mas depois
pensei e resolvi entrar no clima, pois, afinal, só se é BIXO uma
vez. Todos os professores nos recepcionaram muito bem, ex-
plicaram nossas dúvidas e tiraram um pouco da nossa ansieda-
de. Cada disciplina, à sua maneira, vem contribuindo um pou-
co para minha formação. Todos os professores, sem exceção,
são muito didáticos e competentes. Aprendi e continuo apren-
dendo muito com cada um deles.
No mesmo semestre em que iniciei a graduação, fui sele-
cionada para trabalhar como bolsista no Programa Incluir, sob
a coordenação da professora Adriana Thoma. Trabalhei por
um ano e meio na Escola Técnica auxiliando a Alessandra,
uma moça deficiente visual. Com o auxílio do scanner, fabri-
cava todas as matérias de aula em áudio, pois ela ainda não
sabia ler em braille. Essa bolsa me proporcionou um grande
aprendizado e experiência na área da Educação Especial.
No final de 2009, me inscrevi para a seleção de uma bol-
sa de Iniciação Científica no Núcleo de Estudos em Políticas
de Inclusão Escolar – NEPIE sob a coordenação do professor
Claudio Baptista. Passei, e iniciei o trabalho em janeiro do ano
seguinte. Trabalhando no NEPIE, pude participar de um gru-
po de pesquisa muito ativo. Aprendi muito com todos os inte-
grantes e, assim, fui aprimorando uma das características da
docência: a pesquisa. Aprendi que esta deve caminhar lado a
lado com a docência na sala de aula. No entanto, nesta bolsa
eu não tinha contato direto com a escola.
Em fevereiro de 2011, deixei a bolsa de Iniciação Cientí-
fica e fui estagiar em uma escola de idiomas. Nesta escola não
pude exercer nenhuma atividade pedagógica, pois fazia tarefas
administrativas e até mesmo serviços bancários. Depois de um
mês, saí dessa escola e participei da seleção para bolsista do Pro-
grama Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID,
22
sob a coordenação das professoras Maria Aparecida Berga-
maschi e Dóris Bittencourt Almeida. Passei na seleção, e hoje
atuo como bolsista junto com 14 colegas. Nesta bolsa estou con-
seguindo unir a sala de aula à pesquisa. Trabalho uma vez por
semana com alunos do Ensino Fundamental em uma escola es-
tadual. Ressalto que não trabalho sozinha, pois faço parte de um
grupo que trabalha na perspectiva da docência compartilhada:
fazemos os planejamentos dos encontros e os aplicamos juntos.
A experiência no PIBID não termina na sala de aula, vai
além dela; ou seja, temos formações com as professoras coor-
denadoras, com as colegas “pibidianas” e com convidados, sem-
pre pensando em uma maior qualificação de nosso trabalho.
Estudamos a temática indígena e afro-brasileira, buscando con-
templar a lei 11.645/2008, que criou a obrigatoriedade deste
ensino nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.
Participamos, também, de eventos acadêmicos, onde
apresentamos nossos trabalhos, e estamos organizando um
curso de extensão para professores e graduandos das licencia-
turas. Participar deste grupo de Iniciação à Docência é uma
vivência que considero única, pois, além do trabalho com a
docência compartilhada que possibilita aprender mais sobre
mim como professora e sobre meus colegas, tenho a possibili-
dade de estar à frente de projetos, junto com o grupo, e para
isso, talvez, eu não tivesse oportunidade durante a Faculdade.
Considerações sem fim...
Desenhos que a vida vai fazendo
Desbotam alguns, uns ficam iguais
Entre corações que tenho tatuados
De você me lembro mais
De você não esqueço jamais...
Penso que um memorial nunca tem fim. Não consigo
imaginar como terminar essa escrita, mas, então, termino es-
crevendo sobre algumas expectativas e alguns acontecimentos
SOUZA, A. P. R. de • Memórias de um sonho
23
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
para o futuro. Pretendo me especializar na Educação Infantil e
não quero parar de estudar, porque acredito que nunca estarei
totalmente “formada”. Ao longo da vida profissional, sempre
estarei refletindo e me aperfeiçoando cada vez mais. Quero tra-
balhar em alguma escola de Educação Infantil na Rede Muni-
cipal de Porto Alegre, se possível no Jardim de Infância, que é
a minha paixão. A faixa etária entre os 4 e 6 anos me encanta,
pois observo que, além de virem para a escola com muitas ex-
pectativas, as crianças estão curiosas, mais do que já são, para
aprender de tudo.
Neste último semestre vivenciei a experiência da docência
intensamente, pois realizei meu estágio curricular obrigatório.
Para minha surpresa, a Creche também trabalha na perspectiva
da docência compartilhada, da mesma forma que o PIBID Pe-
dagogia, como já citei anteriormente. E, além disso, me descobri
como professora de crianças menores e percebi o quanto a pro-
fissão que escolhi pode ser prazerosa e gratificante.
Após o estágio curricular obrigatório,fui contratada para
trabalhar como professora na Creche Francesca Zacaro Fara-
co, mais conhecida como a Creche da UFRGS, onde realizei o
estágio. Continuo na mesma turma do estágio curricular obri-
gatório – o Jardim A – e estou muito feliz.
Como diz o subtítulo “Considerações sem fim...”, pen-
so que a vida está em constante transformação; novidades
acontecem todos os dias, e que bom que acontecem! Por isso,
quero terminar escrevendo que certamente irei levar na baga-
gem, para minha vida, todas as aulas, leituras, enfim, todo o
aprendizado que tive até o momento em minha caminhada
acadêmica pela constituição como professora-pesquisadora,
sempre ensinando e, principalmente, aprendendo e, se possí-
vel, junto das crianças.
24
Pedagogia por opção
Michelle Zilli Monsú4
Através da memória, não só o passado
emerge, misturando-se com as percepções
sobre o presente, como também desloca esse
conjunto de impressões construídas pela
interação do presente com o passado que
passam a ocupar todo o espaço
da consciência.
(Ecléa Bosi).
Meu nome é Michelle Zilli Monsú, sou estudante do curso
de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS – e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência – PIBID. Este programa propicia o exer-
cício da docência, procurando aliar constantemente a teoria
com a prática, não dissociando o aluno, futuro professor, do
pesquisador. O PIBID Pedagogia da UFRGS tem como enfo-
ques teóricos a alfabetização e letramento e a temática indíge-
na, auxiliando dessa forma na implementação da Lei 11.645/
2008, que trata da obrigatoriedade do ensino da história e cul-
tura indígena, nas modalidades de Ensino Fundamental e Mé-
dio, público e privado.
Participar do PIBID está sendo uma experiência única.
Além de todo o aprendizado teórico, com as leituras, reuniões,
reflexões em grupo, formações, palestras e saídas de campo,
4 Acadêmica de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
– PIBID.
