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FACULDADE EVANGÉLICA DO PIAUÍ - FAEPI CURSO DE SERVIÇO SOCIAL ANA MARIA PEREIRA DA SILVA NEGLIGÊNCIA FAMILIAR CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE: UM ESTUDO ANALÍTICO E REFLEXIVO DO PONTO DE VISTA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE TERESINA-PI MAIO 2020 ANA MARIA PEREIRA DA SILVA NEGLIGÊNCIA FAMILIAR CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE: UM ESTUDO ANALÍTICO E REFLEXIVO DO PONTO DE VISTA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Serviço Social da Faculdade Evangélica do Piauí – FAEPI como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Serviço Social, sob a orientação do Profº Esp. Bento Alves da Silva TERESINA-PI MAIO 2020 ANA MARIA PEREIRA DA SILVA NEGLIGÊNCIA FAMILIAR CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE: UM ESTUDO ANALÍTICO E REFLEXIVO DO PONTO DE VISTA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Serviço Social da Faculdade Evangélica do Piauí – FAEPI como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Serviço Social, sob a orientação do Profº Esp. Bento Alves da Silva Aprovada em ______/_______/_______ Banca Examinadora ____________________________________________________ Prof. Esp. Bento Alves da Silva Orientador ______________________________________________________ Prof. (ª) Esp./Ms./Dr(ª). Examinador TERESINA-PI MAIO 2020 Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes a vida será de violência e tudo estará perdido. CHARLES CHAPLIN 4 Dedico esse trabalho, aos meus filhos e ao meu esposo por compreender minha ausência em vários momentos da vida, durante o meu curso de Serviço Social. A Deus fonte de vida e inspiração e pela a oportunidade de realização deste sonho: Minha formação superior. Aos meus pais, meus irmãos e colegas de sala de aula em especial a toda equipe da faculdade FAEPI. 5 AGRADECIMENTOS A Deus fonte de vida inspiração, aos professores e demais familiares pela dedicação, amor e carinho a mim concedido e especial a minha irmã Jesus e meu cunhado Batista pelo acolhimento em sua residência. Aos meus pais José e Francisca Santana, por me ensinarem a importância do conhecimento para a minha formação pessoal e profissional; Aos meus irmãos e demais familiares, pelo amor, carinho, paciência e incentivo nessa realização de minha formação superior; Aos amigos pessoais, de curso e demais colegas, por estarmos sempre compartilhando saberes; O meu muito obrigado, aos professores da FAEPI em especial ao meu orientador Prof.º Bento Alves da Silva pela compreensão, paciência, disponibilidade de tempo dado a minha pessoa e por colaborar com a correção minuciosa deste trabalho. 6 RESUMO O trabalho aqui apresentado visa fazer uma análise e reflexão sobre a negligência familiar contra crianças e adolescentes. Neste sentido definiu-se o problema da pesquisa, casos de negligência familiar que ocorrem com mais frequência com crianças e adolescentes. Assim tem-se como objetivo geral: Analisar a negligência familiar contra criança e adolescente a partir de estudo analítico e reflexivo. Como objetivos específicos: Identificar a negligência familiar contra criança e adolescente; conhecer os efeitos decorrentes da negligencia familiar contra criança e adolescente; conhecer o contexto social das famílias em situação de vulnerabilidade. A pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem qualitativa, de cunho baseado em levantamento bibliográfico que se baseia em autores como: Lobo (2004), Lago (2003), Yazbek (2007) e Godinho (2011), além de: periódicos, revistas, sites, dentre outros. Por fim, as considerações finais, que expressam as razões, desafios de realizar a pesquisa, resultados e satisfação do trabalho realizado em relação ao TCC, que nos vislumbrou a descoberta do respeito mútuo e assim percebermos o importante papel do Assistente Social na luta pela garantia dos direitos da criança e do adolescente, ocupando o seu papel de implementador de ações preventivas e educativas junto as famílias em situação de violência doméstica. Palavras-chaves: Adolescente. Criança. Família. Negligência. Violência domestica. 7 ABSTRACT The work presented here aims to analyze and reflect on family neglect against children and adolescents. In this sense, the research problem was defined, cases of family negligence that occur more frequently with children and adolescents. Thus, the general objective is to: Analyze family neglect against children and adolescents from an analytical and reflective study. As specific objectives: To identify family neglect against children and adolescents; to know the effects of family neglect against children and adolescents; to know the social context of vulnerable families. The research was carried out from a qualitative approach, based on a bibliographic survey that is based on authors such as: Lobo (2004), Lago (2003), Yazbek (2007) and Godinho (2011), in addition to: journals, magazines , sites, among others. Finally, the final considerations, which express the reasons, challenges to carry out the research, results and satisfaction of the work carried out in relation to the TCC, which saw the discovery of mutual respect and thus we perceive the important role of the Social Worker in the struggle for guarantee of the rights of children and adolescents, playing their role of implementing preventive and educational actions with families in situations of domestic violence. Keywords: Adolescent. Kid. Family. Negligence. Domestic violence. 8 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS LISTA DE SIGLAS ANCED – Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente CEB´s – Comunidades Eclesiais de Bases CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CRCA - Centro de Referência da Criança e do Adolescente CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social DNCr – Departamento Nacional da Criança ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FUCABEM – Fundação Catarinense do Bem-estar do menor FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor LBA – Legião Brasileira de Assistência MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MNMMR – Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua OIT – Conferência Internacional do Trabalho ONU – Organização das Nações Unidas PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNBEM – Política Nacional de Bem-Estar do Menor SAM – Serviço Nacional de Assistência a Menores SEAS – Secretaria de Estado de Assistência Social SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância 9 SUMARIO 1 INTRODUÇÃO ----------------------------------------------------------------------------------------- 2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE FAMÍLIA BRASILEIRA -------------------------------- 2.1 Situação histórica da criança e do adolescente no Brasil ----------------------------- 2.2 A família em situação de Vulnerabilidade Social ----------------------------------------- 2.2.1 A Vulnerabilidade Social -------------------------------------------------------------------- 2.2.2 VulnerabilidadeSocial dentro do meio Familiar -------------------------------------- 2.3 O Contexto da negligencia Familiar contra criança e adolescente ------------------ 2.3.1 Identificação da Negligência para um Desenvolvimento Sadio ----------------- 3 TIPOLOGIA DA NEGLIGÊNCIA FAMILIAR CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE (CONCLUÍDO) -------------------------------------------------------------------- 3.1 Violência Psicológica ---------------------------------------------------------------------------- 3.2 Violência física ------------------------------------------------------------------------------------ 3.3 Violências e Exploração Sexual -------------------------------------------------------------- 3.4 Exploração do trabalho infantil ---------------------------------------------------------------- 4 UMA ANÁLISE E REFLEXÃO DO PONTO DE VISTA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE- ECA ---------------------------------------------------------- 4.1 base legal do ECA -------------------------------------------------------------------------------- 4.1.1 Os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares ------------------------------ 4.1.2 Os fundos da Criança e do Adolescente ---------------------------------------------- 4.1.3 A Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescen te – ANCED ------------------------------------------------------------------------------------------- 4.1.4 Funções do Conselho Tutelar ------------------------------------------------------------ 4.2 Dever do estado e da família em relação à criança e ao adolescente (Caracte rísticas dos Conselhos Tutelares) ----------------------------------------------------------------- 4.3 Direito da Criança e do adolescente--------------------------------------------------------- CONSIDERAÇÕES FINAIS -------------------------------------------------------------------------- REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS --------------------------------------------------------------- 10 1 INTRODUÇÃO A negligência familiar contra a criança e adolescente é uma realidade mundial, e precisa ser vista por toda a sociedade, haja vista que a criança e o adolescente estão em processo de construção de sua identidade, por isso torna-se necessário amplia as pesquisas sobre a temática, para que se tenha encaminhamentos reflexivos sobre o papel do assistente social diante desses aspectos relacionados a negligência familiar. A