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Marina Moura Fé – M7 Envelhecimento - INTRODUÇÃO - O envelhecimento (processo), a velhice (fase da vida) e o velho ou idoso (resultado final) constituem um conjunto cujos componentes estão intimamente relacionados. Pode-se considerar o envelhecimento, como admite a maioria dos biogerontologistas, como a fase de todo um continuum que é a vida, começando com a concepção e terminando com a morte. Ao longo desse continuum é possível observar fases de desenvolvimento, puberdade e maturidade, entre as quais podem ser identificados marcadores biofisiológicos que representam limites de transição entre as mesmas. O exemplo é a menarca como marcador do início da puberdade na mulher. Ao contrário do que acontece com as outras fases, o envelhecimento não possui um marcador biofisiológico de seu início, pelos motivos já expostos. De qualquer forma, a demarcação entre maturidade e envelhecimento, a qual este período aparentemente segue, é arbitrariamente fixada, mais por fatores socioeconômicos e legais do que biológicos. Respeitando-se as limitações e dentro de uma visão prioritariamente biogerontológica, o envelhecimento é conceituado como um processo dinâmico e progressivo, no qual há modificações morfológicas, funcionais, bioquímicas e psicológicas, que determinam perda da capacidade de adaptação do indivíduo ao meio ambiente, ocasionando maior vulnerabilidade e maior incidência de processos patológicos que terminam por levá-lo à morte. Essa definição pode ser complementada com um outro conceito, este predominantemente funcional, segundo o qual o envelhecimento se caracteriza por redução da capacidade de adaptação homeostática perante situações de sobrecarga funcional do organismo. Às manifestações somáticas da velhice, que é a última fase do ciclo da vida, e que são caracterizadas pela redução da capacidade funcional, calvície, canície, redução da capacidade de trabalho e da resistência, entre outras, associam-se perdas dos papéis sociais, solidão, perdas psicológicas e motoras, e afetivas. Na maioria das pessoas, tais manifestações somáticas e psicossociais começam a se tornar mais evidentes a partir do fim da terceira década de vida ou pouco mais, ou seja, muito antes da idade cronológica que demarca socialmente o início da velhice. É preciso esclarecer que essas manifestações são facilmente observáveis quando o processo que as determina encontra- -se em toda sua plenitude. Dever ser assinalado que não há uma consciência clara de que, por meio de características físicas, psicológicas, sociais e culturais e espirituais, possa ser anunciado o início da velhice. -CAPACIDADE FUNCIONAL E RESERVA FUNCIONAL- Entende-se como a capacidade funcional de um órgão a capacidade máxima de desempenho diante de uma situação de agravo. Assim, podemos pensar em capacidade funcional renal máxima como o máximo volume de sangue por unidade de tempo que ele seja capaz de depurar, ou seja, pelo seu clearance. Marina Moura Fé – M7 Um ser humano, no seu apogeu, possui a capacidade funcional de seus órgãos muito acima daquilo que necessita para viver, ou seja, de sua necessidade basal. Um jovem pode viver bem com um rim dada sua reserva funcional, ou seja, parte de sua capacidade funcional cobre a necessidade basal e grande parte dela – a reserva funcional – é destinada a situações de grandes solicitações temporárias, porém planejadas (como o uso de toda a reserva funcional cardiopulmonar durante uma maratona), à manutenção da homeostasia em situações de sobrecarga involuntária (uma doença sistêmica, uma hemorragia ou uma súbita exposição ao frio, por exemplo) ou mesmo diante de uma agressão permanente (como na hepatopatia crônica em fase inicial) quando a função do órgão se mantém inalterada até as fases mais avançadas da doença. - ENVELHECIMENTO - Processo universal e inexorável, de evolução contínua, caracterizado pela perda progressiva da reserva funcional de cada órgão responsável pela nossa homeostasia. A esse estreitamento da reserva funcional chamamos homeostenose. Cabe ressaltar que, na prática, o que encontramos no ser vivo que envelhece em vida livre, fora de condições laboratoriais, é a somatória dos dois processos que serão identificados a seguir: 1) Senescência, envelhecimento primário ou eugeria: Nomes que damos ao processo natural do envelhecimento e ao conjunto de alterações inexoráveis e previsíveis determinadas por este processo. A senescência implica em perda de reserva funcional, sem acarretar insuficiência, mesmo em idades muito avançadas. 