25
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
aprendemos a docência compartilhada, a fazer planejamentos,
a trabalhar em grupo, a gerenciar nosso próprio trabalho, a li-
dar com as diferenças dentro do próprio grupo. Não posso dei-
xar de mencionar também as diversas oportunidades propicia-
das pelo programa, como escrever e publicar artigos, participar
de eventos, apresentar trabalhos e vivenciar a realidade das es-
colas públicas.
Logo que terminei o Ensino Médio, na época Segundo
Grau, ingressei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.
Passei algum tempo insatisfeita com o curso, mas foi no sexto
semestre que percebi que realmente não queria ser arquiteta.
Não é fácil abandonar uma Faculdade, principalmente quando
não se sabe que outra carreira seguir e quando se vem de uma
família que valoriza muito o estudo. Desde pequena sempre
ouvi dos meus pais que a minha única obrigação era estudar.
Eles passaram por várias privações para que eu e minhas duas
irmãs pudéssemos estudar em uma escola particular que eles
consideram de qualidade, afirmando que, mais do que qual-
quer bem material, uma boa educação é a melhor herança que
poderiam nos dar, pois essa não se perde, não se desvaloriza e
ninguém pode tirar de nós.
Decidida a abandonar a Arquitetura, resolvi fazer uma
viagem, para pensar sobre o rumo que daria à minha vida.
Como conhecer Florença, na Itália, sempre foi um sonho meu,
guardei dinheiro para isso desde o primeiro semestre de Facul-
dade, quando comecei a estagiar. A quantia que eu tinha não
era suficiente, e minha irmã, que na época cursava Pedagogia,
sugeriu que eu me candidatasse a uma vaga na escola onde ela
trabalhava, pois estavam precisando de uma funcionária vo-
lante. Foi o que fiz. E foi a melhor coisa que eu poderia ter
feito: foi ali que me apaixonei pela área da educação, pelas
crianças e pelo ambiente escolar.
Toda vez que relembro essa história, penso em como o
mundo dá voltas, em como alguns fatos da vida são irônicos,
26
em como mudamos com o passar do tempo. Digo isso porque
quando minha irmã começou a cursar Pedagogia, eu a desde-
nhava, fazia piadinhas sobre ela ser “professorinha de crianci-
nhas” ou a “tia chata do SOE”. Eu não entendia por que al-
guém precisava cursar uma Faculdade só para cuidar de crian-
ças e, pior, para ser mal remunerada em uma profissão desvalo-
rizada na nossa sociedade. Hoje eu entendo. Vejo a educação
com outros olhos, e com o coração.
Fiquei trabalhando como volante na escola de março a
agosto; em setembro viajei para a Itália, onde morei por um
ano. De volta ao Brasil, fui aprovada no vestibular para Peda-
gogia e fiz um curso de educadora assistente. Voltei a trabalhar
na mesma escola onde tudo começou, e, após dois anos de tra-
balho, fui professora titular de uma turma de Berçário II, que
compreende crianças de 1 a 2 anos de idade. Eu amo o meu
trabalho, adoro aquilo que faço e não me imagino em outra
profissão. Só saí da escola para poder fazer parte do PIBID. Já
tinha pensado em aceitar uma bolsa de iniciação científica, mas
desisti da ideia, pois não queria me afastar do ambiente esco-
lar. E essa, para mim, é a vantagem do PIBID: nós fazemos
pesquisa, formação, apresentamos trabalhos, escrevemos arti-
gos, mas também atuamos na escola.
Esse ano em que eu morei na Itália foi muito importante
para meu crescimento, amadurecimento. Foi um ano de mui-
tas aprendizagens, uma nova língua, novas culturas, novos
modos de vida, outras formas de relação entre as pessoas.
Aprendi que quando estamos longe de todos aqueles que nos
conhecem, que compartilham das mesmas coisas nas quais acre-
ditamos, é que realmente nos conhecemos. É quando temos
que nos afirmar como pessoas que descobrimos quem somos e
tudo aquilo de que somos capazes. Aprendi muito estando lon-
ge, tive que “me virar sozinha”, ser responsável por mim mes-
ma, sem porto seguro para onde correr se algo desse errado.
Tive que colocar em prática tudo que aprendi em casa durante
MONSÚ, M. Z. • Pedagogia por opção
27
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
a minha vida, ser responsável, ter comprometimento, ser ho-
nesta, batalhar por aquilo que quero, não fazer “corpo mole”,
assumir a responsabilidade pelos meus atos, ser flexível, dar
valor a mim mesma e, principalmente, nunca fechar uma porta
atrás de mim nos caminhos que percorri. Posso dizer que, de
tudo o que aprendi, o mais importante foi aprender a dar valor
àquilo que eu já sabia. Meus pais dizem que a educação é a
melhor herança que podem nos deixar. Com essa afirmação,
talvez estejam se referindo a uma educação escolar. Eu concor-
do com eles, mas devo acrescentar ao conceito de educação os
valores que eles me ensinaram. Sem eles de nada valeria mes-
mo a melhor educação escolar que possa existir.
Muitas vezes me perguntei por que demorei tanto para
descobrir o que eu queria fazer. Se tivesse escolhido o curso de
Pedagogia logo que saí da escola, eu já poderia estar formada.
Esse é um fato que me incomoda; tenho 29 anos e ainda estou
na Faculdade. Não tenho nada contra ser mais velha e estar
estudando. Tenho várias colegas, até com mais idade do que
eu, mas todas porque não tiveram oportunidade de concluir
seus estudos antes por diversos motivos da vida. Eu, às vezes,
me sinto em dívida por ter tido todas as oportunidades de estu-
dar e, mesmo assim, ainda não ter me formado.
Gosto de pensar que talvez tenha sido melhor assim. Que
talvez eu não estivesse pronta, ou madura o suficiente. Que
precisasse de todas as vivências e experiências que tive para
poder aproveitar e dar o devido valor ao curso e a essa profis-
são, como hoje faço. Acredito que os fatos em nossas vidas
acontecem no momento certo. Assim tem sido para mim. As-
sim foi a minha entrada no PIBID.
Certa vez, vi um discurso que Steve Jobs, um dos criado-
res da Apple, fez aos formandos da Universidade Stanford no
ano de 2005, do qual transcrevo algumas partes:[...] As coisas acontecem na nossa vida por uma razão, você
não consegue conectar os fatos olhando para a frente. Você
28
só pode conectá-los quando olha para trás. Então tem que
confiar que os fatos de alguma forma vão se conectar em seu
futuro. Você tem que acreditar em alguma coisa – seu Deus,
sua garra, destino, vida, carma ou o que quer que seja. Por-
que acreditar que os fatos vão se ligar em algum momento
vai lhe dar a confiança para seguir seu coração, mesmo que
leve você para um caminho diferente do previsto, e isso fará
toda a diferença.
