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Língua Portuguesa: Morfologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Nelci Vieira de Lima Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Introdução à Morfossintaxe • Introdução; • Sincronia e Diacronia: Duas Perspectivas de Estudo da Língua; • O Sistema Linguístico e sua Composição; • A Morfologia e seu Campo de Estudo; • Os Elementos Mórficos. • Compreender a sincronia e a diacronia como duas perspectivas de estudo da Língua; • Perceber como se compõe o Sistema Linguístico e entender a morfossintaxe como o estudo da relação entre os eixos paradigmático e sintagmático; • Compreender a morfologia como o estudo dos elementos que compõem o eixo paradig- mático da Língua; • Refl etir sobre os elementos mórfi cos e seu papel na estruturação interna das palavras. OBJETIVOS DE APRENDIZADO Introdução à Morfossintaxe Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Introdução à Morfossintaxe Introdução O estudo de qualquer Língua natural prevê sua descrição e descrever uma Lín- gua, implica, necessariamente, a compreensão e a distinção entre forma, significa- do e função. Forma pertence ao plano da expressão e pode ser compreendida como a estru- tura da Língua. O significado, por sua vez, pertence ao plano do conteúdo e está in- trinsecamente arraigado às práticas socioculturais dos falantes da Língua, enquanto a função diz respeito ao uso que se faz da Língua e engloba fatores morfológicos, sintáticos e semânticos. Talvez você se pergunte se é possível estudar os elementos da Língua destituídos de seu significado e de sua função. Saiba que sua pergunta é bastante coerente, vez que forma e significado são, de fato, indissociáveis. Além disso, é preciso pensar que, para que ocorra a realização de um enuncia- do concreto, ou seja, para que a Língua assuma sua função, é preciso pensar no contexto sociocultural e histórico e nos interactantes, ou seja, nas pessoas envol- vidas no ato comunicativo e nos papéis sociais que assumem no ato de produção de seus enunciados. Bem, embora a resposta tenha parecido óbvia, nesta Disciplina, tomaremos a forma da Língua como foco de nosso estudo, mais precisamente, refletiremos sobre a estrutura e a formação das palavras no Português contemporâneo e sobre os seus processos constitutivos, ou seja, sobre como as unidades mínimas se unem para formar elementos maiores, estudo que compete à Morfologia, área de investigação linguística que estuda a palavra e sua estrutura. Outro aspecto que deve ser pontuado nesta seção introdutória é o título dado à Unidade, Introdução à Morfossintaxe. Ora, se vamos estudar morfologia da Língua Portuguesa, porque usamos o ter- mo morfossintaxe? A resposta é simples: como você já sabe, é preciso pensar a Língua de forma completa, já que nela nada funciona sozinho. Então, assim como os morfemas se unem para formar palavras, as palavras se unem para formar orações. Isso você compreenderá melhor mais adiante, na seção que trata sobre a constituição do Sistema Linguístico. Agora que você já sabe qual é nosso objeto de estudo, precisamos pensar nas perspectivas de observação desse objeto. 8 9 O estudo morfológico da Língua pode ser realizado em duas perspectivas diversas: sincrônica ou diacrônica. A primeira perspectiva diz respeito ao estudo da Língua em um determinado período histórico, seja o atual, não seja. Já a segunda perspectiva é aquela que estuda a evolução da Língua ao longo do tempo. Vamos compreender, na próxima seção, as duas perspectivas, para definirmos em qual delas se encaixa nosso estudo nesta Disciplina. Sincronia e Diacronia: Duas Perspectivas de Estudo da Língua Ao estudarmos a Língua, podemos adotar duas perspectivas diferentes: a sin- crônica e a diacrônica. A partir da descoberta de semelhanças entre Línguas como o latim, o grego e o