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1 Taísa Emanuelle Pereira Introdução Quando fica internado em um hospital, o sujeito, agora chamado de “paciente” enfrenta uma nova realidade, em que sua rotina e suas vontades são deixadas de lado e um novo mundo de exames e hábitos passa a reinar. Toda a vivência hospitalar vem acompanhada de medo da morte e do desconhecido, tornando-a marcante para o paciente. Estudos mostram que a comunicação entre o médico e seu paciente pode influenciar a adesão ao tratamento e a satisfação com a relação estabelecida. Para isso, deve ser considerada um processo e não um procedimento. Porém, os receios dos próprios médicos podem interferir na relação estabelecida, ou a forma como essa notícia afetaria a vida do paciente, o que coloca em foco o modelo paternalista de cuidado, em que, mesmo de forma inconsciente, o médico considera-se o único responsável por seu paciente e, apesar de dividir as informações, carrega a responsabilidade da decisão. Atualmente, um outro modelo de comunicação está ganhando espaço, o compartilhado. Para isso, novos protocolos foram estabelecidos, porém todos seguem uma mesma ideia: -Começar com uma preparação inicial, em que o próprio médico deve se preparar, ter em mente o que sabe da doença e de possibilidades de cuidado, encontrar um espaço reservado e calmo para que essa conversa ocorra; -Identificar quem o paciente quer que esteja presente, apresentar-se e saber até onde ele e sua família entendem o que está acontecendo; -Falar de forma franca e com compaixão, tocar as pessoas, lidar com o silêncio e as lágrimas, se ocorrerem; ter um plano de metas; -Revisar a compreensão do que foi falado e manter-se à disposição para futuras dúvidas ou novas conversas. A má notícia: -Para o paciente O termo “má notícia” designa qualquer informação transmitida ao paciente ou a seus familiares que implique, direta ou indiretamente, alguma alteração negativa na vida destes. É importante que seja definido do ponto de vista do paciente: a notícia recebida por este é considerada desagradável em seu contexto. Dessa forma, embora normalmente associada à transmissão de diagnóstico de doenças terminais, a má notícia pode tratar de patologias menos dramáticas, mas também traumatizantes para o paciente. Por exemplo, inclui um diagnóstico que imporá mudanças na vida do paciente, como diabetes num adolescente ou cardiopatia num atleta, uma resposta inadequada a determinada terapêutica, uma necessidade de tratamento ou procedimento em momento inoportuno na vida do paciente, etc. Vê-se, então, que o ato de transmitir más notícias provavelmente estará presente em algum momento da atuação profissional da maioria dos médicos. A literatura oferece algumas orientações gerais sobre como sistematizar a transmissão de uma má notícia, tornando-a menos traumática para o médico e ao mesmo tempo focalizando a atenção no paciente. -Para o médico A maioria dos médicos, no entanto, utiliza sua experiência na prática clínica para decidir como se comportar ao transmitir uma má notícia. 2 Taísa Emanuelle Pereira Sabemos que o resultado nem sempre é satisfatório. Apesar de ser objeto de estudo em muitos cursos de Medicina em nível internacional, o tema ainda é pouco abordado por professores e estudantes no Brasil. Assim como para o paciente, o ato de transmitir uma notícia desagradável é desconfortável também para o médico por vários motivos. Primeiramente, este se vê na situação difícil de lidar com emoções experimentadas pelo paciente e suas reações. Além disso, na maioria dos casos, o profissional de saúde se relaciona também com os familiares do paciente, o que pode ser fonte adicional de estresse. Por outro lado, o médico também deve lidar com as próprias emoções e receios, devendo enfrentar sua própria finitude. Some-se a isso o fato de que a maioria deles não recebeu treinamento formal durante a formação profissional que oferecesse mais segurança ao transmitir más notícias. Existe a opinião de que o paciente poderá não suportar uma notícia ruim, afetando, assim, a evolução de seu quadro clínico negativamente; ou ainda de que o paciente possa responsabilizar o médico diretamente pelo infortúnio comunicado por este. Por isso, o profissional tende a fornecer respostas vagas, minimizando, muitas vezes, a real gravidade. A reação do paciente depende de fatores como personalidade, crenças religiosas, apoio familiar e contexto cultural em que vive. Nem sempre o médico tem a oportunidade de conhecer esses aspectos antes de comunicar uma má notícia. Há que se considerar também que uma parcela significativa dos pacientes não deseja saber sobre seu diagnóstico, havendo, assim, uma dificuldade adicional para o médico de identificar esse tipo de desejo e respeitá-lo. Uma das tarefas mais difíceis é reagir às emoções dos pacientes. Muitas vezes, os médicos não são capazes de responder adequadamente aos sentimentos expressos pelo paciente ou até mesmo de identificá-los. Emoções comuns, como medo ou desgosto, podem ser interpretadas como raiva contra o próprio médico. Não são incomuns situações difíceis envolvendo familiares do paciente. O médico pode se encontrar no dilema de revelar ou não uma informação adversa a um paciente cujos familiares solicitam que nada seja dito a este. É prudente lembrar que o compromisso do médico é com o paciente mais que com seus familiares, principalmente se o médico identifica no paciente o desejo de escutar todas as informações. Lembramos que, no entanto, não é conveniente hostilizar os familiares. Não obstante, por vezes o paciente demonstra falta de interesse em receber informações a respeito de seu quadro, apesar das oportunidades apresentadas. Há ainda casos em que o paciente não é considerado capaz de entender as notícias. Nesses casos, justifica-se a transmissão das informações à família. Um erro comum é encarar o processo da má notícia com sentimento de fracasso ou até de culpa. Para o médico, um fracasso terapêutico pode significar fracasso profissional. O profissional deve tentar entender os próprios sentimentos evocados no momento em que comunica notícias difíceis. Ao enfrentar seus medos e ansiedades, aprendendo a reconhecê-los e a controlá-los, o médico se sente mais à vontade diante das reações dos pacientes, podendo ajudá-los da melhor forma possível. 