estrutura do trabalho inicia com um breve entendimento sobre o termo família brasileiro, uma abordagem histórica de família no contexto brasileiro e a família em situação de vulnerabilidade social. A negligência familiar contra a criança e adolescente é uma realidade mundial que precisar ser vista por toda a sociedade. Nesse sentido, durante todo o processo metodológico da pesquisa, procuramos uma abordagem crítica sobre o tema negligência familiar contra criança e adolescente: Um estudo analítico e reflexivo do ponto de vista do ECA, para que pudessem ser desveladas as contradições presentes na situação de negligência praticada contra criança e adolescentes no âmbito familiar. Para os profissionais oriundos de diferentes bases teóricas, práticas e orientações, resta o desafio de se colocarem em favor da prática profissional e principalmente, a favor do público alvo, as diferenças que as constituem. Considerando essas reflexões, esperamos ter contribuído através deste trabalho sobre algumas especificidades do serviço social e o desafio no contexto negligência a partir de uma abordagem qualitativa, de cunho bibliográfico O presente trabalho compreende os seguintes capítulos: O primeiro apresenta um breve entendimento sobre a família brasileira. O segundo capítulo aborda as tipologias da negligencia familiar contra criança e adolescente. No terceiro capitulo, apresentamos a uma análise e reflexão do ponto de vista do estatuto da criança e adolescente ECA. E no quarto capítulo enfatizamos o dever do estado e da família em relação a criança e o adolescente. a metodologia da pesquisa com enfoque na pesquisa qualitativa, bibliográfica. Portanto espera-se, que essa pesquisa contribua para que a sociedade de um modo geral possa identificar os casos de negligência familiar contra criança. 11 2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE FAMÍLIA BRASILEIRA A evolução da família, sobretudo nas sociedades ocidentais, embasou-se na consanguinidade entre seus integrantes, ou seja, na ascendência de seus integrantes, gerando grupos familiares provenientes de um patriarca. Aos poucos, essa estrutura foi modificada para estruturas familiares menores, constituídos a partir da união entre homens e mulheres. Esse padrão de estrutura familiar remanesce, sendo adotados pelas legislações ocidentais atuais, como no Brasil, país formado com base nos princípios da Igreja Católica Apostólica Romana. Na organização jurídica da família hodierna é mais decisiva a influência do direito canônico. Para o cristianismo, deve a família fundar-se no matrimônio, elevado a sacramento por seu fundador. A Igreja sempre se preocupou com a organização da família, disciplinando-a por sucessivas regras no curso dos dois mil anos de sua existência, que por largo período histórico vigoraram, entre os povos cristãos, como seu exclusivo estatuto matrimonial. Considerável, em consequência, é a influência do direito canônico na estruturação jurídica do grupo familiar. No Brasil Império apenas o casamento católico era conhecido, uma vez que era a religião oficial do país. Deste modo, somente poderiam casar-se as pessoas que seguissem a religião católica. A princípio, esta exigência não gerava constrangimento, já que a população brasileira era predominantemente católica. Esta situação foi alterada com o aumento populacional resultante, principalmente, da imigração que fez aumentar a população de não católicos. Os indivíduos que tinham outras concepções religiosas, isto é, aqueles que não praticavam o catolicismo, estavam proibidos de contraírem o matrimônio. O casamento como entidade familiar foi mantida pelas legislações imperiais, sendo, porém, acrescentado os não católicos, reconhecendo-se em 1861, como casamento civil as demais uniões religiosas (WALD, 2002). Percebe-se que a Igreja detinha o monopólio das leis referentes ao matrimônio, determinava as leis e atribuía condições. As regras do casamento seguiam os preceitos do Concílio de Trento de 1563 e das Constituições do Arcebispo da Bahia. Por muito tempo, a Igreja Católica foi titular dos direitos matrimoniais; pelo Decreto de 3 de novembro de 1827 os princípios do direito canônico regiam todo e qualquer ato nupcial, com base nas disposições do Concílio Tridentino e da Constituição do Arcebispado da Bahia. (DINIZ, 2008). 12 No período colonial, com a chegada dos colonizadores, era comum as relações amorosas entre os europeus e as índias, que não era tido como família, visto que os europeus se baseavam na doutrina da Igreja Católica, que via tais fatos como desobediência aos preceitos religiosos. Com a relutância dos indígenas em serem escravizados, a alternativa achada pelo rei português foi trazer mão de obra africana, ocasião na qual os negros se estabeleceram provocando uma intensa miscigenação; acontecimento importante na cultura, crença e comportamento de todos os povos, entretanto considerado imoral pelo catolicismo. Somente depois da metade do século XVIII, com a instituição da Lei do Marquês de Pombal, o casamento entre índios e brancos foi permitido, devido a extinção da escravidão indígena (CHIAVENATO, 1999). Desta maneira, a família se desenvolveu no Brasil, produto de uma combinação de raças e culturas, sob o controle repressor da igreja católica. No Brasil colonial e imperial, apenas era válido o casamento segundo o ritual católico. Para Simões (2007, p. 179)Com a Lei n. 1.144 de 11/09/1861, o Estado passou a admitir o casamento segundo o rito religioso dos próprios nubentes. O Decreto n.119-A de 17/01/1890 estabeleceu a separação entre a igreja e o Estado, que se tornou laico ou não confessional. Conforme o mesmo autor depois da Proclamação da República e o Estado laico, a Constituição de 1891 adotou o casamento civil diante da autoridade leiga e em seguida a Constituição de 1934 até o presente, é que foi admitido o casamento religioso com efeitos civis, desde que seja por meio de prévia habilitação. O Estado ainda sofria influência da igreja católica, mas aos poucos começou a afasta-se das intervenções da igreja e passou a instruir a família conforme o aspecto social; a organização familiar passou de simples agente complementar do Estado, para componente essencial da sociedade. Até a proclamação da Carta Magna de 1988, o quadro era totalmente restrito, uma vez que somente os grupos gerados através do casamento eram considerados como familiar proposto pelo Código Civil de 1916 que, perante a influência francesa, criava os critérios matrimonias. Segundo esta mesma perspectiva, evidencia-se a Lei do Divórcio, que conferia à parte responsável pela separação, diversas punições, mencionando que de qualquer forma o vínculo familiar constituído pelo matrimônio teria que ser preservado. Era, necessariamente, “o sacrifício da felicidade pessoal dos membros da família em nome da manutenção do vínculo de casamento” (CHIAVENATO, 1999.p.04). Assim 13 sendo, o Estado acreditava que a família surgia exclusivamente apoiada no casamento. Os grupos de indivíduos ligados sem esse modelo não eram encarados como família e, em virtude disso, não contavam com a proteção do governo. No entanto, a Constituição Federal de 1988, trouxe consequências expressivas a respeito dessas concepções, através dos princípios constitucionais especificados que incidiram essencialmente no Direito de Famílias. O artigo 1°, III, da Constituição Federal, reconhece o princípio da dignidade do ser humano, e é considerado como ponto de mudança do modelo de família; num único dispositivo espancou séculos de hipocrisia e preconceito (VELOSO, 2005). A Constituição Federal de 1988 priorizou a família como pilar da sociedade aceitando suas novas configurações, determinando novos valores sociais, apoiado na valorização do indivíduo, além de garantir tratamento prioritário às crianças e aos adolescentes, baseado na igualdade e dignidade do indivíduo. A partir desse momento, ocorreram diferentes reformas jurídicas, como por exemplo: a igualdade atribuída aos homens e mulheres, sendo igualitária a proteção de ambos e incluindo os filhos provenientes ou não do casamento ou de adoção; o divórcio, como processo de dissolver o casamento civil e, a equiparação, quanto aos direitos assegurados à família gerada através do casamento, bem como à formada pela união estável e às monoparentais. Segundo Pereira união estável é: (...) a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não-adulterina e não-incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem o vínculo do casamento civil. A família monoparental é formada por um dos pais, seja ele solteiro, separado, divorciado ou viúvo, e seus filhos. Para Leite (2007, p. 61), a família monoparental se configura “quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças. Assim Souza (apud FACHIN, 2011, p. 7) reitera que “o grande número de famílias não matrimonializadas, oriundas de uniões estáveis, ao lado de famílias monoparentais, denota a abertura de possibilidades às pessoas, para além de um único modelo de família”. No campo familiar, ressalta-se a conquista feminina com o acesso da mulher no mercado de trabalho, tendo, além disso, igualdade de direitos na vida pública, dessa forma o homem passa a dedica-se as tarefas domésticas, proteção e educação 14 dos filhos, deixando de ser responsável unicamente pela subsistência da família. De acordo com Dalbério (2007, p.46): Essa nova dimensão na qual o homem deve assumir tarefas domésticas cria em muitos deles uma situação de revisionismo de todas as ideologias que dizem respeito ao machismo. É obvio que muitos ainda não