sânscrito, desenvolveu-se, nos séculos XVIII e XIX, o chamado método histórico- -comparativo, que visava a estabelecer as famílias linguísticas. Dessa forma, até o início do século XX, as preocupações dos linguistas estavam voltadas para as mudanças que as Línguas sofrem ao longo do tempo, até que o linguista suíço Ferdinand de Saussure estabeleceu a divisão dos estudos linguísticos em sincrônicos e diacrônicos, defendendo a ideia de que a Linguística deveria seguir uma abordagem sincrônica. Vamos entender em que essas abordagens se diferem? A sincronia refere-se ao estudo que tem por base um determinado estado da Língua, não importando o que ocorreu anteriormente a ela. Por exemplo, se fizer- mos uma descrição dos tempos e modos dos verbos no Português atual, estaremos fazendo um estudo sincrônico. Um estudo sincrônico, no entanto, não deve necessariamente abordar a Língua atual. Assim sendo, se fizermos o mesmo estudo com base nos verbos do Portu- guês do século XIV, por exemplo, esse também será um estudo sincrônico, porque estamos abordando apenas uma fase da Língua, ou seja, fizemos um recorte tem- poral para averiguarmos como a Língua se constituía naquele momento histórico. A diacronia, por sua vez, consiste em uma abordagem da Língua ao longo do tempo, ou seja, considera as mudanças pelas quais essa Língua passou. 9 UNIDADE Introdução à Morfossintaxe Vamos a um exemplo: vamos tratar das mudanças por que passou o pronome “você”. No Português arcaico – uma variante do Português falado na Idade Média, havia a forma de tratamento “vossa mercê”. Essa forma foi progressivamente contraindo- -se até a forma “você”. Veja: Vossa mercê Vossemecê Vosmecê Você Figura 1 Como esse estudo envolve diferentes fases do Português, a abordagem é diacrô- nica. Com base nessa e em outras mudanças, os especialistas em Linguística Dia- crônica podem estabelecer, por exemplo, o ano em que um documento foi escrito. Neste momento, você pode estar curioso sobre uma questão: por que é impor- tante diferenciar a análise sincrônica da análise diacrônica? Resposta: porque cada análise pode conduzir a uma conclusão diferente. Para ilustrar, vamos tomar duas palavras: “ourives” e “vinagre”. Considerando apenas o Português atual, podemos dizer que essas palavras são substantivos simples, porque a primeira, “ourives”, nomeia o artesão quetrabalha com metais preciosos, como ouro e prata; e a segunda, “vinagre”, nomeia uma espécie de tempero. São simples porque são formados por um só elemento. Em uma análise diacrônica, no entanto, observa-se que “vinagre” tem origem no latim vinum acre – “vinho azedo” –, e “ourives” nos chegou a partir da forma latina aurifex – de aurum + facere, “ouro” + “fazer”. Como você percebeu, tanto “vinagre” quanto “ourives” têm, em sua origem, mais de um elemento. Considerando essa análise, portanto, essas palavras seriam substantivos compostos, como, por exemplo, “guarda-chuva”. Como vimos, as duas análises, sincrônica e diacrônica, conduzem a conclusões diferentes. Não só diferentes, mas também incompatíveis. Uma vez que nosso interesse, nesta Disciplina, é o Português atual, optamos por utilizar apenas análises sincrônicas. Além disso, como ressalta Mattoso Câmara (2005), toda análise histórica é in- completa, porque não se conhece toda a história da Língua, mas apenas uma parte dela, que se obtém nos documentos históricos. Dito isso, passemos para a próxima seção, em que trataremos da constituição do Sistema Linguístico e do estudo da morfossintaxe. 