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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL Daniella Tech Doreto A mundialização do capital e a financeirização da economia Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a mundialização do capital e o processo de globalização da economia e da produção e reprodução social. Demonstrar o sistema de financeirização da economia e seu impacto nos Estados Nacionais. Analisar o capital fetiche e suas consequências às políticas sociais e aos processos de trabalho do assistente social. Introdução A mundialização do capital tem sido bastante discutida na atualidade e, em linhas gerais, pode-se dizer que encontra suas bases em grandes grupos transnacionais, resultado da fusão e aquisição de empresas em um contexto de desregulamentação e liberalização econômica. Juntamente à mundialização do capital, discute-se a globalização e a abertura do capital e do mercado, que favorece o intercâmbio entre vários países do mundo, além da finaceirização da economia. Neste contexto de predomínio dos interesses do capital sob a área pública, vivencia-se desregulamentação de direitos, focalização e seletividade como características das políticas públicas. Neste capítulo, você vai reconhecer como aconteceu o processo de globalização da economia, a mundialização do capital e o processo de reprodução social. Além disso, você vai conhecer o sistema de financeiri- zação da economia e os seus reflexos nos Estados Nacionais, bem como consequências do capital para as políticas sociais e para os processos de trabalho do assistente social. A mundialização do capital e o processo de globalização da economia e da produção e reprodução social O capitalismo sofreu importantes transformações ao longo da história, infl uenciando a vida em sociedade em todos os seus aspectos. Iamamoto (2010, p. 117), utilizando-se dos estudos de Mandel (1985), aponta que o capitalismo, como resposta a um período de crise, “[...] avançou em sua vocação de internacionalizar a produção e os mercados, aprofundando o desenvolvimento desigual e combinado entre as nações e, no seu interior, entre classes e grupos sociais no âmago das relações dialéticas entre impe- rialismo e dependência”. Assim, considerando esse contexto, é pertinente analisar alguns fenômenos inerentes ao processo de acumulação do capital para ampliar nossa compre- ensão sobre o tema. Iniciaremos distinguindo os conceitos de globalização e mundialização do capital. Globalização é um termo de origem inglesa que se refere “[...] à capa- cidade de grandes grupos capitalistas, ativos tanto nos setores primário e secundário quanto no terciário, de atuar em várias partes do mundo capitalista de forma mais ou menos coordenada, portanto, de modo global” (KLAGSBRUNN, 2008, documento on-line). Segundo o autor, o termo traz embutido em seu sentido a ideia do capital global e, em um análise bem menos criteriosa, a globalização é entendida como uma fase em que “[...] comércio, indústria e finanças se desenvolvem em várias regiões do mundo de algum modo coligado, coordenado e interdependente” (KLAGSBRUNN, 2008, documento on-line). Em outras palavras, podemos pensar a globa- lização a partir do aprofundamento das relações entre os diversos países, com diminuição ou eliminação de entraves do ponto de vista imigratório ou econômico. Ianni (1999, documento on-line) aponta que um aspecto muito importante a ser considerado quando falamos em globalização é o momento em que o neo- liberalismo se torna hegemônico no mundo e com dimensão para transformar “[...] amplos setores da sociedade civil em deserdados, não só de condições e possibilidades de soberanias e hegemonias, mas também de bases sociais indispensáveis à sobrevivência”. A mundialização do capital e a financeirização da economia2 Do ponto de vista histórico, podemos considerar que o desenvolvimento econômico foi impulsionado pela revolução agrícola, com a invenção de novos equipamentos capazes de aumentar a produção nos países europeus. O aumento da produção gerou um excedente econômico que possibilitou o investimento no comércio e na área industrial. Seguido a isso, registra-se, no século XVIII, a Revolução Industrial, e de forma a acelerar o progresso, novas tecnologias e aumento da produtividade tornam-se o foco para aumentar cada vez mais os lucros. Os avanços citados, bem como outros ocorridos, ampliaram a competitividade a níveis globais, dando origem à chamada globalização (BRESSER-PEREIRA, 2006). Quando falamos em mundialização do capital, por outra parte, estamos nos referindo a uma das fases vividas ao longo da história que marcou o modo de produção capitalista e que