2) Senilidade, envelhecimento secundário ou patogenia: Termos que usamos para designar as alterações ou processos alheios ao envelhecimento fisiológico e determinados por doenças e maus hábitos de vida, como o sedentarismo ou o tabagismo. Esses agravos, associados à diminuição de reserva funcional esperada em idosos, poderão levar a situações de insuficiência de órgãos ou funções, bem como a incapacidade para as atividades da vida diária, dependência e perda da autonomia. Pesquisas sobre envelhecimento celular têm sugerido que alguns fenômenos ligados ao envelhecimento ocorreram desde a concepção, reforçando o caráter fisiológico e inexorável do processo de envelhecimento. O conceito de envelhecimento celular in vitro tem sido amplamente estudado desde que se observou que células diplóides normais, em cultura de tecidos, apresenta um tempo de vida constante e limitado, perdendo a capacidade de se dividir após um número característico de ciclos. Diversas funções celulares diminuem progressivamente com a idade. Diminuem a síntese de proteínas e ácidos nucleicos, a capacidade de reparo de danos ao genoma e a fosforilação oxidativa pelas mitocôndrias, essencial para a respiração celular. O envelhecimento celular, à semelhança do envelhecimento do indivíduo, é um processo multifatorial. As alterações nos telômeros (parte terminal de cada cromossomo) sugerem um processo endógeno e fisiológico de envelhecimento. Essas estruturas protegem os genes circunvizinhos e facilitam a “ancoragem cromossômica” durante o processo de divisão celular. Por ser constante a observação de que os telômeros são reduzidos em células senescentes e maiores em células jovens, acredita-se ser importante sua influência no envelhecimento celular. Marina Moura Fé – M7 A contínua agressão celular pelos mais diversos mecanismos – entre aqueles identificados podemos citar a glicosilação proteica e outros mecanismos de alteração de proteínas, além do dano de material celular por espécies reativas de oxigênio – e a constante diminuição da capacidade de reparação de danos parece também exercer influência na morte celular e no envelhecimento do indivíduo. Tem sido descrita também a menor produção de proteínas de choque térmico (heat shock proteins), responsáveis pela resposta celular a situações de estresse. Embora mesmo os mecanismos de lesão celular citados anteriormente possam ser marcadores de um envelhecimento celular programado (é conhecida a diminuição dos mecanismos de defesa celular diante dos agravos), podemos traçar um paralelo entre o envelhecimento celular e o envelhecimento do indivíduo: há evidência de processos endógenos de senescência celular, bem como de diversos processos exógenos, alguns dos quais potencialmente influenciáveis por fatores ambientais, como exposição a toxinas ou radiação ionizante. - LONGEVIDADE - Como já mencionamos anteriormente, o processo de envelhecimento é um contínuo que ocorre durante toda a vida de uma pessoa, e as pessoas tendem a mudar cada vez mais em termos de saúde na medida em que envelhecem, dadas as diferenças de hábitos e história de vida e patrimônio genético de cada ser humano. Paraefeito epidemiológico, a OMS tem considerado idosos os indivíduos a partir dos 65 anos em países desenvolvidos e a partir dos 60 anos nos países em desenvolvimento, em uma tentativa de compensar a menor expectativa de vida nestes países. No entanto, para uniformizar comparações, tanto a OMS como as agências da ONU têm crescentemente considerado idosos homens e mulheres a partir dos 60 anos de idade. - AUTONOMIA - Segundo a OMS, é a habilidade de controlar, entender e tomar, no dia a dia, decisões pessoais sobre como viver de acordo com regras e preferências próprias do indivíduo. - INDEPENDÊNCIA - Habilidade de desempenhar funções relacionadas com a vida diária, ou seja, a capacidade de viver em seu contexto com nenhuma ou pouca ajuda de outras pessoas. Como é facilmente dedutível, o contexto e o ambiente nos quais vive uma pessoa podem ser favoráveis ou desfavoráveis à sua independência. - ATIVIDADES BÁSICAS DE VIDA DIÁRIA (ABVD) - Limitações nas atividades do cotidiano são a maior causa de demanda por cuidados continuados do idoso; em outras palavras, da dependência. As atividades da vida diária (AVD) envolvem atividades de autocuidado (alimentar-se, banhar-se, utilização do banheiro), de continência (urinária e fecal) e de automobilização (transferência de cama para a posição supina ou uma cadeira, deambulação com ou sem dispositivos de ajuda ou utilização de cadeira de rodas). A incapacidade para a realização de uma destas atividades implica na necessidade de alguma ajuda externa regular. O grau de independência está diretamente relacionado com o número de AVD preservadas. As escalas utilizadas baseiam-se em informações dos pacientes e dos cuidadores e devem ser simples e de rápida avaliação, podendo ser utilizadas por todos os membros da equipe interdisciplinar. As escalas mais utilizadas para avaliação das atividades básicas de vida diária (ABVD) no nosso meio são a Escala de Katz e o Índice de