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Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 1 🍖 Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) Introdução O que é digestão e absorção? A digestão é o processo pelo qual os alimentos são decompostos em componentes simples o suficiente para serem absorvidos no intestino. A absorção é a captação dos produtos da digestão pelas células intestinais (enterócitos) e sua distribuição pelo sangue ou linfa. A digestão e a absorção dos nutrientes estão estreitamente relacionadas e são reguladas pelo sistema nervoso, por hormônios e por fatores parácrinos. A presença física de partículas de alimento no trato GI também estimula estes processos. Qual a diferença entre má digestão e má absorção? A má digestão denota o comprometimento da decomposição de nutrientes em seus produtos absorvíveis. A má absorção consiste em absorção, captação e transporte defeituosos dos produtos dos nutrientes que foram adequadamente digeridos. Descreva de forma geral como ocorre o processo digestivo e de absorção. A função global do trato GI é a de decompor os alimentos em componentes que possam ser absorvidos e utilizados pelo corpo e, em seguida, excretar o material não absorvível. Seus diferentes segmentos anatômicos apresentam funções específicas no que diz respeito à digestão e à absorção: A boca, o estômago e o duodeno se encarregam dos processos iniciais de misturar os alimentos ingeridos e iniciar a digestão No duodeno, a bile e as secreções pancreáticas entram através do ducto biliar comum O intestino delgado é a principal área digestiva: no jejuno, continuam os processos digestivos e começa a absorção; esta continua no íleo Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 2 O intestino grosso (ceco, cólon e reto; primariamente o cólon) está envolvido na absorção e secreção de eletrólitos e água A digestão e a absorção de nutrientes requerem a função integrada de vários órgãos. A mistura de alimentos e o início da digestão ocorrem no estômago. Os processos absortivos começam no jejuno; contudo, a maior parte dos nutrientes é absorvida no íleo. O intestino grosso está envolvido na absorção de água e Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 3 eletrólitos, e participa da recirculação de ácidos biliares para o fígado. Levando em consideração toda a ingestão e secreções, uma grande quantidade de fluido (aproximadamente 10 L) passa através do trato GI por dia. Processamento de água e de eletrólitos no TGI Quais locais e glândulas secretam eletrólitos no TGI? Vários processos secretores ocorrem no trato GI. As glândulas salivares, o estômago e o pâncreas secretam enzimas digestivas sob a forma de zimogênios inativos. Existe secreção de íon hidrogênio no estômago. A secreção do íon bicarbonato ocorre ao longo do trato GI, sendo secretadas quantidades particularmente elevadas no suco pancreático. A secreção de potássio ocorre predominantemente no cólon e é regulada pela aldosterona. Quais as principais causas de perda de fluidos e eletrólitos do TGI e quais as consequências disso? O vômito prolongado causa a perda direta de água, íons hidrogênio e cloreto, e posteriormente a perda de potássio devido a mecanismos de compensação do organismo. A diarreia pode ser causada pelo aumento de secreção intestinal em decorrência, por exemplo, de inflamação, ou pode ser causada por má absorção de nutrientes. A diarreia grave, acarretando perda de grande quantidade do conteúdo alcalino intestinal, pode levar à desidratação e acidose metabólica. Também resulta em perda de sódio, potássio e outros minerais. Pacientes com síndrome de intestino curto resultante de resseção extensa do intestino delgado podem desenvolver problemas graves de balanço de fluidos devido à incapacidade de reabsorverem água. Quais os principais mecanismos de transporte de água e eletrólitos no intestino? (A) A ATPase de sódio é a força motriz para os processos de transporte nos enterócitos: Os enterócitos apresentam um conjunto de transportadores e canais de íons. A ATPase de sódio-potássio está localizada