surge a partir da década de 1980. Anteriormente a essa, outras duas fases são registradas, sendo a primeira delas entre os anos de 1880 e 1913, conhecida como capitalismo monopo- lista, e a segunda ocorrida entre os anos de 1974 e 1979, período conhecido como “os trinta anos gloriosos” (CHESNAIS, 1994). A etapa mais recente do capitalismo mundial tem características peculiares quando comparada às fases anteriores. O termo mundialização foi proposto e difundido por François Chesnais (KLAGSBRUNN, 2008), que, em suas primeiras obras, observava uma dife- rença conceitual importante entre os dois termos (mundialização e globaliza- ção), entendendo o primeiro de forma mais abrangente que o segundo. Suas concepções eram baseadas nas análises da teoria marxista sobre o capitalismo. Ainda com base nas considerações de Chesnais (1994), Klagsbrunn (2008, documento on-line) aponta que “[...] a mundialização é do capital, e que este é o responsável pela mundialização da economia”. Ferrer (2001, documento on-line) considera que o processo de mundialização do capital pode ser entendido como uma “[...] reestruturação do capitalismo em novas bases econômicas, como um meio de recuperar as taxas de acumulação das décadas anteriores”. Segundo o autor: Essa reestruturação não se manteve apenas na base econômica, mas se es- tendeu às esferas políticas e sociais das sociedades envolvidas pelo processo. 3A mundialização do capital e a financeirização da economia Tendo em vista a viabilização das medidas adotadas para a reestruturação capitalista, foram necessárias determinadas políticas que possibilitassem o pleno desenvolvimento do processo. Integrados nesse contexto, surgem deno- minações como privatizações, desregulamentação das economias, aberturas de mercado, desterritorialização, Estado mínimo e exclusão social, sendo viabilizadas por um programa de governo específico, o neoliberalismo. O programa neoliberal possibilita a implementação de reformas necessárias ao desenvolvimento e reprodução do capitalismo financeiro, podendo ser caracterizado como a expressão política da mundialização do capital, es- pecificamente, como foi salientado, do capital financeiro (FERRER, 2001, documento on-line). Iamamoto (2010, p. 108), por sua vez, faz uma importante análise sobre esse processo, destacando que a mundialização da economia está apoiada em “[...] grupos industriais transacionais, resultantes de processos de fusões e aquisições de empresas em um contexto de desregulamentação e liberalização da economia”. Segundo a autora, tais grupos centralizam e concentram o capital industrial e se encontram no centro da acumulação. A partir disso, “[...] as empresas industriais associam-se às instituições financeiras [...], que passam a comandar o conjunto da acumulação, confi- gurando um modo específico de dominação social e política do capitalismo, com o suporte dos Estados Nacionais” (IAMAMOTO, 2010, p. 108). Ao falar em instituições financeiras, a autora refere-se a bancos, companhias de seguros, fundos de pensão, sociedades financeiras de investimentos coletivos e fundos mútuos. Alves e Corsi (2002, documento on-line) referem que a mundialização do capital firma-se em processos interligados, que sãoacompanhados por inovações tecnológicas nas áreas de biotecnologia e informática, o que ficou conhecido como III Revolução Industrial. Nesse sentido, os autores consideram os seguintes processos: formação de oligopólios em vários setores; formação de mercados de capitais; mercado mundial cada vez mais integrado; instituição da divisão internacional do trabalho com base na descon- centração industrial. Contribuindo com essas considerações, Ferrer (2001) assinala, ainda, que os efeitos da mundialização do capital atingem as políticas públicas, destacando um cenário contrário ao acesso a direitos, mediante tendência do A mundialização do capital e a financeirização da economia4 desenvolvimento de políticas centralizadas e focalizadas, desfinanciamento e regressão de direitos. Alves e Corsi (2002, documento on-line) consideram que a mundialização do capital pode ser considerada como uma etapa nova referente ao “[...] processo de internacionalização do capital sob a hegemonia do capital financeiro e que tende a abarcar as regiões do mundo que apre- sentam abundância de recursos, desenvolvimento prévio, amplos mercados, políticas voltadas ao favorecimento de investidores externos [...]”