estão entendendo essa nova situação, vivem como se a mulher ainda devesse prestar-lhe todos os serviços e ainda lhe ajudasse na manutenção das despesas familiares. Carregam ainda em consciência as visões burguesas de família, cujo modelo o homem tem direitos, por manter a família (Dalbério 2007, p.46). É importante frisar que, a mulher, antes inferior, teve sua capacidade reconhecida em relação à sua condição de cônjuge. Portanto, a família passou a ser atribuída como prioridade o ser humano, sendo categoricamente inconstitucional infringir direitos a respeito da sua dignidade; o conceito de “família-instituição” foi trocado para “família-instrumento” do desenvolvimento da pessoa humana, protegida de acordo com interesse de seus componentes, com igualdade bem como solidariedade entre eles (FARIAS, ROSENVALD, 2011). Nesse contexto, o Código Civil de 2002 teve a regulamentação e o reconhecimento jurídico da união estável e da família monoparental. As mudanças na instituição familiar surgiram a partir do esforço pela legalização da união homoafetiva, que apesar de não está prevista na Constituição Federal, encontra-se respaldada pelo princípio da isonomia e é uma realidade da sociedade moderna que já foi reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência. Esse cenário transformou-se com a Lex Fundamentallis de 1988, refletindo igualmente no Código Civil de 2002, tornando-se pluralizada, democrática, igualitária substancialmente, hétero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, com unidade socioafetiva e caráter instrumental (FARIAS, ROSENVALD, 2011). Além da ampliação do conceito de família colocado pela Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal, compreendeu que as uniões entre homossexuais deveriam ser classificadas como famílias, obtendo a mesma proteção do Estado dedicada aos casais unidos pelos vínculos da união estável (LÔBO, 2004). Deste modo, o conceito de família foi se adequando a realidade colocada pela sociedade, do mesmo jeito que a legislação teve que se adaptar a estas modificações, já que os casamentos ditos tradicionais estão cada vez mais difíceis e menos estáveis, tendo como consequência filhos de pais divorciados ou solteiros, elevando a quantidade de famílias onde os pais e as mães adquirem a mesma função, entretanto 15 a mulher assume a tutela e a incumbência da educação de seus filhos. Nessa perspectiva, Souza (apud, DIAS, 2005, p. 39) expõe que: Agora o que identifica a família não é nem a celebração do casamento nem a diferença de sexo do par ou envolvimento de caráter sexual. O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo. Cada vez mais, a idéia de família se afasta da estrutura do casamento. Em vista disso, a família foi ganhando novos contextos, procurando a união estabelecida através do afeto, à configuração foi transformada e a função do pai e da mãe foi mudando. A instituição familiar evoluiu e continua evoluindo, pois não há mais lugar para a família patriarcal onde imperava o abuso de poder, a hierarquia, o autoritarismo assim como a predominância pelo interesse patrimonial. 2.1 Situação histórica da criança e do adolescente no Brasil Neste subtópico busca-se caracterizar o estudo da trajetória dos direitos infanto-juvenis ao longo dos tempos, destacando o Estatuto da Criança e do Adolescente no caso brasileiro, a partir do referencial teórico aqui mostrado.No período do Brasil Colônia, os anos entre 1500 a 1800, o que conduzia as crianças e os adolescentes era a soberania paternal. Os pais detinham o direito de designar sobre a profissão e o casamento dos seus filhos. Nesse período, segundo Guimarães (2014, p. 18), não havia: Um sistema legal formalizado. O Estado brasileiro não intervia no contexto familiar, somente no fim deste período foram criadas leis para coibir castigos muito fortes que os pais davam em seus filhos. O que se destacava neste contexto era a caridade de igrejas para impetrar os bons costumes e o controle social para as condutas das crianças. No tocante à origem dos direitos fundamentais, há registros entre a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem, proclamada em 2 de outubro de 1789, na França. E, “[...] posteriormente, a aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proferida em 1948, pela Assembléia (sic) Geral das Nações Unidas, deu um novo rumo aos direitos fundamentais” (GIUSTI, 2012). Para Prates (2011, p. 12) comenta que: É apenas no século XX que a criança e o adolescente começam a ganhar espaço no sistema legislativo, ou seja, quando iniciam as 16 preocupações com a tutela dos interesses desses menores. Tanto é que, no ano de 1924, foi adotada pela Assembleia da Liga das Nações, a Declaração de Genebra dos Direitos das Crianças, a qual, embora não tenha sido o suficiente para o verdadeiro reconhecimento internacional dos direitos das crianças, não deixou de ser um “pontapé” inicial para que isso ocorresse. No entanto, os direitos infanto-juvenis passaram a ser reconhecidos universalmente, por meio da Declaração Universal dos Direitos da Criança, no ano de 1959. Esse documento, conforme Amin (2008 apud PRATES, 2011, p. 12): Estabeleceu, dentre outros princípios: proteção especial para o desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual; educação gratuita e compulsória; prioridade em proteção e socorro; proteção contra negligência, crueldade e exploração; proteção contra atos de discriminação. As crianças e os adolescentes passaram um grande período na história brasileira, sem terem o devido amparo judicial e político, constando poucos registros e referências até o início do século XX (SANTIAGO, 2014). A partir da situação de agravamento da questão social, no ano de 1927 instituiu-se o primeiro Código de Menores de Mello Mattos. Ataíde e Silva (2014) revelam que esse código regia: A Doutrina da Situação Irregular e atuava de forma moralista e repressiva, de modo que crianças e adolescentes vítimas de abandono, maus-tratos, em situação de miserabilidade ou infratores eram consideradas em Situação Irregular e seriam assistidas por este código. Entre 1930 e 1945, a assistência à infância era uma questão de defesa nacional. Rizzini (1995 apud SILVEIRA, 2003, p. 25) aponta que o então presidente Getúlio Vargas “expressava as grandes preocupações das elites da época com relação à assistência à infância, tais como a defesa da nacionalidade e a formação de uma raça sadia de cidadãos úteis”. Em 1940, o Departamento Nacional da Criança (DNCr) articulou o atendimento às crianças, combinando orientação higienista com campanhas educativas, serviços médicos e assistência privada (SILVEIRA, 2003). E em 1941, surgiu o Serviço Nacional de Assistência a Menores (SAM), instituição vinculada ao Ministério da justiça e aos juizados de menores, para: Orientar e fiscalizar educandários particulares, investigar os “menores” para fins de internamento e ajustamento social, proceder exames médico-psico-pedagógicos, abrigar e distribuir os “menores” pelos 17 estabelecimentos, promover a colocação de “menores”, incentivar a iniciativa particular de assistência a “menores” a estudar as causas do abandono. (SILVEIRA, 2003, p. 26). Silveira acrescenta que, em 1942, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), por iniciativa da Sra. Darcy Vargas, apareceu para gerar serviços de assistência social, em particular às famílias dos brasileiros convocados na guerra. Juntamente com o DNCr garantia “ estímulo às creches, auxílio aos idosos, a doentes e grupos de lazer, propondo-se a favorecer o reajustamento das pessoas, moral ou economicamente desajustadas, proteger a maternidade e a infância” (SILVEIRA, 2003, p. 26). Na década de 1950, período do governo Kubitschek, originaram-se estratégias abarcando a saúde da criança, a participação da comunidade, através do DNCr, apoiado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), com o estabelecimento de Centros de Recreação. Nesse período, o Serviço Nacional de Assistência a Menores foi apontando como um sistema desumano, ineficaz e perverso, além da superlotação e falta de cuidados de higiene (SILVEIRA, 2003). Para Costa (1990 apud SILVEIRA, 2003, p. 28) “[...] essa mentalidade cristalizou-se no SAM com resultados que a imprensa dos anos 50 divulgou por todo o país. O estabelecimento menorista era chamado de ‘sucursal do inferno’ e ‘escola do crime’, entre outras coisas”. Em 1961, o presidente Jânio Quadros, sugeriu a extinção do SAM criando a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), aprovada pelo Congresso em primeiro de novembro de 1964, durante o contexto da ditadura militar (SILVEIRA, 2003). Para Rizzini (1995 apud SILVEIRA, 2003, p. 28), “[...] a mudança de uma estratégia repressiva para uma estratégia integrativa e voltada para a família tem um novo ordenamento institucional dentro de um governo repressivo [...]”. As diretrizes da Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM) foram efetivadas pela FUNABEM na esfera federal e os órgãos estaduais executores, FEBEM’s. Em Santa Catarina, passou a ser chamada de FUCABEM (Fundação Catarinense do Bem-estar do menor) (SILVEIRA, 2003). A PNBEM voltava-se para famílias que apresentavam “situação de baixa renda, de pouca participação no consumo de bens materiais e culturais, de incapacidade de trazer a si os serviços de habitação, saúde, educação e lazer” (RIZZINI, 1995 apud SILVEIRA, 2003, p. 30). 