na membrana basolateral e transporta o íon sódio para fora da célula, na troca com o potássio (3 íons Na + por cada 2 íons K+ ). Isso cria um gradiente de concentração de sódio e hiperpolariza a membrana, aumentando o potencial negativo intracelular e dirigindo os sistemas de transporte passivo (e, portanto, o transporte iônico Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 4 transcelular). Além disso, o transporte de sódio (e de cloreto) é acompanhado pelo transporte passivo de água, que é tanto paracelular (através das tight junctions) como transcelular (por transportadores membranares de água, as aquaporinas). (A) Os cotransportadores de sódio são um modo comum de transporte intestinal: Os cotransportadores de sódio transportam o íon sódio em conjunto com outra molécula. Por exemplo, a glicose é absorvida juntamente com o sódio por um cotransportador de sódio-glicose presente na membrana luminal, conhecido como SGLT1 (transportador de sódio/glicose 1). A glicose é subsequentemente lançada no plasma, na membrana basolateral, pelo transportador GLUT2. De que forma o Ph da secreções intestinais vai alterando ao longo do trato gastrointestinal? A concentração do íon hidrogênio varia largamente em partes diferentes do trato GI. Isso é essencial ao processo digestivo e para a proteção dos tecidos subjacentes no estômago e nos intestinos. A saliva secretada na boca é alcalina devido ao seu conteúdo em bicarbonato. Por outro lado, os conteúdos do estômago são fortemente ácidos, mas o muco que protege suas paredes é alcalino. Assim, enquanto as células parietais do estômago secretam elevadas quantidades de íon hidrogênio (principalmente através da ação da H+ /K+ - ATPase), as células da superfície gástrica secretam muco contendo íon bicarbonato; elas empregam o trocador Cl – /HCO3 – . À entrada do duodeno, o Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 5 conteúdo ácido do estômago é neutralizado pelas secreções pancreáticas fortemente alcalinas (devido ao conteúdo em bicarbonato). O que é a fibrose cística e quais os principais sintomas? A fibrose cística, um distúrbio autossômico recessivo monogênico, envolve a inibição do transporte de cloreto devido à ausência do CFTR. Diferentes mutações no gene CFTR levam ou à ausência completa do transportador ou ao comprometimento de sua atividade. Nos EUA, a fibrose cística é a causa número um de má absorção. Essa se manifesta predominantemente na infância. Os principais problemas são geralmente respiratórios. A secreção de cloreto está diminuída e a reabsorção de Na + encontra-se acelerada. Isso resulta em hidratação diminuída das secreções epiteliais. No trato respiratório, ocorre hidratação diminuída do muco das vias respiratórias e, portanto, falha em sua remoção, com as infecções bacterianas subsequentes. Os problemas gastrintestinais incluem íleo meconial e obstrução intestinal. A ausência do CFTR também afeta o funcionamento do trocador Cl – /HCO3 – (e, dessa forma, a secreção passiva de Na + ), o que compromete a secreção enzimática pancreática. As secreções biliares espessas podem ser uma causa de cirrose biliar focal e de colelitíase crônica. Ocorre também um comprometimento da secreção de muco nas criptas colônicas, com reabsorção de Na + acentuada através de canais de Na + e de transportadores Na + /H+ . Digestão Como inicia-se o processo de digestão? Há um componente significativo da digestão que é mecânico. A mastigação decompõe a comida para permitir sua deglutição, enquanto a adição de saliva na boca inicia o processo digestivo e atua como lubrificante para facilitar a deglutição. O alimento é então movimentado para o esôfago através de um processo impulsionado pelo reflexo esofágico. À medida que é transferido para o estômago, é quebrado em partículas menores. A presença de alimento digerido provoca peristaltismo, o que ajuda a misturar e estimular as secreçõesdigestivas. Os principais estímulos para o peristaltismo são mediados através do sistema nervoso parassimpático. A absorção de nutrientes depende da velocidade do trânsito: assim, uma motilidade aumentada pode conduzir a má absorção. Como o TGI é revestido? Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 6 O estômago e os intestinos são revestidos por epitélio, o qual tem uma superfície invaginada que aumenta bastante suas áreas. O intestino delgado é revestido por enterócitos arranjados em vilosidades intestinais e, adicionalmente, cada célula contém microvilosidades. Quais são as principais etapas da digestão? O processo de digestão é caracterizado por várias etapas que ocorrem em uma sequência, permitindo a interação entre fluidos, pH, agentes emulsificantes e enzimas. Isto, por sua vez, requer a ação secretora conjunta das glândulas salivares, fígado e vesícula biliar, do pâncreas e da mucosa intestinal. Os processos envolvidos podem ser resumidos como: Lubrificação e homogeneização de alimentos com fluidos secretados pelas glândulas do trato gastrintestinal, começando na boca Secreção de enzimas que quebram macromoléculas para formar uma mistura de oligômeros, dímeros e monômeros Secreção de eletrólitos, íons hidrogênio e bicarbonato em partes diferentes do trato GI para otimizar as condições para a hidrólise enzimática Secreção de ácidos biliares para emulsionar os lipídios da dieta, facilitando a hidrólise enzimática apropriada e a absorção Posterior hidrólise de oligômeros e dímeros por enzimas ligadas a membranas (jejuno) Transporte específico de material digerido para os enterócitos e daí para o sangue ou linfa Reciclagem de ácidos biliares; Reabsorção de água e de eletrólitos. Quais os principais tipos celulares presentes no estômago e o que elas secretam? Existem diferentes tipos celulares na parede mucosa do estômago, desempenhando diferentes funções digestivas. Células principais: Secretam pepsinogênio, que é precursor da pepsina. O pepsinogênio é ativado à pepsina no ambiente ácido do lúmen do estômago. A pepsina é uma enzima digestiva produzida no estômago, que controla a degradação de proteínas no organismo, facilitando o processo de digestão. Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 7 Células parientais: Produzem íons hidrogênio por meio da ação da anidrase carbônica e, em seguida, os bombeiam para o lúmen através de uma bomba de prótons na membrana luminal. A secreção de H+ depende do transporte paralelo pelo canal de K+ luminal. A atividade das células parietais é estimulada pela ação da histamina que atua nos receptores H2, produzida por células secretoras de histamina. Células G: Secreta o hormônio gastrina. A secreção desse hormônio é estimulada pela entrada de alimentos no estômago. As células do estômago também secretam o fator intrínseco (IF), que facilita a absorção de vitamina B12 no intestino. A gastrina estimula a produção de suco gástrico. Células epiteliais: Secretam muco alcalino, que protege o revestimento do estômago dos efeitos do ácido forte. Qual a consequência quando há um dano ou lesão no revestimento do TGI? Como tratar esse problema? O dano no revestimento do estômago ou do duodeno causa ulceração. O tratamento de sintomas relacionados com acidez, tais como dispepsia ou refluxo gastroesofágico, pode ser realizado com antiácidos, que simplesmente neutralizam o pH, antagonistas H2 (p. ex., cimetidina ou ranitidina), que evitam a liberação de histamina, ou inibidores da bomba de prótons (p. ex., omeprazol), que bloqueiam a secreção de H+ pelas células parietais. O que é a "capacidade de reserva" do trato intestinal? Esse conceito diz respeito a uma reserva funcional no aspectos da digestão e da absorção, ou seja, o TGI consegue digerir e absorver muito mais do que parece, mesmo estando comprometido. Devido a esse fato, uma pequena perda funcional pode passar despercebida, permitindo que a patologia progrida por algum tempo antes de ser diagnosticada. Sinais e sintomas de má digestão ou má absorção GI requerem um prejuízo considerável da relação estrutura/função para se manifestarem. Cada um dos órgãos envolvidos na digestão e na absorção tem a capacidade de aumentar sua atividade várias vezes em resposta a estimulação específica; isso aumenta enormemente a capacidade de reserva. Por exemplo, para uma doença do pâncreas se manifestar, 90% da função pancreática precisa ser destruída. Note também que a digestão de um nutriente particular ocorre em vários locais no trato GI. Lipídios, carboidratos e proteínas podem ser digeridos em múltiplos pontos ao longo do trato GI. Deste modo, o comprometimento dos mecanismos digestivos em um único ponto dificilmente causará incapacidade completa de digerir um grupo de nutrientes. Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 8 O que são os zimogênios e como eles são ativados? Os zimogênios são precursores inativos, ou seja, enzimas inativas. Com exceção da amilase salivar e lipase lingual (associada à língua e, por essa razão, oral), as enzimas digestivas são secretadas no lúmen intestinal como precursores inativos chamados zimogênios (secreção exócrina). As enzimas envolvidas na digestão de proteínas (proteases) e de gorduras (lipase: fosfolipase A2 ) são sintetizadas como zimogênios inativos e são ativadas somente quando liberadas no lúmen intestinal. Em geral, essas enzimas, uma vez em sua forma ativa, podem ativar seus próprios precursores. A ativação de seus precursores pode também ocorrer por mudança de pH (p. ex., o pepsinogênio no estômago é convertido, em pH abaixo de 4,0, em pepsina) ou pela ação de enteropeptidases específicas ligadas à membrana da mucosa do duodeno. Qual o produto da hidrolise de carboidratos, proteínas e lipídios? Todas as enzimas digestivas hidrolisam seus substratos. Os produtos de tais processos hidrolíticos são oligômeros, dímeros e monômeros da macromolécula Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 9 precursora. Assim, os carboidratos são hidrolisados a uma mistura de dissacarídios e monossacarídios. As proteínas são quebradas em uma mistura de di e tripeptídios e aminoácidos. Os lipídios são desdobrados em uma mistura de ácidos graxos (AG), glicerol e mono e diacilgliceróis. Digestão e absorção de carboidratos Quais carboidratos a gente consome e como eles chegam para serem degradados? Os carboidratos da dieta são basicamente o amido (polissacarídeos) de origem animal e vegetal, os dissacarídeos sacarose e lactose, e os monossacarídeos (glicose, frutose e galactose). Qual a fonte alimentar dos principais carboidratos? Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 10 Como ocorre a quebra dos dissacarídeos e polissacarídeos? Estes tipos de carboidratos precisam ser hidrolisados em monossacarídeos para serem absorvidos. Os dissacarídios são quebrados por dissacaridases de membrana presentes na superfície da mucosa intestinal. O amido e o glicogênio Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 11 requerem capacidade hidrolítica adicional da enzima amilase encontrada nas secreções das glândulas salivares e do pâncreas. A digestão desses polissacarídios é promovida pelas endossacaridases e pela amilase. Os produtos da hidrólise do amido são o dissacarídio maltose, o trissacarídio maltotriose e uma unidade ramificada, denominada dextrina α-limite. Esses produtos são hidrolisados novamente por enzimas ligadas aos enterócitos, para formar, em último lugar, o monossacarídio glicose. Os dissacarídios da dieta, tais como lactose, sacarose e trealose (um dissacarídio composto por duas moléculas de glicose), são hidrolisados em seus monossacarídios constituintes por dissacaridases específicas ligadas às membranas da borda em escova do intestino delgado. Explique, de forma geral, como ocorre a digestão e absorção de carboidratos na dieta. Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 12 (A) Os monossacarídios são liberadoscomo resultado da hidrólise de diferentes polissacarídios. Observe que a digestão preliminar ocorre no lúmen intestinal e a etapa final ocorre na superfície mucosa. (B) Ligações entre a absorção de Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 13 monossacarídios e de sódio e sua relação com a atividade da Na + /K + - ATPase. O que significa dizer que as dissacaridases são indutíveis? Isso significa que quanto maior a quantidade de um dissacarídeo, maior será a quantidade de enzima dissacaridase específica para aquele carboidrato, ou seja, a enzima não é um fator limitante na digestão. A única exceção é a lactase. A etapa limitante na taxa de absorção de dissacarídios da dieta é, portanto, o transporte dos monossacarídios resultantes. A lactase, por outro lado, é uma dissacaridase não indutível da borda em escova, por isso o fator limitante da taxa de absorção da lactose é a sua hidrólise. Como ocorre o transporte de monossacarídeos através das células do trato GI? O processo de digestão resulta em grande aumento no número de partículas de monossacarídios osmoticamente ativas no lúmen intestinal. A água será, dessa forma, retirada da mucosa do trato GI e do compartimento vascular para o lúmen. Assim, o aumento da hidrólise na borda em escova aumentará a carga osmótica, enquanto o transporte aumentado de monossacarídios através da borda em escova do enterócito irá diminuí-la. Para a maioria das oligo e dissacaridases, o transporte dos monômeros resultantes é um fator limitante. À medida que as concentrações de açúcares monoméricos (e a osmolalidade) aumentam no lúmen intestinal, há diminuição compensatória na atividade das dissacaridases da borda em escova. Isso controla a carga osmótica e evita o movimento dos fluidos. A glicose, a frutose e a galactose são os monossacarídios primários resultantes da digestão dos carboidratos da dieta. A absorção desses açúcares e de outros monossacarídios menos importantes ocorre por meio de mecanismos específicos mediados por transportadores, todos os quais demonstram especificidade para o substrato e estereoespecificidade, exibem cinética de saturação e podem ser especificamente inibidos. Além disso, todos os monossacarídios podem atravessar a membrana da borda em escova por difusão simples, embora esta seja extremamente lenta. Na membrana da borda em escova, tanto a glicose quanto a galactose são transportadas pelo transportador de glicose sódio-dependente anteriormente mencionado. Essa proteína relacionada com a membrana liga-se à glicose (ou galactose) e ao Na + , em locais separados, e transporta ambos para o citosol dos enterócitos. O Na + é transportado a favor de seu gradiente de Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 14 concentração (a concentração no lúmen intestinal excede a do interior da célula), levando junto a glicose contra seu gradiente de concentração. Esse mecanismo de transporte é ligado à Na + /K+ -ATPase. O transporte de glicose ou galactose é, assim, um processo ativo indireto. A frutose é transportada através da membrana da borda em escova por um processo de difusão facilitada sódio-independente envolvendo o transportador de glicose associado à membrana GLUT-5, que está presente no lado da borda em escova do enterócito, e o GLUT 2, que transfere monossacarídios do interior do enterócito para a circulação. Uma incompleta digestão de carboidratos (os componentes da fibra) provoca sua conversão em ácidos graxos de cadeia curta (acetato, propionato, butirato) pelas bactérias do cólon. Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 15 O que é a doença celíaca? Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 16 A doença celíaca é uma condição autoimune precipitada pela sensibilidade ao glúten, resultando em inflamação da mucosa do intestino delgado. O glúten é uma proteína de reserva do trigo, cevada e centeio. Na realidade, trata-se de uma mistura de proteínas, que incluem as gliadinas (a fração solúvel em álcool do glúten) e as gluteninas. As gliadinas atravessam a barreira intestinal durante as infecções, por exemplo, e desencadeiam a resposta imune. A reação inflamatória segue. O resultado é a atrofia das vilosidades e a hiperplasia das criptas. Uma vez que a superfície de absorção está bastante reduzida, a má absorção resultante pode ser grave. Os anticorpos circulantes contra o glúten do trigo e suas frações estão frequentemente presentes em casos de doença celíaca. O diagnóstico envolve biópsia duodenal e testes à resposta a uma dieta sem glúten. Os autoanticorpos