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Brasília-DF. Humanização, Saúde Pública e interdiSciPlinaridade em Pediatria Elaboração Lourdes Aparecida Galego Valero Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APrESEntAção ................................................................................................................................. 4 orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA .................................................................... 5 introdução.................................................................................................................................... 7 unidAdE i INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO ....................................................................................... 9 CAPítulo 1 INTRODuçãO à INTERDISCIPLINARIDADE .................................................................................. 9 CAPítulo 2 FRAgMENTAçãO DO CONHECIMENTO E SuAS IMPLICAçõES ................................................ 21 unidAdE ii COMPREENDENDO O PROCESSO DE HuMANIzAçãO ........................................................................ 27 CAPítulo 1 HuMANISMO E PROCESSO DE HuMANIzAçãO HOSPITALAR .................................................... 27 CAPítulo 2 ATENDIMENTO HuMANIzADO .................................................................................................. 35 unidAdE iii HuMANIzAçãO E TRAbALHO INTERDISCIPLINAR NA ASSISTêNCIA PEDIáTRICA ........................................ 42 CAPítulo 1 CONSTRuçãO DE uM PROCESSO INTERDISCIPLINAR DE HuMANIzAçãO ................................ 42 CAPitulo 2 HuMANIzAçãO NO AMbIENTE DE TRAbALHO .......................................................................... 50 CAPítulo 3 A ASSISTêNCIA PEDIáTRICA SOb OLHAR DA HuMANIzAçãO E INTERDISCIPLINARIDADE ............ 57 rEfErênCiAS .................................................................................................................................. 85 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 introdução Pensar em Interdisciplinaridade implica em analisar este conceito a partir da epistemologia e da educação, ou seja, com ênfase na definição destes conceitos e suas implicações na prática profissional, e também na estrutura dos currículos por meio da inserção da interdisciplinaridade no processo de ensino-aprendizagem na área da saúde. Ao longo do texto, iremos abordar, primeiramente, o panorama sócio-histórico da interdisciplinaridade e sua inserção na formação em saúde e na prática profissional em diferentes níveis de atenção. Em seguida, iremos analisar as principais barreiras ao desenvolvimento de práticas interdisciplinares, bem como os pontos fortes e limitações da interdisciplinaridade. Mais adiante, vamos abordar o conceito de humanização no ambiente hospitalar e sua relação com a interdisciplinaridade. As demandas e necessidades sociais e laborais exigem uma reflexão crítica do papel da interdisciplinaridade na atenção à saúde, a identificação de caminhos possíveis para atuar em equipe e do desenvolvimento de práticas mais humanizadas com o intuito de oportunizar a integralidade do cuidado e a qualidade e humanização do serviço prestado aos indivíduos, famílias e comunidades. objetivos » Analisar criticamente o conceito de Interdisciplinaridade. » Descrever sobre as iniciativas de humanização nos serviços de saúde, aprofundando conceitos, metodologias e aplicações práticas. » Discutir os temas humanização e sua aproximação com a Interprofissionalidade na área da saúde, seja no âmbito da formação ou na atuação profissional. » Analisar os processos de humanização no ambiente hospitalar, com ênfase na UTI pediátrica. 8 9 unidAdE iintErdiSCiPlinAridAdE E o ConHECiMEnto CAPítulo 1 introdução à interdisciplinaridade Historicamente, a ciência moderna tem sido marcada pela fragmentação do conhecimento decorrente do franco processo de especialização observado ao longo dos anos. Pensando no contexto em que isso ocorreu, pode-se afirmar que, esse movimento da ciência foi necessário e coerente com as demandas da época. Em uma rápida contextualização histórica, podemos citar algumas correntes de pensamento e elementos culturais que levaram ao estado da arte atual da ciência. A Revolução Industrial, o Iluminismo e a Revolução Científica foram cruciais para o desenvolvimento científico, como o observamos hoje. No entanto, alguns conceitos e práticas levaram ao distanciamento entre as disciplinas, à constante especialização e, consequentemente, à fragmentação do conhecimento. O Positivismo foi uma corrente de pensamento do século XIX. Esse movimento teve influência, principalmente na Europa, na organização racional social e partia do pressuposto de que a ciência é o único modo de produção de conhecimento e, consequentemente, de sua supremacia em comparação a outros meios de produção de conhecimento. Sendo assim, muito do que conhecemos hoje é fruto das ciências naturais, ressaltando que tudo que é real, verdadeiro e inquestionável é fundamentado a partir da experiência e, assim, reivindicando a importância da ciênciabaseada nesses princípios. Essa breve contextualização é necessária, já que essa corrente acabou determinando a estrutura e o planejamento do ensino, os quais, por sua vez, conduziram o conhecimento a se tornar fragmentado e disciplinar. Cabe ressaltar que, o modelo cartesiano e positivista teve reflexo direto na elaboração de currículos multidisciplinares, restringindo a integração de diferentes campos do conhecimento. Esse processo permitiu muitos avanços, no entanto, a ciência está em constante desenvolvimento para equacionar desafios em variadas esferas. Além disso, considerando que a ciência 10 UNIDADE I │ INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO pode ser determinada pelo contexto em que está inserida e é sujeita à temporalidade, essa estrutura de produção do conhecimento tem mostrado sinais de esgotamento e, com isso, algumas questões foram levantadas. Apesar disso, muitos aspectos ainda persistem, o que ainda influencia a maneira como estruturamos os processos de ensino-aprendizagem e, consequentemente, reproduzimos na prática profissional. Dessa forma, o século XIX foi marcado pela influência do modelo cartesiano, o que levou ao nosso modelo de ciência fragmentada e com cultura de isolamento disciplinar, e, mais adiante, resultou na dicotomização dos saberes. Claro que o problema não reside na fragmentação para uma aplicação didática de conteúdo ou na especialização, mas no fato que passaram da fragmentação para o isolamento quase total, o impactou na integração dos saberes e, por sua vez, interferiu na prática profissional e na integralidade do cuidado. Figura 1. Correntes de pensamento e eventos que influenciaram a evolução da ciência. Fonte: autor. Até o momento estamos discutindo a evolução da ciência, a estrutura de ensino baseada no modelo cartesiano e positivista e a fragmentação do conhecimento. » Mas qual a finalidade e a aplicação no cotidiano, no ambiente laboral e nas práticas em um ambiente hospitalar? » Qual a importância de entender esse processo e que benefícios irão trazer? São questões importantes e vale a reflexão. A importância de conhecer e entender todo o processo possibilita um olhar crítico sobre o assunto e o processo socio-histórico que resultou nessa estrutura para que a assimilação de novos conceitos seja realizada de maneira crítica. Lembrando que, todo esse processo tem reflexo direto na prática clínica, visto que a universidade foi embasada por essas correntes de pensamento, utilizando-se no processo de ensino-aprendizagem e os profissionais formados levam esses conceitos 11 INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO │ UNIDADE I à prática. Vimos que a ciência tem uma característica temporal. Sendo assim, podemos afirmar que nem todos os conceitos ou práticas serão verdades absolutas e o progresso implica em novas abordagens para produção de conhecimento, bem como novas formas de organizá-lo. Passamos para um ponto crucial e o principal objeto de estudo do presente material. Chegamos na relação entre o profissional e o paciente ou os profissionais e o paciente se considerarmos a Unidade de Terapia Intensiva, local onde é necessária a atuação de diversos profissionais em conjunto. A complexidade das relações no contexto profissional e a busca pela resolução de problemas são desafios para a elaboração de estratégias de intervenções que levem em consideração valores básicos coerentes com a ética profissional, o respeito à dignidade humana e uma abordagem de todos os aspectos do indivíduo. Dessa forma, passar a ser sujeito e agente da mudança por meio da reflexão sobre a situação e contexto de atuação do profissional de saúde. Importante lembrar o conceito de ética profissional, que é o conjunto de normas éticas que formam a consciência do profissional e representam o que é próprio da sua área de atuação e a Lei do Exercício Profissional. O indivíduo que tem ética profissional deve cumprir com todas as atividades de sua profissão, seguindo os princípios determinados pelo seu órgão regulamentador e legislação pertinente. A noção de disciplina a o desenvolvimento de todo o processo é fundamental para o entendimento do termo interdisciplinaridade. Partindo da noção de organização disciplinar, instituída no século XIX, a formação das universidades modernas desenvolveu-se com o impulso dado à pesquisa científica no século XX acentuando as características descritas desse tipo de organização. Temos um processo histórico de nascimento, institucionalização evolução e consequente esgotamento. A disciplina foi uma maneira de delimitar o conhecimento e assim organizar uma seleção de conteúdos aliados a um conjunto de procedimentos metodológicos e didáticos. Algumas críticas são frequentes a essa estrutura: a dificuldade de estabelecer conexões entre os fatos e as barreiras ou fronteiras entre as disciplinas, que dificultam a integração e ação de convergência entre os sujeitos. Além disso, quanto mais se desenvolvem, se diversificam e se especializam ficam mais distantes da realidade e a abordagem de assuntos mais abrangentes, dinâmicos e complexos torna-se inadequada e insuficiente. 