Barthel. Marina Moura Fé – M7 A Escala de Katz está incluída na maioria das avaliações multidimensionais. Sua elaboração é baseada na conclusão de que a perda funcional segue um padrão igual de declínio, isto é, primeiro se perde a capacidade de banhar-se, seguida pela incapacidade de vestir-se, transferir-se e alimentar- se e, quando há recuperação, ela ocorre em ordem inversa. Esta escala, que foi proposta em 1963 para avaliar pacientes internados e posteriormente adaptada para a comunidade, tem a grande limitação de não avaliar o item deambulação. Apresenta adaptação transcultural para o Brasil, o que facilita o seu uso de forma adequada em nosso meio. Outra escala muito utilizada mundialmente é o Índice de Barthel para avaliação da independência funcional e mobilidade. Avalia dez funções: banhar- se, vestir-se, promover higiene, usar o vaso sanitário, transferir-se da cama para cadeira e vice- versa, manter continências fecal e urinária, capacidade para alimentar-se, deambular e subir e descer escadas. Essa escala permite ainda uma gradação mais ampla na classificação da dependência, indo desde a dependência total (0 ponto) até independência máxima (100 pontos). Originalmente, foi desenvolvida para avaliar o potencial funcional e os resultados do tratamento de reabilitação dos pacientes vítimas de acidente vascular encefálico (AVE), mas mostrou-se muito útil na avaliação de idosos em geral. - ATIVIDADES INSTRUMENTAIS DA VIDA DIÁRIA (AIVD) - Para uma vida independente e ativa na comunidade, executando as atividades rotineiras do dia a dia, o idoso deve usar os recursos disponíveis no meio ambiente. O conjunto dessas atividades foi denominado atividades instrumentais da vida diária (AIVD). Estão relacionadas com a realização de tarefas mais complexas, como arrumar a casa, telefonar, viajar, fazer compras, preparar os alimentos, controlar e tomar os remédios e administrar as finanças. De acordo com a capacidade de realizar essas atividades, é possível determinar se o indivíduo pode ou não viver sozinho sem supervisão. As atividades instrumentais da vida diária (AIVD) podem ser divididas em atividades realizadas dentro de casa (cozinhar, arrumar a casa, lavar roupas, manusear medicações, utilizar o telefone e administrar as contas de casa) e aquelas fora de casa (uso de meios de transporte público, comprar comida, medicação, roupas etc.). A falta de habilidade em realizar uma ou mais AIVD significa a necessidade de algum auxílio, porém não necessariamente tão intenso ou pessoal como em relação às AVD. A escala de Lawton é uma das mais utilizadas para avaliação das AIVD e foi desenvolvida avaliando idosos da comunidade em 1969. A pontuação máxima é de 27 pontos, correspondendo à maior independência, enquanto a pontuação mínima de 9 pontos relaciona-se à maior dependência. Em algumas circunstâncias, deve ser relevada a incapacidade de uma pessoa realizar tarefas para as quais não tenha habilidade, como cozinhar, por exemplo, prejudicando a análise de sua independência. Esta escala não está validada em nosso meio. Outra escala muito utilizada para avaliação das atividades instrumentais é o Questionário de Pfeffer para as Atividades Funcionais. Proposto em 1982, comparou idosos sadios com os que possuíam déficit cógnitivo, portanto tem grande importância no diagnóstico e acompanhamento das demências. Apesar de ainda não estar validado em nosso meio, é muito utilizado para avaliar se o déficit cognitivo é acompanhado de limitações funcionais. Ao avaliar as AIVD, faz-se também necessário considerar os aspectos socioculturais. Por exemplo, um idoso não apresenta perda de uma AIVD por não cozinhar caso nunca tenha desempenhado essa tarefa durante sua vida Marina Moura Fé – M7 - ATIVIDADES AVANÇADAS DE VIDA DIÁRIA (AAVD)- As atividades avançadas de vida diária (AAVD) são as atividades cotidianas, voluntárias específicas para cada indivíduo e influenciadas por fatores socioculturais, educacionais e motivacionais. São mais complexas que as atividades básicas e as instrumentais e não estão incluídas na avaliação funcional do idoso de forma sistematizada. Os exemplos são dirigir automóvel, praticar esportes, pintar, tocar instrumento musical, participar de serviços voluntários ou atividades políticas, entre outras. Essas atividades não são fundamentais para uma vida independente, porém, demonstram maior capacidade e podem contribuir para melhor saúde física e mental e, por conseguinte, melhor qualidade de vida. São importantes para avaliação de programas de promoção à saúde e reabilitação. - QUALIDADE DE VIDA - Percepção individual de uma pessoa de sua posição na vida, dentro do contexto da cultura e do sistema de valores em que tal pessoa se insere e em relação aos seus próprios objetivos, expectativas, padrões e preocupações. É um conceito amplo, que