testados são anticorpos antigliadina e/ou anticorpos transglutaminase tecidual (a transglutaminase é uma enzima que promove a desamidação da gliadina na parede intestinal). A doença celíaca é subdiagnosticada, especialmente em pacientes com anemia não explicada. Digestão e absorção de lipídeos Quais as principais fontes de gordura na dieta? Aproximadamente 90% da gordura na dieta corresponde a triacilgliceróis (TAG; também denominados triglicerídios). Os demais consistem em colesterol, ésteres de colesterol, fosfolipídios e ácidos graxos não esterificados (AGNE). Descreva as etapas do processo de digestão e absorção de lipídeos. As gorduras precisam ser esterificadas antes da digestão A natureza hidrofóbica das gorduras impede o acesso das enzimas digestivas hidrossolúveis. Além disso, os glóbulos de gordura apresentam uma área de superfície limitada para a ação enzimática. Esses problemas são superados pelo processo de emulsificação. A mudança na estrutura física dos lipídios começa no estômago: a temperatura corporal ajuda a liquefazer os lipídios da dieta, e os movimentos peristálticos facilitam a formação de uma emulsão lipídica. As lipases salivares e gástricas, estáveis no meio ácido, também ajudam no processo de emulsificação. A taxa inicial de hidrólise é lenta devido à separação da fase lipídica da aquosa e à limitada interface lipídios-água. Uma vez iniciada a hidrólise, contudo, os TAG imiscíveis em água são degradados a ácidos graxos, os quais atuam como surfactantes. Eles conferem uma superfície hidrofílica às gotículas de lipídios e as quebram em partículas menores, aumentando a interface Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 17 lipídios-água e facilitando a hidrólise. A fase lipídica se torna dispersa por toda a fase aquosa sob a forma de emulsão. Os fosfolipídios da dieta, os ácidos graxos e os monoacilgliceróis também atuam como surfactantes. No duodeno, os sais biliares e as enzimas pancreáticas atuam na emulsão lipídica A emulsão lipídica passa do estômago para o duodeno, onde ocorre digestão adicional, conduzida por enzimas secretadas pelo pâncreas. A liberação de sais biliares pela vesícula biliar, estimulada pelo hormônio colecistocinina, ajuda na solubilização. A principal enzima secretada pelo pâncreas é a lipase pancreática. A lipase, todavia, permanece inativa na presença de sais biliares normalmente secretados no intestino delgado. Essa inibição é superada pela secreção concomitante da colipase pelo pâncreas. A colipase se liga tanto à interface água-lipídio como à lipase pancreática, simultaneamente ancorando e ativando a enzima. Apenas uma pequena porção de TAG da dieta é completamente hidrolisada em glicerol e ácidos graxos. Os “segundo” e “terceiro” ácidos graxos dos TAG são hidrolisados com dificuldade crescente; a lipase pancreática produz principalmente 2-monoacilgliceróis (2- MAG), os quais são absorvidos pelos enterócitos. Os sais biliares são essenciais para a solubilização de lipídeos durante o processo digestivo Os ácidos biliares (que são sais biliares no pH alcalino do intestino) atuam como detergentes e formam reversivelmente agregados lipídicos (micelas). As micelas são consideravelmente menores que as gotículas lipídicas. Seu tamanho depende da concentração de ácidos biliares e da razão entre ácidos biliares e lipídios. Assim, o digerido lipídico se transforma de gotículas de emulsãode gordura em estruturas micelares. As micelas transportam os lipídios para a borda em escova do enterócito. A absorção de lipídios para as células epiteliais que revestem o intestino delgado ocorre por difusão através da membrana plasmática. Quase todos os ácidos graxos e 2- MAG são absorvidos, pois ambos são hidrossolúveis. Os lipídios não hidrossolúveis são pouco absorvidos: apenas 30 a 40% do colesterol da dieta é absorvido. Os sais biliares passam para o íleo, onde eles próprios são reabsorvidos e transferidos novamente para o fígado. Este circuito é chamado de circulação êntero-hepática. Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 18 O destino dos ácidos graxos depende do comprimento de suas cadeias Os ácidos graxos de cadeias média e curta (com menos de dez átomos de carbono) passam diretamente pelos enterócitos para o sistema porta- hepático. Pelo contrário, ácidos graxos contendo mais de 12 átomos de carbono são ligados a uma proteína de ligação de ácidos graxos na célula e transferidos ao retículo endoplasmático rugoso para a ressíntese de TAG. O glicerol produzido no lúmen intestinal não é reutilizado no enterócito para a síntese de TAG, e passa diretamente para o sistema porta. A síntese de triacilgliceróis requer ativação de ácidos graxos Todos os ácidos graxos de cadeia longa absorvidos são reutilizados para formar TAG antes de serem transferidos para os quilomícrons. A ativação de ácidos graxos é realizada pela acil-CoA sintetase. Os quilomícrons são Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 19 estruturados no retículo endoplasmático rugoso antes de serem liberados por exocitose no espaço intercelular. Eles saem do intestino através da linfa. Digestão e absorção de proteínas Como as proteínas são hidrolisadas? As proteínas são quebradas por hidrólise das ligações peptídicas por peptidases. Essas enzimas podem tanto clivar ligações peptídicas internas (endopeptidases) quanto retirar um aminoácido de cada vez do terminal –COOH (carboxipeptidases) ou –NH2 (aminopeptidases) do polipeptídio. As endopeptidases quebram polipeptídios grandes em oligopeptídios menores, os quais podem ser posteriormente alvo da ação de exopeptidases para produzir aminoácidos e di e tripeptídios, os produtos finais da digestão de proteínas, que são absorvidos pelos enterócitos. Dependendo da fonte das peptidases, a digestão proteica pode ser dividida em fase gástrica, pancreática e intestinal O que é a pancreatite aguda? A pancreatite aguda é uma doença grave e potencialmente ameaçadora, causada por cálculos biliares que bloqueiam o ducto pancreático, por uso abusivo de álcool ou, mais raramente, por fármacos como a azatioprina, vírus como o da caxumba, ou hipertrigliceridemia. Os pacientes apresentam dor abdominal grave, náuseas e vômitos. O marcador bioquímico mais importante da pancreatite é o aumento da atividade da amilase no soro. Além disso, podem ocorrer aumento da atividade da lipase e decréscimo de cálcio no soro. A pancreatite crônica é uma consequência da inflamação prolongada e conduz a má nutrição e a esteatorreia (excessiva gordura fecal). Encontra-se também associada à falha da função endócrina pancreática, levando à hiperglicemia Quais as funções exócrinas do pâncreas? O pâncreas tem dois papéis funcionais distintos: uma função exócrina (i.e., a secreção de enzimas digestivas através do ducto pancreático) e a função endócrina (i.e., a secreção de insulina, glucagon e outros hormônios pelas ilhotas de Langerhans). Esses hormônios são responsáveis pelo controle glicêmico e por aspectos da função gastrintestinal. As secreções exócrinas fluem para o ducto pancreático, que desemboca no duodeno juntamente com o ducto biliar comum ao fígado e à vesícula biliar. Os alimentos que entram no duodeno estimulam a secreção de colecistocinina que, por sua vez, ativa a produção e a secreção de enzimas pancreáticas. A entrada do conteúdo ácido do estômago no duodeno estimula a liberação de outro hormônio, a secretina, Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 20 que estimula a produção do suco pancreático rico em bicarbonato, o qual neutraliza a acidez no duodeno. O pâncreas secreta enzimas que digerem carboidratos, lipídios e proteínas. A amilase pancreática digere os carboidratos a oligossacarídios e monossacarídios; a lipase digere os triacilgliceróis, enquanto a colesteril esterase gera colesterol livre e ácidos graxos; finalmente, proteases e peptidases quebram proteínas e peptídios. Para evitar que as poderosas proteases digiram o próprio pâncreas (autodigestão), elas são secretadas como pró-enzimas e ativadas no lúmen intestinal. Explique como ocorre a digestão de proteínas e onde ela começa? A digestão proteica começa no estômago No estômago, o HCl secretado