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INTRODUÇÃO Principais achados clínicos na cirrose: Hiperestrogenismo: Eritema palmar, telangiectasias, ginecomastia (com o hipoandrogenismo); Hipoandrogenismo: Atrofia testicular, queda da libido, impotência sexual, diminuição da massa muscular; Déficit de síntese: Coagulopatia, hipoalbuminemia; Hipertensão portal: Varizes esofágicas, ascite, esplenomegalia (hiperesplenismo, plaquetopenia, pancitopenia), síndrome hepatorrenal, hipertensão portopulmonar; Multifatorial: Baqueteamento digital; Doença Avançada: Icterícia, encefalopatia hepática, coagulopatia, hipoalbuminemia – anasarca -, desnutrição, imunodepressão, síndromes hepatorrenal e hepatopulmonar. HIPERTENSÃO PORTAL Fisiopatologia da HP na cirrose: Aumento da resistência vascular intra-hepática secundário à fibrose; Vasodilatação esplâncnica pelo aumento do óxido nítrico, aumentando o fluxo de sangue ao sistema portal que já se encontra com resistência vascular elevada, piorando a HP. É a alteração hemodinâmica mais associada a hemorragia digestiva varicosa, encefalopatia hepática e ascite. Definida como pressão na veia porta > 10 mmHg ou gradiente de pressão venosa hepática (GPVH)> 55 mmHg. O GPVH é utilizado como fator prognóstico. A síndrome da hipertensão portal é caracterizada pela fuga do fluxo sanguíneo da veia porta. Apresenta-se clinicamente pela esplenomegalia congestiva, varizes esofagianas, circulação colateral abdominal (intra- abdominal e superficial) e varizes retais. Situação Clínica Valores de GPVH Normal < 5 mmHg Hipertensão Portal >5 mmHg Surgimento de varizes >10 mmHg Risco de sangramento varicoso >12 mmHg Risco de sangramento grave >20 mmHg Exames para avaliação da HP: USG abdominal com Doppler: Analisa o sistema porta e é capaz de visualizar o aumento da veia porta, a presença de tromboses e as características do fluxo. Endoscopia Digestiva Alta: Identifica sinais de HP clinicamente, como varizes esofagogástricas, gastropatia hipertensiva, GAVE. Colonoscopia: Colopatia portal, varizes retais. Antio-TC/RNM: Pode delinear o sistema porta e a patência de derivações cirúrgicas. Tem certa vantagem ao USG em pacientes obesos, embora seja de alto custo. Angiografia abdominal: Método invasivo e cada vez menos utilizado, relativamente útil na programação cirúrgica de alguns pacientes. Medidas hemodinâmicas: Obtidas pela angiografia. Tem importância adicional na colocação de TIPS (avalia eficácia ou complicação do tratamento). Elastografia: Consegue estimar a fibrose hepática através da mensuração da rigidez. VARIZES ESOFAGOGÁSTRICAS Tem associação direta com o sangramento digestivo varicoso. O paciente com doença hepática crônica avançada deve ser reavaliado periodicamente quanto à necessidade de realizar EDA para pesquisa de varizes esofagogástricas. Como deve proceder o seguimento endoscópico: Pacientes sem varizes e com a etiologia da cirrose controlada: a cada 3 anos. Pacientes que continuam com um fator agressor: a cada 2 anos. Pacientes com varizes de fino calibre: 2 anos para etiologia controlada e 1 ano para etiologia não controlada. O manejo dos pacientes com varizes varia conforme o tamanho dos vasos ectasiados, não o número deles, história prévia de sangramento (profilaxia primária ou secundária) e se o fator etiológico foi controlado ou não. Profilaxia primária: Para pacientes que tem VE mas nunca sangrou, pode ser feita por betabloqueadores não seletivos (BBNS – propranolol, carvedilol ou nadolol) ou ligadura elástica (LE – sessões a cada 2-8 semanas até a erradicação das varizes). Profilaxia secundária: Para pacientes que tem VE e após sangramento varicoso, o recomendado é a terapia dupla (BBNS + LE). Tratamento: Pode ser feito com BBNS. Em casos de sangramento por variz gástrica, a terapia de escolha é a injeção de cianoacrilato (cola que oblitera a variz). Casos refratários: O tratamento pode ser feito por colocação de TIPS (Transjugular Intrahepatic Portosystemic Shunt). Apresenta a encefalopatia hepática como complicação comum por aumento da quantidade de sangue não metabolizado pelo fígado após o shunt. Na ausência de TIPS ou na refratariedade do sangramento: Passagem do balão de Sengstaken-Blakemore como terapia ponte para tamponar a variz. Deve manter-se insuflado por no máximo 24 horas pelo risco de necrose e perfuração esofágica. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA É uma síndrome neuropsiquiátrica potencialmente reversível encontrada em pacientes com disfunção hepatocelular grave (aguda ou crônica), caracterizada pelo aumento de substâncias tóxicas não metabolizadas pelo fígado, como a amônia. Grau Estado Mental Sinais Neurológicos 1 Confusão leve, euforia ou depressão; diminuição da atenção, raciocínio braquipsíquico; irritabilidade; inversão do ciclo sono-vigília Falta de coordenação motora; tremor leve; escrita irregular; 2 Letargia; décit de habilidade analítica; alterações de personalidade e comportamento inapropriado; desorientação intermitente; Asterixis (flapping); ataxia; disartria; 3 Sonolência ou torpor; incapacidade de realização de tarefas mentais; desorientação temporoespacial; confusão mental acentuada; amnésia; ataques violentos de ira motivada; discurso incoerente; Hiper-reflexia; rigidez muscular; fasciculações; Sinal de Babinski; Flapping; 4 Coma Perda dos reflexos oculovestibulares; perda de resposta a estímulos dolorosos; postura de descerebração; Fatores etiológicos que podem precipitar EH: Hemorragia digestiva, infecções (principalmente PBE), constipação (aumento da produção de amônia pela flora intestinal), algumas medicações, alcalose metabólica e carcinoma hepatocelular. O TIPS também é uma causa iatrogênica de precipitação de EH. Principais manifestações clínicas: Alterações variáveis do estado mental associadas a manifestações musculares, como o flapping. Pode apresentar desatenção, irritabilidade e inversão do ciclo sono- vigília e estados mais avançados de confusão mental, bradipsiquismo e até coma. Falta de coordenação, hipertonia, sinal de Babinski e crises convulsivas também podem estar presentes. O diagnóstico é clínico. Tratamento: Baseado no controle do fator precipitante, distúrbios hidroeletrolíticos (acidose metabólica e hipocalemia), correção da constipação e otimização da dieta. *A medicação para tratamento da constipação é a lactulose. Terapias muito utilizadas: antibioticoterapia oral, visando diminuir o número de bactérias produtoras de amônia (rifaximina, neomicina, metronidazol) e a L- ornitina-L-aspartato (LOLA), que atua no ciclo da amônia, reduzindo sua formação. ASCITE Caracterizada pelo extravasamento de líquido dos sinusoides hepáticos para a cavidade peritoneal pela HP. É uma complicação que reflete o estágio avançado de cirrose e hipertensão portal. A análise do líquido ascítico é de fundamental importância diagnóstica e devem avaliar: Proteínas totais e frações (na ascite e no sangue); Celularidade total e diferencial; Citologia oncótica; Dosagem de amilase, triglicérides, ADA, BNP e glicose (controverso); Bacterioscopia e cultura de antibiograma; Avaliação inicial da ascite: Gradiente de Albumina Soro-Ascite (GASA) < 1,1 g/dL (exsudato) sugere doença peritoneal; GASA > 1,1 g/dL (transudato), sugere hipertensão portal; Principais causas de ascite: Hipertensão portal (mais comum); Tratamento: Restrição de sódio (até 88 mEq ou 2g/dia) e diureticoterapia (espironolactona com ou sem furosemida); Ascite neoplásica – tem aspecto hemorrágico; Tuberculose peritoneal – tuberculose pós- primária; Ascite cardiogênica; Ascitenefrogênica – associada à síndrome nefrótica; Ascite quilosa – associada à malignidade (linfoma e sarcoma de Kaposi); Ascite pancreática; Ascite biliar – causada por ruptura da vesícula biliar; Síndrome de Meigs – caracterizada pela tríade tumor de ovário (fibroadenoma) + ascite + derrame pleural. PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA É a infecção do líquido ascítico sem que haja foco intra-abdominal. É um importante marcador de mau prognóstico: mortalidade de até 50% no primeiro episódio. Principais bactérias envolvidas: gram-negativo – Escherichia coli e Klebsiella. Fatores de Risco: Uso de antibióticos nos últimos 90 dias, contato frequente com serviços de saúde e paracenteses de repetição. Manifestações Clínicas: Dor abdominal e febre. O paciente pode ser oligo ou assintomático ou apresentar alguma complicação da hepatopatia, como sangramento digestivo ou disfunção renal. Todo paciente com ascite que requeira internação por deterioração clínica ou sintomas de infecção deve ter uma paracentese realizada dentro de 6 horas da admissão e antes do uso de ATBs. Diagnóstico: Análise do líquido ascítico pela contagem celular no LA≥ 250/mm³. O critério diagnóstico é a contagem de polimorfonucleares (PMN) e não de leucócitos totais. Classificação Características do LA Comentários PBE PMN ≥250/mm³ Cultura + A cultura é tipicamente monomicrobiana Ascite neutrofílica PMN ≥250/mm³ Cultura - Iniciar ATB. Não aguardar resultados das culturas. Bacterascite monomicrobiana PMN < 250/mm³ Cultura + Infecção que pode progredir para PBE. Ainda controverso, ATB reservado para