. As outras regiões (aquelas com poucos recursos) permanecem fora desse processo ou participam timidamente. Isso quer dizer que “[...] a globalização como mun- dialização do capital incorpora, em si, as próprias características da lógica do capital, isto é, ela é excludente, desigual e seletiva” (ALVES; CORSI, 2002, documento on-line). Diante do exposto, considera-se que a mundialização do capital e o processo de globalização da economia, da produção e reprodução social impactaram a sociedade como um todo, alternando formas de existir e viver em sociedade a nível mundial, especialmente ao consideramos que, como pano de fundo de todo esse processo, há o neoliberalismo e seus preceitos. O sistema de financeirização da economia e seu impacto nos Estados Nacionais Para refl etirmos sobre o sistema de fi nanceirização da economia e seu o impacto nos Estados Nacionais, é preciso, inicialmente, compreender alguns conceitos. O primeiro deles refere-se ao capital fi nanceiro, denominação com “[...] forte tradição no pensamento marxista a partir do trabalho pio- neiro do austríaco Rudolf Hilferding, publicado em 1910” (GONÇALVES, 1999, documento on-line). De forma geral, o capital fi nanceiro pode ser entendido como o resultado da soma de todos os valores obtidos por meio de transações fi nanceiras, isto é, soma de capital bancário (dinheiro pro- priamente dito) com o capital produtivo (força de trabalho, investimentos, ações e outros). Hilferding (1985, p. 283 apud SABADINI, 2015, documento on-line) afi rma que: [...] o capital financeiro significa a uniformização do capital. Os setores do capital industrial, comercial e bancário, antes separados, encontram-se agora sob a direção comum das altas finanças, na qual estão reunidos, em estreita união pessoal, os senhores da indústria e dos bancos. 5A mundialização do capital e a financeirização da economia A partir dessa perspectiva, Gonçalves (1999, documento on-line) aponta que “[...] a questão central reside no processo de centralização e concen- tração do capital que gera o capitalismo monopolista”. O autor destaca, ainda, o controle do mercado por parte de grandes grupos econômicos, o que gera diversas implicações, especialmente no que se refere à expansão do capitalismo mundial. Como exemplo de capital financeiro, podemos pensar nos fundos de investimentos imobiliários, por exemplo. A bolsa de valores, por sua vez, também se configura como parte do capital financeiro. Ela é a instituição responsável pela organização do mercado de ações e pode ser entendida como uma pequena parte do capital de uma empresa; a partir disso, aquele que investe na bolsa de valores passa a ser um pequeno sócio da empresa. Assim, quando nos referimos à bolsa de valores, estamos falando de investimentos em ações de determinadas empresas que podem sofrer oscilações ao longo do tempo. Um pouco diferente do que apresentamos, mas não menos importante, é o que Marx chama de capital valor-trabalho. Ele difere-se da bolsa de valores e outras formas de capital financeiro, pois, nessa categoria, considera-se o custo das mercadorias para a sociedade como um todo, incluindo os trabalhadores, e não apenas os capitalistas (GONTIJO, 2009). Segundo o autor: Enquanto para estes os custos são dados pelos dispêndios de capital, tanto para os trabalhadores quanto para a sociedade como um todo, os custos estão constituídos pela quantidade de trabalho social despendido na produção. A lei do valor dá conta desse duplo aspecto da produção no capitalismo, que simultaneamente representa alocação do trabalho social – aspecto comum em todas as ordens econômicas – e alocação de dinheiro para fins de valo- rização. Abandonar, pois, a teoria do valor-trabalho em favor de uma teoria restrita aos preços de produção significa renunciar à compreensão do nexo necessário entre essas duas dimensões da produção na sociedade capitalista (GONTIJO, 2009, p. 504). Assim, podemos observar a complexidade que envolve a questão da acu- mulação do capital e a busca pelo lucro, pois essa relação perpassa a força de trabalho, o trabalho despendido, a busca pelo lucro e o processo de acumulação. Isso posto, outro conceito tão importante quanto o de capital financeiro e essencial para nossa discussão, é a questão da financerirização, e, para tanto, recorremos aos estudos de Braga (1997, p. 196 apud RIBEIRO; DINIZ, 2017, documento on-line), que assinala que esse processo: A mundialização do capital e a financeirização da economia6 [...] deve ser compreendido como o padrão sistêmico de riqueza do capitalismo contemporâneo. Quer dizer, como um processo geral de transformação do capitalismo que se torna estrutural, cria novas formas institucionais, marca as estratégias de todos os agentes privados relevantes, altera a operação das finanças e dos gastos públicos e, de alguma maneira, diferencia-se dos modos de manifestação do capital enquanto expressão do