10 11 O Sistema Linguístico e sua Composição A Língua é um Sistema de possibilidades altamente abstrato. Dominar uma Lín- gua significa, pois, ter uma espécie de arquivo na memória, não com todas, mas com boa parte das palavras dessa Língua. As palavras de uma Língua podem ser distribuídas em dois grupos: • Palavras de inventário aberto: esse grupo de palavras é composto por todas as palavras que nos trazem uma ideia mental e é a parte do léxico da Língua que se se renova sempre. Quer um exemplo de ideia mental? Bem, leia as se- guintes palavras: amor, andar, café, bolo. Percebeu que, ao ler essas palavras, veio uma imagem à sua mente? Pois é, esse grupo de palavras é também cha- mado de lexemas, ou morfemas lexicais, e se renova de tempos em tempos. Como exemplo dessa renovação, podemos citar algumas palavras do meio tecnológico: walkman, discman e Ipod são três palavras usadas para designar aparatos tecnológicos usados para ouvir música em épocas diferentes. Viu só? À medida que os aparatos tecnológicos vão se renovando, o léxico que os de- nomina também vai modificando. E isso acontece em todas as áreas, inclusive nas gírias, que são até mesmo uma marca da idade do falante. Figura 2 Fonte: Adaptado de Getty Images • Palavras de inventário fechado: as palavras de inventário fechado são aque- las que não nos trazem uma ideia mental, ou seja, sozinhas não são dotadas de um significado. Além disso, o inventário fechado é rígido e não se modifica ou amplia tão facilmente. Essas palavras são muito importantes na Língua e são chamadas de gramemas ou morfemas gramaticais. Elas pertencem ao mundo gramatical e servem para estabelecer ligação entre palavras em um enunciado, ou para formar palavras ao se unirem a outros elementos da Língua e das palavras como mostraremos mais à frente. Eis alguns exemplos de palavras de inventário fechado: com, e, porém, até. Viu só? Ao ler essas palavras nenhuma imagem mental veio à sua mente, não é? Agora que você ficou conhecendo esses dois grupos de palavras da Língua, vamos adiante, para estudar os dois eixos do Sistema Linguístico. Isso mesmo, o Sistema Linguístico se organiza em dois eixos, conforme você pode observar na figura a seguir: 11 UNIDADE Introdução à Morfossintaxe Eixo sintagmático Eix o P ar ad ig m át ico A Essa Aquela Uma menina menina menina menina comprou leu ganhou rasgou um um o aquele vestido. livro. prêmio. bilhete. Figura 3 Ao eixo vertical chamamos paradigmático, e nele encontramos um inventário de palavras, permitindo que façamos escolhas para a construção de um enunciado qualquer. Sendo assim, é o eixo da seleção. Observe que mantivemos a palavra menina e pudemos fazer escolhas diferen- tes, criando diversos enunciados. A morfologia centra seus estudos nesse eixo, o paradigmático. Na horizontal, encontra-se o eixo sintagmático, em que é possível estabelecer relações entre os elementos da Língua na formação dos enunciados. Esse eixo é o da combinação. Do eixo sintagmático, ocupam-se os estudos da sintaxe. Você deve ter percebido que a palavra morfossintaxe presente no nome desta Unidade indica que os dois eixos são indissociáveis, vez que, como já ressaltamos, os elementos da Língua não funcionam sozinhos. As construções sintáticas dos enunciados, ou seja, a combinação entre os ele- mentos linguísticos, acontecem no eixo sintagmático, a partir das escolhas, realiza- das pelo usuário da Língua, dos elementos linguísticos no eixo paradigmático, de acordo sempre com sua intenção comunicativa, isto é, com os efeitos de sentido que pretende imprimir ao enunciado. Ao efetuar uma escolha, o falante estará sempre excluindo outras possibilidades. Observe a imagem a seguir: Eix o p ar ad ig m át ico A mãe amamenta o �lho. Uma boa mãe sempre amamenta o �lho. A fêmea alimenta o �lhote Eixo sintagmático Figura 4 12 13 Como você deve ter percebido no Quadro anterior, é no eixo paradigmático que o falante da Língua opera as escolhas lexicais no Sistema Linguístico, que pode ser definido como um sistema abstrato de possibilidades, e que está arquivado na memória do falante. As intenções comunicativas é que vão determinar quais escolhas serão realiza- das. Assim, ao ler mãe, é possível que a ideia