[...] Às vezes, a vida bate com um tijolo na sua cabeça. Não
perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me
permitiu seguir adiante foi o meu amor pelo que fazia. Você
tem que descobrir o que você ama. E isso vale tanto para o
seu trabalho quanto para as pessoas que você ama. Seu traba-
lho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única
maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acre-
dita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um
excelente trabalho é amar o que você faz. Se você ainda não
descobriu o que é, continue procurando. Não sossegue. As-
sim como todos os assuntos do coração, você saberá quando
encontrar. E, como em qualquer grande relacionamento, só
fica melhor e melhor à medida que os anos passam. Então
continue procurando até você achar. Não sossegue.
[...] Quando eu tinha 17 anos, li uma frase que era algo assim:
“Se você viver cada dia como se fosse o último, um dia ele
realmente será o último.” Aquilo me impressionou, e desde
então, nos últimos 33 anos, eu olho para mim mesmo no es-
pelho toda manhã e pergunto: “Se hoje fosse o meu último
dia, eu gostaria de fazer o que farei hoje?” E se a resposta é
“não” por muitos dias seguidos, sei que preciso mudar algu-
ma coisa. O seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo
a vida de um outro alguém. Não fique preso pelos dogmas,
que é viver com os resultados da vida de outras pessoas. Não
deixe que o barulho da opinião dos outros cale a sua própria
voz interior. E o mais importante: tenha coragem de seguir o
seu próprio coração e a sua intuição. Eles de alguma maneira
já sabem o que você realmente quer se tornar. Todo o resto é
secundário.
Identifiquei-me tanto com esse discurso que parecia que
ele havia sido escrito para mim. Desde que decidi cursar Peda-
gogia, sinto que os fatos estão se conectando na minha vida,
MONSÚ, M. Z. • Pedagogia por opção
29
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
me sinto feliz, realizada, sinto que meu percurso até aqui teve
um sentido. Eu sei, por experiência, que não se pode ser feliz
na vida quando não se ama o que se faz profissionalmente. Sou
muito grata por ter descoberto em tempo o que amo fazer, e
acredito que isso seja um privilégio. Quantas pessoas passam a
vida procurando e não encontram uma profissão que realmen-
te as realize? Hoje, quando acordo e me pergunto: “Se hoje
fosse o meu último dia, eu gostaria de fazer o que farei hoje?”,
a resposta é sim, eu definitivamente gostaria. Ir à Faculdade
para aprender sobre o que realmente me interessa, estar na es-
cola com as crianças, ir às reuniões do PIBID, tudo isso são
presentes da vida, são “os fatos se conectando”, é o meu per-
curso começando a fazer sentido.
Foi quando eu cursava a disciplina História da Educação
no Brasil, com a professora Maria Aparecida Bergamaschi, que
tive contato com um pouco da cultura indígena Guarani. Ao
mesmo tempo em que fiquei encantada com o tema, também
fiquei perplexa ao perceber que não sabia nada a respeito. Ques-
tionei-me por que nunca estudei nada disso na escola e o que
está sendo feito para reverter essa situação. Em resposta aos
meus questionamentos, a professora me apresentou o PIBID.
Ao conhecer e me apaixonar pela proposta, me candidatei a
uma vaga e fui aceita, e é onde permaneço atualmente.
O PIBID é um presente para mim, é praticamente uma
segunda família. Família mesmo, com seus prós e seus contras.
É lá que, quase diariamente, nós nos encontramos, conversa-
mos, debatemos, escrevemos, planejamos, refletimos, nos apoia-
mos, trocamos experiências, dicas, conselhos e confortos. E
como em toda família, é lá também que surgem as divergências
de opiniões, os conflitos... E não é maravilhoso? É justamente
quando todos não concordam, quando temos outra opinião,
outra visão, que fazemos o exercício de dialogar. Aprendemos
a expor nossas opiniões de forma clara e bem argumentada, a
ouvir e refletir sobre as opiniões e argumentos dos outros, apren-
30
demos que podemos mudar de opinião, que não existe verdade
absoluta, a compreender o outro como ele é. Tudo isso nos
tornou cada vez mais unidos enquanto grupo, tudo isso nos
tornou verdadeiramente um grupo. E é por tudo isso que posso
dizer que esse grupo, para mim, é como uma família do cora-
ção.
Referências bibliográficas
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças dos velhos. 3. ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
Discurso Steve Jobs. Disponível em: http://www.youtube.com/
watch?gl=BR&v=dXzjRLee9Wg; acesso em: 03/01/2012.
MONSÚ, M. Z. • Pedagogia por opção
31
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
A beleza de ser uma eterna aprendiz5
Naira Gislaine Cooper Carvalho6
Somos a memória que temos e a responsabi-
lidade que assumimos.
Sem memória não existimos, sem responsabi-
lidade talvez não mereçamos existir.
(José Saramago).
Meu nome é Naira e quero contar a você um pouco de
minha história de vida, quem sou, como sou, o que me fez ser
como sou hoje. O relato de minha trajetória de vida está emba-
lado por algumas trilhas sonoras. E é nesse diálogo, entre tre-
chos de músicas significativas e vivências, que apresento meu
memorial. Para começar, farei um pequeno retrospecto a par-
tir da história de vida de meus avós maternos, “os Gontard”, e
avós paternos, “os Cooper”.
Meu avô materno se chamava José Rodrigues Gontardo
e nasceu em Portugal, mais precisamente na Ilha da Madeira.
Quando jovem, por volta dos 17 anos, saiu de Portugal, pois
não queria servir ao exército – que possuía um sistema muito
rígido. Viajou de navio para o Brasil. Aqui chegando, conheceu
uma moça chamada Gasparina de Oliveira, com quem se casou
e teve cinco filhos, Marina, Alda, Pedro, Adão e minha mãe, que
se chama Aurora. Moravam em uma chácara e plantavam ver-
duras com a ajuda de alguns empregados e dos filhos mais ve-
5 Paráfrase da música “O que é? O que é?”, de Gonzaguinha.
6 Acadêmica de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
– PIBID.
32
lhos. Minha mãe ajudava minha avó no cuidado dos dois ir-
mãos mais novos, além de auxiliar meu avô na plantação, na
colheita e na venda da produção. Lembro-me até hoje do sota-
que português de meu avô: “ora pois”.
Sobre meus avós paternos, lembro-me de pouca coisa,
porque convivi muito pouco com eles. Chamavam-se Arthur
Cooper e Maria Aldina Borges. Eles moravam em Rosário do
Sul, tiveram nove filhos, sendo que meu pai era o único filho
homem. Quanto aos meus pais, um belo dia, minha mãe foi a
um baile e lá conheceu meu pai. Ele convidou-a para dançar,
logo começaram a namorar e, posteriormente, casaram-se. Ti-
veram quatro filhos, que se chamam Jean, José, Jerre e Naira –
sim, eu mesma.