12 UNIDADE I │ INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO A disciplina é uma categoria organizacional no interior do conhecimento científico, pois institui a divisão e a especialização do trabalho e responde a diversidade de domínios que recobrem as ciências. A disciplina, por um lado, define um domínio de competência sem o qual o conhecimento se tornaria fluído e vago. (SCHERER, 2006, p.38). Mas quais seriam as alternativas a essa organização fragmentada do saber? Em meados da década de 1960, o conceito de interdisciplinaridade surgiu na Europa a priori a partir da construção epistemológica. Posteriormente, a elaboração de um método e a tentativa de elaboração de um processo baseado nesse princípio sem esquecer das implicações decorrentes dessa abordagem e pôr fim a construção de teoria da interdisciplinaridade. No Brasil a interdisciplinaridade chegou ao final dos anos sessenta e no final dos anos setenta a principal preocupação era uma definição terminológica. As primeiras discussões sobre interdisciplinaridade foram lançadas na década de 1970 por Georges Gusdorf em parceria com pesquisadores de universidades europeias e americanas de diferentes áreas do conhecimento. A proposta inicial desse grupo foi apontar as principais tendências de pesquisa com intuito de sistematizar uma metodologia, buscar aproximações, similaridades e interlocuções entre as disciplinas. No Brasil, a primeira produção significativa sobre interdisciplinaridade foi de Hilton Japiassu, o autor apresentou os principais questionamentos a respeito do tema e seus conceitos refletindo sobre as estratégias disciplinares. Posteriormente, em 1976, escreveu o livro “Interdisciplinaridade e a patologia do saber” apresentando uma síntese das principais questões envolvendo a interdisciplinaridade e os pontos fundamentais para uma metodologia interdisciplinar. Outro trabalho relevante foi desenvolvido por Ivani Fazenda sobre os aspectos relativos à conceituação da metodologia relacionada à interdisciplinaridade. Até o momento não houve nenhuma menção sobre definição ou conceito de interdisciplinaridade. Isso ocorre porque ainda não há um conceito único e estável, existe uma grande variação no nome e significado atribuído á prática. Na maioria das definições temos a característica relacionada à intensidade de trocas entre os especialistas e o grau de interação real entre os sujeitos. A falta de um consenso, de uma generalização conceitual de interdisciplinaridade não exclui a necessidade da relação de sentidos e significados buscando uma percepção comum. Se considerarmos que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos em forma de questionamentos, confirmações, ampliações, complementação, fica mais claro entender o conceito de interdisciplinaridade. 13 INTERDISCIPLINARIDADEE O CONHECIMENTO │ UNIDADE I No entanto, não podemos confundir essa conciliação, o uso simultâneo e indiscriminado de teorias e pontos de vista teóricos e éticos diversos sem considerar as diferenças e incompatibilidades. É necessário reconhecer a multidimensionalidade e complexidade dos fenômenos que exigem uma perspectiva pluralista e diferentes abordagens. É importante esclarecer que, o conceito de pluralismo é colocado nesse contexto no sentido de impedir que as múltiplas associações caiam na fragmentação corporativista e conservem a multiplicidade, diversidade e pluralismo dos sujeitos. As diferenças requerem estratégias e conhecimentos diversos para serem captadas e implementadas, assim as diferenças não são resultantes, apenas, dos limites e fronteiras das disciplinas, mas também entre teorias, campos epistemológicos e são dependentes da cultura e comunicação dos especialistas. Em síntese as práticas interdisciplinares podem ser definidas como a interação entre as diversas fronteiras do conhecimento, um eixo integrador entre os sujeitos que permita entender as múltiplas implicações dos fenômenos e dessa maneira observar o mesmo objeto de estudo, situação ou o contexto de diferentes perspectivas. O grande desafio da interdisciplinaridade é a interação das disciplinas e práticas baseadas em um diálogo comum sem cair nas práticas multidisciplinares que apenas produzem conhecimentos justapostos em torno de um mesmo problema ou tema. Nesse ponto é importante a definição de alguns conceitos para determinar o que queremos dizer quando falamos sobre interdisciplinaridade, que representações e configurações apresentam em nossa mente e como seria possível sua prática e desenvolvimento. Somente a integração de conteúdos e práticas de diversas disciplinas seria suficiente? É uma prática coletiva? Seria o conjunto de disciplinas? A atuação conjunto de diferentes sujeitos em busca de um objetivo comum? Para esclarecer e responder algumas questões é importante definir as práticas estabelecidas e conceitos relacionados a disciplinaridade, multidisciplinares, pluridisciplinares, pluriauxiliares, interdisciplinares e campos transdisciplinares. Enquanto a disciplinaridade está relacionada à exploração especializada de determinado domínio homogêneo do conhecimento, a multidisciplinaridade pode ser relacionada com a gama de disciplinas ligadas pelo diálogo entre os especialistas ou sujeitos, mas em relação entre elas. A partir do conceito de multidisciplinaridade podemos ver que somente o agrupamento de áreas ou disciplinas não caracteriza uma prática interdisciplinar. O agrupamento de diversos sujeitos não parece levar a uma busca de objetivo comum ou a transpor os limites de cada especialidade. Uma das principais exigências da 14 UNIDADE I │ INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO interdisciplinaridade é a que o especialista transcenda, ultrapasse sua própria especialidade, tomando consciência de seus limites para contribuir e acolher contribuições de outras especialidades. Como definição geral, temos os principais conceitos: Práticas multidisciplinares: pode ser entendida como uma gama de campos propostos simultaneamente, um diálogo paralelo entre dois ou mais especialistas, mas sem que as relações existentes entre eles apareçam. Geralmente é um sistema de um nível com objetivos únicos e nenhuma cooperação. A figura abaixo é utilizada para caracterizar um processo multidisciplinar, os retângulos representam uma disciplina ou especialidade, fica claro que não há uma interligação entre elas. Outro exemplo comum é a atuação de profissionais em um ambulatório ou hospital convencional, onde profissionais de diferentes áreas geralmente trabalham de forma isolada sem cooperação ou troca de informações entre si. As informações ficam restrita a uma troca relacionada à organização administrativa. Figura 2. Exemplo de organização multidisciplinar. MÉDICO ENFERMEIRO FISIOTERAPEUTA Fonte: autor. Práticas pluridisciplinares: podem ser definidas como a justaposição de disciplinas, especialistas, geralmente situados hierarquicamente no mesmo nível, com relação fazendo aparecer às relações existentes entre eles. Sua organização apresenta um só nível com objetivos múltiplos, cooperação entre os sujeitos, mas sem coordenação. Como exemplo de práticas pluridisciplinares, reuniões clínicas onde casos de pacientes são discutidos por diversos profissionais trocando informações sobre o caso. Reuniões de grupos técnicos planejando avaliações ou procedimentos científicos são exemplos de práticas pluridisciplinares. Figura 3. Exemplo de organização pluridisciplinar. ENFERMEIRO MÉDICO FISIOTERAPEUTA Fonte: autor. 15 INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO │ UNIDADE I Práticas interdisciplinares: são caracterizadas pela interação participativa conexas e com objetivos comuns. Inclui a participação e pactuação de objetivos comuns a um grupo de campos do saber conexos com intensa troca de entre os sujeitos. Dessa maneira introduz a noção de finalidade maior que redefine as fronteiras disciplinares, os limites internos dos campos originais lavando a mudanças estruturais gerando enriquecimento mútuo e a interação dos sujeitos. É um sistema de dois níveis com objetivos múltiplos coordenados e com uma tendência a horizontalização das relações de poder entre os sujeitos. É importante destacar que, as práticas interdisciplinares exigem a identificação de uma problemática comum, intencionalidade e uma plataforma de trabalho conjunto para que os princípios e conceitos fundamentais de cada campo sejam, em um esforço comum, decodificados em linguagem mais acessível para os envolvidos identificando as diferenças e convergências dos conceitos para uma ação contextualizada. Desta forma a possibilidade de uma aprendizagem mútua é possível, que não se concretiza pela simples adição ou mistura de sujeitos ou disciplinas, é necessária uma recombinação dos elementos internos, organização e objetivo comum para a implementação de um modelo interdisciplinar. As práticas interdisciplinares autenticas permitem extrapolar as os campos, e quando prolongadas podem tornar-se novas práticas e até mesmo disciplinas. Podemos observar que a estrutura organizacional e o nível de comprometimento para a implementação de práticas interdisciplinares levam a uma série de questionamentos e a necessidade de novas bases dos princípios de formação tradicional e práticas profissionais, exigindo a reelaboração das relações de poder e identidade entre os sujeitos envolvidos. Figura 4. Exemplo de organização interdisciplinar. ENFERMEIRO MÉDICO FISIOTERAPEUTASERVIÇO SOCIAL NUTRICIONISTA Fonte: autor. 