mental que veio a sua mente tenha sido de um ser humano do sexo feminino, mas dizer fêmea pode ter gerado uma ideia mental de animal, e não de ser humano. A mesma coisa serve para filhote. Dessa mesma forma, o encadeamento sintag- mático “uma boa mãe sempre alimenta o filho”, pode nos levar a inferir que há um julgamento de valor, sendo que a mãe que não amamenta o filho é tida como uma mãe má, no sentido de não cuidadosa. O enunciado pode tratar-se, então, de uma crítica e não apenas de uma cons- tatação. Assim, também, vale lembrar que, ao optarmos por usar o artigo definido “a” ou o indefinido “uma”, podemos produzir sentidos diferentes. Agora que ficou claro que a morfologia pertence ao eixo paradigmático, vertical, que é o eixo das escolhas lexicais e mórficas, passemos a tratar mais especifica- mente da morfologia. A Morfologia e seu Campo de Estudo O termo “morfologia” (dos elementos do grego morfo- + -logia – “estudo da forma”) surgiu no século XIX. Ele é compartilhado com outras Ciências, como a Biologia. Em se tratando dos Estudos Linguísticos, a Morfologia é o estudo dos elementos que formam as pala- vras e dos processos por meio dos quais eles se combinam. Aliás, cada um desses elementos é chamado morfema, que é a unidade mínima significativa da Língua. Vamos ver um exemplo? Tomemos a palavra “pedreiro”. Agora, vamos formar um par dessa palavra com outra, que tenha um significado que associamos a “pedreiro”: “pedreira”. Formando esse par, podemos perceber que “pedreiro” é constituído por, no mínimo, dois elementos: “pedreir-” + “-o”, correto? Ora, então, isso quer dizer que a palavra “pedreira” também pode ser dividida em “pedreir-” + “-a”. Vamos formar outro par? 13 UNIDADE Introdução à Morfossintaxe Tomando o par “pedreiro” e “pedra”, vemos que as palavras têm um elemento em comum, que é “pedr-”. Resumindo, percebemos que a palavra “pedra” é formada por dois elementos, ou seja, dois morfemas: “pedr-” + “-a”. Já a palavra “pedreiro” é formada por três morfemas: “pedr-” + “-eir-” + “-o”. E a palavra “pedreira” também é formada por três morfemas: “pedr-” + “-eir-” + “-a”. Vamos ver, numa tabela, quantos elementos nós já distinguimos? Tabela 1 PEDR- -A = PEDRA -EIR- -O = PEDREIRO -A = PEDREIRA Para termos certeza de que entendemos, vamos ver outro exemplo. Tomaremos, agora, a palavra “cachorrinho”. Repetindo o que fizemos no primeiro exemplo, va- mos formar um par entre essa palavra e outra da mesma “família”: “cachorrinha”. Lembre-se de que, ao formarmos os pares,tomamos palavras que têm uma ligação de significado, que também podemos chamar de ligação semântica. Essas palavras são chamadas de cognatas, isto é, pertencem a uma mesma “família” de palavras. Não podemos formar pares com palavras como “sá- bado” e “sabão”, porque, mesmo que exista uma semelhança na sonoridade e na grafia dessas palavras, elas não têm ligação semântica, não são de uma mesma “família”. Esse par permite-nos dividir “cachorrinho” em “cachorrinh-” + “-o”, assim como “ca- chorrinha” em “cachorrinh-” + “-a”. Podemos formar mais um par: tomando “cachor- rinho” e “cachorro”, chegamos ao elemento comum dessas palavras, que é “cachorr-”. Assim, concluímos que “cachorro” (e, portanto, “cachorra”) são divisíveis em dois morfemas: “cachorr-” + “-o” / “cachorr-” + “-a”. 