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Ana Isabel S. Lima| Farmacologia (P5)	1
Anestésicos locais 
Introdução
A palavra anestesia provém diretamente do grego an, que significa sem, e aisthesis, que significa sensação. Os anestésicos locais (AL) referem-se a um conjunto de substâncias químicas localmente aplicadas, com estruturas moleculares semelhantes, capazes de inibir a percepção das sensações (sobretudo da dor) e de impedir o movimento.
Os anestésicos locais exercem seu efeito por meio do bloqueio dos canais de sódio regulados por voltagem, inibindo, assim, a propagação dos potenciais de ação ao longo dos neurônios. Ao inibir a propagação do potencial de ação, impedem a transmissão da informação para o sistema nervoso central (SNC) e a partir dele. Um ponto importante é que o bloqueio nervoso realizado pelos anestésicos é transitório, assim, logo após seus efeitos, a membrana pode retornar ao seu funcionamento normal.
Química dos anestésicos locais
Todos os anestésicos locais apresentam três domínios estruturais: 
· Um grupo aromático
· Um grupo amina e 
· Uma ligação éster ou amida unindo esses dois grupos.
A estrutura do grupo aromático influencia a hidrofobicidade do fármaco, enquanto a natureza do grupo amina influencia a carga no fármaco. Ambas as características definem velocidade de início, potência, duração de ação e efeitos adversos de determinado anestésico local.
Em solução com pH alto, o equilíbrio entre as formas básica (neutra) e ácida (com carga) de um anestésico local favorece a forma básica. Em pH baixo, a forma ácida – ou seja, o equilíbrio favorece o pH do meio em que ele é inserido. Em pH intermediário (fisiológico), são observadas concentrações quase iguais das formas básica e ácida. 
Em geral, os anestésicos locais com ligação éster são facilmente hidrolisados a ácido carboxílico (RCOOH) e a um álcool (HOR’) na presença de água e esterases. Em comparação, as amidas são mais estáveis em solução. Em consequência, os anestésicos locais com ligação amida geralmente apresentam maior duração de ação do que os anestésicos locais com ligação éster.
Obs.: 
O pKa dos anestésicos locais (AL) determina a quantidade de droga existente na forma ionizada em um determinado pH. No pH fisiológico (7,4) todos os anestésicos locais apresentam sua forma ionizada em maior proporção, visto que o pKa de todos os AL é maior que 7,4. Todavia, como cada droga possui um pKa diferente, a proporção da forma ionizada e não-ionizada (molecular) presentes no local apresenta variabilidade. A lidocaína possui pKa de 7,9, por isso em pH fisiológico apenas 25% da droga apresenta-se na sua forma não-ionizada. A bupivacaína possui pKa de 8,1, por isso em pH fisiológico haverá uma fração ainda menor da forma não-ionizada, aproximadamente 15%. A droga deve atravessar a membrana lipídica da célula para, no meio intracelular, atuar nos canais de sódio. A porção não-ionizada atravessa a membrana mais facilmente que a ionizada. Assim, a droga com maior fração não-ionizada em pH fisiológico alcança seu sítio efetor de forma mais rápida. Isso explica porque a lidocaína tem menor tempo de latência que a bupivacaína.
Mecanismo de ação
Canais de Na+ voltagem dependente presentes na membrana auxiliam na despolarização das membranas por meio do influxo de Na+. 
Para obtermos os efeitos da droga, ela precisa se difundir para o interior da célula, interagindo com aminoácidos específicos -> fechamento das comportas do canal de Na+ -> não ocorre influxo de sódio -> não há despolarização -> bloqueio da transmissão do impulso nervoso.
Classificação
Dependendo de sua estrutura, os anestésicos locais são classificados como ésteres ou amidas:
Farmacocinética 
Vias habituais de administração 
· Aplicação tópica – mucosa nasal, margens de feridas
· Injeção nas proximidades de terminações nervosas periféricas (perineural)
· Injeção em grandes troncos nervosos (bloqueio)
· Injeção nos espaços epidural ou subaracnóideo
Absorção
Quanto mais lipossolúveis:
· Maior potência – o menor grau de ionização também confere maior potência;
· Maior tempo de duração de ação – a ligação às proteínas plasmáticas também aumenta a duração.
A forma lipossolúvel e não ionizada consegue atravessar melhor a membrana, alcançando os canais iônicos e exercendo suas funções. 
Os anestésicos locais são frequentemente coadministrados com soluções diluídas de adrenalina, que produz vasoconstrição. Isso retarda a absorção do anestésico, o que prolonga o seu efeito e reduz o risco de toxicidade sistêmica.