Família! Família! Papai, mamãe, titia
Família! Família! Almoça junto todo dia, nunca perde essa
mania...7
Meus pais sempre trabalhavam muito, mas tínhamos uma
vida simples. Na véspera da Páscoa, depois que todos os filhos
já dormiam, minha mãe pintava pegadas de coelho pela casa,
para que, no dia seguinte, eu e meus irmãos fossemos descobrir
onde estavam escondidos os ovos de Páscoa. Minha mãe é um
referencial de mulher batalhadora e guerreira, que me serve de
inspiração e exemplo, e me apoia até hoje. Se hoje cheguei até
aqui, é porque ela me incentivou muito e, mesmo que não te-
nha tido as mesmas oportunidades que tive para estudar – co-
meçou a trabalhar com seus pais quandoainda era criança –,
apostou na importância dos estudos para o futuro de seus fi-
lhos. Além disso, é exemplo de pessoa bondosa, ética, com um
grande coração e uma incrível paixão pelos animais.
A chácara de meu avô era enorme e se tornava ainda
maior na visão de uma criança. Lembro-me das brincadeiras
7 Música: Família – Titãs.
CARVALHO, N. G. C. • A beleza de ser uma eterna aprendiz
33
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
de esconde-esconde, pular corda, dançar bambolê, dos amigos
imaginários e de rolar na grama: era pura diversão! São muitas
as recordações felizes desse período... Como os recursos mate-
riais eram escassos, com poucos brinquedos, usávamos muito
a imaginação e nossa criatividade. Eu e meus três irmãos, Jean,
“Zé” e Jerre – fiéis companheiros, os três mosqueteiros –, sen-
távamos no sofá da sala para assistir aos desenhos animados
na televisão. Ficávamos com os olhos esbugalhados, rindo à
toa, ao ver aos desenhos do Perna Longa, Pica-Pau, Scooby-
Doo e A Pantera Cor de Rosa.
Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo,
E com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo...8
Cursei o Ensino Fundamental na Escola Estadual Isabel
de Espanha, em Viamão, que ficava quase em frente à nossa
chácara. Com a turma da escola, fazia visitas ao Parque Saint
Hilaire, e observávamos a natureza, para depois usá-la como tema
de desenhos e pinturas. Lembro-me das peças de teatro e dos
jograis9 organizados pelas professoras. Em um desses jograis, em
que representávamos as flores de um jardim, eu era a Margari-
da; embora fosse um pouco tímida, adorava participar destas
atividades. Uma das melhores coisas da escola eram as idas à
biblioteca. Gostava muito de ler livros de histórias infantis, com
desenhos coloridos, transportando-me para outros mundos.
Sempre que havia alguma data comemorativa, como o
Dia do Índio, Dia do Soldado, Dia da Árvore, por exemplo, a
professora realizava atividades relacionadas a estes dias. Atual-
mente – graças aos estudos feitos no PIBID com a professora
“Cida” (Maria Aparecida Bergamaschi) – percebo quão inade-
quados eram os trabalhos em relação ao Dia do Índio, uma vez
8 Música: Aquarela – Toquinho.
9 Jogral é semelhante a um coral, mas a apresentação é feita em determinada
ordem, conferindo ritmo à declamação.
34
que serviam mais para reforçar estereótipos do que ensinar so-
bre a cultura e a realidade dos mesmos. Guardo muitas recorda-
ções boas da escola. Penso que daí venha meu carinho pela Pe-
dagogia, pois tive boas professoras e um bom ambiente escolar.
Quanto às minhas professoras, mesmo trabalhando em uma es-
cola pública, cuja remuneração não era adequada, percebia-se
nelas muita dedicação, carinho e atenção para com os alunos.
Somos quem podemos ser, sonhos que podemos ter.10
Durante a adolescência, eu era fã do grupo “Menudos”.
Todos os sábados, eu e minhas amigas nos reuníamos para as-
sistir a um programa na TV dedicado a eles. E quem não lem-
bra da paquera na escola, das confidências com as amigas, as
poesias, trocar letras de músicas da “Legião Urbana” e “Para-
Lamas do Sucesso”? Algo inesquecível que aconteceu nesta fase
de minha vida foi ir com meu irmão Jean a um show da Legião
Urbana, em Porto Alegre, no Gigantinho11. Naquela época
gostava do grupo, mas não era tão fã. Depois de algum tempo,
fui conhecendo as letras e o trabalho do grupo, e, ainda hoje, a
Legião Urbana é uma das bandas brasileiras de que mais gosto,
e que certamente marcou não apenas minha juventude, mas a
de grande parte dos jovens que vivenciaram as décadas de 1980-
1990.
A minha escola não tem personagem
A minha escola tem gente de verdade.12
O primeiro filme a que assisti no cinema foi “Na Monta-
nha dos Gorilas”, quando cursava o 1° ano do Ensino Médio.
A escola havia proporcionado este presente a todos os alunos.
Foi muito bom. O filme conta a luta da antropóloga norte-ame-
10 Música: Somos quem podemos ser – Engenheiros do Hawaii.
11 Ginásio esportivo que faz parte do complexo pertencente ao Sport Club
Internacional, de Porto Alegre.
12 Música: Vamos fazer um filme – Legião Urbana.
CARVALHO, N. G. C. • A beleza de ser uma eterna aprendiz
35
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
ricana Dian Fossey para preservar da extinção os gorilas que
viviam em uma montanha em Ruanda e eram caçados indis-
criminadamente. Afeiçoei-me ao gorila chamado Dedo e fiquei
perplexa com esta cruel realidade.
Durante o Ensino Médio, realizei muitos trabalhos de
pesquisa. Um destes trabalhos fez com que eu ficasse muito
tempo sem comer salgadinhos e bolachas recheadas, pois a pes-
quisa era sobre produtos químicos presentes em gêneros ali-
mentícios, tais como: estabilizantes, acidulantes, antioxidan-
tes, entre outros. Ao saber que estes produtos poderiam, ao lon-
go do tempo, causar danos à saúde, passei a abominá-los. Bem,
mas não podemos ser tão radicais assim; então, passado algum
tempo, voltei a consumi-los.
Quando o sol bater na janela do teu quarto,
Lembra e vê que o caminho é um só.
Por que esperar se podemos começar tudo de novo, agora
mesmo?13
Já adulta, estava à procura de emprego após concluir o
Ensino Médio, mas o mercado de trabalho exigia experiência
profissional e cursos de aperfeiçoamento, entre outras coisas.
Resolvi fazer o curso de Auxiliar de Escritório no SENAC14 –
que era dividido em setor financeiro, administrativo e comer-
cial. A busca por um emprego continuava, até que, um belo
dia, surgiu uma senhora à minha procura. Ela perguntou-me
se poderia dar algumas aulas particulares para sua filha Eleni-
ce, de 9 anos, que cursava a 3ª série do Ensino Fundamental e
estava com dificuldades de aprendizagem. Após refletir sobre a
proposta, aceitei o desafio, e, para minha surpresa, não demo-
rou muito a surgirem outros alunos. Durante um ano, dei au-
las de segunda a sábado, das 13 às 19 h. Acredito que essa
experiência, alguns anos mais tarde, foi muito importante para
13 Música: Quando o sol bater na janela do teu quarto – Legião Urbana.
14 Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, referência em cursos na época.