16 UNIDADE I │ INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO Campos transdisciplinares: se caracterizam pela interação das disciplinas com uma finalidade comum, apresentam uma coordenação dos campos de saberes individuais e interdisciplinares sobre uma base geral compartilhada. Isso é possível com a interação de médio e longo prazo que possibilitam uma estabilização e criação de um novo campo ou prática com autonomia teórica e prática própria. É um sistema de níveis e objetivos múltiplos, apresenta uma finalidade comum dos sistemas e uma forte tendência de horizontalização das relações de poder entre os sujeitos. Se compararmos com as práticas interdisciplinares campos transdisciplinares podem ser considerados uma radicalização de nível capaz de flexibilizar as divisões e barreiras convencionais das especialidades. Figura 5. Exemplo de organização transdisciplinar. médico enfermeirofisioterapeuta Fonte: autor. Em síntese podemos resumir os principais pontos da estrutura organizacional dos modelos dessa forma: » Multidisciplinares: diálogo paralelo entre dois ou mais especialistas um nível, objetivos únicos, nenhuma cooperação. » Pluridisciplinares; especialistas, geralmente situados hierarquicamente no mesmo nível. Um nível, objetivos múltiplos, cooperaçãoentre os sujeitos, sem coordenação. » Interdisciplinares: interação participativa conexas, objetivos comuns, introduz a noção de finalidade maior que redefine as fronteiras disciplinares. Sistema de dois níveis, objetivos múltiplos, coordenado, tendência a horizontalização das relações de poder entre os sujeitos. » Transdisciplinares: interação das disciplinas com uma finalidade comum, apresentam uma coordenação dos campos de saberes individuais e 17 INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO │ UNIDADE I interdisciplinares sobre uma base geral compartilhada. Sistema de níveis e objetivos múltiplos, finalidade comum dos sistemas e uma tendência de horizontalização das relações de poder entre os sujeitos. Após analisar as formas de organização e se apropriar dos conceitos relacionados as principais formas de organização podemos fazer algumas considerações e questionamentos. O objetivo dessa discussão não será categorizar ou dividir em fases e ciclos, a contextualização histórica é importante para entender como todo o processo se desenvolveu, do qual infere-se desnecessária por criar a falsa ideia de progresso colocando o passado ou os elementos que nos apropriamos como atrasados quando comparados a atualidade ou previsões sobre um futuro desenvolvimento. Já foi mencionado anteriormente a importância do processo histórico, a institucionalização, o desenvolvimento e consequente esgotamento, voltamos a esse conceito para deixar claro que a divisão, separação não é implica necessariamente em um isolamento. A divisão pode ser e foi um ponto que possibilitou inúmeros avanços, no entanto, a ruptura de uma visão holística, a crescente especialização e levaram ao isolamento e a uma abordagem em unidades. Isso é contrário ao conceito que buscamos que pode ser sintetizado como a totalidade como reconstituição do todo. Uma unidade de diversas disciplinas e práticas com conexões, integrados e com objetivos comuns. A definição dos conceitos e dos tipos de práticas disciplinares é importante para evitar equívocos na compreensão do termo interdisciplinaridade e os preceitos para implementação de práticas interdisciplinares. A apropriação desses conceitos permite uma reflexão profunda sobre as práticas e estruturas onde se desenvolvem, e dessa forma atuar de forma crítica. Importante lembrar, ainda sobre a palavra disciplina, que em sua história está justificada como um importante objeto para cada profissão, mas será que o problema é que esse conhecimento, principalmente na área da saúde, está representado por uma fragmentação de saberes? Ainda sobre a proposta e solução, seria sim o trabalho em equipe multidisciplinar uma solução para a solução desse problema? Falar sobre interdisciplinaridade é um exercício de conhecimento que conduz a diversos questionamentos e ações práticas com intencionalidade. Uma das características é a intensidade de troca entre os sujeitos e integração real dos sujeitos, mas: Em que nível isso ocorre? Que relações são estabelecidas entre os sujeitos para que seja possível um projeto interdisciplinar? 18 UNIDADE I │ INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO Se compararmos as outras organizações a interdisciplinaridade se diferencia por apresentar um sistema de dois níveis com uma forte tendência a horizontalização entre os sujeitos. Em sentido mais amplo isso significa que temos uma mudança nas relações de poderes entre os sujeitos, as especialidades tendem a essa organização horizontal em contraposição a uma organização e interação vertical de poder entre os sujeitos. Não se trata de excluir a importância dos profissionais envolvidos, mas reconhecer que as relações horizontais permitem uma troca de informações mais significativas sempre levando em consideração um objetivo comum e a organização para chegar ao resultado final. Esse tipo de organização é mais complexo do que, alguns conceitos levam a acreditar que, a simples presença de diversos sujeitos em um mesmo ambiente. É importante destacar esse ponto, pois, o termo interdisciplinaridade é extensamente utilizado e, na maioria das vezes, não representa de forma adequada o termo. Se aproxima muito do modelo multidisciplinar que é muito diferente em sua organização e, consequentemente, com resultados distintos. Temos que levar em consideração as implicações de uma abordagem interdisciplinar, pode nos proporcionar a possibilidade de rever o antigo e torná-lo atual, um processo constante que não deve ser transitório para possibilitar uma prática generalizada. Até o momento não houve nenhuma definição clara e precisa sobre interdisciplinaridade, foram apresentadas as principais características, alguns elementos essenciais para a uma possível prática interdisciplinar e o contexto em que se desenvolveu. A disciplina é uma característica comum das quatro palavras apresentadas: multi e pluri remetem a ideia de juntar uma ao lado da outra, inter e trans são no sentido de articulação e estabelecer uma relação recíproca e acrescentando a trans o conceito de ir além ultrapassando os próprios limites. Essa síntese dos conceitos mostra que existe uma tentativa de romper o caráter estagnado das disciplinas em diferentes níveis, talvez isso ocorra pelo esgotamento ou pelo desenvolvimento alcançado até o momento. Um novo contexto exige novas abordagens e níveis de organização surgem, em um primeiro momento temos uma prática onde não existe muita interação, em um segundo momento temos uma comunicação entre os sujeitos ou disciplinas e que trocam informações, discutem e estabelecem entre si uma interação. Em um terceiro nível ultrapassam as barreiras impostas que as afastam e fundem-se formando uma nova perspectiva que transcende as anteriores, essa ideia de desenvolvimento e o entendimento dos termos é crucial para entender a diferença entre a simples justaposição e a fusão dos conceitos, o intermédio a esse processo seria uma transição ao processo de fusão. Se lembrarmos dos conceitos estudados temos a interdisciplinaridade nesse ponto, não existe uma fusão das disciplinas ou dos sujeitos, mas não se limita ao simples convívio no mesmo espaço. 19 INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO │ UNIDADE I Existem muitas opiniões sobre o que constitui a prática interdisciplinar, um ponto em comum nas diversas definições é que o termo interdisciplinaridade é considerado quando existe uma interação mútua dos conceitos constituindo novo conhecimento ou buscando resolução de um problema concreto de forma objetiva, organizada e com intencionalidade. Os limites que antes eram barreiras são explorados com a unificação de conceitos e novos métodos resultantes da intensa troca de informações permitindo que as potencialidades sejam exploradas e ampliadas. Esse diálogo entre os sujeitos as novas metodologias geradas permitem a construção de um novo conhecimento, dessa forma a prática interdisciplinar pode ser uma resposta a toda diversidade, complexidade e dinâmica atual. Em um sentido mais radical pode ser entendida como a superação de uma visão fragmentada e dicotômica persistente para superar a multiplicidade de saberes fragmentados provisórios e parciais. Ao tratarmos da Interdisciplinaridade há uma relação de reciprocidade, de interação que pode ajudar no diálogo entre diferentes conteúdos, desde que haja uma intersubjetividade presente nos sujeitos, pois integrar conhecimentos significa apreender, disseminar e os transformar. A Interdisciplinaridade surgiu como uma nova pedagogia capaz de identificar o vivido e o estudado, capaz de construir conhecimento a partir da relação de múltiplas e variadas experiências (FAZENDA, 2006, p. 49). A importância de uma abordagem interdisciplinar fica evidente se levarmos em consideração a diversidade e complexidade da realidade na área de saúde, uma vez que seu objeto de estudo tem base conceitual situado em campos distintos das ciências biológicas, exatas e humanas se considerarmos o âmbito coletivo temosa interação entre aspectos biológicos e sociais. Ainda nesse contexto, o processo saúde doença envolve relações sociais, expressões emocionais, condições sociais, contexto histórico e cultural dos indivíduos ou grupos. Analisando esse ambiente dinâmico, os processos e a atuação dos profissionais temos um grande desafio de implementar uma abordagem interdisciplinar, no entanto, a existência de tantas possibilidades de atuação pode ser um estímulo para exploração de estratégias que levem a práticas integradoras levando a um reordenamento interno. Assim, podemos compreender melhor a importância da interdisciplinaridade enquanto ferramenta na promoção de mudanças em condutas dos profissionais na área da saúde, pois trata-se de um processo dinâmico e que envolve todo esforço e cooperação da equipe em saúde onde o respeito mútuo, a diversidade e principalmente os diálogos entre os profissionais responsáveis pelo cuidado em saúde podem ser classificados como o caminho para o início desse processo. 