18 Na década de 1970, a assistência à criança e ao adolescente era voltada para a educação popular e o método Paulo Freire, visto que incentivavam o aprendizado da leitura e da escrita, oportunizando um despertar crítico e a consequente elaboração de um projeto coletivo de organização social (SILVEIRA, 2003). Conforme Gramsci (1989 apud SILVEIRA, 2003, p. 34), “[...] toda geração educa a nova geração, isto é, forma-a; a educação é a luta contra os instintos ligados às funções biológicas elementares, uma luta contra a natureza, a fim de dominá-la e de criar o homem ‘atual’ à sua época”. Quanto à PNBEM, a assistência passou a não ser vista como uma intimidação social, prevalecendo a concepção assistencialista. Percebia-se a criança e o adolescente como “carente” biopsicossocial e culturalmente (SILVEIRA, 2003). A partir da década de 1975, apareceram novos horizontes na esfera social, reivindicando direitos, apreciando o exercício social presentes no cotidiano popular. A PNBEM se dissipou frente às exigências sociais, contidas nas ponderações da FUNABEM, reconhecendo-se as falhas da política social existente. O fracasso do sistema FUNABEM vinculou-se à concepção híbrida do serviço de correção, repressão e assistencial, apontada por um sistema gestor centralizador e vertical, representando os estereótipos do cuidado voltado à criança e ao adolescente, como um “feixe de carências” (SILVEIRA, 2003). Verifica-se que, a partir da segunda metade da década de 1970, as políticas praticadas até então no sentido de melhor atender crianças e adolescentes sofreram fortes críticas e pressão por parte da população, a qual exigia mudanças no campo do atendimento aos menores. Esse fato levou a se instalar uma Comissão Parlamentarde Inquérito (CPI) no Congresso Nacional em 1975. Essa CPI apontou a existência de crianças e adolescentes abandonados em 87,17% dos municípios, e revelou uma significativa situação de pobreza como a fundamental razão declarada por 90,28% dos municípios para essa conjuntura de abandono (SILVEIRA, 2003). Em 1979, um novo caminho no tocante ao direito da criança e do adolescente foi estabelecido pela Lei nº 6.697/79, de 10 de outubro de 1979, que instituiu o Código de Menores. Ocorreu também, o Ano Internacional da Criança, marco que estimulou o surgimento de ações não oficiais em prol da criança e do adolescente envoltos em situações de exclusão social. Esse impulso, na opinião de Silveira (2003, p. 41), evidencia-se na: 19 Proliferação de programas de atendimento a crianças e adolescentes, numa perspectiva libertadora enquanto princípio, com práticas pedagógicas “alternativas”, ainda sob grande influência da teologia da libertação e das propostas pedagógicas do educador Paulo Freire. Na esfera social, multiplicaram-se ações de contendas e de represálias por parte de estudantes, do movimento popular e sindical, de mulheres, com a adesão de setores progressistas da Igreja Católica – Comunidade Eclesial de Base (CEB´s) e a Comissão de Justiça e Paz , da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Movimento de Direitos Humanos, do Movimento Feminino pela Anistia, entre outros. Nesse contexto, percebeu-se “[...] uma diversidade dos movimentos e grupos contestatórios, diversidade inerentes às condições e às especificidades que envolvem cada um deles e o marcante empenho, por parte destes, em manter sua autonomia” (SILVEIRA, 2003, p. 41). Mediante esse contexto, verificou-se uma grande mobilização por parte de entidades não governamentais, mas que trabalhavam e batalhavam pelos cidadãos menos favorecidos, dentre eles as crianças e os adolescentes. Quanto aos movimentos, predominavam valores da justiça social e de solidariedade, entendidos por Sader (1995 apud SILVEIRA, 2003, p. 42) como “[...] o repúdio à forma instituída da prática política, encarada como manipulação, teve por contrapartida a vontade de serem ‘sujeitos da sua própria história’, tomando nas mãos as decisões que afetam suas condições de existência”. Permeando a década de 1985, os movimentos sociais se atinham às violações aos direitos humanos com maior intensidade e engajamento. Na esfera das crianças e dos adolescentes, multiplicavam-se as denúncias, os atos e os descontentamentos populares em prol da defesa de seus direitos. Houve reação contra as diretrizes jurídicas (Código de Menores) e políticas (Política Nacional de Bem-Estar do Menor) vivenciadas nesse período, sugerindo o fortalecimento democrático das políticas de atenção às crianças e aos adolescentes. Para tanto, surgiu o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), no ano de 1985 (SILVEIRA, 2003). A MNMMR, segundo Silveira (2003, p. 48), é: Uma organização não-governamental (sic), autônoma e de voluntariado, que atua na defesa e promoção dos direitos das crianças e dos adolescentes de rua do Brasil, e constitui-se, desde sua criação, como uma rede de pessoas das mais variadas atividades com atuação unificada, (folder de divulgação do MNMMR). Seu surgimento está 20 vinculado às denúncias das diferentes formas de violência e de violações de direitos inerentes da pessoa, calcando-se na Declaração Internacional dos Direitos da Criança (SILVEIRA 2003, p. 48). Nas décadas de 1970 e 1980, esse fato começou a tomar novos rumos. A conjuntura da sociedade brasileira passou por um processo de democratização, donde se levantaram questões pertinentes da cidadania e os direitos. 2.2 A família em situação de Vulnerabilidade Social 2.2.1 A Vulnerabilidade Social No que diz respeito à vulnerabilidade social, Carleto, Alves e Gontijo (2010) e Silva, Costa e Kinoshita (2014) apontam que a pobreza não seria o único motivo para a vulnerabilidade, mas também as relações sociais, as redes de suporte, as rupturas sócio relacionais, a população em situação de rua, ausência de moradia convencional, uso de drogas, violência, desemprego, entre outras. Portanto, a pessoa é considerada em situação de vulnerabilidade quando exposta a situações que atrapalham o desenvolvimento eficaz e que a impede de realizar com êxito a socialização, fatores esses que dificultam a possibilidade de superar desafios. A vulnerabilidade social caracteriza-se como uma fragilidade do sujeito à riscos e como um obstáculo para os mesmos em exercerem as funções sociais na promoção, assistência ou defesa de direitos como cidadão, e pode limitar o potencial das pessoas de garantir a sobrevivência e proteção das crianças e dos adolescentes (CARLETO; ALVES; GONTIJO, 2010; SILVA; COSTA; KINOSHITA, 2014). Assim, Conceição (2010) descreve que os espaços geográficos, a localização, a composição e a forma de um território influenciados pelos fatores socioeconômicos e culturais, caracterizam um contexto social de vulnerabilidade. Desta forma, as dificuldades de acesso, a inexistência de recursos e serviços, a baixa infraestrutura de suporte e redes sociais são produtos e, ao mesmo tempo, elementos constituintes de hermenêutica dos processos das situações de rupturas e fragmentação das relações humanas por meio da divisão de classes, da segmentação de sistemas e ofertas de trabalho - o que dificulta uma reestruturação e inserção igualitária de diferentes parcelas da população e mantém os meios e situações de vulnerabilidades (CONCEIÇÃO, 2010, p.55). Para Castel (1997), existem três eixos de trabalho - trabalho estável, trabalho precário e não trabalho - estes estão ligados diretamente a inserção relacional forte, fragilidade relacional e isolamento social. Separando, assim, a vulnerabilidade como 21 uma zona, relacionada ao trabalho precário e fragilidade dos apoios relacionais. A zona de vulnerabilidade pode ser caracterizada por duas classes de trabalho: pequenos trabalhadores independentes sem reservas econômicas e trabalhadores precários do campo ou da cidade que não recebem seus benefícios. Tornando-os instáveis, pois não possuem um trabalho fixo, além de serem considerados frágeis em sua inserção relacional (CASTEL,1997). Conceição (2010) ressalta que famílias vulneráveis são propícias a rupturas de vínculos e afetos, uma vez que podem proporcionar cuidados precários básicos aos menores, que são fatores de risco para o desenvolvimento benéfico. Segundo estudos de Siqueira (2010), a maior parte das famílias em situação de vulnerabilidade social possui baixa escolaridade, desenvolvem atividade informal de trabalho e/ou os pais são separados. Com isso, Carleto, Alves e Gontijo (2010) também reforçam que, devido a situação de vulnerabilidade das famílias, é possível observar atrasos no desenvolvimento escolar infantil diante, muitas vezes, da necessidade de entrada precoce da criança no mundo do trabalho e de cuidado dos familiares, como idosos ou crianças mais novas, limitando e privando o desempenho ocupacional. Conforme Oliveira, Flores e Souza (2012) relatam que a privação dos direitos como o de saneamento básico, moradia, alimentação, causam a situação de vulnerabilidade social e podem ser considerados como um fator de risco para problemas no desenvolvimento, pois afetam aspectos ambientais e biológicos interferindo em um desenvolvimento adequado para as crianças. 