14 15 Concluímos, também, que “cachorrinho” (assim como “cachorrinha”) são divisí- veis em três morfemas: “cachorr-” + “-inh-” + “-o” / “cachorr-” + “-inh-” + “-a” Vamos ver os elementos na tabela? Tabela 2 CACHORR- -O = CACHORRO -A = CACHORRA -INH- -O = CACHORRINHO -A = CACHORRINHA Até aqui, vimos que o morfema é o conceito central dos estudos da morfologia. Agora, vamos avançar mais para compreender e refletir sobre esse conceito. Os Elementos Mórficos Agora que você já tem uma noção de qual é o objeto de estudo da Morfologia e da abordagem que vai guiar nossa análise, vamos iniciar o estudo dos elementos mórficos ou morfemas. Formas livres e formas presas Segundo os estudos do linguista norte-americano Leonard Bloomfield, os ele- mentos mórficos dividem-se em formas livres e formas presas. Para ilustrar, imagine o seguinte diálogo: Figura 5 Fonte: Adaptado de pixabay 15 UNIDADE Introdução à Morfossintaxe A palavra “açúcar” está formando, sozinha, o enunciado do locutor B. Essa palavra sozinha é suficiente para que o enunciado tenha sentido de modo que os interlocutores se entendam. Por isso, ela é uma forma livre. forma presa, ao contrário, nunca forma um enunciado sozinha. Por exemplo, o plural dos substantivos em Português é feito com acréscimo de -s (batata / plural: batatas). Esse -s do plural nunca forma um enunciado sozinho, tratando-se, portanto, de uma forma presa. A única exceção que podemos encontrar em relação ao -s plural como uma forma livre é em um enunciado metalinguístico (que trata da própria linguagem), como: Locutor A: O que marca o plural em Português? Locutor B: -s. O linguista brasileiro Mattoso Câmara (2005) incluiu um novo conceito, que comporta formas como o artigo em Português. Em “o açúcar”, o artigo “o” não é uma forma livre, pois não ocorre sozinha, mas também não é uma forma presa, pois é possível intercalar um elemento entre ele e o substantivo, como em “o puro açúcar”. Daí surgiu o conceito de forma dependente. Para aprofundar seus conhecimentos sobre esse linguista e os conceitos por ele defendidos, sugerimos a leitura do artigo da Profa. Margarida Basílio, disponível no link: https://bit.ly/2SmzPpN Ex pl or Radical Vamos retomar nosso primeiro exemplo: “pedreiro”. Entre os elementos que compõem essa palavra – “pedr-” + “-eir-” + “-o” –, podemos notar que aquele que contém a significação básica, ao qual se acrescentam os demais, é “pedr-”. Podemos comprovar essa afirmação tomando outras palavras da mesma “famí- lia”, como “pedra”, “pedreira”, “pedraria”, “pedregulho”, “pedrisco”, “pedrinha” etc. A esse elemento básico, que dá origem a várias palavras de uma mesma família, dá-se o nome de radical. Algumas palavras são formadas apenas pelo radical, como “luz”, “mar”, “mel” etc. Há radicais, ao contrário, que só se apresentam ligados a um afixo (elemento que veremos a seguir), como “carpint-”, que ocorre em “carpinteiro” e “carpintaria”. Agora, vamos tomar outro exemplo: “normalmente”. Para chegarmos ao radical, vamos repetir o método de formar um par: “normalmente” / “normal”. Por meio desse par, entendemos que “normalmente” é formado por “normal” + “-mente”. Como o elemento que possui a significação básica é “normal”, con- cluímos que esse é o radical. Podemos, no entanto, formar outro par: “normal” / 16 17 “norma”, a partir do qual chegamos a “norm-” + “-al” (compare com “braçal”, de “braç-” + “-al”). Agora, temos um problema: o radical é “norm-”, “normal-” ou os dois? Para não ficarmos em dúvida, vamos diferenciá-los. Ao elemento que não po- demos mais dividir – “norm-” – chamaremos de radical primário, pois ele serve de base à formação de “normal”, e ao outro elemento “normal-” chamaremos de radical secundário, e assim por diante. Vamos ver um Quadro-resumo? Tabela 3 RADICAL PRIMÁRIO + RADICAL SECUNDÁRIO + = NORM- -AL NORMAL- -MENTE NORMALMENTE Alguns autores também chamam o radical primário de raiz, mas vamos evitar esse termo, porque ele tem significados diferentes na análise sincrônica e na diacrônica. Agora, vamos ver outro exemplo a partir da palavra “gasoso”. Formando um par com uma palavra da mesma família, obtemos “gasoso” / “gás”. Daí, podemos dividir a palavra “gasoso” em “gas-” + “-oso”. O elemento que contém a significação básica é o primeiro, portanto, o radical é “gas-”. Teremos um caso diferente, porém, se considerarmos a palavra “medroso”, por- que, ao formarmos o par “medroso” / “medo”, a segmentação do primeiro não resulta em “med-” + “-oso”, mas em “medr-” + “-oso”. Esse problema nos leva a outra pergunta: podemos dizer que “med-” e “medr-” são dois radicais? A resposta é não, porque ambos estão ligados semanticamente à ideia de “medo” (são da mesma “família”). A solução, então, é lançar mão de outra explicação: o radical “med-” possui uma forma variante “medr-”, que ocorre em “medroso”, mas não em “medonho”. Essa forma variante recebe o nome de alomorfe, que significa exatamente “ou- tra forma”. Não é só o radical que pode apresentar formas variantes, outros ele- mentos que veremos mais tarde também podem possuir alomorfes. Para ajudar a visualizar a explicação, vamos usar mais um Quadro. 17 UNIDADE Introdução à Morfossintaxe Tabela 4 RADICAL + = MED- -ONHO MEDONHO MEDR- (ALOMORFE) -OSO MEDROSO Alguns radicais só ocorrem em conjunto com outro(s), formando substantivos compostos, como “ensiforme” (em forma de espada), de ensi- (espada) + -forme (forma) e “fonoaudiologia”, de fono- (som) + -audio- (ouvir) e -logia (estudo). Esses radicais, geralmente, são próprios da linguagem culta ou científica. Afixos Os afixos são elementos mórficos que se acrescentam ao radical. São, portanto, formas presas. Em Português, há dois tipos de afixos: os prefixos e os sufixos. Enquanto os ra- dicais pertencem ao inventário aberto (que pode expandir-se), os afixos são fazem parte do inventário fechado, ou seja, não surgem novos afixos. Prefixos Chama-se prefixo o morfema que vem antes do radical, na palavra. Veja o Quadro: Tabela 5 PREFIXO RADICAL = DES- LEAL DESLEAL SUB- TOTAL SUBTOTAL 18 19 Nos exemplos, acrescenta-se o prefixo des-, com sentido de negação, antes do radi- cal “leal”, formando-se “desleal” (= não leal); e o prefixo sub-, com sentido de posição inferior, é acrescentado antes de “total”, formando-se “subtotal” (= abaixo do total). Como podemos notar, combina-se o significado de um prefixo (des-, sub) com o de uma palavra já existente na Língua (leal, total), tendo como resultado uma pala- vra que combina o significado dos dois elementos. Figura 6 Fonte: Adaptado de pxhere Agora, vamos pensar no funcionamento da Língua: poder combinar elementos já existentes (como prefixo + radical), para obter uma palavra nova, é muito mais prático do que criar uma palavra nova “do nada”, porque se parte de significados que as pessoas que conhecem a Língua já possuem na memória. Esse princípio permite ampliar o léxico da Língua (o vocabulário) a partir do material que já existe, denominando-o “Princípio de Economia da Língua”. Os prefixos, em geral, não alteram a Classe Gramatical de uma palavra, ou seja, a partir de um adjetivo, como “leal”, forma-seoutro adjetivo, “desleal”, a partir de um substantivo, como “total”, forma-se outro substantivo, “subtotal”. Há algumas exceções. Alguns poucos prefixos podem formar adjetivos a partir de substantivos. Por exemplo, em “período pós-guerra”, com o acréscimo do pre- fixo pós- ao substantivo “guerra”, forma-se o adjetivo “pós-guerra”, com significado de “posterior à guerra”. No endereço a seguir, você pode encontrar uma lista de prefixos do Português: https://bit.ly/38lY6BXE xp lo r Com base nessa lista que você encontrou no link do destaque anterior, vamos fazer um teste? 