36
minha escolha do curso de Pedagogia. Foi uma fase gratifican-
te para mim, durante a qual ensinei muitas coisas a estas crian-
ças e também aprendi muito com elas.
Com o passar do tempo, fui trabalhar em uma imobiliá-
ria, no setor de locação de imóveis, e, por esse motivo, tive que
abandonar as aulas particulares. Trabalhei durante quatro anos
nesta empresa, mas, devido ao baixo salário, solicitei desliga-
mento da mesma. Nesse período, trabalhava durante o dia e
fazia curso pré-vestibular à noite. Nas horas vagas, gostava de
escutar música, ir ao cinema com as amigas, passear, ler livros,
ficar na companhia de minha família, enfim, procurava apro-
veitar da melhor maneira possível o tempo disponível. Foi nes-
ta mesma época que conheci uma pessoa muito especial em
minha vida, que se chama Élcio. Começamos a namorar e de-
pois noivamos. Prestei as provas de vestibular na UFRGS15,
para o curso de Letras, mas, infelizmente, não passei em meu
primeiro vestibular.
 Passado algum tempo, já estava trabalhando em outra
imobiliária, onde era responsável pelo setor de arquivo. Atuei
durante três anos nesta empresa. Embora eu gostasse de traba-
lhar na área administrativa, sentia muita vontade de voltar a
dar aulas, lembrando-me da experiência que tive com as aulas
particulares e do que vivenciei no Ensino Fundamental.
Ainda que eu falasse a língua dos homens
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.16
Élcio e eu resolvemos nos casar. Passamos a lua de mel
em Gramado e Canela – presente dado por nossos padrinhos
de casamento.
Você não sabe o quanto eu caminhei, pra chegar até aqui.17
15 Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
16 Música: Monte Castelo – Legião Urbana.
17 Música: Estrada – Cidade Negra.
CARVALHO, N. G. C. • A beleza de ser uma eterna aprendiz
37
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
Cursei espanhol durante trêsanos no NELE (Núcleo de
Ensino em Língua Estrangeira) da UFRGS, concluindo meus
estudos em 2007. Em 2008, passei no concurso vestibular da
UFRGS para o curso de Pedagogia. Iniciei meus estudos na
Faculdade e, ao final do primeiro semestre, contraí pneumo-
nia, o que me obrigou a solicitar licença-saúde: fiz os últimos
trabalhos literalmente na cama. Foi um período bem difícil para
mim. Tive a doença de modo muito grave, pois o médico que
me tratava afirmava que era uma virose, e só descobri a verda-
de após ir parar na emergência de um hospital. Felizmente,
pude contar com dois anjos em minha vida: minha mãe e meu
marido – duas pessoas que admiro muito.
Atualmente estou no sexto semestre do curso e sou bol-
sista do PIBID, desde o mês de maio de 2010, início do projeto.
Diariamente, são muitas as tarefas – leituras, pesquisas, pales-
tras, seminários e debates –, mas estou muito feliz e orgulhosa
por estar vinculada ao projeto, trabalhando com pessoas do
mais alto nível – tanto pessoal quanto profissional –, além de
estar estudando em uma Universidade pública de qualidade.
Para mim, um sonho realizado.
O PIBID me proporciona diversas aprendizagens por
meio do convívio com a realidade escolar e com a docência
compartilhada. Fazer parte deste grupo é algo que considero
um privilégio para mim. O planejamento das atividades é feito
pelo grupo, o que nem sempre é fácil, pois cada pessoa tem seu
estilo, seu modo de pensar. Às vezes acontecem pequenas di-
vergências, mas que servem para nosso amadurecimento, tan-
to pessoal como profissional.
Em 2010, meu grupo trabalhou com a história pessoal
dos alunos, temática ligada à memória, na escola Dinah Néri
Pereira. Em 2011, no primeiro semestre, desenvolvemos a te-
mática indígena na Escola Estadual Presidente Roosevelt. Fo-
ram realizadas diversas atividades servindo como recursos para
o aprendizado da história e cultura dos povos indígenas: conta-
38
ção de histórias, cartazes, práticas culinárias com comidas típi-
cas, jogos e brincadeiras de origem indígena, além de confecção
de peças de artesanato. Nossa intenção foi abordar a história
pela visão dos povos originários do nosso país, visando à com-
preensão de que a nossa sociedade traz muitas heranças cultu-
rais indígenas.
Trabalhar com a temática indígena foi uma das coisas mais
gratificantes do PIBID, porque mudou minha visão em relação à
realidade e à cultura dos povos indígenas, pois, além do estudo
teórico, pude conviver e dialogar com integrantes dos povos Gua-
rani e Kaingang. Com estes povos aprendi coisas importantes não
apenas para minha vida acadêmica, mas para minha vida pessoal.
Admiro a maneira como respeitam a natureza, os mais velhos, a
oralidade, a autonomia da criança e a visão destes povos em rela-
ção à educação: todos os momentos são considerados como de
aprendizagem/educação, diferentemente de nossa sociedade, que
valoriza como educação apenas aquele momento em que o ensi-
no é passado de modo formal em uma sala de aula.
Em março de 2011, participei do III Encontro Interinsti-
tucional do PIBID-UFRGS, e, em agosto do mesmo ano, par-
ticipamos da XVII Jornada de Ensino de História e Educação,
na UNIPAMPA18 Jaguarão; foi uma experiência incrível. Já
no segundo semestre de 2011, trabalhamos a temática afro, apre-
sentando como os negros chegaram ao Brasil, bem como sua
influência em nossa cultura, em nosso idioma e em nossa culi-
nária. Realizamos diversas atividades com o intuito de mos-
trar essa influência: realizamos contação de história com o
livro “O cabelo de Lelê”, mostramos a história “Bruna e a
galinha d’angola”, confeccionamos artesanato, apresentamos
a capoeira, entre outras coisas.
18 Universidade Federal do Pampa.
CARVALHO, N. G. C. • A beleza de ser uma eterna aprendiz
39
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
A profissão de educador exige que saibamos muitas coi-
sas, estejamos em constante aperfeiçoamento e busquemos as
respostas aos questionamentos que aparecem. Ser professor é
ter a consciência da missão importante que temos perante a
sociedade, exercendo o papel de investigador e pesquisador,
preocupados com a formação de um aluno cidadão, e o PIBID
tem me possibilitado exercer estes papéis.
Você verá que é mesmo assim, que a história não tem fim
Continua sempre que você responde sim à sua imaginação
A arte de sorrir cada vez que o mundo diz não.19
Algumas vezes era muito cansativo conciliar as atividades
do PIBID com as demandas da Faculdade e as outras tarefas do
dia a dia, mas acredito que valeu a pena. Acredito que o PIBID
me possibilitou uma vivência maior com a docência. Nele eu
consegui aliar prazer e trabalho, e os contatos com a escola, os
professores e, é claro, com os alunos, foram momentos de gran-
de alegria e satisfação que guardo com muito carinho.