20 UNIDADE I │ INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO Com isso, deixamos como proposta de reflexão para a esse tema a importância do trabalho em equipe na área da saúde e principalmente dentro de um ambiente hospitalar, onde seus trabalhadores e representantes legais podem seguir e construir um pensamento interdisciplinar, pois o objetivo é pensar, refletir e principalmente trabalhar sobre os diferentes fatores que interferem no contexto social onde a equipe de trabalho está inserida. Podemos com isso lembrar que uma ação transdisciplinar tem como pressuposto a possibilidade da prática de um profissional se reconstruir e se integrar na prática do outro, onde ambos são transformados interferindo assim em uma realidade contextualizada. Assim cada profissional deve agir e pensar de forma ética e isolada sobre suas atribuições dentro de um contexto em saúde, mas essencialmente deve sempre pensar e refletir de forma coletiva, pois é esse pensamento profissional coletivo que muitas vezes vai atribuir mais conhecimento e propriedade ao cuidado e assistência à saúde de um indivíduo e comunidade. Falamos até aqui sobre o tema Interdisciplinaridade, dados históricos, a construção desse conceito, sua importância, formas de organização dos serviços e principalmente a relação do conceito de Interdisciplinaridade com o Trabalho em Saúde, ainda sobre vantagens e os desafios do trabalho interdisciplinar em saúde. Falamos sobre a importância e conceito de disciplina dentro desse conhecimento, bem como a existência de sua fragmentação. Realizamos ainda alguns momentos de reflexão desse tema com a forma de organização de um raciocínio e pensamento interdisciplinar. 21 CAPítulo 2 fragmentação do conhecimento e suas implicações A velocidade e o volume de informações produzidas e propagadas propiciadas pelo avanço tecnológico, sobretudo das tecnologias da informação e comunicação, e pela configuração da ciência, que se constituiu da divisão do seu conjunto de elementos partindo do princípio que a análise de cada um dos elementos, finitos, que a constitui permite reconstruir o todo. Esse modelo permitiu inegáveis avanços e não pode deixar de ser reconhecido, mas essa visão reducionista se revela insuficiente se levarmos em consideração a complexidade das relações entre os sujeitos em diferentes contextos. A organização do conhecimento da forma tradicional apresenta uma tendência ao monodisciplinar, a fragmentação levando a uma compreensão de recortes específicos e restritos do contexto que está inserido e onde concentra seus conhecimentos adotando uma perspectiva metodológica que divide o objeto de estudo para estudar seus elementos constituintes e, posteriormente, recompor o todo. A principal limitação desse tipo de abordagem é que se estabelece uma ideia de finitude, desconsiderando a multiplicidade e complexidade de fatores envolvidos no processo. Isso significa que esse modelo analítico está em crise? Não, significa que, com todos os avanços, o contexto histórico e social que nos encontramos e os novos desafios, hoje é uma abordagem insuficiente se levarmos em consideração todos os fatores citados. É necessário reconhecer os resultados e todo progresso que este modelo proporcionou, no entanto, a tendência reducionista e mecanicista levou a uma hiperespecialização e ao consequente isolamento quase completo das disciplinas. Como resultado temos uma realidade parcelada, compartimentos, mecanicista e reducionista, uma prática que rompe a complexidade em fragmentos disjuntos, fracionando os problemas e tornando unidimensional um contexto multidimensional. De uma maneira geral temos uma prática institucionalizada que permitiu grandes avanços e conquistas, mas não é suficiente para lidar com a complexidade das relações que criou. Um modelo, método ou prática que não responde às necessidades de uma comunidade entra em crise e dá lugar ao surgimento de novas práticas. Para refletir sobre os conceitos estudados até o momento temos o fragmento de um texto, talvez um dos mais críticos, sobre as consequências da constante especialização e suas implicações. 22 UNIDADE I │ INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO A leitura do fragmento do texto de Ortega y Gasset para refletir: Dantes os homens podiam facilmente dividir-se em ignorantes e sábios, em mais ou menos sábios ou mais ou menos ignorantes. Mas o especialista não pode ser subsumido por nenhuma destas duas categorias. Não é um sábio porque ignora formalmente tudo quanto não entra em sua especialidade; mas também não é um ignorante porque é um “homem de ciência” e conhece muito bem a pequeníssima parcela do universo em que trabalha. Teremos que dizer que é um sábio-ignorante - coisa extremamente grave – pois significa que é um senhor que se comportará em todas as questões que ignora, não como um ignorante, mas com toda a petulância de quem na sua especialidade, é um sábio. ” (ORTEGA y GASSET, 1929: pp.173-174) É um dos textos mais radicais e críticos sobre a ciência moderna, no entanto, notem a data que foi escrito – para quem achava que estávamos discutindo um tema recente, em construção e com pouco referencial teórico. Isso evidencia que os pensadores desse período já se preocupavam com o rumo que a ciência estava tomando: Que horizontes alcançariam com esses métodos? O resultado nós sabemos. A análise do contexto atual e o maior embasamento teórico permite entender a fragilidade desses saberes disciplinares distanciados uns dos outros e propor alternativas aos saberes e fazeres desse modelo. Até o momento temos uma discussão ampla sobre o modelo e as práticas interdisciplinares e ao processo de formação, divisão e especialização das disciplinas. » Mas qual o impacto na área da saúde? » Qual a influência na prática profissional? Todos os conceitos e contextualização são importantes para entender e estabelecer um marco teórico. A influência na prática profissional e o impacto na área da saúde estão intimamente relacionados a esse contexto, nossa formação foi baseada em todos os conceitos e princípios estudados até o momento, logo, uma prática e exercício profissional baseado na unicausalidade, tecnicista, biologista, individualista e curativista reflete todo o processo de formação de profissionais da área de saúde. A atenção é direcionada a sujeitos individuais e suas unidades morfológicas, essa abordagem exclui a síntese entre o sujeito e o contexto, uma visão mais holística sobre o processo de saúde e doença. O problema é que nessa síntese temos todos os conceitos, que são reproduzidos, e impedem uma prática mais flexível que leve em consideração a diversidade, complexidade 23 INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO │ UNIDADE I e contexto multidimensional do sujeito. Não esqueçam que podemos e devemos levantar discussões no sentido de implementar novas abordagens nas práticas profissionais diárias, a interdisciplinaridade é um processoem construção, ainda não há uma metodologia específica, um conceito único, temos um contexto complexo que exige novas práticas visando uma atenção integral ao sujeito o que nos leva a reflexão. Devemos ainda lembrar que somos sujeitos ativos nesse processo, estamos inseridos no contexto social e histórico atual e é essencial que uma abordagem que supere o esgotado modelo vigente. Assim se faz necessário um esforço nesse sentido para obter práticas mais participativas e integradoras, principalmente no sentido de levantar problemas, analisá-los e propor soluções, onde dentro de um contexto em saúde uma importante ferramenta é o levantamento de um diagnóstico situacional em saúde. Vale destacar que, o conceito e compreensão de diagnóstico situacional na área da saúde pode ser considerada como uma importante ferramenta que auxilia na identificação dos problemas e das necessidades dentro de um contexto social, podemos exemplificar as necessidades de promoção à saúde como educação, saneamento, segurança, transporte, habitação e assim conhecer como está a organização dos serviços de saúde. Dentro desse sentido, para entender como esse processo se desenvolveu na área da saúde é necessário um breve estudo sobre como o ensino da Medicina no Brasil. Como a maioria dos cursos relacionados à área da saúde que foram influenciados e seguiram diretrizes do ensino médico, apresentam disciplinas e algumas metodologias em comum é essencial entender o processo de institucionalização que levaram a formação de profissionais e sua atuação na sociedade. O ensino das ciências médicas no Brasil será abordado a partir do final da década de 1970 quando houve uma reformulação universitária e o modelo de ensino médico no Brasil passou a ser fundamentado nos princípios baseados na reforma flexneriana. A reforma Flexner ocorreu em 1910, nos Estados Unidos e desencadeou um processo de profundas transformações na educação médica e influenciou a estrutura de ensino baseado no estudo Medical Education in the United Statesand Canada– A Reporttothe Carnegie Foundation for the Advancementof Teaching, mais conhecido como Relatório Flexner. Foi considerado como um grande reformista e transformador da educação médica, no entanto, seus críticos consideram como o principal responsável pela consolidação de um modelo de formação que nunca conseguiu atender ás necessidades da saúde e dos indivíduos onde foi implantada. De fato, os conceitos estabelecidos em seu relatório já estavam em curso e podemos fazer um paralelo com as principais correntes de pensamento já estudadas. 