integra de forma complexa a saúde física de um indivíduo, seu estado psicológico, seu nível de independência, suas relações sociais, suas crenças pessoais e a relação destes com o ambiente. Autonomia e independência são importantes mantenedores da qualidade de vida em indivíduos idosos. - TEORIAS BIOLÓGICAS DO ENVELHECIMENTO - As teorias formuladas para explicar o processo do envelhecimento são agrupadas em inúmeras formas e categorias. De modo geral, todas tentam cobrir os aspectos genéticos, bioquímicos e fisiológicos de um organismo. As teorias genéticas apresentam especulações e evidências sobre a identidade de genes responsáveis pelo envelhecimento, acumulações de erros na estruturação genética, senescência programada e telômeros. As teorias bioquímicas estão focadas no metabolismo energético, na geração de radicais livres e na taxa de sobrevida associada à saúde mitocondrial. As teorias fisiológicasapresentam explicações para a senescência associadas ao sistema endócrino e o papel dos hormônios na regulação da taxa de envelhecimento celular. De modo bastante amplo, quando são analisados os mecanismos moleculares de dano e limitações celulares, existem três grandes processos pelos quais tais moléculas sofrem comprometimento, causando senescência ou doenças. Marina Moura Fé – M7 O primeiro é secundário a reações químicas intracelulares, seja como consequência do surgimento de espécies tóxicas de oxigênio, os radicais livres, seja por agentes exógenos como poluentes ou radiação. Uma segunda causa está associada a subprodutos de componentes da glicose e seus metabólitos; por fim, a presença de erros espontâneos nos processos bioquímicos, como a duplicação de DNA, modificações nos processos de transcrição, pós-transcrição, translação e pós-translação no âmago celular. Muitas das teorias que serão descritas encontram- se envolvidas em um desses três processos, e algumas delas, em todos eles. Em 1961, Hayflick e Moorhead descobriram, in vitro, que células humanas somente poderiam se dividir em um número finito. Esse fenômeno, conhecido como senescência replicativa, foi estudado por anos. Uma hipótese da Biogerontologia é que em todo organismo existem células que saem do ciclo celular habitual e se tornam senescentes. Há um corpo de evidências pontuando que há depósitos de células senescentes que se acumulam em alguns tecidos. Além disso, em alguns tipos de célula, a teoria da senescência replicativa é causada pelo “desligar” de alguns segmentos cromossômicos, os telômeros. Essa e outras teorias serão pormenorizadas a seguir. Frequentemente as teorias do envelhecimento são apresentadas em dois grupos: teorias programadas e teorias estocásticas. As teorias programadas são baseadas no conceito de “relógio biológico”, ou seja, fenômenos delimitados marcando etapas específicas da vida, como crescimento, maturidade, senescência e morte. As teorias estocásticas estão condicionadas a alterações moleculares e celulares, progressivas e aleatórias que promovem danos nas estruturas biológicas para manutenção da vida. Marina Moura Fé – M7 -TEORIAS ESTOCÁSTICAS DO ENVELHECIMENTO- Todas as células, guardadas as devidas proporções, são instáveis do ponto de vista termodinâmico. Sua organização intrínseca está submetida a um contínuo e ininterrupto processo de diversos “ataques” aleatórios – estocásticos – que podem causar, em cada unidade, uma degradação. As teorias de cunho estocástico sugerem que fenômenos diversos oriundos dessa desordem promoveriam erros em diversos segmentos orgânicos, provocando um declínio fisiológico e estrutural progressivo. ➢ Teoria do uso e desgaste O constructo teórico do uso e desgaste persiste até os dias de hoje sob uma ótica principal: quanto mais desgaste sofre uma célula, maior é o comprometimento em sua habilidade de sobrevida. Ao longo do envelhecimento celular são observados inúmeros agravos que promovem uma limitada capacidade de reparação, a qual, com o passar do tempo, é cada vez menor. Tão antiga quanto o nascimento da Geriatria, deu origem a hipóteses sugerindo que o desgaste gradual das células somáticas era resultado exclusivo de seu uso contínuo e ininterrupto, ou seja, que a causa principal do envelhecimento era sua incessante replicação, provocando, consequentemente, um desgaste. Hoje, entretanto, essa teoria é totalmente discordante das observações práticas. Um primeiro item que merece destaque e que fez com que a mesma permanecesse como ponto de reflexão é a observação de que mesmo animais que estão protegidos de lesões ambientais ou patologias secundárias não apenas envelhecem, como também falham em exibir qualquer melhora no tempo máximo de vida. Outra questão relevante é que muitos dos danos supostos pelo uso e desgaste são mudanças que dependem apenas do tempo e não podem ser os elementos causais do