2.2.2 Vulnerabilidade Social dentro do meio Familiar Ultimamente a família brasileira tem sofrido várias mudanças, em consequência dos eventos econômicos, sociais e demográficos. Essas transformações são percebidas nos níveis de reprodução da população, na redução da fertilidade e mortalidade, no aumento da expectativa de vida, ocasionado por melhores condições de vida e saúde, nos modelos de relacionamentoentre os integrantes da família, na função da mulher dentro e fora do ambiente doméstico, no crescimento das uniões consensuais, e outras (NASCIMENTO, 2006). De acordo com o autor, mesmo com essas mudanças, a família segue sendo como espaço de convivência e troca de experiências; e simultaneamente um espaço de divergência e de tranquilidade, causado pela disposição de bens. A família é o 22 espaço que assegura a seus membros sobrevivência, desenvolvimento e proteção integral. Além da relevância da família como espaço privilegiado de convivência e socialização, é importante salientar, como expõe Goldani (2002), que as intensas transformações políticas e econômicas, e os problemas gerados pelo mercado mundial levam os indivíduos e famílias a vivenciarem episódios de vulnerabilidade social, e apesar dos governos tentarem harmonizar suas economias, as reforma são demoradas e complexas, o que aumenta os deveres da família como estrutura de proteção social para redução das situações de vulnerabilidades sofridas por seus integrantes. Os trabalhos produzidos a respeito da vulnerabilidade social revelam que seu conceito é heterogêneo devido às inúmeras situações que podem atingir indivíduos, famílias e, conforme Nery (2009) compreende diferentes aspectos, entre os quais: a dos bens materiais, a sociodemográfica, a ambiental e a afetivo-relacional. As primeiras pesquisas vistas na literatura apresentam as vulnerabilidades somente baseada na perspectiva econômica, pois se baseiam em análises da capacidade de mobilidade social, começando da hipótese de que o aspecto econômico interfere na diminuição de oportunidades, o que influencia, justamente, nas possibilidades de acesso a bens e serviços. No Brasil, seguramente, a pobreza é uma das principais vulnerabilidades que afetam as famílias. Conforme Godinho (2011), no Brasil, a pobreza é resultado de um sistema histórico de desigualdades sociais, que se refere à nossa trajetória da gênese da civilidade, da cidadania, da economia nacional e das relações de poder, que originaram as situações que vivenciamos atualmente, nas relações de trabalho, no trato com o que é coletivo, nas diferenças sociais e na falta de políticas públicas eficientes. Yazbek (2007) esclarece que a pobreza, além da falta de renda, provoca uma situação de submissão, pela ausência de poder de mando, de decisão, criação e direção. Dessa forma, a submissão faz parte da classe dos dominados, dos sujeitos à exploração e à exclusão social, econômica, política e cultural, portanto, consiste em um processo de internalização das condições reais sofrida por estes indivíduos. Além disso, a situação de submissão está relacionada a um cenário de necessidades objetivas e subjetivas, assim, “não se reduz às privações materiais, alcançando diferentes planos e dimensões da vida do cidadão.” (COUTO; YAZBEK; RAICHELIS, 23 2010, p. 40). Alguns autores trazem o discurso de que uma grande quantidade da população que não é classificada como pobre quando se considera sua renda, mas pode ser vista como vulnerável. De acordo com Carneiro (2009, p. 170), “nem todos os que se encontram em situação de vulnerabilidade são pobres - situados abaixo de alguma linha monetária da pobreza - nem todos os pobres são vulneráveis da mesma forma”. Contudo, a vulnerabilidade não pode ser considerada apenas pela pobreza. Para Kaztman (2000, pg.7) a vulnerabilidade pode ser compreendida como “a incapacidade de uma pessoa ou de um domicílio para aproveitar-se das oportunidades, disponíveis em distintos âmbitos socioeconômicos, para melhorar sua situação de bem-estar ou impedir sua deterioração”. O autor acredita que a vulnerabilidade seria resultante da falta de sincronismo do acesso as estruturas de oportunidade ofertadas pelo mercado, pela sociedade e pelo Estado e os trabalhadores dos domicílios que deveriam usufruir dessas oportunidades. Fundamentado nessa concepção, Busso (2001, p. 25) enfatiza que: O enfoque da vulnerabilidade tem como potencialidade contribuir para identificar indivíduos, grupos e comunidades que por sua menor dotação de ativos e diversificação de estratégias estão expostos a maiores níveis de risco por alterações significativas nos planos sociais, políticos e econômicos que afetam suas condições de vida individual, familiar e comunitária (Busso 2001, p. 25). Percebe-se que o reconhecimento dos indivíduos e das famílias em vulnerabilidade social é importante para a elaboração de pesquisas sociais, sendo base para ações de políticas públicas sociais, pois, conforme Goldani (2002), a maioria das famílias no Brasil depara-se com um cenário difícil de vulnerabilidades, que faz com que seus integrantes não tenham disponíveis os serviços de educação, trabalho e segurança. De acordo com Carvalho; Almeida, (2003), a pobreza, o desemprego e a falta de expectativas têm levado uma parcela considerável de jovens para a criminalidade, o que colabora para o crescimento de conflitos, como a violência doméstica e nas ruas, situações que comprometem o convívio e a estrutura familiar. De acordo com a Política Nacional de Assistência Social-PNAS (2004) à condição de vulnerabilidade e às situações de riscos é vista como: “famílias e indivíduos com perda ou fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e ou no 24 acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advindas do núcleo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social”. (PNAS, 2004, p. 33). Quando se examina a idéia de vulnerabilidade social pelo ponto de vista da PNAS (2004), verifica-se que a pobreza é reconhecida como uma das condições que a caracterizam, porém o conceito de pobreza não se limita apenas à falta de renda, visto que esta é desencadeadora de diferentes aspectos das necessidades humanas, deste modo, é preciso investigá-la como um fenômeno complexo. No entanto, apesar da constatação da necessidade de políticas públicas dirigidas a família, é evidente que não basta à lei; é necessário produzir normas, modelos e instrumentos para que o direito passe do papel para a promoção efetiva. Há muitas responsabilidades na área da assistência social para que esse processo avance, partindo do acesso a informações explícitas aos usuários dos CRAS, dos Centros de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), dos serviços oferecidos e dos beneficiários de programas, no intuito de informar ao usuário o significado de cada uma dessas atenções, assim como a forma de atenção que lhe vier a ser proporcionada (BRASIL, 2013). 2.3 O Contexto da negligencia Familiar contra criança e adolescente De acordo com o dicionário Aurélio, negligencia significa: "Desleixo descuido, desatenção, menosprezo, preguiça, indolência". Palavras um tanto quanto vagas e com significados dependentes de valores culturais e pessoais. A exemplo de estudos científicos internacionais sobre o fenômeno da negligencia da familiar voltado a criança e ao adolescente que não compartilham de uma definição comum, segue as concepções de AZEVEDO e GUERRA, (1998, p. 72): É um padrão de comportamento constante e um estado inadequado da paternagem e ou maternagem quando comparada As normas da comunidade; Grave omissão que coloque em risco o desenvolvimento da criança; consiste em falha ao cuidar das necessidades de uma criança, falha raramente proposital, tratando-se de uma inabilidade de comportamento dos pais; É quando os pais deixam crianças mais novas sem supervisão por extensos períodosde tempo, fornecem cuidados e alimentação inadequados para criança; Situação na qual o responsável pela criança seja deliberadamente, seja por total falta de atenção, permite que ela experimente sofrimento e/ou ainda não preencher para ela os requisitos geralmente considerados essenciais 25 para o desenvolvimento das capacidades físicas e emocionais de um ser humano AZEVEDO e GUERRA, (1998, p. 72). Ainda conforme acima, pode-se juntar também que a negligencia pode ser caracterizada ainda "como uma das formas de violência que consistem em não dar a criança aquilo que necessita, quando isto é essencial ao seu desenvolvimento sadio" ( Assis 1985). A negligência pode se apresentar como moderada ou severa, para compreendermos melhor faz-se necessário entender sobre o assunto modalidades de negligência, conformas as que seguem abaixo: 1) médica - necessidade de saúde de uma criança quando não estão sendo preenchidas; 2) educacional - os pais não providenciam o substrato necessário para a frequência à escola; 3) higiênica - quando a criança vivência precárias condições de higiene; 4) de supervisão - a criança deixada sozinha, sujeita a riscos; 5) física - não há roupas adequadas, não recebe alimentação suficiente. Para tanto as descrições e fundamentações das mesmas ficará para momento oportuno dentro desse trabalho. 2.3.1 Identificação da Negligência para um Desenvolvimento Sadio Para Gil (1979) o alto índice de maus tratos contra a criança e a adolescente em nossa sociedade mostra que os pais negligentes geralmente escolhem um bode expiatório. As crianças conhecidas como "bebes mal tratados" recebem as mais variadas formas de violência, os maus tratos As crianças afetam infinitamente, e a negligência segundo o autor citado é a forma de violência mais praticada embora as idades variam, pois a maioria das vítimas tem menos de três anos e a metade das crianças maltratadas acabam morrendo de maus tratos e negligencia, independente de classe social. Os pais que maltratam são provenientes de todos os níveis de classe, grupo cultural, religioso. Pode-se dizer que ela pode decorrer de vários fatores e diferentes modalidades e/ou ainda isoladas ou combinadas. Morais Apud Barudy (1997) nos fala que: "As crianças dependem, diz a autora, biologicamente, psicologicamente e socialmente dos pais e não há outra alternativa a não ser aceitar a situa cão como legitima, Para as vítimas fica o pacto do silêncio como forma de fidelidade ao agressor o que impede as crianças e adolescentes a expressão de sua dor e de seu sofrimento”. 