24 UNIDADE I │ INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO Para entender o motivo de um modelo que privilegia a formação científica de alto nível, estimulando a especialização com um enfoque cientificista e com descaso ou sem levar em consideração o humanismo é necessário recordar qual o conceito de saúde estabelecida na época. Temos um contexto marcado pela predominância de doenças infecciosas e altos índices de mortalidade, o conceito vigente de saúde era a ausência de doença sem levar nenhum outro aspecto em consideração. Nesse conceito surge o paradigma flexneriano que até hoje persiste e é fortemente atuante na prática. Antes de apresentar os conjuntos de elementos que formam esse modelo é importante entender o termo paradigma. Thomas Kuhn enfatiza e reconhece que o conhecimento científico não é definitivo, mas apresenta uma estrutura e segue uma sucessão de períodos. Podemos destacar pelo menos cinco períodos dessa estrutura: 1. Fase pré-paradigmática. 2. Fase paradigmática ou ciência normal. 3. Crise do paradigma. 4. Revoluções científicas. 5. Mudança de paradigma. Vimos que existe uma estrutura e uma sucessão de períodos, mas qual a definição de um paradigma? Segundo Khun um paradigma é um conjunto de elementos culturais, conhecimentos, códigos técnicos e teóricos compartilhados por membros de uma comunidade científica. Esse paradigma responde às necessidades da comunidade científica e sua constituição determina a existência de uma determinada ciência. Os principais elementos presentes nesse paradigma se complementavam e potencializavam levando a uma abordagem nas unidades morfológicas do sujeito, individuais e sem relação com o coletivo. Sendo eles: » Mecanicismo: indivíduo considerado como uma máquina. » Unicausalidade: única causa para foco no processo patológico. » Tecnificação: especialização precoce. » Biologicismo: só leva em conta o processo de desenvolvimento da doença. » Individualismo: sem levar em consideração as particularidades do indivíduo. » Curativismo: foco no processo de cura da doença. 25 INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO │ UNIDADE I Figura 6. Principais elementos do paradigma cartesiano/positivista. Fonte: autor Com a concepção prévia de conceito de saúde vigente baseado no curativismo, modelo no qual a saúde é vista como ausência de doença, a busca por soluções possíveis e aceitáveis, os passos para obtê-los foram estabelecidos baseados nos princípios vigentes e temos uma abordagem caracterizada por uma concepção fragmentada e reducionista. Ao assumir um paradigma se adquire um critério de escolha para os problemas, perguntas e práticas. Seguindo uma analogia ao jogo de quebra-cabeça, a pergunta de pesquisa, o problema, ou a prática partem do princípio de que todas as peças estão necessárias encontram-se dentro da caixa, não é necessário buscar nada além para encontrar uma solução. Com isso, a tendência é aumentar o grau de aplicação dos conceitos vigentes. Toda essa descrição pode dar uma falsa impressão de um processo de evolução cumulativo de conhecimento. Contudo uma vez que o processo começa a entrar em crise, o paradigma não responde as questões o modelo entra em crise e existe a necessidade de um novo paradigma. A substituição de um paradigma por outro não ocorre de forma simples e automática com a aceitação de uma nova abordagem, o processo não é cumulativo e linear, o processo de evolução implica a perda ou substituição, completa ou parcial, do conhecimento no período de crise. No entanto, quando o modelo entra em crise a transição não ocorre de forma automática e natural, há uma competição entre o antigo e o atual pela preferência da comunidade científica com diferentes concepções do problema para fundamentar sua prática. Essa transição não é simples porque implica em uma desconstrução de conceitos, princípios e práticas que não respondem mais às necessidades e, simultaneamente, uma reconstrução da área de estudo a partir de novos princípios e, consequentemente, o abandono de velhas hipóteses alterando significativamente as práticas, métodos e aplicação elementares do antigo paradigma. 26 UNIDADE I │ INTERDISCIPLINARIDADE E O CONHECIMENTO Assim, o processo de evolução implica necessariamente em perda ou substituição, mas algumas condições devem ser preenchidas pelo novo paradigma: 1. resolver problemas que o paradigma anterior não tenha conseguido resolver; 2. preservar uma parte substantiva do que foi construído anteriormente. Assim o modelo flexneriano passou a ser associado a um ensino rígido que privilegiou e estimulou a especialização profissional com um enfoque cientificista sem considerar uma abordagem humanista. Novos modelos vêm sendo elaborados com a ideia de formular um novo paradigma que contrapõem o modelo reducionista, onde o modelo hospitalocêntrico surge com a proposta de uma abordagem mais contextualizada aos novos desafios que surgiram. Um modelo que busca a integralidade considerando as dimensões sociais, econômicas e culturais. Assim a partir dos conceitos adquiridos até o momento podemos fazer uma reflexão: Quais seriam as barreiras e fragilidades de uma estrutura interdisciplinar? Qual impacto da estrutura de ensino implementada baseada na reforma flexneriana? Foi possível compreender nesse capítulo o importante processo de construção do conhecimentoe ainda propomos algumas reflexões a creca do tema. Abordamos a importância do conceito de saúde dentro do contexto da interdisciplinaridade, onde foi possível perceber o a valorização dos modelos de atenção à saúde, sua organização e desafios. 27 unidAdE ii CoMPrEEndEndo o ProCESSo dE HuMAnizAção CAPítulo 1 Humanismo e processo de humanização hospitalar Até este capítulo, vimos que o modelo de atenção à saúde foi estruturado com base no conceito de saúde, no qual a ausência de doença era considerada como sinônimo de saúde. Isso conduziu a prática profissional a ser basear na unicausalidade e se desenvolver de maneira tecnicista, individualista e curativista. A atenção foi direcionada ao corpo biológico em detrimento da consideração da singularidade do sujeito e sua inserção social. Este paradigma resultou em um processo de contínua fragmentação do conhecimento e, consequentemente, com a especialização precoce, retroalimentação esse processo. O Homem sempre buscou uma forma de entender e de explicar a origem de suas doenças, sabemos que dados históricos mostraram a importância e construção de algumas importantes teorias, como a miasmática, substituída posteriormente pela teoria de que a doença ocorria em decorrência das alterações do meio ambiente e a maneira como o homem vivia. Os estudos de Louis Pasteur trouxeram a Teoria da Unicausalidade, com a descoberta dos vírus e bactérias portanto, do agente etiológico. Com o passar dos anos a após estudos surge assim a teoria da multicausalidade como fator determinante e condicionante de doenças e não apenas a presença exclusiva de um agente etiológico, e finalmente, uma série de outros estudos e conhecimentos provindos principalmente da epidemiologia social. Vale enfatizar que a epidemiologia está, também, preocupada com a evolução e o desfecho da história natural das doenças nos indivíduos e nos grupos populacionais, em que a aplicação dos princípios e métodos epidemiológicos no manejo de problemas encontrados na prática médica com pacientes, levou ao desenvolvimento da epidemiologia clínica. Assim a epidemiologia se desenvolveu a partir do estudo dos surtos de doenças 28 UNIDADE II │ ComprEENDENDo o proCEsso DE HUmANIzAção transmissíveis e da interação entre agentes, vetores e reservatórios. A descrição das circunstâncias associadas ao aparecimento de epidemias nas populações humanas, como nas guerras, migração, fome e desastres naturais, tem aumentado a capacidade de controlar a dispersão das doenças transmissíveis por meio da vigilância, prevenção, quarentena e tratamento. À medida que as questões foram ficando mais complexas e as estratégias de resolução ineficazes e pouco resolutivas, surgiu um novo paradigma baseado no conceito ampliado de saúde, que assume o sujeito em todas as suas dimensões: modelo biopsicossocial. O paradigma integralista busca uma atuação mais