valor-trabalho. Os autores apontam ainda que a financeirização refere-se à “[...] cres- cente e recorrente defasagem, por prazos longos, entre os valores dos papéis representativos da riqueza [...] e os valores dos bens, serviços e bases técnico-produtivas em que se fundam a reprodução da vida e da sociedade” (BRAGA, 1997, p. 196 apud RIBEIRO; DINIZ, 2017, documento on-line). O avanço do processo de financeirização faz com que grupos econômicos cuja atividade base é a indústria desenvolvam “braços” finan- ceiros importantes, que, muitas vezes, acabam tornando-se maiores que a atividade principal (industrial) desenvolvida pelo grupo (GONÇALVES, 1999). Esse é o caso de empresas transnacionais (como, por exemplo, a General Motors e a Votorantim, no Brasil), que têm sua própria instituição financeira (GONÇALVES, 1999). Em relação ao surgimento e desenvolvimento da financeirização, Bruno e Caffé (2015, p. 36) apontam que é essencial a existência de estruturas “[...] institucionais permissivas que o reproduzam no plano macroeconômico, incluindo-se aí a formatação e condução da política econômica e o aval do Estado, para que a acumulação financeira seja a tônica dominante com relação à acumulação de capital nos demais setores de atividade”. Para os autores, o predomínio das finanças no Brasil desenvolveu-se por meio de instituições que “[...] dominam ou controlam, como parte significativa do aparelho do Estado, no que concerne à tomada de decisões governamentais, incluindo a formatação da política econômica e as condições institucionais que definem e reproduzem o atual modelo econômico” (BRUNO; CAFFÉ, 2015, p. 36). Pode-se dizer que é em função da mundialização do capital que trans- formações na natureza do Estado capitalista ocorreram, mas não apenas no Estado capitalista dependente subalterno,como é o caso do Brasil, mas também do Estado capitalista dominante que se tornou alvo da análise da teoria política moderna, ou seja, os Estados-nação do mundo capitalista (ALVES, 1999). 7A mundialização do capital e a financeirização da economia Sobre o impacto da financeirização da economia para os Estados Nacio- nais e para os próprios trabalhadores, Marques (1999, documento on-line) aponta que: As consequências para os trabalhadores e para os Estados Nacionais condu- zirem um desenvolvimento relativamente autônomo estão bastante claras: a mundialização, isto é, o novo padrão de organização da produção das empresas oligopolistas internacionais, apoiadas pela liberalização financeira e pela desregulamentação promovida por diferentes governos, resulta na liquidação das conquistas e na perda de capacidade de intervenção ativa dos Estados. O processo da mundialização do capital e financeirização da economia acarretaram o enfraquecimento da autonomia dos Estados e a capacidade de desenvolverem uma política independente considerando a capacidade dos mercados nacionais. Bruno e Caffé (2017, documento on-line) discutem que a economia brasileira atual se constitui em uma economia de “[...] finan- ceirização forçada” e limitada no que se refere a encontrar condições para a retomada das taxas de investimento produtivo, especialmente em relação aos setores de maior nível tecnológico. Os autores apontam, ainda, que a economia pode crescer, mas sob taxas inferiores, pois “[...] a rentabilidade real de referência não é mais definida de acordo com as necessidades das atividades produtivas e sim sob critérios e exigências de detentores de capi- tais de curto prazo, em sua maior parte, especulativos e avessos aos riscos das imobilizações necessárias ao desenvolvimento brasileiro”. Os autores apontam ainda que: Essa inflexão das relações Estado-economia no Brasil não é um caso fortuito, um acidente da história, ou derivada de equívocos das ações governamentais. Ao contrário, suas causas decorrem de mudanças estruturais profundas, lideradas por novos grupos de pressão com sua forte ingerência sobre o se- tor público, incluindo a formulação e gestão da política monetária e fiscal (BRUNO; CAFFÉ, 2017, documento on-line). Bruno e Caffé (2017, documento on-line) também destacam que “[...] o caráter excludente das relações Estado-sociedade civil no Brasil é repro- duzido pela baixa representatividade política das classes populares nas estruturas organizacionais do setor público”. Segundo os autores, a carac- terística citada é reflexo da heterogeneidade social e econômica, reflexo do A mundialização do capital e a financeirização da economia8 “[...] seu caráter excludente é seu caráter inacabado, reflexo das estruturas de produção e de distribuição que resultam das formas contraditórias do processo de desenvolvimento capitalista