Nesta caminhada tive tropeços e quedas, aprendi que não
existem receitas prontas para nossa profissão. Deixei de lado
os preconceitos, os medos e as incertezas, enfim, acredito que
amadureci como pessoa e como futura educadora. Sou uma
pessoa que adora estar na companhia da família e amigos, gos-
ta de ir ao cinema, assistir a um filme em DVD, apreciar a na-
tureza, os animais, as crianças; enfim, poderia escrever mil coi-
sas de que gosto, mas acredito que estar na companhia das pes-
soas que amo, ter saúde e paz de espírito são coisas que não
têm preço para mim.
Contei a você um pouco de minha vida, quem sou, como
sou e o que me fez ser quem sou hoje. E você, já parou para
pensar quem é você?
19 Música: Brincar de viver – Maria Bethânia.
40
Uma história com final feliz
Simone Silveira20
A câmera sobrevoa o pátio da escola. Vai se aproximando, crianças
em círculo de mãos dadas, uma das meninas sai do círculo, caminha
e pergunta a um dos adultos presentes:
– Prof., posso ir ao banheiro?
Nesse momento, close no rosto do adulto, que demonstra em um pri-
meiro momento surpresa e em seguida felicidade; iluminação forte,
inicia a trilha com uma música intensa que identifique bem o instan-
te de vitória, pode ser Queen ou Elgar, ou ainda o som de fogos de
artifício....
Tentei descrever de forma cinematográfica o dia 9 de ju-
nho de 2011, o momento descrito acima, linha de chegada e
ponto de partida. Chegada porque, até me decidir por Pedago-
gia, iniciar a bolsa do PIBID e poder ser chamada de professo-
ra, muita coisa aconteceu. Partida pois é o momento inicial de
uma carreira. Bom, mas essa história iniciou há muito tempo,
para ser mais exata, há 34 anos.
Do começo
É impossível contar a minha história sem passar pela his-
tória dos meus pais. Eles se conheceram em Tramandaí, du-
rante uma excursão. Gosto de pensar que sou apaixonada pelo
mar e por praia em virtude desse encontro deles no litoral. Apai-
xonaram-se de cara, decidiram ter um filho e, então, eu vim ao
mundo. Minha avó contava que minha mãe precisou fazer tra-
20 Acadêmica de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
UFRGS. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
– PIBID.
41
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
tamento para poder engravidar. Nasci em 1977, logo no segun-
do dia do ano. Não sei dizer exatamente quanto tempo fiquei
com meus pais; sei que foi pouco tempo. Meu pai não conse-
guiu dar conta da minha mãe e de mim e optou por não conti-
nuar mais vivendo; minha mãe ficou muito triste, não sei dizer
o porquê, mas ela foi internada em uma instituição psiquiátri-
ca e acabou passando a vida toda lá. Eu a visitava quando era
criança; quando fiquei adulta, ficou um pouco mais difícil li-
dar com isso, mas, mesmo assim, algumas vezes fui até ela, que
sempre me recebeu muito bem e, dentro de suas possibilidades,
gostava de demonstrar que era minha mãe. Durante grande
parte da infância, fiquei morando com minha avó materna, até
os 9 anos de idade.
Esses foram os melhores anos da infância. Morávamos
em uma casa com um pátio bem grande, cheio de árvores frutí-
feras. Eu brincava bastante e fazia muita “arte”,como minha
vó costumava dizer, como quando tirei a roupa toda em frente
à casa e, usando a tinta de uma lata que havia sido esquecida,
pintei o corpo inteiro de tinta a óleo marrom. Ou como quan-
do, para ajudar nas tarefas domésticas, encerei a casa com mar-
garina. Afinal, via o esforço que a minha avó fazia para dar
brilho ao chão com os panos de lustro. Quando penso nessa
época e em minha avó, lembro que dormíamos em camas se-
paradas, porém passávamos a noite toda de mãos dadas e te-
nho a certeza do amor incondicional que mantínhamos mutu-
amente. A saudade é grande.
Gremista desde sempre, nunca gostei do vermelho. Que-
ria muito uma bicicleta, e tinha pavor de pensar que a bicicleta
não fosse azul. Mas minha vontade foi feita, e um belo dia mi-
nha Caloi Cross azul chegou e eu fiquei muito feliz. Ainda mo-
rava com minha avó, Dona Nadir. Até hoje lembro o cheiro do
plástico em que a bicicleta veio envolta e das muitas voltas,
corridas, brincadeiras, estripulias e momentos inesquecíveis que
a tal Caloi me proporcionou.
42
Chegou o tempo de entrar na escola, e fui, ainda pelas
mãos de Dona Nadir. Lembro pouco da escola, nesses primei-
ros anos, mas eu gostava bastante de estar lá e tinha bons resul-
tados. O boletim era repleto de “As”, o que enchia minha vó de
orgulho.
Em 1986, fomos passar as férias em casa de minha ma-
drinha, que morava e ainda mora na Ilha da Magia, e acaba-
mos morando lá aquele ano. No ano seguinte, minha vó retor-
nou ao sul e eu fiquei em Florianópolis. Tinha a ilusão de con-
seguir uma família, como as outras que eu via, com pai, mãe e
irmãos, pois minha madrinha tem dois filhos mais novos que
eu. De certa forma, realizei esse sonho, só não percebia, ou
não queria perceber ou ainda, não sei se para uma criança cer-
tas coisas são perceptíveis –, o quanto algumas situações e acon-
tecimentos não estavam sendo bons para mim. Sempre levava
a culpa por tudo que acontecia; não importa se algo de ruim
acontecesse, a culpada era eu. Alguém que lê essas histórias
pode pensar: “Quanta tragédia!”, porém entendo que essas pas-
sagens fazem parte da minha formação e penso que, se alguém
tem que ter vergonha disso, esse alguém não sou eu. Gosto
inclusive de pensar que elas estão no passado e que hoje meu
presente é bem diferente.
Houve muitas outras passagens tristes; contudo, não vou
me ater a elas e citarei algumas como ilustrações: uma noite
dormi na rua, porque as crianças com as quais eu brincava ha-
viam perdido uma chave e eu, como era criança mais velha,
deveria ter evitado isso; então encontrá-la serviria como reparo
do erro. Em outra tive que comer as cascas do pão que eu havia
tirado e posto no lixo; tive que juntá-las em meio a coisas como
tocos de cigarro e cinzas e comê-las, claro que sob lágrimas; e
outras tantas que, graças a Deus, nem lembro. Minha madri-
nha, realmente, acreditava que estava a me educar.
A relação com meus padrinhos foi muito complicada.