contextualizada focado na saúde, e não exclusivamente na doença, e considerando as dimensões sociais, econômicas, e culturais dos sujeitos envolvidos para formatar uma estrutura mais harmônica. Portanto, uma reflexão mais complexa e crítica do processo saúde e doença só poderá ser alcançada com a formação de um profissional de saúde com: Visão sistêmica e integral do indivíduo, família e comunidade, um profissional capaz de atuar com criatividade e senso crítico, mediante uma prática humanizada, competente e resolutiva que envolve ações de promoção, de proteção específica, assistencial e de reabilitação. Um profissional capacitado para organizar, desenvolver e avaliar ações que respondam às reais necessidades da comunidade articulando os diversos setores envolvidos na promoção da saúde (CADERNOS DE ATENÇÃO BÁSICA, 2000, p.9). No contexto hospitalar, temos alguns fatores que tornam o cenário mais complexo. Um ambiente destinado ao atendimento de pacientes críticos, que necessitam de cuidados especializados e de alta complexidade submetidos a mudanças súbitas no quadro clínico, a alta complexidade tecnológica e um ambiente tenso caracterizam um ambiente com uma dinâmica pouco favorável para reflexões. Temos um ambiente de isolamento, profissionais que convivem diariamente com o pronto atendimento, morte e a tensão de todos os fatores associados. A prática desenvolvida no ambiente de unidade de terapia intensiva expõe os profissionais envolvidos a uma série de dilemas éticos e morais relacionados a conduta e a estrutura encontrada na maioria dos serviços de saúde. A tomada de decisões conflitantes, podemos citar como exemplo a escolha de qual paciente será atendido, a escassez de materiais e recursos e a relação entre os profissionais podem levar a e contribuir para uma despersonalização do atendimento ao paciente. Não podemos esquecer de acrescentar a esse contexto a presença e a relação de familiares ou acompanhantes com o paciente, os membros da equipe e ao ambiente. 29 Compreendendo o proCesso de Humanização │ unidade ii Até o momento parece improvável qualquer reflexão sobre um atendimento humanizado, levando em consideração todos os aspectos e dimensões do indivíduo. Isso nos leva a algumas questões: Como criar um ambiente propício para que os aspectos biopsicossociais sejam contemplados como preconiza o paradigma da integralidade? Outra questão é como superar a/as barreiras do paradigma positivista ou flexneriano em um local que exige grande especialização dos profissionais envolvidos devido a complexidade das situações enfrentadas? Existe uma forma de implementar prática humanizadas em um ambiente com as características já descritas? Que estratégias podem ser adotados para uma prática com múltiplos olhares visando um exercício profissional harmonizado com as múltiplas dimensões da existência humana? Parece um paradoxo, uma discussão contraditória. Como responder essas questões de forma satisfatória e, além de responder ou ficar somente no aspecto teórico, aplicar, incorporar nas práticas diárias de uma equipe de saúde? A resposta a essas questões será abordada nos parágrafos seguintes. Lembrando que se trata de um processo em constante construção e por esse motivo não teremos uma única resposta ou uma estrutura comum de definições. Partimos com os conceitos adquiridos até o momento e proponho uma reflexão, um posicionamento crítico a todos os argumentos fechados em apenas uma definição. Se voltarmos aos conceitos estudados anteriormente, podemos responder esses questionamentos com certa facilidade, no entanto, é uma questão complexa e sua implementação na prática profissional apresenta algumas peculiaridades. Quando um paradigma não responde mais às necessidades, a prática começa a apresentar lacunas e o modelo entra em crise, surge outro modelo que vai tentar responder e preencher as lacunas. Como vimos isso não ocorre de uma maneira simples, no entanto, permite a construção de novos conceitos, novas abordagens, novas disciplinas e consequentemente práticas que vão seguir o modelo. Se levarmos em consideração que as fronteiras do conhecimento e das áreas são imprecisas, que todas as dimensões do indivíduo constituem um desafio ao exercício profissional. Emerge o conceito de humanização, de um exercício profissional ancorado em princípios e práticas humanísticas e humanizadoras e a necessidade de ações pautadas na interdisciplinaridade para englobar todas as dimensões necessárias para uma prática integralista. 30 UNIDADE II │ ComprEENDENDo o proCEsso DE HUmANIzAção A aparente ambiguidade e oposição dos termos e das práticas relacionadas com a superespecialização e, seu contraponto, práticas integrativas associadas a uma estrutura interdisciplinar começa e ser dissipada. Na realidade, temos que levar em consideração o fato da necessidade dessa especialização para lidar com esse tipo de situação e ao mesmo tempo buscar formas de responder aos anseios e necessidades de todos os sujeitos envolvidos. A saúdeapresenta múltiplas facetas e a união desses conceitos permite uma harmonização das dimensões do sujeito, lembrando que as fronteiras estabelecidas são imprecisas e, ao invés de ser um impedimento pode ser uma oportunidade para essa prática integrada. Uma demanda da saúde emerge nesse contexto: A humanização e a promoção da qualidade do atendimento à saúde para superar as barreiras e desafios do ambiente hospitalar. Devemos, nesse sentido fazer uma reflexão sobre a importância desse tema Humanização, o que ele nos traz, uma vez que nos parece absolutamente natural “ser humano”. Contudo o tema vem sendo cada vez mais discutido, principalmente em virtude da necessidade hoje de resgatarmos valores éticos perdidos ao longo dos anos. Essa demanda surge de uma situação crítica e delicada, a hospitalização, é um evento traumático com diversos fatores que expõe a vulnerabilidade, fragilidade do ser humano e da condição que se encontra. Vulnerabilidade em todas as dimensões levando em consideração o paciente, familiares, os profissionais envolvidos e a estrutura disponível. Todo esse cenário ganha contornos especiais e torna a situação mais complexa quando se trata de um acontecimento que acomete uma criança, isso implica uma grande mudança na rotina de toda a família. A exposição a um ambiente estressante, onde não há muitas orientações ou uma rede de apoio, é uma experiência difícil e uma das únicas fontes de segurança é a presença dos pais. No sentido de mudar esse panorama e tentar uma abordagem mais humanizada, o Estatuto da criança e do Adolescente, em 1990, apresenta um artigo que preconiza que os estabelecimentos de saúde deverão proporcionar condições de permanência adequada para um dos pais ou responsável nos casos de internação de crianças ou adolescentes. Se levarmos em consideração o tempo que toda essa discussão ocorre e as iniciativas de implementar práticas mais humanizadas podemos considerar que levou um tempo para um posicionamento oficial e o início de uma organização nos serviços de saúde que atendam às necessidades dos indivíduos. A partir disso, o cuidado em pediatria não significava apenas cuidar da criança com ênfase na doença. O processo de cuidar, assistir, acolher deve abarcar outros fatores e 31 Compreendendo o proCesso de Humanização │ unidade ii dimensões da criança. Neste processo é considerado o universo e a estrutura familiar, considerando as configurações possíveis, do indivíduo, dessa forma a criança mantém os sujeitos que representam uma referência fundamental em sua vida. Esse momento representa um avanço para implementação de um cuidado mais integral, no entanto nos defrontamos com disparidades de conceitos, experiências e abordagens acerca do que vem a ser a experiência de hospitalização, o hospital e a permanência na unidade de terapia intensiva e o conceito persistente e ainda vigente que desconsidera a condição e a complexidade humana do paciente que, muitas vezes, é tratado como uma máquina com algum tipo de problema em uma de suas partes e deve receber passivamente tudo que lhe é imposto. A urgência de encontrar estratégias que proporcionem soluções e uma melhor atenção ao indivíduo é necessário e tem sido pauta em diversas iniciativas. Ao nível local, temos o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), lançado pelo Ministério da Saúde no ano de 2000. A temática ganha legitimidade e muda de status quando uma ação desse nível é proposta com objetivo fundamental de aprimorar e aprofundar as relações entre os profissionais, pacientes e familiares e também entre hospital e comunidade. A abordagem visa promover a assistência à saúde, levando em consideração todas as dimensões do indivíduo sob um prisma multifatorial e multicausal e reafirmando que cada faceta possui significado e importância. Para alcançar os objetivos propostos, o referido programa, prevê várias formas de ação com avaliação periódica da satisfação dos usuários e dos profissionais e envolve três aspectos fundamentais: 1. capacitação permanente dos profissionais de saúde, proporcionar condições para sua participação na identificação de problemas e apontar formas de melhorar as condições de trabalho; 2. criar condições para a participação ativa do usuário na avaliação da qualidade dos serviços; 3. incluir a participação da comunidade organizada em parceria com agentes públicos em ações de apoio e acompanhamento do serviço. Essas medidas tem o objetivo de aprimorar as relações entre os profissionais e usuários e entre o hospital e comunidade atuando no campo das