envelhecimento por si sós. Perder um dente não desencadeia o início do envelhecimento, assim como fraturar um membro ou outras lesões repetidas. ➢ Teoria das modificações proteicas A produção de proteínas ocorre em duas fases: transcrição do gene que envolve a produção de RNA mensageiro (mRNA), seguido de translação da mensagem para a produção de proteína. Para aquelas células que estão em replicação, dividindo- se há um terceiro passo, a replicação do DNA, que precede as duas etapas anteriores. Erros podem ocorrem em qualquer uma dessas etapas. Quando eles ocorrem, genes defeituosos, mRNA e proteínas são produzidos de modo inadequado e/ou defeituosos. Animais mais velhos têm propriedades imunológicas e estabilidade termal alteradas. Uma das hipóteses é que existiriam modificações oxidativas nas estruturas proteicas e que um novo tipo de ligações cruzadas promoveria alterações na conformação da célula e seu respectivo tecido. Exemplos de proteínas que apresentam algumas das alterações sugeridas são o colágeno e a elastina. Constituintes essenciais do tecido conjuntivo e de suma importância para os mamíferos, elas sofrem um declínio gradual de suas funções, trazendo diversas repercussões na habilidade funcional desses organismos. Na pele, é observada redução do tônus e maleabilidade; no aparelho cardiovascular, alterações nas camadas arteriais, traduzindo-se, ao envelhecimento, no aumento da pressão sistólica. O colágeno isolado de mamíferos mais velhos é mais difícil de ser digerido enzimaticamente e, apesar de continuar seu processo de degradação quando armazenado in vivo, há uma forte sugestão de que suas ligações cruzadas sejam diferentes do organismo jovem. Marina Moura Fé – M7 Esses tipos de ligações cruzadas são diferentes entre si e nem todas aumentam com o envelhecimento do organismo. Evidências também sugerem que fatores ambientais como exercício e restrição de calorias podem inibir o processo de ligações cruzadas em fibras colágenas. Outra importante observação é que a atividade proteica parece ficar mais lenta com o envelhecimento. As vias citoplasmáticas de degradação expressam um processamento inadequado de proteínas. Estas proteínas pós- tradução tornam-se anormais e se acumulam, e, com o passar do tempo, sua taxa de degradação diminui. ➢ Teoria da mutação somática e do dano ao DNA Nesta teoria a ideia principal é que fatores orgânicos poderiam causar alterações específicas na composição do DNA e nas células somáticas. Falha na reparação ou anomalias existentes promoveriam “golpes” aleatórios que comprometeriam a expressão de grandes regiões cromossômicas ou mesmo cromossomos inteiros. Como consequência, a expressão inadequada de suas funções promoveria o envelhecimento celular. Inúmeros estudos apontam a importância do reparo do DNA na velocidade do envelhecimento. Isso é observado em estudos da enzima poli(ADP- ribose)polimerase-1(PARP-1), que é peça-chave na resposta celular imediata quando há algum tipo de estresse intracitoplasmático induzido pela lesão de DNA. Nesta, altos níveis de PARP-1 estão associados a expectativa de vida mais longa. De forma constante, o DNA celular sofre mais de 10.000 lesões oxidativas. Se não existissem mecanismos de reparo e regulação adequados, a alteração das bases nitrogenadas na dupla-hélice ocasionaria erros na transcrição e tradução proteicas, formando produtos inadequados e inviabilizando a vida da célula. O DNA pode sofrer dois tipos diferentes de agressões: mutações e danos. Diferentes entre si, o primeiro refere-se a mudanças nas sequências de polinucleotídios, em que as bases nitrogenadas sofrem deleções, acréscimos, substituições ou rearranjos. O dano de DNA, por outro lado, refere-se a qualquer uma das muitas alterações químicasdentro da estrutura bi-helicoidal da molécula. Pode ser causado tanto por fontes exógenas como endógenas, com alterações que modificam ou quebram a dupla-hélice ao produzirem irregularidades estruturais no DNA. Os dois poderiam interferir na expressão gênica e foram postulados também como possíveis mecanismos do envelhecimento, uma vez que existem correlações significativas entre a taxa de reparação de DNA e o tempo de vida em diversos organismos ➢ Teoria do erro catastrófico Em seu constructo, a teoria do erro catastrófico apresenta que, ao longo dos anos, erros aleatórios e constantes poderiam construir alterações drásticas nas atividades enzimáticas, levando à limitação do funcionamento celular e, em nível macro, de todo o organismo. Na teoria do erro catastrófico, o funcionamento incorreto de elementos da síntese proteica foi proposto como modelo de observação. Um dos exemplos é a ação da enzima aminoacil-tRNA sintetase (aaRS), que tem como papel precípuo catalisar a esterificação de um aminoácido específico em um dos possíveis tRNA correspondentes