Durante o tempo em que morei com eles, meu padrinho desen-
SILVEIRA, S. • Uma história com final feliz
43
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
volveu alcoolismo, e isso interferiu em todos da casa. Fiquei mo-
rando com eles até os 17 anos. A volta para Porto Alegre foi em
1993, em uma situação bem conflituosa e desgastante, de que
não contarei pormenores. Entre as coisas boas e importantes que
me aconteceram naquele período, a educação escolar merece des-
taque. Estudei em um dos melhores colégios da cidade. Foi bom,
e aproveitei bastante o ensino de qualidade que recebi. Quando
estava no colégio, me sentia muito bem; essa era a melhor parte
do meu dia, já que ir para casa era torturante. Gostava de prati-
car esportes, ganhei medalhas, fiz aula de dança, cantei no coral
do colégio, aprendi a bordar e sempre fiz amizades facilmente.
Quando terminei a oitava série, fui obrigada a entrar na
escola técnica, para aprender logo um ofício, pois deveria arru-
mar imediatamente um emprego. Não tive outra escolha. Na
verdade, meus padrinhos já haviam se incumbido dessa tarefa
de me arrumar um emprego, alguns anos antes, de auxiliar de
creche. Eu estava com 13 anos.
Fiz a prova para a escola técnica, cheguei em casa e mos-
trei a prova à minha madrinha, que logo disse que eu não con-
seguiria passar. No dia em que saiu o resultado, comecei a pro-
curar o meu nome pela última folha dos classificados, e já esta-
va apavorada de não o ter encontrado; foi quando resolvi olhar
a primeira folha, e lá estava meu nome: havia passado em 17º
lugar. Teimava em não ocupar o lugar que era destinado às
crianças órfãs e pobres, o que aprendi com um texto lido na
disciplina de História da Educação, no primeiro semestre des-
se ano: crianças em situação de pobreza ou orfandade servem
para mão de obra; pretensões maiores são para aquelas cujos
pais estão em classes mais bem-vistas e valorizadas socialmente.
Dentro daquela instituição me sentia totalmente deslo-
cada e desmotivada, e não me identificava nem um pouco com
o curso. Arranjei uma maneira de sofrer menos enquanto lá
estive. Fiz teatro, entrei para o Grêmio Estudantil, participei
ativamente de um grupo ecológico. Estranho é que, quando
44
voltei ao sul, para morar novamente com minha avó em Ca-
choeirinha, e, portanto, estaria livre do domínio de meus pa-
drinhos, assumi o lugar que antes eles me davam e, de alguma
maneira, passei a aceitar esse lugar. Nos primeiros seis meses
depois de retornar ao sul, minha madrinha pagou uma escola
particular para que eu terminasse o primeiro ano do Ensino
Médio. Como em Florianópolis eu estudava em uma escola
federal e durante o primeiro semestre daquele ano havia ocor-
rido uma greve, eu estava com as notas atrasadas. A saída foi
conseguir um colégio particular que pudesse dar um jeito nessa
situação.
No ano seguinte, minha madrinha não sentiu mais von-
tade de patrocinar meus estudos e então fui em busca de uma
escola pública para estudar. Foi muito difícil! Estive em pelo
menos cinco escolas diferentes, e a resposta era sempre a mes-
ma: “Não temos vaga!” Um dia, conversando com uma vizi-
nha, ela sugeriu que eu fosse à prefeitura e pedisse a vaga, di-
zendo-me que alguém que ela conhecia já havia conseguido
uma vaga assim. Foi o que fiz, embora com muita vergonha e
meio desajeitada, afinal tinha feito 18 anos há pouco tempo,
mas consegui a vaga! Não foi tarefa fácil terminar o Segundo
Grau (atual Ensino Médio), pois entrei no mercado de traba-
lho para poder ajudar financeiramente minha vó e ficou difícil
conciliar com os estudos. O comércio me deixava muito cansa-
da, pois eram no mínimo oito horas de pé e atendendo muitas
pessoas. Ficava exaurida ao final do dia, que era sempre depois
das 22 horas. No outro dia, não tinha vontade de ir à escola, o
sono era pesado demais, pois trabalhava na capital e morava na
região metropolitana, o que também demandava um longo pe-
ríodo em paradas e dentro de ônibus. É bem verdade que eu
não conhecia as palavras “universidade” e “faculdade”; já as
havia escutado, obviamente, mas não entendia os seus senti-
dos, pois a mim não haviam sido apresentadas como possibili-
dade.
SILVEIRA, S. • Uma história com final feliz
45
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
Dentro do comércio, tive um bom desempenho e che-
guei à gerência de uma das mais conceituadas lojas de discos
da cidade. Fui promovida todos os anos em que lá trabalhei e
tenho lembranças maravilhosas desse tempo: amigos que fiz,
prêmios que ganhei e conhecimentos que adquiri, e também o
gosto musical que desenvolvi. Nesse meio tempo, tive um casa-
mento que durou cinco anos, mas acabou e fiquei sozinha, pois
minha avó já havia falecido. Pensava no futuro e não queria
ficar velha, encalhada e de pé dentro do shopping. Comecei a
cogitar a ideia de prestar vestibular, e assim fiz. No meio onde
convivia, sempre ouvia dizer que a Universidade Federal era a
melhor. Então, elenquei-a como meu objeto de desejo, mesmo
que considerasse um pouco fantasioso chegar a ela, poistraba-
lhava muito e não sabia como poderia conciliar o trabalho com
os estudos; além disso, todos diziam que o vestibular era muito
concorrido e que só os ricos conseguiam passar. Existia outro
problema: que curso escolher?
Tentei algumas vezes sem convicção outros cursos das
ciências humanas.
Mas foi um dia, trabalhando, que o insight ocorreu. Co-
mecei a prestar atenção no clipe de uma banda inglesa de que
gosto muito, o Simply Red, e a música era Four Your Babies. O
clipe mostrava muitas crianças de todas as cores e jeitos, e o
refrão dizia que ele não acreditava em muitas coisas, mas nas
crianças, sim, ele acreditava! Nesse momento eu soube que as-
sim seria feliz. Afinal, como dizia a música, também acredito
nas crianças e na educação, e trabalhar com as duas coisas jun-
tas seria perfeito. Então comecei a tentar o curso de Pedagogia.
Prestei vestibular em 2006 e não consegui passar. Não fiz cursi-
nho, pela questão do tempo (de trabalhar no comércio) e pela
questão financeira também. Como agora só poderia contar co-
migo mesma, precisava me sustentar. Continuei trabalhando, e
muito. Insatisfeita, mudei de empresa diversas vezes, sempre
no comércio; afinal, era no que eu tinha experiência, o que mi-
46
nha escolaridade permitia e também o que garantia meu sus-
tento de maneira digna.