interações sócio comunitárias visando a melhoria do atendimento e qualidade dos serviços prestados. Buscando um atendimento humanizado associado ao reconhecimento dos direitos do paciente, de sua subjetividade e referências culturais. E implica a valorização do 32 UNIDADE II │ ComprEENDENDo o proCEsso DE HUmANIzAção diálogo entre profissionais para articulação de estratégias que melhorem as condições de trabalho. Essa iniciativa tenta responder, em partes, as demandas da saúde relacionadas a democratização das relações que envolvem o atendimento, melhor diálogo e melhoria das relações entre profissionais e pacientes, e reconhecimento dos profissionais de saúde e pacientes como sujeitos ativos no processo terapêutico. As mudanças não ocorrem de imediato e para a implementação de uma estrutura que possibilite a aplicação e implementação de novos conceitos e práticas é necessário exploração e investimento. No entanto, as possibilidades para uma prática pautada no reconhecimento da singularidade e no diálogo com o paciente constitui um campo novo acompanhado de todas as dúvidas e desafios que são características de processos um em construção. Na avaliação do público, a forma do atendimento, a capacidade demonstrada pelos profissionais de saúde compreender suas demandas e suas expectativas são fatores que chegam a ser mais valorizados que a falta de médicos, a falta de espaço nos hospitais, a falta de medicamentos… (MS, 2000). Esse fragmento do documento oficial do programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar traz alguns elementos relacionados aos aspectos de relacionamento com os profissionais de saúde. Podemos destacar um ponto central: “Compreensão das demandas e expectativas…” Uma das principais queixas identificadas e podemos relacionar com a organização hospitalar. Se retomarmos os conceitos da unidade anterior, vimos que a organização e constituição hospitalar foi historicamente marcada pela imposição de procedimentos e decisões aos pacientes que sequer compreendem, esse distanciamento foi causado pela objetividade positivista e sua neutralidade em face ao objeto de estudo. O indivíduo não é o doente, mas o foco é a doença, o doente passa a ser visto como o corpo doente sem levar em consideração as particularidades e a subjetividade do indivíduo. Assim resgatar a humanidade no atendimento seria uma primeira etapa de aproximação para atender os anseios dos indivíduos. O quanto se conhece dos pacientes? Podemos pressupor que os profissionais da saúde saberão ou poderão corresponder as suas expectativas? O que fazer quando o profissional julga saber o que é o melhor para o indivíduo e tenta satisfazer essas expectativas? 33 Compreendendo o proCesso de Humanização │ unidade ii Como e quais mecanismos podem dar voz ao paciente para facilitar a verbalização de suas demandas? Para responder essas questões podemos buscar o conceito ou o que é considerado como tratamento humanizado que responda às demandas. Embora constitua o alicerce de toda estrutura do programa e um amplo conjunto de iniciativas, o conceito humanização na assistência ainda carece de uma definição clara e precisa. Uma definição que se aproxima de humanização na assistência definida, levando em consideração o que é descrito no documento, como a capacidade de oferecer um atendimento de qualidade, articulandoavanços tecnológicos com um bom relacionamento entre os sujeitos envolvidos no processo de atenção á saúde. Levando em consideração as características individuais e o contexto social que estão inseridos. Se analisarmos essa definição podemos notar que se aproxima de uma diretriz de trabalho que busca um modelo hospitalar centrado no diálogo e na possibilidade de comunicação entre os sujeitos envolvidos. Buscando construir uma rede de significados compartilhados diminuindo as barreiras comunicacionais dessa interação. Lembrar que a interação entre os sujeitos é influenciada pelo contexto social e cultural, organizando um conjunto de referências compartilhadas que podem contribuir para a construção de um modelo de saúde que permita ações que respondam às expectativas centradas na ética no diálogo e na negociação dos sentidos e rumos. Essas ações podem levar a constituição de novos parâmetros para ação introduzindo mudanças na cultura de assistência a saúde. No entanto, devemos refletir sobre a forma que podemos atuar e transformar uma cultura, somente com investimento na formação e capacitação dos profissionais de saúde é suficiente para atingir os objetivos? É muito importante refletir sobre o papel do Ensino Superior, da capacitação dos profissionais de saúde, e qual o propósito dos cursos superiores nesse contexto. Que tipo de relação se estabelece e quais os impactos na sociedade? Para responder essa questão sugiro a leitura do texto: “Rethinking higher education and its relationship with social inequalities: past knowledge, present state and future potential” disponível em: <https://www.nature.com/articles/ s41599-017-0001-8>. No artigo “Rethinking higher education and its relationship with social inequalities: past knowledge, present state and future potential” temos algumas questões relevantes 34 UNIDADE II │ ComprEENDENDo o proCEsso DE HUmANIzAção e um ponto importante é a ênfase na necessidade dos institutos de formação superior servirem a uma necessidade pública para atender ao desenvolvimento intelectual individual e, principalmente, à progressão social. Convém destacar que, esses conceitos estão presentes no processo de humanização na assistência a saúde. Para que o processo seja possível a participação de sujeitos críticos é essencial. Temos uma proposta de ensino que integra a emancipação, com o objetivo de repensar estruturas sociais, organizar modelos que reflitam as necessidades e ansiedades dos indivíduos. Após a leitura do texto podemos entender a importância do processo de formação dos profissionais de saúde e que esse é um dos elementos para responder as questões relacionadas com o atendimento humanitário. 35 CAPítulo 2 Atendimento humanizado Antes de abordarmos o tema Atendimento Humanizado, cabe lembrar alguns dados históricos na construção dos Sistemas de Saúde Pública e Saúde Suplementar dentro do Estado Brasileiro. Muitas são as dimensões com as quais estamos comprometidos: prevenir, cuidar, proteger, tratar, recuperar, promover, enfim, produzir saúde. Muitos são os desafios que aceitamos enfrentar quando estamos lidando com a defesa da vida, com a garantia do direito à saúde. Desafios que muitas vezes passam não somente pela esfera governamental de organização, mas também pelo próprio contexto social onde o usuário do sistema de saúde está inserido e ainda a relação e vinculo que esse usuário tem com sua unidade e equipe de saúde. Assim, nesse contexto de desenvolvimento e construção do Sistema Único de Saúde e de mudanças na organização da Saúde Suplementar, acompanhamos avanços que nos alegram, novas questões que demandam outras respostas, mas também problemas que persistem sem solução, impondo a urgência seja de aperfeiçoamento do sistema, seja de mudança de rumo. No Brasil ainda sabemos que existem: » profundas desigualdades socioeconômicas; » dificuldades no acesso aos serviços e aos bens de saúde; » desvalorização dos trabalhadores de saúde; » expressiva precarização das relações de trabalho; » baixo investimento num processo de educação permanente desses trabalhadores; » pouca participação na gestão dos serviços; » fragilidade no vínculo entre trabalhadores da área da saúde e os usuários. Com isso alguns aspectos chamam a atenção quanto a avaliação dos serviços de saúde, em que ainda existe um despreparo dos profissionais para lidar com a dimensão subjetiva que toda prática de saúde supõe, a presença de modelos de gestão centralizados e verticais desapropriando o trabalhador de seu próprio processo de trabalho e falta de maturidade emocional de gestores. Nesse sentido existe um cenário que indica, então, a necessidade de mudanças no modelo de atenção que não se farão sem mudanças no 36 UNIDADE II │ ComprEENDENDo o proCEsso DE HUmANIzAção modelo de gestão na qual a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão no Sistema Único de Saúde veio para propor mudanças. A Política Nacional de Humanização vem, desde de sua criação, trabalhando com algumas diretrizes, para que seja possível sua implementação nos diferentes níveis de atenção, sendo: Ampliar o diálogo entre os profissionais, entre os profissionais e a população, entre os profissionais e a administração, promovendo a gestão participativa. Implantar, estimular e fortalecer Grupos de Trabalho de Humanização com plano de trabalho definido. Estimular práticas resolutivas, racionalizar e adequar o uso de medicamentos, eliminando ações intervencionistas desnecessárias. Reforçar o conceito de clínica ampliada: compromisso com o sujeito e seu coletivo, estímulo a diferentes práticas terapêuticas e corresponsabilidade de gestores, trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde (BRASIL, 2004, pg.12). O objetivo ainda é o de sempre se promover uma nova cultura de atendimento na saúde que apoie a melhoria da qualidade e eficácia dos serviços prestados por meio do aprimoramento das relações entre: » trabalhadores da saúde; » usuários e profissionais; » hospitais e comunidade. Nesse sentido a Humanização para o Ministério da Saúde, significa o mesmo que humanização da assistência, como o aumento do grau de corresponsabilidade na produção de saúde e de sujeitos e mudança na cultura da atenção dos usuários e da gestão dos processos de trabalho. Para isso, a Politica segue alguns princípios norteadores como: valorização da dimensão subjetiva e social em todas as práticas, valorização da atenção e gestão em saúde, valorização de compromissos e responsabilização, estímulo aos processos comprometidos com a produção de saúde e com produção de sujeitos e ainda o fortalecimento do trabalho em equipe multiprofissional. Por subjetividade podemos compreender que é o momento onde do indivíduo evidencia sua opinião ou ainda, podemos dizer que é a relação que esse indivíduo tem com o mundo externo e seu “interior”, resultando em marcas singulares na formação do indivíduo quanto a construção de crenças e valores compartilhados. 