durante a síntese proteica. Erros aleatórios cumulativos podem ocorrer nesta estrutura, comprometendo-a drasticamente e induzindo a gênese imprópria de proteínas e um processo de feedback com autoamplificação. Seu funcionamento incorreto promoveria uma catástrofe na origem de novas proteínas e, em consequência, danos graves à célula e desfechos incompatíveis com a vida. Marina Moura Fé – M7 Alguns autores não conseguiram evidenciar esse efeito em células em cultura; porém, ao mesmo tempo, não é possível determinar a extensão dessa hipótese sem testes acurados para sua verificação em outros cenários. ➢ Desdiferenciação Esta teoria baseia-se no conceito de que as células diferenciadas têm a habilidade de repressão seletiva da atividade de genes desnecessários para a sobrevivência. Nessa hipótese, o envelhecimento normal ocorreria pelo fato de essas células desviarem-se de seu processo de diferenciação. Mecanismos estocásticos promoveriam ativação ou repressão gênica, causando síntese inadequada de proteínas ou mesmo a síntese de proteínas desnecessárias, que, com o tempo, diminuiriam a atividade celular e, em consequência, causariam a morte. ➢ Dano oxidativo e radicais livres Evolutivamente, os organismos aeróbicos dependem do oxigênio para produção de energia. Em última instância, a utilização da glicose produz energia na forma de trifosfato de adenosina (ATP). Entretanto, apesar de essencial para a manutenção da vida aeróbica, o oxigênio é capaz de causar danos por oxidação, ou seja, retirar elétrons de substâncias inorgânicas ou mesmo de moléculas orgânicas como DNA, proteínas e lipídios, causando instabilidade celular. As espécies reativas de oxigênio são geradas de forma fisiológica, e aproximadamente 90% delas são produzidas por mitocôndrias no processo de fosforilação oxidativa. Em situações em que há falta de mecanismos contrarreguladores, a célula entra em desequilíbrio. A teoria do dano oxidativo foi proposta por Denham Harman em 1957. Ela postula que o envelhecimento seria consequente aos efeitos deletérios das espécies reativas de oxigênio nas organelas citoplasmáticas. Entre as enzimas antioxidantes, estão superóxido desmutase (SOD) e catalase (CAT), que são responsáveis pela degradação do radical superóxido e do H2O2, respectivamente. Pode-se postular que, se determinado organismo possui abundância de tais enzimas, em teoria, seria mais longevo. Contudo, isso não é observado em algumas situações na espécie humana. A teoria de radicais livres é também dividida em hipóteses associadas, especialmente no papel desempenhado por algumas organelas citoplasmáticas e nos tipos de danos sob algumas moléculas durante o envelhecimento. Mutações no DNA mitocondrial acelerariam as lesões oriundas dos radicais livres através da introdução de componentes enzimáticos na cadeia de transporte de elétrons na crista mitocondrial. Hipóteses também sugerem que os radicais livres promovem oxidação de proteínas que se acumulam nas células e, uma vez que elas têm reduzida capacidade de degradação, causam, a longo prazo, disfunções moleculares e falência da célula. -TEORIAS SISTÊMICAS- As teorias sistêmicas tentam, de certa forma, agrupar o processo de envelhecimento de maneira encadeada e organizada. Para este conjunto de teorias, o envelhecimento estaria relacionado com o declínio dos sistemas orgânicos desencadeado pela inabilidade de comunicação e adaptação inter e intracelular do ser vivente com o ambiente em que ele vive. Marina Moura Fé – M7 ➢ Teorias metabólicas A evidência científica experimental aponta que alterações na taxa metabólica podem modificar o tempo de vida em alguns animais. Observações em pecilotérmicos demonstram que esses animais têm uma longevidade maior quando em baixas temperaturas do que em mais altas. Estudos na espécie humana apontam que níveis reduzidos de glicemia, menor temperatura corporal e lento declínio de alguns hormônios estariam associados a um tempo de vida mais longo quando comparados com aqueles que não possuíam estas características. Ademais, alguns trabalhos apontam que ocorre uma redução da taxa metabólica basal com o envelhecimento, que é ainda mais acelerada nas idades mais avançadas. Enquanto altas taxas metabólicas estão diretamente associadas à mortalidade, seu alentecimento, em contrapartida, é observado nos organismos com maior longevidade. Sabe-se que a taxa metabólica basal é algo muito individual. Apesar de apresentar métrica ordinal média para determinada espécie, os fatores associados à sua elevação ou diminuição são inúmeros. Duas teorias dentro das teorias metabólicas tentam explicar o fenômeno metabólico. A primeira, teoria da taxa de vida, afirma que a longevidade seria inversamente proporcional à taxa metabólica. A segunda, teoria de dano mitocondrial, explicita que danos oriundos das espécies