nesse país” (BRUNO; CAFFÉ, 2017, documento on-line). Bruno e Caffé (2017, documento on-line) destacam alguns períodos que transformaram as relações entre Estado e economia: 1º período (1930–1954) — o Estado, sob um regime político autoritário, promove o nacional-desenvolvimentismo e tenta lançar as bases para um processo autônomo de desenvolvimento econômico; 2º período (1955–1963) — fase I do desenvolvimentismo associado ao capital estrangeiro; 3º período (1964–1989) — fase II do desenvolvimentismo associado ao capital estrangeiro, com seu apogeu e crise; 4º período (1990–2003) — fase I do modelo neoliberal-dependente com inserção internacional subordinada aos mercados globais; 5º período (2004–2014) — fase II do modelo neoliberal-dependente com inserção internacional subordinada aos mercados globais; 6º período (2015–2017) — observa-se a captura total do Estado pelos interesses da alta finança com sua ideologia neoliberal e a busca de novos espaços de reva- lorização mercantil. Com base no exposto até aqui, os Estados Nacionais, entendidos a partir do resultado da forma como a política e a questão econômica, estruturam-se no sentido de fortalecer o poder central, sofrem os impactos da financeirização da economia, influenciando a forma como se relacionam e o desenvolvimento econômico e social. O impacto estende-se para área social como um todo, o que pode ser observado ao analisarmos a escassez de investimentos nessa área. Essa falta de investimentos deve-se à visão errônea que ainda permanece de se oferecer condições mínimas para aqueles que necessitam, sem buscar ações transformadoras da realidade em que vivem. Investimentos na área social ainda não se constituem em prioridades do governo neoliberal, que prioriza a menor participação do Estado, com menores investimentos, pois não é o foco da geração de riquezas. 9A mundialização do capital e a financeirização da economia O capital fetiche e suas consequências às políticas sociais e aos processos de trabalho do Assistente Social A questão do capital fetiche é trabalhada por Iamamoto (2010, p. 93), que nos aponta que a relação alienada entre o capital e sua fetichização encontra o ponto alto no “[...] capital que rende juros, que representa a mera propriedade do capital, como meio de apropriar-se do trabalho alheiro presente e futuro”. Nessa relação, a autora aponta que “[...] o capital-dinheiro aparece, na sua superfície, numa relação consigo mesmo, como fonte independente de criação de valor, à margem do processo de produção, apagando o seu caráter antagônico frente ao trabalho” (IAMAMOTO, 2010, p. 93). Iamamoto (2010, p. 93) coloca, ainda, com base na teoria marxista, que o capital fetiche é considerado como uma “[...] coisa autocriadora de juro, dinheiro que gera dinheiro [...]. Obscurece as cicatrizes de sua origem, assumindo a forma mais coisifi cada do capital, que Marx denomina de capital fetiche.” Tendo isso posto, faz-se necessário ref letir sobre o quanto o capital fetiche influencia o desenvolvimento das políticas sociais e o trabalho do assistente social. Para refletir sobre a forma como as políticas sociais se apresentam frente ao contexto do capital, é importante considerar o papel a ser cumprido pelo Estado nesse modo de dominação. Segundo Iamamoto (2010, p. 121): [...] o Estado tem o papel-chave de sustentar a estrutura de classes e as relações de produção e, nesse sentido, afirma que a ele cabe exercer funções coercitivas e integradoras, que se entrelaçam para proporcionar as condições necessárias para a efetivação da produção. E complementa que o Estado funciona como esteio do capital privado, oferecendo-lhe, por meio de subsídios estatais, pos- sibilidades de investimentos lucrativos nas indústrias de armamento, proteção ao meio ambiente, empréstimo aos países estrangeiros e infra-estrutura. A hipertrofia do Estado propicia maior controle sobre os rendimentos sociais, o que amplia o interesse dos grupos de capitalistas em interferir nas decisões. Em relação às políticas sociais que se desenvolvem nesse contexto, Behring e Boshcetti (2008) assinalam que a política neoliberal e o sistema capitalista prezam pela estabilidade econômica, que somente é possível de ser realizada mediante redução nos gastos sociais e pela manutenção de taxas de desem- prego e reformas fiscais. As políticas sociais também sofrem o impacto das privatizações, além da perda da sua proposta universalista para um enfoque A mundialização do capital e a financeirização da economia10 seletivo, restritivo e focalizado (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). Para as autoras, com a busca incessante pelo lucro, na perspectiva única de