26 A sociedade brasileira ficou chocada ao assistir através dos telejornais e Programa do Ratinho, do SBT, com a exibição de cenas repugnantes de um adulto torturando uma menina de três anos a ponto de obriga-la a comer as próprias fezes, em seguida os pais tomam conhecimento da tragédia do bebê paulista (Brenda), a menina sofria torturas de espancamento e a mãe negligente se omitiu de socorre-la, Brenda tinha sido internada em cinco hospitais diferentes sem que ninguém se dispusesse a denunciar a situação. 0 pediatra Joao Márcio Mainenti, último a cuidar de Brenda, procurou a polícia e infelizmente Brenda veio a óbito. Nas famílias negligentes e omissas, ou os adultos, mais especificamente os pais, apresentam comportamentos contínuos que refletem a ausência ou a insuficiência dos cuidados que destinam as suas crianças. Um contexto de pobreza e de isolamento social geralmente está em torno do sistema familiar, contexto este que coincide na maior parte do tempo com muitas outras carências apresentadas na história de vida dos pais. Os pais negligentes são adultos que não se ocupam de seus filhos nas suas necessidades físicas, psicológicas e sociais, e a não ocupação ou deficiência podem ser o resultado de três dinâmicas que se entrelaçam: a biológica, a cultural e a contextual, dinâmicas essas que são diferentes, mas as conseqüências para as vitimas podem ser idênticas (Morais Apud Barudy, 1998). As quais veremos detalhadamente no capitulo a seguir. 27 3 TIPOLOGIA DA NEGLIGÊNCIA FAMILIAR CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE A negligência é caracterizada por omissões quanto ao cuidado e proteção infantil, revela-se na falta de provimento de alimentos, roupas, cuidados escolares e médicos e de outros que são indispensáveis ao desenvolvimento da criança. As omissões de cuidados pelos responsáveis correspondem à higiene, estímulos e condições para frequentar a escola, para a oferta de medicamentos, entre outros. (BRASIL, 2006). A negligência é o tipo mais frequente de maus tratos e inclui a negligência física, a emocional e a educacional. Negligência Física: Acontece quando o responsável não oferece os cuidados necessários para manter o desenvolvimento da criança, incluindo a falta de alimentação adequada, não prestação de serviços médios, vestuários impróprios, má higiene e situações de abandono ou vigilância a essas crianças. Negligência Emocional: acontece quando o responsável ignora, não atende as necessidades emocionais da criança, como carinho, proteção, há uma privação de afeto e suporte emocional para que a criança se desenvolva plenamente. Negligência Educacional: Quando não são proporcionadas as condições para formação moral e intelectual da acriança, como a privação da escolaridade ou faltas frequentes sem justificativa, consumo de álcool e drogas que são hábitos que interferem no desenvolvimento psíquico da criança e adolescente. Para que se possa refletir a respeito da família e negligência é preciso, mesmo que de maneira sucinta, discorrer sobre a violência doméstica, já que a negligência é apontada como um tipo de violência que acontece na família. Segundo Guerra (2011, p.32), esse tipo de violência caracteriza “(...) todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima (...)”. A violência doméstica é considerada um crime, pois os agentes da violência são aqueles que deveriam cuidar e assegurar o direito de desenvolvimento da criança e do adolescente. Portanto, a violência doméstica, como o próprio nome evidencia, compreende a violência praticada por pessoas próximas ou íntimas e que convivem no mesmo espaço doméstico, podendo acontecer entre parceiros, pais e filhos, e outros, pressupondo uma dominação de um para com o outro. Além disso, é uma forma clara de negar a alguém a possibilidade de viver com igualdade, liberdade e respeito (RAZERA et al,2014). 28 São observados quatro tipos de violência doméstica: Psicológica, Física, Sexual e a negligência. Veremos suas definições a seguir. 3.1 Violência Psicológica Essa violência, designada como tortura psicológica, é a forma mais subjetiva de maus tratos, sendo o modelo mais comum de dominação dos adultos sobre as crianças e adolescentes e estar relacionado aos outros tipos de violência. A violência psicológica é um dos recursos mais usados pelos responsáveis para dominação das crianças, por isso mesmo menos registrado (BRAUN, 2002). A violência psicológica se caracteriza por comportamentos de pais ou responsáveis que demonstram desinteresse ou agressão à criança ou adolescente, comprometendo sua autoimagem, autoestima, provocando-lhe sofrimento emocional (ABRANCHES e ASSIS, 2011; SILVA, 2009). Este tipo de violência é considerada a questão principal da negligência e do abuso infantil, sendo ainda a que causa mais prejuízos ao desenvolvimento infantil. Ainda conforme as autoras, a violência psicológica embora presente e mais frequente que os demais abusos são pouco diagnosticados, em virtude, da falta de definição e conceitos os quais auxiliaria no processo de detecção e prevenção da mesma. 3.2 Violência física A violência física é definida como o usoda força física contra a criança praticada pelo adulto. Esse tipo de violência pode provocar lesões leves e ainda a morte, podendo ser bastante nociva tanto no plano físico quanto no plano afetivo da vítima. É com certeza a forma de violência cujo reconhecimento se torna mais fácil, em razão do dano que provoca à vítima. Segundo Brasil (2006) a violência física possui manifestações que são mais passíveis de identificação, frente aos danos visíveis que provoca. É caracterizada como uma ação violenta com uso de força física, de maneira intencional ou não acidental, realizada pelos responsáveis ou pessoas próximas das crianças, que pode ocasionar dor, ferimento, ou até a morte, deixando marcas ou não no corpo. O Ministério da Saúde (2002) descreve que este tipo de violência tem sido atribuído à condição de pobreza em que vivem suas famílias, que necessitam da participação dos filhos para complementar a renda familiar. 3.3 Violências e Exploração Sexual. No Brasil, a violência sexual é apontada, desde tempos atrás, como uma das principais causas de morbimortalidade, despertando desde então, no setor da saúde, uma grande preocupação com essa temática que, progressivamente, deixa de ser 29 considerada um problema exclusivo da área social e jurídica para ser também incluída no universo da saúde pública. Para alguns pesquisadores da área de saúde mesmo com a falta de integração e escassez de dados é possível inferir que as várias modalidades de violência ocorridas no ambiente familiar podem ser responsáveis por grande parte dos atos violentos que compõem o índice de morbimortalidade (Minayo, 1994). Embora seja um fenômeno que ocorre desde a Antigüidade, a violência sexual doméstica, em especial aquela dirigida à criança e ao adolescente, passou a ser mais discutida no meio científico a partir dos anos 80 conforme (Santos,1987; Azevedo & Guerra, 1988; 1989; 1995; Marques, 1986; Minayo, 1993; Saffioti, 1997). Em vista a essa nova nuance, é também nessa década que começam a surgir os primeiros programas específicos para atendimento dessa problemática, previsto no artigo 87, inciso III, lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente, como o Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância primeiro em São José do Rio Preto (SP) implantado em outubro de 1988, conforme modelo do CRAMI – Campinas, criado em 1985. Desde então, o conhecimento sobre essa forma de violência vem sendo ampliado e sua gravidade reconhecida, ainda que os dados globais sobre sua magnitude não estejam devidamente dimensionados. No Brasil, a padronização para registrar situações de violência sexual familiar é fragmentada, o que provoca prejuízo para uma rotina clara e eficaz, ocasionando deficiências nos procedimentos a serem seguidos pelos profissionais e instituições, pois além disso, há carência de políticas públicas eficazes que viabilizem a criação e, principalmente, a manutenção de programas preventivos e de tratamento, necessários para promover o aprimoramento e evolução de técnicas eficazes no enfrentamento dessa problemática. Devido a fatores como medo, falta de credibilidade no sistema legal e o silêncio cúmplice que envolve as vitimizações sexuais, as mesmas são de difícil notificação. Nos Estados Unidos, as denúncias junto às autoridades legais apresentam taxas varáveis de 16 a 32%, com cerca de 300 a 350 mil pessoas com idade de até 12 anos ou mais vitimizadas anualmente, e igual número de vítimas com idade abaixo de 12 anos. No Brasil, inexistem dados globais a respeito do fenômeno, estimando-se que menos de 10% dos casos chegam às delegacias. De acordo com Saffioti, 1997: 30 Nas vitimizações sexuais, além das lesões físicas e genitais sofridas, as crianças e adolescentes tornam-se mais vulneráveis a outros tipos de violência, aos distúrbios sexuais, ao uso de drogas, a prostituição, à depressão e ao suicídio. As vítimas enfrentam ainda, a possibilidade de adquirirem doenças sexualmente transmissíveis, o vírus da imunodeficiência humana (HIV) e o risco de uma gravidez indesejada decorrente do estupro. Diante dessa magnitude de acontecimentos, a violência sexual adquiriu caráter endêmico, convertendo-se num complexo problema de saúde pública cujo