tóxicas de oxigênio sobre a mitocôndria promoveriam um declínio das funções celulares durante o envelhecimento. Estima-se que, de todo o oxigênio consumido, 4% é convertido em subprodutos de peroxidação. Um possível dano no mtDNA é 10 vezes maior que o dano no DNA celular, dada sua proximidade ao processo de produção de energia. Enquanto envelhecemos, esses danos específicos parecem acumular-se exponencialmente na mitocôndria, causando mutações somáticas em mtDNA de humanos. Esta expressão é mais comumente observada em células diferenciadas que apresentam uma baixa taxa de turnover em comparação a células diferenciadas que se dividem rapidamente. ➢ Teorias genéticas As teorias genéticas afirmam que modificações na expressão gênica seriam responsáveis pelas alterações observadas nas células senescentes. Nas últimas décadas, achados contundentes mostraram que nossos genes têm um papel crucial no tempo que uma célula poderá viver. Cunha, a partir dos modelos propostos por Arking, sintetiza o foco da abordagem da teoria genética em trêes mecanismos básicos: defesa antioxidante, sistemas de controle da síntese proteica e mudanças na expressão gênica induzidas pela restrição calórica. Os dois primeiros somam-se às teorias previamente apresentadas, sendo que, neste contexto genético, os sinalizadores efetivos para os mecanismos de controle, os genes, sofreriam alterações ao longo do tempo, reduzindo os mecanismos protetores (antioxidantes). Essas modificações trariam também alterações dos segmentos genéticos responsáveis pela transcrição gênica, transformando a eucromatina em heterocromatina e causando compactação da estrutura genética e comprometimento de suas funções. A restrição calórica é um método interessante de retardar a taxa de envelhecimentoe aumentar a longevidade, particularmente em mamíferos. Hipoteticamente, ela alteraria os padrões de atividades gênicas ao mesmo tempo que prolonga o tempo de vida, ensejando uma ideia de relação causal direta entre os dois eventos. Marina Moura Fé – M7 É definida como redução da ingestão calórica abaixo do ad libitum, sem desnutrição. Apesar de seu mecanismo biológico ainda não ser conhecido, existem duas principais hipóteses ligadas à restrição calórica: a primeira associa o aumento da longevidade à redução de gordura e, consequentemente, à redução da sinalização da via da insulina; a segunda baseia-se na hipótese de menor dano oxidativo, tanto nas células, em sua estrutura genética, quanto em suas organelas citoplasmáticas. A redução de glicose oriunda da dieta promove um menor estímulo das células betapancreáticas e, consequentemente, redução do tecido adiposo. Além de estocar energia, algumas células do tecido adiposo exercem funções endócrinas como a produção de fator de necrose tumoral (TNF), resistina, adiponectina e leptina. A redução dessas substâncias, por sua vez, aumentaria a sensibilidade periférica à insulina, resultando em mudanças cardiometabólicas responsáveis pelo aumento da expectativa de vida. Uma das teorias genéticas amplamente estudadas é a teoria dos telômeros – complexos de DNA - proteína identificados nas extremidades cromossômicas. É observado que o tamanho dos telômeros é cada vez menor ao longo das replicações celulares e, quando chegam a um tamanho mínimo, a proliferação celular é interrompida. Esta análise formulou a hipótese de que a estrutura funcionaria como um determinante da replicação celular, um relógio genético responsável pela senescência. Com a descoberta da enzima responsável pela catalisação da formação de DNA telomérico, a telomerase, acreditou-se que esta enzima poderia modular o relógio telomérico .Em culturas de células de C. elegans, o uso da telomerase consegue prevenir as células humanas de envelhecer e ainda demostra que, em animais com longa estrutura telomérica, há longevidade acentuada. O real papel destes elementos em seres humanos ainda necessita de maiores estudos. ➢ Teorias neuroendócrinas e imunológicas O postulado das teorias neuroendrócrinas é que o envelhecimento seria decorrente de alterações ocorridas nas funções neurais e endócrinas, notadamente no sistema hipotálamo-hipófise- adrenal. Este sistema alterado limitaria a integração das funções orgânicas específicas, levando à degradação das funções homeostáticas. A hipótese de alguns autores é que o envelhecimento seria o resultado da redução da habilidade adaptativa do organismo ao estresse por uma queda da resposta simpática. Seja pela diminuição dos receptores de catecolaminas, pelo declínio de proteínas responsáveis pela resistência ao estresse (heat shock proteins) ou mesmo pela diminuição da habilidade das catecolaminas como indutoras de formação proteica, traduziriam-se, com o envelhecimento, em mecanismos de contrarresposta inadequada do eixo central e periférico, apresentando