Além da adrenalina, a clonidina também pode ser utilizada concomitantemente com anestésicos locais reduzindo o disparo do nervo sensorial por inibição da liberação de substância P.
Distribuição
Na circulação, os AL ligam-se reversivelmente a duas proteínas plasmáticas principais: a glicoproteína ácida α-1 (proteína de fase aguda) e a albumina – a ligação às proteínas plasmáticas diminui à medida que o pH diminui, sugerindo que a forma neutra se liga a essas proteínas com maior afinidade.
O volume de distribuição (Vd) indica a extensão com que um fármaco se distribui pelos tecidos a partir da circulação sistêmica. Para uma mesma quantidade de fármaco administrado, um AL menos hidrofóbico (p. ex., procaína) apresenta concentração plasmática mais alta (i. e., ocorre menor armazenamento nos tecidos), portanto Vd menor. Um AL mais hidrofóbico (p. ex., bupivacaína) tem concentração plasmática mais baixa (i. e., ocorre maior armazenamento nos tecidos), portanto Vd maior. Os anestésicos locais com Vd maior são eliminados mais lentamente.
Metabolismo e excreção
Depende da sua estrutura química:
· Ésteres – são biotransformados pela colinesterase do plasma (pseudocolinesterase) e, assim, convertidos em metabólitos mais hidrossolúveis, permitindo sua excreção renal. A sua metabolização da origem a um ácido que induz com maior frequência reações alérgicas.
· Do tipo amida – metabolizados no fígado pelas enzimas microssomais hepáticas e também excretados na urina. Esses fármacos estão associados a raras reações alérgicas, mas, na doença hepática grave, a toxicidade é mais provável.
Farmacodinâmica
Os anestésicos locais funcionam principalmente pela inativação de canais de Na+ nas membranas axonais, aumentando o limiar para a excitação axonal.
Nervos que levam sinais de dor e de temperatura (fibras Ad e C) tendem a carecer de mielinização, o que os torna mais suscetíveis aos efeitos de agentes locais em comparação com os nervos mielinizados e que desempenham funções de propriocepção ou motoras (Ab e A-gama). 
Por conta disso, durante o início da anestesia local, os diferentes tipos de fibras dentro de um nervo periférico também são bloqueados em momentos distintos, em virtude de sua sensibilidade intrínseca ao bloqueio. A sequência geral de ocorrência de déficits funcionais é a seguinte: primeira dor, segunda dor, temperatura, tato, propriocepção (pressão, posição ou estiramento) e, por fim, tônus da musculatura esquelética e tensão voluntária. Esse fenômeno é designado como bloqueio funcional diferencial.
Essa maior sensibilidade das fibras amielinizadas nos permite usar os anestésicos ao nosso favor sem ter o comprometimento das fibras somáticas e autonômicas antes de realizar a analgesia. 
Obs.: A tabela mostra a sensibilidade à lidocaína, porém isso varia conforme o anestésico. Por exemplo, a bupivacaína epidural pode produzir bloqueio sensorial em baixas concentrações, sem bloqueio motor significativo.
Escolha do anestésico local
A escolha do anestésico local depende do procedimento específico, devendo o médico analisar cuidadosamente qual anestésico para cada situação:
Duração de ação
Característica da ação
O início e a duração da ação dos anestésicos locais são influenciados por vários fatores:
Paciente criança – calcular a dose máxima com base na massa corporal para evitar risco de dosagem excessiva.
Paciente idoso – prudente permanecer com doses mais baixas em idosos que tem comprometimento da função hepática e reduzir a dose de epinefrina naqueles com comprometimento cardiovascular.Toxicidade
De alguns anestésicos em específico:
· Lidocaína – neurotoxicidade (irritação radicular transitória)
· Bupivacaína – se liga com maior duração aos canais de Na+ e é mais cardiotóxica
· Anestésicos do tipo éster – são transformados em derivados do ácido para-aminobenzoico e estão associados a reações alérgicas
Sintomas de toxicidade:
Os sintomas vão desde distúrbios de tonturas e visuais, nistagmo e espasmos musculares até convulsões tônico-clônicas, depressão respiratória e morte.
Além disso, podemos ter:
· Confusão mental
· Inquietação
· Vertigem
· Logorréia
· Hipoestesia perioral ou lingual
· Escotomas visuais
Tratamento
· Oxigênio a 100%
· Abortar convulsões
· Suporte cardiovascular
· Tratar a acidose

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