enfrentamento torna-se um grande desafio para a sociedade. De acordo com Azevedo & Guerra (1995) Ao organizar a sociedade, os seres humanos utilizam vários eixos de hierarquização, estabelecendo regras culturais, sociais, éticas e legais para reger o comportamento de indivíduos na coletividade, e assim as regras de autoridade, gênero e idade são fatores de grande importância na análise das relações sociais e interpessoais da violência sexual dentro do espaço doméstico ou fora do mesmo. Contudo a regra da autoridade determina o domínio do mais forte sobre o mais fraco, enquanto que a de gênero, regula as relações entre homens e mulheres. A regra de idade, de um lado rege as relações entre crianças e adolescentes e, do outro, as relações entre adultos detentores do poder e desses sobre os primeiros, socialmente excluídos do processo decisório. Na violência sexual doméstica, as vitimizações ocorrem no território físico e simbólico da estrutura familiar onde o homem praticamente possui o domínio total. Conforme assim, ela é definida por Deslandes (10, p. 13), como "Todo ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual cujo agressor esteja em estágio de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adolescente com o intuito de estimulá- las sexualmente ou utilizá-las para obter satisfação sexual". Desta forma dentro do espaço doméstico, por um processo de domínio e poder estabelecido pelas regras sociais, agressores com laços consanguíneos ou de parentescos perpetram o tipo de violência sexual chamada de intrafamiliar. Atualmente, a noção de cidadania requer que os membros da sociedade, reconhecidos como cidadãos de acordo com um marco legal democraticamente estabelecido, possuam o direito à liberdade, à participação, à garantia da vida, à sobrevivência e ao bem-estar, rompendo antigos padrões societários, na década de 90, o Brasil realiza um importante avanço no campo dos direitos humanos, aprovando o Estatuto da Criança e do Adolescente. 31 A partir de então, esses passaram a ser juridicamente considerados como sujeitos de direitos e não mais menores incapazes, objetos de tutela, de obediência e de submissão, tendo como paradigma os recentes avanços da normativa internacional e possuindo como conteúdo o melhor da experiência acumulada pelo movimento social brasileiro, o ECA é um instrumento que colabora decisivamente na identificação dos mecanismos e exigibilidade dos direitos constitucionais da população infanto- juvenil. Privilegia-se nele, um espaço para a denúncia e o ressarcimento e qualquer fato que viole os direitos das crianças e adolescentes, ainda que à revelia dos mesmos. Para os dias atuais, a sociedade e o Estado brasileiros promovem o enfrentamento dos diversos tipos de violência, assegurando às crianças e adolescentes o pleno exercício de seus direitos constitucionais e estatutários. Nesse sentido, destacam-se os Conselhos Tutelares e do Centro de Referência da Criança e do Adolescente (CRCA). O Conselho Tutelar, órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, tem como atribuição o atendimento direto de denúncias, o diagnóstico da realidade de violação de direitos, o monitoramento do Sistema de Garantia de Direitos e o atendimento direto de serviços, suprindo a falta de políticas públicas. O CRCA desenvolve, em parceria com o Ministério Público, um programa que prioriza o atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social, segundo os preceitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Atualmente vem sendo observado alguns avanços não só na área da saúde,como também educação e segurança pública, o que provavelmente desencadeará novos processos e possibilidades de ações. No ano de 2000, foi promulgada a lei 10.498, de 5 de janeiro de 2000, que dispõe sobre a obrigatoriedade da notificação dos casos em que haja suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança e adolescente para os estabelecimentos de Educação, Saúde e Segurança Pública. Em sintonia com esta determinação, o Ministério da Saúde publicou, no Diário Oficial da União, a portaria 1968, de 25 de outubro de 2001, que estabelece a obrigatoriedade da Notificação Compulsória para os profissionais dos estabelecimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), criando a Ficha de Notificação Compulsória de Maus-Tratos Contra Criança e Adolescente, fundamentadas nos artigos 13 e 245 do Estatuto da Criança e Adolescente (Ministério da Saúde, 2001). 32 Essas ações federais e estaduais são instrumentos fundamentais para o processo de conhecimento e visibilidade desse problema nos municípios, Estados e país, colaborando com trabalhos de pesquisa e, consequentemente, proporcionando melhoria na qualidade dos programas de intervenção. 3.4 Exploração do trabalho infantil Desde os tempos antigos a criança desempenhava atividades no âmbito doméstico, colaborando na plantação e na colheita destinada à subsistência da família e comunidade, deixando aos adultos as atividades de maior complexidade e risco. Não se conhece naquele período, qualquer preocupação em garantir direitos e proteção à criança. Culturalmente aceito, o trabalho realizado era ensinado pelos pais, cujos ofícios iam passando de geração em geração. Na Grécia, no Egito, em Roma, entre outros povos, os filhos de escravos eram obrigados a trabalhar para seus donos ou para terceiros, quando este assim o determinasse. No sistema feudal, que tem seu início na Europa a partir do século X, os servos e suas famílias, inclusive crianças, trabalhavam para os senhores no cultivo da terra, cujo produto obtido era parte do proprietário e parte do servo. Invernos rigorosos, moradias insalubres e alimentação precária, somavam-se às longas jornadas de trabalho. Tal situação rebatia no cotidiano dos trabalhadores provocando cansaço profundo e consequente baixa produtividade. Há que se ressaltar, os trabalhadores submetiam-se a essa vida em troca de proteção, embora precária. Em decorrência da exploração dos senhores feudais sobre os servos e da implementação do comércio nas cidades, ocorre o êxodo dos trabalhadores rurais para os centros urbanos. O trabalho de caráter artesanal passa a suprir a necessidade do consumo de mercadorias pela nobreza. São criadas neste período as Corporações de Ofício, organizações dos artesãos que tinham dentre seus objetivos a defesa de seus interesses. Delas faziam parte os mestres, donos das oficinas e das matérias primas, com comprovada aptidão; os companheiros, que eram trabalhadores assalariados; e os aprendizes (crianças e adolescentes), que deviam apresentar boa conduta e obediência ao seu mestre. A este cabia a transmissão de conhecimentos e a educação moral, impondo-lhes castigos quando necessário. Cabe ressaltar aqui que o adolescente tinha sua iniciação aos doze anos, não havia remuneração pelo trabalho realizado e estava sujeito a uma jornada de trabalho 33 excessiva. O descontentamento e as revoltas constantes dos trabalhadores começam a colocar em xeque o sistema vigente. De acordo com Oliva (2005, P. 36): A demorada aprendizagem, a dificuldade cada vez maior de acesso à condição de mestre, o despotismo e uma série de outros problemas, dentre os quais o início da formação de novas corporações por companheiros rebelados (as companhias), com o fito de combater dos mestres, fizeram com que o regime entrasse definitivamente em declínio (OLIVA, 2005, p.36). É a partir do século XVIII, com a descoberta das máquinas e da eletricidade que surgem as fábricas e uma nova modalidade de trabalhador, o assalariado. Essa mudança nas relações societárias e na economia chamada Revolução Industrial, vai marcar o mundo de forma significativa. O trabalho infantil estava presente ainda nas atividades algodoeiras, nas minas e nas indústrias metalúrgicas, setores que exigiam o trabalho pesado sem segurança e que muitas vezes levavam a criança a adoecer e não raro à morte. Crianças eram retiradas de orfanatos para trabalhar em troca de comida e guarida. Muitas famílias pobres, sem outra alternativa de subsistência, ofereciam seus filhos para as indústrias em troca de salários precários. A criança trabalhava para complementação dos rendimentos, sendo em alguns casos o seu único provedor. No caso brasileiro, o trabalho infantil também esteve presente. As crianças pobres sempre trabalharam. Desde o início da colonização, crianças negras e indígenas são incorporadas ao trabalho. Quando a Revolução Industrial chega ao Brasil, principalmente as indústrias têxteis passam a utilizar esse tipo de mão de obra, a custos bem mais baixos, como elemento de exploração e de acumulação de riquezas. Em “Pequenos Trabalhadores do Brasil”, Irma Rizzini ao discorrer sobre a história do trabalho infantil no Brasil, retrata a utilização da mão de obra infantil por grandes indústrias. Levantamentos bibliográficos demonstram que a partir de 1894 demonstram que a indústria têxtil foi a que mais recorreu ao trabalho de menores e mulheres no processo de industrialização do país. Em 1894, 25% do operariado proveniente de quatro estabelecimentos têxteis da capital eram compostos por menores. Em 1912, 9.216 empregados em estabelecimentos têxteis na cidade de São Paulo, 371 tinham menos de 12 anos e 2.564 tinham de 12 a 16 anos. Os operários de 16 a 18 anos eram contabilizados como adultos (RIZZINI, 2007, p.377). 