19 UNIDADE Introdução à Morfossintaxe O exercício é: tente deduzir o sentido das palavras “preconceito” e “hipoderme”. Você encontrará a resposta ao final dessa página. Mas não vá lá ver antes de realizar a atividade. Assim você estará testando a sua aprendizagem! E poderá reler o texto, caso não acerte! Resposta da atividade sobre prefixos e a lista que você consultou A palavra “preconceito” é formada por pre- + “conceito”. O prefixo pre- significa “posição anterior”, logo “preconceito” significa “anterior ao conceito”. A palavra “hipoderme” é formada por hipo- + “derme”. O prefixo hipo- significa “posição inferior”, “derme” significa “pele”, logo “hipoderme” significa “abaixo da pele”. Sufixos Chama-se sufixo o morfema que vem depois do radical, na palavra. Veja o Quadro: Tabela 6 RADICAL SUFIXO = PEDR- -EIRO PEDREIRO GÁS -OSO GASOSO No primeiro caso, acrescenta-se o sufixo -eiro ao radical pedr-, formando-se “pedreiro”. No segundo caso, acrescenta-se o sufixo -oso ao radical gás, formando-se “gasoso”. O resultado são palavras que combinam o significado do radical e do sufixo. Há, no entanto, uma diferença entre os dois casos. No primeiro exemplo, formou-se “pedreiro”, que é um substantivo, do radical da palavra “pedra”, que também é um substantivo. A combinação do radical com o sufixo originou, portanto, uma palavra da mes- ma classe gramatical (um substantivo) com uma significação nova. No segundo, houve a formação de um adjetivo (“gasoso” = “que contém gás”) a partir do substantivo “gás”. 20 21 Daí, podemos deduzir que os sufixos têm uma dupla função: o acréscimo semân- tico (de significado) e a mudança de classe gramatical. Para aprofundar seus conhecimentos sobre sufixos e sua dupla função, leia a esse respeito a seguinte indicação bibliográfica: BASÍLIO, Margarida. Teoria Lexical. São Paulo: Ática, 1987.Ex pl or Alguns sufixos têm como única função a mudança de classe gramatical. Os sufixos que formam substantivos e adjetivos são chamados nominais, como o sufixo -al, que forma adjetivos a partir de substantivos: “braço” + -al = “braçal”. Outros, ao contrário, formam substantivos a partir de adjetivos, como o sufixo -eza: “claro” + -eza = “clareza”. Também é possível formar substantivos e adjetivos a partir de verbos. Do verbo “sustentar”, forma-se o substantivo “sustentação” (ação de sustentar) e o adjetivo “sustentável” (que pode ser sustentado). Vamos visualizar isso no Quadro? Tabela 7 RADICAL SUFIXO = SUSTENTA(R) -ÇÃO SUSTENTAÇÃO -VEL SUSTENTÁVEL Também é possível formar verbos a partir de substantivos e adjetivos. Por exem- plo, do substantivo “árvore” + -ecer, forma-se “arvorecer”; e, do adjetivo “ameno” + -izar, forma-se “amenizar”. O único sufixo que forma advérbios a partir de adjetivos, em Português, é o sufixo -mente: “fácil” + -mente = “facilmente”. Outros sufixos não servem à mudança de classe gramatical, como os sufixos dimi- nutivos -inho(a), -ito(a), -ilho(a), -im, -ete(a), -ulo(a), -culo(a), que figuram em “passari- nho”, “cãozito”, “sapatilha”, “camarim”, “carreta”, “óvulo” e “película”, e os aumenta- tivos, como -ão, -aço(a), -arro(a), que figuram em “caldeirão”, “barcaça” e “bocarra”. Alguns sufixos são polissêmicos, isto é, têm vários significados. O sufixo como -eiro(a) pode acrescentar o significado de “agente” em “pedreiro” e “carpinteiro”, de 21 UNIDADE Introdução à Morfossintaxe recipiente em “açucareiro”, de gentílico, em “brasileiro” e “mineiro” (este também com significado de “agente”), de coletivo em “formigueiro”, de indivíduo que possui certa peculiaridade de comportamento em “bagunceiro”, de árvore que produz determinado fruto em “abacateiro”, de equipamento com certa finalidade ou que produz efeito semelhante a algo em “britadeira” e “chuveiro” etc. Polissemia é a propriedade de um morfema, palavra ou expressão de possuir diversos sentidos.Ex pl or Vale ressaltar, ainda que “o elemento avaliativo pode ser acrescentado a um lexema por um sufixo ou prefixo” como afirma Martins (1989, p. 80, destaques da autora). Vamos ver como isso acontece? Os sufixos aumentativos, por exemplo, podem expressar uma ideia de valoriza- ção, como em “carrão” e “golaço”, ou de ridículo, como em “dentuço”. Tomando-se, por exemplo, o vocábulo “gente”, nota-se que todos os substantivos formados a partir dele, como “gentalha”, “gentaça”, “gentama”, “gentinha”, “genta- rada” e “gentuça”, possuem, em geral, valor pejorativo, sendo