inúmeras limitações nos feedbacks e causando, com isso, a senescência. Os fenômenos inflamatórios crônicos tão observados no envelhecimento tendem a aumentar algumas substâncias como o cortisol, que contribuem diretamente para resistência à insulina e suas nefastas complicações. Em contrapartida, estudos realizados em indivíduos muito idosos – acima de 100 anos – denotam que eles apresentam níveis elevados de hormônio adrenocorticotrófico e mesmo de cortisol. Teixeira e Guariento, analisando os trabalhos de Weinert e Timiras, observam que a interação entre os sistemas neuroendócrino e imunológico é muito próxima. Talvez o imunológico, na espécie humana, seja um dos sistemas mais complexos e que se coaduna com quase todas as teorias biológicas do envelhecimento. Desde o componente genético até as expressões ambientais, o sistema imune tem um dos mais largos alcances no envelhecimento. Marina Moura Fé – M7 Sua relação com o sistema neuroendócrino é de mutualidade cooperativa. A comunicação entre esses sistemas é realizada através de neuropeptídios e citocinas (interleucina 1 [IL-1], interleucina 6 [IL-6]); hormônios hipofisários como prolactina, adrenocorticotrofina e hormônio do crescimento, que controlam funções; e elementos imunes como IL-1 atuando como ativadores da liberação hormonal. ➢ Epigenética A epigenética é conceituada como um conjunto de modificações no genoma que são herdadas pelas gerações subsequentes, mas que não alteraram a sequência do DNA. De forma bastante interessante a ciência tem apresentado que variações não genéticas (ou epigenéticas) apresentadas por determinado organismo ao longo de sua vida podem ser passadas aos seus descendentes. Hábitos de vida e até mesmo o ambiente social podem modificar o funcionamento celular. Esses efeitos são secundários a determinadas modificações pós-transcricionais do DNA. Muito ainda há que se discutir sobre o tema. Compreender como o ambiente molda nossos genes e vice-versa são questionamentos importantes a serem realizados. Maturana e Varella propõem que a todo instante o ser humano é influenciado e modificado pelas experiências vividas. Na visão de Brunet e Berger, o potencial das modificações epigenéticas estão na agenda principal de pesquisa para compreensão da trajetória das doenças associadas ao envelhecimento e à senescência em si. De modo geral, há uma concordância de que os fatores que causam um suposto silenciamento genético sejam preferíveis à uma ativação genética desenfreada como observada em alguns tipos de câncer. ➢ Apoptose: A apoptose, ou morte celular programada, desempenha um papel essencial no remodelamento celular e na manutenção da vida, sendo considerada um componente vital de vários processos orgânicos, como: desenvolvimento e funcionamento do sistema imune, desenvolvimento embrionário, turnover celular, entre outros. A apoptose ocorre normalmente durante o desenvolvimento dos organismos, assim como na manutenção da homeostase de tecidos e células. Diferentemente do processo de necrose, sem envolvimento de gasto de energia, a apoptose envolve uma cascata de eventos moleculares bastante complexos caracterizada por alterações bioquímicas e morfológicas, como condensação e fragmentação nuclear, perda das moléculas de adesão da membrana ou mesmo da matriz extracelular. Todas as células de organismos multicelulares carregam dentro de si condições necessárias para causar a própria destruição. Entretanto, isso somente se dá a partir de sinais fisiológicos e desenvolvimentos específicos que são extremamente plurais, atuando diretamente sobre um alvo, o gene, que, por sua vez, ativa o programa de apoptose celular. Apesar de serem reconhecidas duas rotas principais que explicam o mecanismo de apoptose – extrínseca e intrínseca –, é cada vez maior o corpo de evidências que apresentam a sobreposição de ambas e mecanismos que associam citotoxicidade mediada por células T. Apesar de a apoptose desempenhar um papel reconhecido no envelhecimento, excluindo células nocivas, modulando potenciais células tumorais ou mesmo executando aquelas com morfologia alterada pelo papel do tempo, sua relação com o envelhecimento humano é ainda pouco clara. A taxa de apoptose é alta em células senescentes do cérebro e dos sistemas cardiovascular, gastrintestinal, endócrino e imune. Genes como p53 e da família caspase (Casp3, Casp8, Casp9) diminuem a expressão de apoptose com o envelhecimento. Marina Moura Fé – M7 Mudanças na sinalização da apoptose têm consequências diretas no envelhecimento. Se existir uma grande ativação da cascata de apoptose, há como consequência uma degeneração do tecido;pouca apoptose permite a permanência de células disfuncionais que podem contribuir para o envelhecimento ou mesmo doenças degenerativas e câncer.
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