34 4 UMA ANÁLISE E REFLEXÃO DO PONTO DE VISTA DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE- ECA Os direitos do Menor ao longo da História, são fatos que a responsabilidade do menor foi alvo de constantes discussões, desde os tempos mais remotos, em todos os sistemas jurídicos. Admitia-se que o homem não poderia ser responsabilizado pessoalmente pela prática de um ato tido como contrário ao julgamento da sociedade, sem que para isso tivesse alcançado uma certa etapa de seu desenvolvimento mental e social. Contudo, os menores passaram por exaustivos sacrifícios, inclusive tendo que pagar com a própria vida até garantir uma codificação de seus direitos mais fundamentais. Assim, na Grécia Antiga, era costume popular que seres humanos fossem sacrificados se nascessem com alguma deformidade física. Seguindo-se ainda pela época antiga, se faz necessário lembrar a perseguição de Herodes, rei da Judéia, que mandou executar todas as crianças menores de dois anos, na tentativa de atingir Jesus Cristo, já então conhecido como o rei dos Judeus. Vê-se, assim, que a época do paganismo foi concentrada nas agressões e desrespeitos aos direitos fundamentais dos menores. O marco histórico do início das garantias às crianças e adolescentes, foi o Cristianismo que conferiu direitos àqueles, com vistas ao seu bem-estar físico e material, o que hoje raramente ocorre, sobretudo nos países subdesenvolvidos, onde sobejam as condições de abandono e pobreza. O Direito Romano exerceu grande influência sobre o direito de todo o ocidente, de onde se mantém a noção de que a família se organiza sob um forte poder do pai. Contudo, o caminhar dos séculos atenuou esse poder absoluto, que poderia matar, maltratar, vender ou abandonar os filhos. Ainda assim, o Direito Romano adiantou-se ao estabelecer de forma especifica uma legislação penal adotada aos menores, distinguindo os seres humanos entre púberes e impúberes. Para esses últimos era reservado o discernimento do juiz, porém tendo este a obrigação de aplicar penas bem mais moderadas.Já os menores de até 7 anos eram considerados infantes absolutamente inimputáveis. Dentre as sanções atribuídas, destacam-se a obrigação de reparar o dano causado e o açoite, sendo, contudo, proibida a pena de morte, como se extrai da Lei das XLI Tábuas, assim explicada por MEIRA: (1972, p. 168-171): 35 TÁBUA SEGUNDADA: os julgamentos e dos furtos; Se ainda não atingiu a puberdade, que seja fustigado com varas, a critério do pretor, e que indenize o dano. TÁBUA SÉTIMA Dos delitos: Se o autor do dano é impúbere, que seja fustigado a critério do pretor e indenize o prejuízo em dobro (MEIRA 1972, p. 168-171). A idade média, através dos Glosadores, suportou uma legislação que determinava a impossibilidade de serem os adultos punidos pelos crimes por eles praticados na infância. O Direito Canônico ateve-se fielmente às diretrizes cronológicas de responsabilidade preestabelecidas pelo Direito Romano. No ano de 1791, com a instituição do Código Francês, viu-se um lento avanço na repressão da delinquência juvenil com aspecto recuperativo, com o aparecimento das primeiras medidas de reeducação e o sistema de atenuação de penas. De grande importância para a garantia dos direitos dos menores foi a Declaração de Genebra, em 1924. Foi a primeira manifestação internacional nesse sentido, seguida da não menos importante Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1959, que estabelece dez princípios considerando a criança e o adolescente na sua imaturidade física e mental, evidenciando a necessidade de proteção legal. Contudo, foi em 1979, declarado o Ano Internacional da Criança, que a ONU organizou uma comissão que proclamou o texto da Convenção dos Direitos da Criança, no ano de 1989, obrigando aos países signatários a sua adequação das normas pátrias às internacionais. Outro acordo moral em prol dos direitos da criança foram as Regras Mínimas de Beijing, adotado pela ONU em 1985. Consagrava-se, pois, uma das mais modernas legislações ligadas aos menores pelo mundo, qual fosse, a Lei 8069 de 17 de julho de 1990, ou simplesmente Estatuto da Criança e do Adolescente. Juntamente com o Código de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente entrou em vigor em 13 de julho de 1990 substituindo o antigo Código de Menores, Lei Federal nº 6.697 de 10 de outubro de1979. Previa o Código de Menores em seu art. 99: “o menor de 18 anos, a que se atribua autoria de infração penal, será, desde logo, encaminhado à autoridade judiciária”. Esta regra, do antigo Código, mudou. O ECA não fala mais em “menor” e sim em “criança e adolescente”, também não se fala mais em “infração penal”, utiliza-se o termo “ato infracional” e, por último, o Juiz não é mais a única autoridade competente para atuar perante a prática de um ato infracional, o Conselho Tutelar é a nova 36 autoridade administrativa que tem atribuição de se dedicar ao atendimento da criança e do adolescente. O Código de Menores era uso meramente “judicial”, enquanto o Estatuto é uma lei “pedagógica”, civilizatória. Houve mudança e conteúdo, método, gestão. O Estatuto possui um enfoque garantista, emancipador, baseado nos direitos o cidadão. O ECA não confere pena ao adolescente infrator. Levando em conta a situação de pessoa em formação e a inimputabilidade, confere medidas socioeducativas e, ou protetivas, uma vez que o grande objetivo é a ressocialização do adolescente. Seu objetivo principal é o pedagógico. Só o tratamento, a educação, a prevenção, são capazes de diminuir a delinquência juvenil. 4.1 base legal do ECA O Estatuto Da Criança e do Adolescente e a Doutrina da Proteção Integral teve seus avanços, em termo de norma e até mesmo político institucional são significativos quando se trata de garantia de direitos individuais, coletivos e das liberdades fundamentais das crianças e adolescentes, principalmente por prever instrumentos efetivos para sua concretização, como os Conselhos de Direitos, os Conselhos Tutelares, os Fundos da Criança e, ainda ação civil pública para responsabilização de autoridades que, por ação ou omissão, descumprirem o ECA. É basicamente necessário considerar que o ECA ainda é desconhecido por boa parte da população e também entre inúmeros operadores do direito, o que seguramente é um empecilho a mais para que as substituições introduzidas por este instrumento legal sejam garantidas. Mudanças como, por exemplo, com as crianças e adolescentes sendo titular de direitos, a superação de uma prática assistencialista por uma ação socioeducativa e uma gestão descentralizada, com a efetiva participação popular. Configura-se, então, um permanente distanciamento entre as normas e sua efetividade. Fica claro que a simples existência de uma lei não é suficiente para a transformação da sociedade ou para garantir automaticamente determinados direitos. As leis são instrumentos e alternativa para aqueles que demandam pelo direito na perspectiva de superação ou mesmo regulação de situações conflitantes. Entretanto, a grande contradição encontra respaldo nas medidas socioeducativas contrapostas à noção de pena, que não se reflete na prática. Sobre o caráter pedagógico do modelo, o ECA é claro como quando, por exemplo no inciso 37 IV do art., 122 define a internação em estabelecimento educacional como medida socioeducativa, que de fato, nunca é efetivada, já que não existem condições concretas no país para isto, resultando em medidas cada vez mais repressivas em termos de segurança nesses ditos estabelecimentos educacionais. O que temos, então, é por um lado a doutrina da proteção integral e por outro uma prática repressiva que pauta a realidade brasileira, uma vez que o Estado não fornece conforto e proteção ao menor infrator. Por fim têm-se os instrumentos para a proteção integral que a doutrina define que é a concepção sustentadora da normativa internacional a respeito dos direitos da infância e juventude no Brasil, considera que o Município é a melhor instância para o atendimento desses direitos, prevendo inclusive alguns instrumentos para definir e conduzir essa política. 4.1.1 Os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares O art., 88, do ECA disciplina, em seu inciso II, a criação de Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional. Estes Conselhos devem ser formados em cada Município, em cada Estado e ao nível Nacional, garantindo a participação paritária para os representantes da sociedade. Para que cada criança e adolescente atinjam seus direitos, a norma prevê a criação dos Conselhos Tutelares, que são órgãos que retiram dos juizados da infância e da juventude as funções de assistência social desjurisdicionalizando as questões sociais envolvendo crianças e adolescentes. Casos em que envolvam violação dos direitos de criança e adolescentes são encaminhados ao Conselho Tutelar que busca soluções, encaminhando ao Ministério Público, desenvolvendo trabalho junto à família e comunidade ou mesmo requisitando serviços públicos. As funções atribuídas a esse órgão serão abordadas no decorrer do trabalho. 4.1.2 Os fundos da Criança e do Adolescente Cada Conselho de Direitos deve ter vinculado a si um fundo, como instrumento de captação de recursos. Este fundo financeiro se constituirá apartir de verbas públicas, de doações subsidiadas, de multas e dos impostos de renda de pessoas físicas e jurídicas. Porém, no ano em que completa 26 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda enfrenta dificuldades para fazer funcionar esses fundos cuja receita, de recursos públicos e privados, é empregada em programas sociais. Por falta 38 de credibilidade e divulgação do incentivo fiscal disponível, estima-se que, todo ano, milhões de reais deixam de ser investidos nesse tema.
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