dinheiro para gerar dinheiro, as políticas sociais não se constituem em prioridades dos governos; na realidade, estão na outra ponta, uma vez que o que ocorre é uma desresponsabilização do Estado com as políticas sociais, muitas vezes transferindo suas responsabilidades para o terceiro setor. Tendo como característica a lucratividade e o gerar desenfreado de dinheiro, a sociedade sofre os reflexosdessa situação, que se manifestam sobre os trabalhadores em forma de desemprego, trabalho informal, condições precá- rias, extensivas horas de trabalho. Enfim, tudo isso amplia as manifestações da questão social, o aumento da demanda por serviços e políticas públicas em decorrência, principalmente, do desemprego e da situação de pobreza (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). As políticas sociais implementadas ao longo dos anos sofreram, portanto, influências do contexto existente e foram sendo reformuladas com o passar do tempo. Com a Constituição Federal de 1988 e o processo de redemocratização do país, houve a expectativa de mudanças no que se refere ao acesso aos direitos (BRASIL, 1988). Antes da promulgação da Constituição, as políticas sociais eram nitidamente fragmentadas, focalizadas e pouco resolutivas. Entretanto, embora trouxesse a regulamentação de direitos sociais universais, a década que se segue à Constituição Federal de 1988 foi marcada por contrarreformas que atingiriam diretamente a efetivação dos direitos conquistados. As autoras apontam, ainda, que os reflexos do capital sobre as políticas públicas não implicou sua extinção ou ausência, pois, na verdade, o que ocorreu foi que as políticas sociais tiveram que ser adequadas ao contexto vigente, em que predominam seletividade, privatização, focalização e enxugamento dos gastos. Entretanto, com o argumento de crise do Estado, a perspectiva é que haja a restrição de direitos e a transformação das políticas sociais em ações compensatórias, pontuais, sendo influenciadas pelos efeitos mais deletérios do sistema (BEHRING; BOSCHETTI, 2008). No que se refere ao trabalho profissional, por sua vez, vale destacar que os interesses do capital e os do trabalho não convivem de forma harmônica, o que faz com que seja necessário um projeto profissional construído coletivamente e teoricamente embasado. Isso porque a prática profissional do assistente social não acontece de forma isolada do contexto social, político, econômico vigente e tampouco do contexto histórico que o determinou. Nessa perspectiva, a forma como a vida social se reproduz e se consolida na sociedade atual exige determinadas mediações por parte dos profissionais 11A mundialização do capital e a financeirização da economia que não podem ser consideradas como estáticas ou passíveis de serem aplica- das a outros contextos sem que exista uma compreensão clara a seu respeito. Guerra (2007, p. 22), ao discutir o processo de trabalho do assistente social no contexto citado, refere que: [...] a forma como as instituições organizam o processo de trabalho do assistente social está dentro de uma lógica capitalista de organização e controle do processo de trabalho nos tempos modernos, porque asseguram a real subordinação do trabalho e a sua desqualificação, além de engen- drarem modos de obter um comportamento desejado no trabalho. Dessa forma, verifica-se que a conjuntura atual coloca desafios mais complexos ao mundo do trabalho. Segundo ela, o espaço sócio-ocupacional de toda profissão é construído a partir das necessidades sociais, transformadas em demandas, e que “[...] his- toricamente a profissão adquire este espaço quando o Estado passa a intervir sistematicamente na questão social (de conteúdo fundamentalmente econômico e político), através de uma modalidade de atendimento, qual sejam as políticas sociais” (GUERRA, 2000, documento on-line). Podemos considerar que o capital fetiche traz consequências importantes para as políticas sociais e para os processos de trabalho do assistente social. A mundialização do capital e a financeirização da economia conduzem um Estado comprometido com a classe dominante, enquanto a classe dominada sofre com os efeitos destrutivos desse sistema e a redução cada vez maior do acesso aos direitos sociais. ALVES, G. Trabalho e mundialização do capital, Londrina: Editora Práxis, 1999. ALVES, G.; CORSI, F. L. Dossiê “globalização”. Revista de Sociologia Política, Curitiba, PR, v. 19, p. 7-10, nov. 2002. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/rsp/article/view/3616/2873. Acesso em: 24 abr. 2019. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti- tuicao/constituicao.htm. 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