3 Taísa Emanuelle Pereira As consequências do despreparo médico na transmissão de más notícias são inúmeras. Por isso, é importante valorizar o momento de transmitir informações ao paciente e se certificar de que este as compreendeu, assim como se mostrar disponível para esclarecer dúvidas. Em geral, esta é uma das principais reclamações dos pacientes. Apesar de alguns pacientes, de forma clara ou não, demonstrarem não querer saber todas as informações sobre sua doença, a maioria provavelmente prefere saber pelo menos os aspectos mais importantes. A falha na compreensão sobre seu estado de saúde aumenta a ansiedade e dificulta o ajuste psicológico pelo qual o paciente deve passar. Outros se sentem extremamente angustiados e temem estar sendo enganados. É preciso ter bom senso e habilidades de comunicação ao transmitir más notícias, pois a forma como a transmissão é feita pode influenciar muito a compreensão e a atitude do paciente frente a sua doença. Quando as informações são transmitidas de maneira brusca, podem causar um impacto extremamente traumatizante no paciente, que passa a ver seu médico como um inimigo e não como um aliado. Quando amenizadas demasiadamente, as informações acerca de diagnóstico e prognóstico podem promover falsas esperanças e procedimentos desnecessários. Idealmente, o paciente deve ser capazde compreender sua doença a ponto de participar no processo de decisão acerca de opções de tratamento, por exemplo. Isto reduz o estresse e a ansiedade mesmo em situações difíceis. Normalmente, as pessoas temem o desconhecido, e um futuro incerto pode ser mais angustiante que a verdade. Além disso, o paciente pode querer resolver questões pendentes e adotar medidas práticas para si e sua família. O protocolo SPIKES O protocolo Spikes descreve seis passos de maneira didática para comunicar más notícias. É um exemplo do novo modelo de comunicação com o paciente, um mnemônico de seis passos que pode proporcionar mais segurança ao médico e que apresenta quatro objetivos principais: -Saber o que o paciente e seus familiares estão entendendo da situação como um todo (ajuda o médico a saber por onde começar); -Fornecer as informações de acordo com o que o paciente e sua família suportam ouvir; -Acolher qualquer reação que pode vir a acontecer e, por último, ter um plano. *O primeiro passo (Setting up) se refere à preparação do médico e do espaço físico para o evento. Treinar antes é uma boa estratégia. Apesar de a notícia ser triste, é importante manter a calma, pois as informações dadas podem ajudar o paciente a planejar seu futuro. Procure por um lugar calmo e que permita que a conversa seja particular. Mantenha um acompanhante com seu paciente, isso costuma deixá-lo mais seguro. Sente-se e procure não ter objetos entre você e seu paciente. Escute atentamente o que o paciente diz e mostre atenção e carinho. *O segundo (Perception) verifica até que ponto o paciente tem consciência de seu estado. 4 Taísa Emanuelle Pereira Percebendo o paciente investigue o que o paciente já sabe do que está acontecendo. Procure usar perguntas abertas. *O terceiro (Invitation) procura entender quanto o paciente deseja saber sobre sua doença. Identifique até onde o paciente quer saber do que está acontecendo, se quer ser totalmente informado ou se prefere que um familiar tome as decisões por ele. Isso acontece! Se o paciente deixar claro que não quer saber detalhes, mantenha-se disponível para conversar no momento que ele quiser. *O quarto (Knowledge) será a transmissão da informação propriamente dita. Neste ponto, são ressaltadas algumas recomendações, como: utilizar frases introdutórias que indiquem ao paciente que más notícias virão; não o fazer de forma brusca ou usar palavras técnicas em excesso; checar a compreensão do paciente. Introduções como “infelizmente não trago boas notícias” podem ser um bom começo. Use sempre palavras adequadas ao vocabulário do paciente. Use frases curtas e pergunte, com certa frequência, como o paciente está e o que está entendendo. Se o prognóstico for muito ruim, evite termos como “não há mais nada que possamos fazer”. Sempre deve existir um plano! *O quinto passo (Emotions) é reservado para responder empaticamente à reação demonstrada pelo paciente. Aguarde a resposta emocional que pode vir, dê tempo ao paciente, ele pode chorar, ficar em silêncio, em choque. Aguarde e mostre compreensão. Mantenha sempre uma postura empática. *O sexto (Strategy and Summary) diminui a ansiedade do paciente ao lhe revelar o plano terapêutico e o que pode vir a acontecer. É importante deixar claro para o paciente que ele não será abandonado, que existe um plano ou tratamento, curativo ou não. Conclusão O protocolo Spikes foi desenvolvido para treinamento de estudantes e profissionais experientes. O contato com esse tipo de exposição ainda na faculdade permita aos alunos um preparo melhor e evita estresse e ansiedade futuros para médicos e pacientes. Os estudantes levantam questões interessantes ao considerarem que os seis passos podem tolher a liberdade do médico ao transmitir uma má notícia. No entanto, este não é o objetivo do método. Esta questão chama a atenção para que se insista neste ponto durante as aulas e se enfatize a importância da adaptação a cada situação. Isto pode ser mais trabalhado por meio de dramatização com situações-problema. O protocolo Spikes é um modelo válido para transmitir conceitos sobre comunicação de más notícias para estudantes de Medicina, devendo- se, no entanto, enfatizar sua possibilidade de adaptação. Trata-se de um protocolo de grande utilidade, visto que é completo, extremamente didático e engloba os principais pontos-chave para transmissão de más notícias com a menor quantidade possível de efeitos adversos.
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