reduz o pH para 1-2 com consequente desnaturação das proteínas da dieta. A desnaturação desenrola as cadeias polipeptídicas, tornando as proteínas mais acessíveis a proteases. Além disso, as células principais da mucosa gástrica secretam pepsina. Esta é liberada como um precursor inativo, o pepsinogênio, e é ativada por uma reação intramolecular (autoativação) em pH menor que 5 ou por uma pepsina ativa (autocatálise). Em pH acima de 2, o peptídio liberado permanece ligado à pepsina e atua como inibidor de sua atividade. Essa inibição termina ou quando há uma diminuição do pH para menos de 2 ou por ação adicional da pepsina. Os produtos da digestão das proteínas pela pepsina são grandes fragmentos peptídicos e alguns aminoácidos livres. Eles estimulam a liberação de colecistocinina no duodeno, o que, por sua vez, ativa a liberação das principais enzimas digestivas pelo pâncreas, assim como a contração da vesícula biliar para liberar a bile. As enzimas proteolíticas são liberadas pelo pâncreas como zimogênios inativos, de maneira similar ao pepsinogênio A enteropeptidase duodenal converte o tripsinogênio em tripsina ativa. Essa enzima é, então, capaz de autoativação; além disso, ativa todos os outros zimogênios pancreáticos (quimotripsina, elastase e carboxipeptídios A e B). Devido a essa função primordial da tripsina na ativação de outras enzimas pancreáticas, sua atividade é controlada no pâncreas e nos ductos pancreáticos por um peptídio inibitório de baixo peso molecular. As proteases pancreáticas clivam ligações peptídicas em diferentes localizações de uma proteína A tripsina cliva as proteínas nos resíduos de arginina e lisina, a quimotripsina nos aminoácidos aromáticos e a elastase nos aminoácidos Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 21 hidrofóbicos. O efeito combinado é a produção de uma abundância de aminoácidos livres e peptídios de baixo peso molecular, de 2-8 resíduos de comprimento. Em paralelo à secreção de proteases, o pâncreas também produz grandes quantidades de bicarbonato de sódio. Isso neutraliza o estômago, à medida que chegam ao duodeno, promovendo a atividade de proteases pancreáticas. A digestão final de peptídeos depende de peptidases do intestino delgado A digestão final de di e oligopeptídios é efetuada no intestino delgado por endopeptidases, dipeptidases e aminopeptidases ligadas à membrana. Os produtos finais desse processo são aminoácidos livres e di e tripeptídios, que são absorvidos através da membrana do enterócito por transporte específico mediado por carreadores. No enterócito, os di e tripeptídios são posteriormente hidrolisados em seus aminoácidos constituintes. A etapa final é a transferência dos aminoácidos livres do enterócito para o sistema porta. Quais os sinais de má absorção e os principais métodos de diagnóstico? Os sinais de má absorção são a diarreia crônica, a esteatorreia e a perda de peso, e – nas crianças – atrasos no crescimento. Suas complicações resultam Bioquímica Clínica do TGI- Cap I- Geral (Baynes) 22 do aporte inadequado de nutrientes, vitaminas ou oligoelementos. O diagnóstico de síndromes de má absorção envolve testes de hematologiae bioquímica convencionais e a análise de processos inflamatórios ativos (proteína C reativa), assim como a análise de fezes e cultura de fezes. Os testes especializados incluem a análise de deficiências vitamínicas. É possível realizar pesquisas com base em imagiologia, como a ultrassonografia abdominal e a TC, e podem ser visualizadas porções do trato GI através de esôfago-gastroduodenoscopia. Podem ser colhidas biópsias do estômago, do duodeno e do intestino delgado. Os testes do hidrogênio expirado são usados no diagnóstico da má absorção de carboidratos. Testes mais antigos para a má absorção incluem o teste de absorção de xilose e o teste de absorção de lactose. Se houver suspeita de insuficiência pancreática, é possível avaliar a excreção fecal de enzimas como a elastase e a lipase, e pode ser efetuada uma pancreatografia retrógada endoscópica (CPRE).
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