casos sintomáticos Bacterascite polimicrobiana PMN < 250/mm³ Cultura + (mais de um germe) Suspeitar de perfuração de alça durante a paracentese Peritonite Bacteriana Secundária PMN ≥ 250/mm³ (tipicamente > 1000) Proteína total > 1,0 g/dL Glicose < 50 mg/dL LDH alto Cultura polimicrobiana Infecção intraperitoneal. Necessária avaliação com imagens e possível intervenção cirúrgica Tratamento: ATB, geralmente requerendo internação hospitalar. As cefalosporinas de 3ª geração é a classe mais utilizada de forma empírica. Ceftriaxona 2g/dia por 5-7 dias. Recomenda-se realizar paracentese de controle após 48h de antibioticoterapia. Por alta probabilidade de síndrome hepatorrenal associada, recomenda-se adicionar albumina intravenosa profilática e suspensão dos diuréticos e drogas nefrotóxicas. Profilaxia de PBE: Primária Aguda, após episódio de HDA – ceftriaxona 1g/dia IV por 7 dias. Primária Crônica, em paciente com proteína total no LA < 1,0g/dL ou < 1,5 g/dL com mais um fator de risco (Child-Pugh≥ 9, bilirrubina total ≥3,0mg/dL, creatinina ≥1,2 mg/dL ou sódio sérico ≤130 mE1/L) – norfloxacino 400 mg/dia VO. Secundária, indicada após o primeiro episódio de PBE, devendo mantê-la até a resolução da ascite ou realização do transplante hepático – norfloxacino 400mg/dia VO. SÍNDROME HEPATORRENAL É uma das potenciais causas da lesão renal aguda em pacientes com cirrose hepática, podendo surgir de forma insidiosa ou ser precipitada por algum insulto agudo, como infecções ou sangramento. Diagnóstico: Presença de lesão renal aguda (creatinina sérica > 1,5 mg/dL ou aumento ≥0,3 mg/dL em 48h ou ≥50% do valor basal em até 7 dias), sem melhora após expansão com albumina (1g/kg por 2 dias), sem outra causa aparente para a lesão renal (choque, drogas nefrotóxicas, obstrução renal ou nefropatia crônica). Sempre suspender os diuréticos em pacientes com lesão renal aguda. Tipo 1 (mais grave): Necessita do aumento de pelo menos 2 vezes da creatinina basal para níveis de pelo menos 2,5 mg/dL em menos de 2 semanas. Tipo 2 (menos severa que a tipo 1): Cronicidade maior, tem como protótipo o paciente com cirrose avançada com ascite refratária aos diuréticos. O transplante hepático é considerado o único tratamento com aumento da sobrevida efetivamente. No entanto, o manejo é baseado no controle do fator precipitante, além do uso de vasoconstritor esplâncnico (terlipressina ou octreotide) + albumina (20-40 g/dia após a expansão com 1g/kg nas primeiras 48h). Em pacientes críticos, hipotensos, a noradrenalina é a mais indicada. O tratamento deve ser mantido até resposta completa (Cr < 1,5) por até 14 dias. A hemodiálise é uma alternativa preferível nos pacientes candidatos a transplante. SÍNDROME HEPATOPULMONAR Devido ao estado de vasodilatação, ocasionado pela cirrose, ocorre um desvio e nem todas as hemácias se aproximam dos alvéolos, prejudicando o processo de hematose. É um distúrbio de troca gasosa encontrada em pacientes cirróticos. Há dilatação dos capilares pulmonares, gerando um shunt arteriovenoso. Achados clínicos: Platipneia (dispneia que piora ao sentar ou levantar) e ortodeóxia (queda de pelo menos 4 mmHg na PaO2 na mudança de postura supina para sentada ou em pé). Também pode ocorrer cianose de extremidades, dispneia aos esforços e baqueteamento digital. Diagnóstico: Necessário comprovar duas condições: Hipoxemia, com PaO2 < 80 mmHg ou gradiente alvéolo-arterial de O2 > 15 mmHg; Shunt ou dilatação vascular pulmonar, que pode ser evidenciada por meio do ecocardiograma contrastado (com microbolhas), cintilografia com albumina marcada ou angiografia pulmonar se dúvida diagnóstica. Tratamento: Transplante hepático. Fazer oxigenoterapia se necessário. HIPERTENSÃO PORTOPULMONAR Causada por uma vasoconstrição atribuída à elevação de endotelina e consequente agregação plaquetária. Quadro clínico: Dispneia aos esforços, síncope, dor torácica, fadiga, hemoptise e ortopneia. Exame físico: Hiperfonese do componente P2 da segunda bulha e sinais de sobrecarga do ventrículo direito. Diagnóstico: Raio-x de tórax, que pode demonstrar sinais de abaulamento do tronco da artéria pulmonar (segundo arco da silhueta cardíaca esquerda) e ecocardiograma com mensuração PSAP. Se sinais de hipertensão pulmonar e afastadas outras causas, o diagnóstico é confirmado pelo cateterismo cardíaco direito (PA média pulmonar > 25 mmHg e pressão encunhada < 15 mmHg). Tratamento: Uso de anticoagulantes orais (varfarina) e vasodilatadores (epoprostenol), além de diureticoterapia em alguns pacientes. Betabloqueadores e TIPS devem ser evitados nesses pacientes.