equivalentes a “ralé”. Pode-se afirmar a mesma coisa dos substantivos derivados de “povo”, como “po- vão”, “povinho”, “povaréu” e “poviléu”. Lapa (1975, p. 106) afirma que a ideia de pequenez, diminutivo, “Anda ligada geralmente em nosso espírito à ideia de ternura, simpatia, graciosidade”, de modo que, segundo o autor, livrinho “Pode não ser um livro pequeno, pode ser um livro com as dimensões vulgares; mas é certamente coisa querida e apreciada”. Você pode encontrar uma lista de sufixos do Português em: https://bit.ly/2vopIrw Ex pl or Dando continuidade aos estudos da estrutura das palavras na Língua Portugue- sa, trataremos, ainda nesta Disciplina, dos processos de formação de palavras, em que retomaremos os elementos mórficos aqui apresentados. Por isso, procure fazer uma ficha resumo, seja manuscrita, seja no computador, para poder fazer rápidas consultas. Isso vai facilitar o estudo, não é mesmo? Antes, porém, que tal aprofundar mais os conhecimentos construídos até aqui, acessando o Material Complementar, especialmente selecionado para você apri- morá-los? Contamos com sua proatividade e seu empenho para seu melhor desenvolvi- mento e aproveitamento nesta Disciplina e no Curso! 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo)sintática Leitura do o Capítulo 1, da obra a seguir, intitulado “O que é morfossintaxe”. Esse e-book está disponível em nossa Biblioteca Virtual: SAUTCHUK, I. Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo)sintática. São Paulo: Manole, 2010. p. 1- 10. (e-book) Para conhecer a morfologia Por fim, para compreender a necessidade de se repensar os estudos tradicionais da morfologia, apresentados na Gramática Tradicional e, além disso, adquirir um perfil investigativo ao estudar a Língua, sugerimos a leitura do capítulo “Uma breve introdução aos problemas clássicos da morfologia”, no e-book a seguir, disponível em nossa Biblioteca Virtual: SILVA, Maria Cristina Figueiredo; MEDEIROS, Alexandre Boechat. Para conhecer a morfologia. São Paulo: Contexto, 2016. p. 9-24. (e-book) Leitura A expressão da pejoratividade Para saber mais sobre o sentido pejorativo construído a partir da sufixação, leia o seguinte Artigo Científico: SANDMANN, Antônio José. A expressão da pejoratividade. Revista Letras, Curitiba, UFPR, v. 38, 1989b. https://bit.ly/39twQRV A morfologia no Brasil: indicadores e questões Para saber um pouco mais sobre como andam os estudos científicos a respeito da morfologia do Português contemporâneo, leia o seguinte Artigo, escrito pela Profa. Dra. Margarida Basílio, grande estudiosa da área: BASILIO, Margarida Maria de Paula. A morfologia no Brasil: indicadores e questões. DELTA [on-line]. 1999, v. 15, n. esp., p. 53-70. https://bit.ly/2SzJ6tq O traço de gênero na morfossintaxe do português Quetal aprofundar os conhecimentos construídos e refletir sobre o traço de gênero no Português contemporâneo? Você pode fazer isso a partir da seguinte leitura: CARVALHO, Danniel. O traço de gênero na morfossintaxe do português. DELTA, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 635-660, jun. 2018. https://bit.ly/2SL2zaO 23 UNIDADE Introdução à Morfossintaxe Referências BASÍLIO, M. Teoria lexical. 8.ed. São Paulo: Ática, 2007 (Coleção princípios). (e-book) LAPA, M. R. Estilística da Língua Portuguesa. 8. ed. Coimbra: Coimbra, 1975. MARTINS, N. S. Introdução à Estilística: A Expressividade na Língua Portuguesa. São Paulo: T. A. Queirós, 1989. MATTOSO CÂMARA JR., Joaquim. Estrutura da Língua Portuguesa. 37.ed. Petrópolis: Vozes, 2005. NEVES, M. H. M. Texto e gramática. São Paulo: Contexto, 2006. (e-book) ROSA, M. C. Introdução à Morfologia. São Paulo: Contexto, 2000. (e-book) SAUTCHUK, I. Prática de morfossintaxe: como e por que aprender análise (morfo)sintática. São Paulo: Manole, 2010. (e-book) 24
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