37 Compreendendo o proCesso de Humanização │ unidade ii Nesse sentido vale enfatizar que a Humanização é a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores. Os valores que norteiam esta política são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos solidários e a participação coletiva no processo de gestão. O problema é como colocar em pratica o que se espera da Política Nacional de Humanização, em que na área da saúde o trabalho é também está caracterizado como uma missão, pois não são poucas as exigências: trata-se de trabalho reflexivo que articula dimensões técnicas, éticas e políticas, em cenários de múltiplos e diversos atores com profissionais de formações diversas e usuários de todas as origens culturas e além disso, trabalha-se no campo temático mais denso da experiência humana: a vida, o corpo, a morte.Com isso, devemos considerar que a qualidade da atenção e a assistência humanizada devem estar presentes desde o momento em que o usuário chega no serviço de Saúde ou seja desde o primeiro contato com as portas de entrada dos sistemas de saúde, seja ele público ou privado, onde devemos repensar sobre como deve ser o acesso aos serviços, pois chamamos esse primeiro contato com os usuários dos serviços de acolhimento. Assim para um atendimento humanizado e acolhedor, devemos agregar profissionais com conhecimento de saúde, com capacidade de compreender as dimensões humanas do adoecimento da população e exercer de fato a escuta de suas necessidades. Pois acima de tudo ser acolhedor é saber ouvir, escutar e dar a melhor resposta. Nesse contexto, vale ressaltar que o acolhimento pode ser considerado uma importante ação, pois traz a possibilidade de mudanças na relação do profissional e usuário com sua rede social, utilizando ferramentas de cunho técnico, ético, humanitário e de solidariedade. Vale lembrar que dessa forma é possível reconhecer o usuário como sujeito e participante ativo no processo de produção da saúde, uma vez que o acolhimento atende a todos que procuram os serviços, ouvindo seus pedidos e assumindo uma postura capaz de acolher, escutar e dar a resposta mais adequada ao usuário. Para um atendimento humanizado e acolhedor é necessário: Figura 7. ouvir escutar DAR A MELHOR RESPOSTA Fonte: autor. 38 UNIDADE II │ ComprEENDENDo o proCEsso DE HUmANIzAção Ouvir refere-se ao sentido da audição, onde a pessoa ouve apenas, mas pode ou não interpretar o processo de comunicação e escutar requer mais que ouvir, ou seja, a pessoa deve prestar atenção ao o que se está sendo discutido, entender do que se trata, perceber o que foi falado e assim opinar. É importante criar espaços legítimos de fala e escuta, que devolvam à palavra sua potência reveladora e transformadora. Na relação do profissional com o paciente, a escuta não é só um ato generoso e de boa vontade, mas um imprescindível recurso técnico para o diagnóstico e a adesão terapêutica. Na relação entre profissionais, esses espaços são a base para o exercício da gestão participativa e da transdisciplinaridade (RIOS, 2009, pg12) Surge nesse sentido a importância do acolhimento como tecnologia de ação, que é a concentração de atividades com o objetivo de se ampliar a capacidade de escuta e resolutividade, por meio do uso de tecnologias relacionais de informações, o que chamamos de conhecimentos específicos, ou ainda de conhecimentos técnico/científicos, o que de forma logica leva a uma competência profissional. Atendimento Humanizado em ambiente Hospitalar A atenção Hospitalar é caracterizada por suas várias dimensões que se inter-relacionam, construindo assim a assistência hospitalar, onde as mais relevantes são: dimensão assistencial, dimensão gerencial, dimensão administrativo/financeira, dimensão ensino e pesquisa e dimensão social. Assim vale destacar que o trabalho em um ambiente hospitalar diante dessas variáveis torna-se desafiador e complexo. Vamos nesse sentido discutir e refletir sobre a importante dimensão assistencial, que envolve a forma de organização tecnológica do trabalho hospitalar. Devemos ainda nessa dimensão considerar o modelo clínico aplicado, principalmente em virtude da dinâmica e constantes mudanças na tecnologia hospitalar. Com isso o grande desafio colocar em prática a integralidade do cuidado ao indivíduo, promovendo articulação do trabalho das diversas equipes e ao mesmo tempo promovendo a humanização do cuidado, ou seja, uma qualificação das relações entre equipes de saúde e usuários do sistema, com base em valores como respeito às singularidades e defesa dos direitos dos usuários. Considerando as variáveis, sustentabilidade financeira, responsabilidade social e a responsabilização das três esferas de governo com os sistemas de saúde no Brasil, foram necessárias mudanças, transformações e principalmente readequações do papel dos hospitais dentro da Rede de Atenção à Saúde. Nesse sentido, vale lembrar que, hoje o 39 Compreendendo o proCesso de Humanização │ unidade ii Sistema Único de Saúde e a Saúde Suplementar por meio dos Planos de Saúde trabalham sob a regulamentação de políticas próprias na gestão desses equipamentos em Saúde. Acesse o endereço eletrônico a seguir e leia matéria sobre o papel dos hospitais na Rede de Atenção a saúde. Disponível em: <http://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/revistaconsensus_11.pdf> Assim, uma preocupação real para a gestão hospitalar tem sido a forma de relação de seus trabalhadores e seus usuários. Com isso o tema Humanização Hospitalar vem ganhando força e se transformando em uma ação importante e presente no processo de trabalho diário dentro das Instituições Hospitalares. Contudo sabemos que para o aprimoramento do processo de trabalho, esse deve estar pautado no respeito e na valorização das pessoas, tornando as ações de assistência hospitalar muito mais humanizada. Nesse sentido ainda, importante lembrar que programas de humanização fazem parte dos contratos de gestão entre as Instituições Públicas e organizações sociais, onde as ações de humanização dentro do ambiente hospitalar estão estabelecidas como meta. Dessa forma o gestor hospitalar deve conscientizar-se sobre a necessidade de organização dos serviços fundamentada em programas e ações de Humanização Hospitalar. Como humanizar a assistência hospitalar se quando entramos dentro de algumas Instituições ainda nos deparemos muitas vezes com regras, orientações e principalmente horários pré-estabelecidos para visitas aos pacientes? Vale destacar que, para o bom funcionamento das Instituições Hospitalares é necessário sim estabelecer algumas regras, contudo é sabido que se a gestão busca ações de humanização para a organização do serviço, essas regras devem ser constantemente avaliadas. O paciente que se encontra em regime de internação e também seus familiares esperam sempre ter problema de saúde resolvido. O problema é que sem um acolhimento adequado por parte dos profissionais que representam a Instituição, os conflitos certamente ocorrerão. Contudo sabemos e como já dito anteriormente, que a Instituição Hospitalar é muito complexa em regras e normas, criando assim, uma certa dependência dos pacientes com os profissionais onde o paciente percebe, por vezes, que perdeu a sua individualidade e privacidade. Assim a solução para esse problema é a implantação de ações dentro da Política e programas de humanização, considerada uma importante estratégia de gestão hospitalar e comprometida com a defesa da vida, onde todos os sujeitos, gestores de saúde, trabalhadores e usuários devem estar envolvidos. Importante destacar que ações com base em programas de humanização tem como proposta a troca de saberes que inclui os trabalhadores da saúde, seus usuários e principalmente os gestores. Com isso, dentro das Instituições Hospitalares se faz 40 UNIDADE II │ ComprEENDENDo o proCEsso DE HUmANIzAção necessário aprimorar a forma de comunicação dos sujeitos envolvidos, onde para que as mudanças ocorram com foco na Humanização, o objetivo é a construção de soluções compartilhadas. Assim a Política Nacional de humanização quando instituída, colaborou muito para a área hospitalar, pois veio para estimular a comunicação entre gestores, trabalhadores e seus usuários na construção e aprimoramento de novos processos de trabalho, tornando assim praticas mais humanizadas e acolhedoras. Portanto, humanizar a assistência hospitalar requer estratégias e a utilização de mecanismos que permitam a participação de gestores, trabalhadores e usuários. Portanto, os gestores responsáveis por Instituições Hospitalares devem estar preparados para entender a importância da inclusão de seus trabalhadores na gestão dos serviços sob sua responsabilidade. Cabe a partir desse momento, enfatizar alguns dos princípios norteadores da
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