No meio do ano de 2007, conheci meu segundo marido,
em um ônibus. Era a final da Taça Libertadores da América, e
eu estava indo assistir ao jogo na casa de uns amigos que mora-
vam na capital. Saí de Cachoeirinha, onde trabalhava na época,
ainda no comércio, vestia a camiseta do Grêmio e estava um
pouco apreensiva de sair na rua sozinha vestida assim em dia de
jogo. Fui para a parada de ônibus e observei um rapaz que segu-
rava um instrumento musical e também vestia a camiseta do
Grêmio. Pensei: “Que bacana! Alguém que gosta de música e
futebol como eu.” Entramos no mesmo ônibus e sentamos per-
to um do outro, mas em lados opostos do corredor. Então acon-
teceu o mais inusitado: um rapaz que já estava dentro do cole-
tivo, parecia embriagado ou maluco mesmo e ainda por cima
tinha uma cicatriz enorme no rosto, caminhava de um lado
para o outro e falava coisas que não entendíamos, e bem alto.
Fiquei com medo. Imediatamente pedi para sentar do lado do
companheiro gremista e, quando olhei bem para o seu rosto,
percebi que já o conhecia: era filho de um cliente que frequen-
tava assiduamente uma das filiais da loja de discos em que tra-
balhara. Eu já tinha visto os dois juntos lá. Engrenamos um
papo e depois pegamos outro ônibus juntos, e o assunto seguiu
em mais um trajeto.
Eu não sabia, mas minha vida mudaria bastante dali para
a frente. Os dois tímidos, nenhum entregou seu telefone ao ou-
tro, embora depois ambos confessassem terem pensado nisso.
Mas ele havia pronunciado seu nome completo, e a tecnologia
ajudou; procurei-o em uma das redes sociais e o adicionei como
amigo. Logo recebi a resposta, que veio com telefone, e-mail e
tudo o mais que permitisse continuar a conversa, que dura até
hoje, pois começamos a namorar. Durante o primeiro ano, eu
morava ainda em Cachoeirinha, de aluguel nos fundos de uma
casa, e ele ia praticamente todos os dias para lá comigo. Nosso
SILVEIRA, S. • Uma história com final feliz
47
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
relacionamento foi ficando cada vez mais forte, e então decidi-
mos alugar juntos um apartamento em Porto Alegre, já que a
vida profissional dos dois era na capital; isso facilitaria o dia a
dia. Nós nos mudamos em julho de 2010 para o bairro Jardim
Botânico.
A mudança foi gradual desde então. Troquei de emprego
e fui trabalhar em uma loja de instrumentos musicais. Traba-
lhei quase três anos nesse lugar e cansei. Sem dúvida esse foi o
emprego que exigiu mais fisicamente de mim; além de vender,
precisava montar e desmontar todos os instrumentos que ven-
dia, inclusive baterias e aparelhagem de som, como caixas e
amplificadores. No fim do dia, minha cabeça estava explodin-
do e minhas pernas pesavam 300 quilos cada.
Não suportava mais! Foi quando apareceu a oportunida-
de de trabalhar em uma escola de música, onde meu marido,
que é músico, dava aulas, e finalmente livrei-me do comércio!
Trabalhei nessa escola pouco tempo, e logo entrei em outra
escola. O salário de secretária era bem menor do que o que
recebia no comércio, mas o ambiente de trabalho era bem me-
lhor, o cansaço físico menor. De certa forma, penso que estar
dentro de um ambiente de ensino me fez retornar ao meu anti-
go desejo que ficara esquecido.
O ano passado, com o incentivo de meu esposo e da mãe
dele, resolvi prestar o vestibular, para testar meus conhecimen-
tos e ver o que ainda conseguia me lembrar do que aprendera
no colégio e então traçar uma estratégia de estudos, a partir
daí, para o vestibular. Então chegou o dia do resultado: janeiro
de 2011, 16 horas; estava sozinha no meu serviço e então abri o
site da UFRGS, fui até a letra “S” tremendo, corri a barra de
rolagem atropeladamente, comecei a enxergar várias “Simo-
nes”, e já estava quase conformada, quando um “Silva da Sil-
veira” pulou no meu olho. Esfreguei-o bem e olhei de novo pra
ter certeza... E era eu mesma, o curso de Pedagogia, 1º semes-
tre. Mesmo que eu tente zilhões de vezes, não conseguirei des-
48
crever a sensação que me invadiu naquele momento. Meu cor-
po inteiro “formigou”, chorei como um bebê; era tanta felici-
dade que eu não cabia em mim. Ainda bem que estava sozi-
nha, pois, se alguém visse aquilo, certamente se assustaria.
Nunca sequer cogitei a possibilidade de tentar outra uni-
versidade que não fosse a federal, e agora eu entraria nela, no
primeiro semestre, e para o curso que eu desejava. Melhor ain-
da é ter a sensação renovada, a cada dia que passa, de que es-
tou no lugar certo. Dia após dia de aula, tenho mais certeza de
que escolhi um caminho para ser feliz, e estou sendo. Percebo e
me alegro ao ver como tudo está fluindo melhor do que eu
poderia imaginar: pensava na sala de aula com um misto de
medo e desejo. No primeiro semestre do ano, depois que a eu-
foria de passar no vestibular deu lugar à vida prática, eu conti-
nuava trabalhando como secretária em uma escola de música,
e seria preciso alterar a carga horária de oito horas, para que
esta fosse cumprida no turno vespertino. Não consegui concili-
ar a rotina de trabalho e estudo e pedi demissão.
Então comecei a ter mais tempo para atender ao que a
universidade me solicitava, e fui olhando vagas de estágio. Po-
rém o curso só nos permite fazer o estágio no segundo semes-
tre. Ainda estava me sentindo desorientada quando surgiu a
oportunidade do PIBID. Uma das minhas mais próximas e que-
ridas colegas, a Júlia, havia entrado no projeto e sempre me
relatava quão maravilhoso era pertencer a ele.
Em outro dia, uma das coordenadoras do projeto, que é
professora da disciplina de História da Educação, me comen-
tou que havia vaga e que a seleção era até dia tal. Lembro, ain-
da, que respondi que procuraria estágio para o segundo semes-
tre, o que ela respeitou e ponto. Mas a Júlia não se conformou e,
pelos próximos dias, tudo que eu ouvia dela era sobre o PIBID e
como eu deveria tentar a seleção e... No último dia fui, fiz a
inscrição, a seleção, e entrei no PIBID, onde dou os primeiros
passos da construção do meu novo ofício. A cena que descrevo
SILVEIRA, S. • Uma história com final feliz
49
Iniciação à Docência em Pedagogia – Memórias que contam histórias
no início não é um filme, é a pura verdade, mas ficará gravada
assim em minha memória, tamanha a sensação de plenitude
daquele momento, ao ouvir pela primeira vez uma criança me
chamando de professora. É por isso que aquela “cena” tem lu-
gar de destaque em minhas memórias.
Nossa proposta nas escolas é a de trabalhar com as ques-
tões dos indígenas e afro-descendentes. Ao longo do ano esse
foi o nosso foco, e acredito que desempenhamos bem, na medi-
da em que percebemos o quanto as crianças têm aprendido co-
nosco sobre essas questões de tamanha

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