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Prévia do material em texto

INTRODUÇÃO 
O cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada. 
(CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano, p. 38) 
 
Nas últimas duas décadas, pesquisas que consideraram a vida 
cotidiana como objeto de estudo contribuíram, de modo significativo, 
para a compreensão de diversas práticas sociais. O ponto central dessas 
pesquisas reside em um pressuposto básico: a ideia de que práticas 
cotidianas expressariam muito mais do que simples comportamentos 
passivos, rotineiros e habituais realizados por indivíduos que, pouco ou 
nada, refletiriam sobre suas ações, suas regras e seus valores dispostos em 
contextos institucionalizados. 
Diretamente relacionada com a ideia acima, outro importante 
pressuposto nas pesquisas sobre a vida cotidiana consiste em repensar o 
status da suposta ruptura epistemológica entre os conhecimentos 
originados no senso comum e os conhecimentos científicos. Tal ruptura 
teria reservado, aos conhecimentos científicos, o mérito de conhecimento 
verdadeiro e legítimo, cuja fonte se encontraria longe do cotidiano, 
âmbito de realização dos conhecimentos próprios ao senso comum. 
De acordo com a literatura especializada sobre o tema, 
encontramos no cotidiano uma rica gama de conhecimentos, 
representações e saberes entrelaçados em uma relação sempre dinâmica 
entre as práticas cotidianas dos indivíduos em sociedade, possibilitando-
os agir, conhecer e julgar suas vidas e o mundo que os cerca. Isso ocorre 
porque, se as práticas e os conhecimentos hegemônicos 
institucionalizados conseguem normatizar os procedimentos com relação 
às nossas ações em sociedade, impactando, decisivamente, nossos 
comportamentos e nossas representações, a dinâmica do cotidiano se 
apresenta tanto como reprodução (passiva) quanto apropriação (ativa) 
desses conhecimentos hegemônicos institucionalizados. 
Nesse sentido, o olhar direcionado para o cotidiano corresponde 
ao olhar direcionado para os significados das práticas que desenvolvemos 
no dia a dia, em um contexto atravessado por conhecimentos e valores 
plurais, por uso, manejo, técnicas, táticas, apropriações e modos pelos 
quais os praticantes fazem uso das produções sociais – conhecimentos, 
 
 
 
regras, tecnologias, mídia, etc. – em suas ações com relação aos outros e a si mesmos. Desse modo, 
compreender os elementos que compõem o cotidiano implica não apenas revelar as dinâmicas das 
práticas sociais em termos de reprodução e apropriação dos indivíduos dos conhecimentos 
institucionalizados, mas entender em que medida as diversas redes de conhecimentos, saberes e 
práticas imbricadas em uma cultura são decisivas na formação dos indivíduos em sociedade. Em 
outras palavras, compreender as práticas cotidianas também implica compreendê-las em sua 
dinâmica como prática política e formativa. 
Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei. 9.394/96), a 
área educacional intensificou seu interesse pelas pesquisas sobre o cotidiano, beneficiando-se em 
pelo menos duas abordagens específicas. Em primeiro lugar, foi preciso reconhecer a importância 
do cotidiano na mediação entre as normas e os procedimentos propostos pela LDB, bem como os 
valores culturais e as práticas educativas vigentes, de modo que tanto as ações de resistência quanto 
as de adesão às normas e aos procedimentos dependeriam de uma atenção à dinâmica própria ao 
cotidiano. Em segundo lugar, pelo fato de que diferentes práticas cotidianas, assim como 
conhecimentos não hegemônicos presentes no cotidiano escolar, possuem valor formativo relevante 
para o processo de ensino e aprendizagem. Nesse último contexto, vale ressaltar, não se trata de 
considerar o cotidiano da escola a partir dos diferentes valores e referenciais culturais que o atravessa, 
mas sim da complexidade inerente à construção dos conhecimentos e saberes que nos é revelada no 
cotidiano escolar. 
Diferentes abordagens e pesquisas sobre o cotidiano escolar passaram a considerá-lo 
imprescindível no processo de aprendizagem e socialização do educando, bem como na melhoria 
da qualificação docente. Delimitando tal consideração da escola em um espaço e tempo 
determinados, consideraram as práticas cotidianas processos interativos no interior dos quais os 
alunos têm a chance de desenvolver competências, adquirir conhecimentos, formar atitudes e 
valores sobre a realidade social e cultural, e os professores de aperfeiçoarem práticas, técnicas e 
saberes docentes. Desse modo, o campo da educação se beneficia da observação do cotidiano, na 
medida em que tem condições de não apenas identificar a tensão vivida entre os procedimentos 
teórico-científicos, os valores culturais e as práticas cotidianas, mas planejar e propor alternativas 
para os processos interativos no interior dos quais os indivíduos adquirem conhecimentos, 
aperfeiçoam suas práticas, desenvolvem competências e moldam suas vidas. 
À luz da tentativa de intervir nos processos educacionais a partir do cotidiano escolar, as 
propostas no campo da educação se relacionam com as práticas cotidianas não apenas do ponto de 
vista da aprendizagem – por exemplo, ao refletir sobre a relação entre o cotidiano e os diversos 
contextos formativos, a formação docente e as fontes dos conteúdos curriculares que irão contribuir 
para o desenvolvimento dos processos de ensino e aprendizagem – mas também do ponto de vista 
da socialização, considerando a relação entre o cotidiano, o conhecimento especializado e as culturas 
no processo de formação da identidade dos discentes e docentes. Todas as antigas hierarquizações 
dicotômicas entre teoria e prática, conhecimento especializado e senso comum, e gestor e 
 
 
colaboradores são colocadas sob suspeita nessas abordagens que procuram resgatar a complexidade 
do nosso cotidiano. Nesse caso, se a pesquisa sobre o cotidiano escolar é considerada peça 
fundamental para o desenvolvimento dos processos educacionais, somente a intervenção planejada, 
isto é, a sua gestão, é que poderá alinhar as práticas do cotidiano escolar com os objetivos 
educacionais propostos, tais como aqueles definidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação e 
pelos documentos oficiais dela decorrentes. 
Com isso, na exposição teórica referente a esta disciplina, será abordada a problemática que 
envolve o cotidiano como elemento imprescindível para a gestão escolar. Os fundamentos teóricos 
necessários para a presente abordagem são aqueles que tentarão indicar em que medida a gestão do 
cotidiano poderá contribuir com algumas das principais funções da educação entendida como 
processo de socialização e de aprendizagem, a saber, com o desenvolvimento da autonomia 
intelectual, e da formação da identidade de educandos e docentes. Por exemplo, pretende-se mostrar 
que o cotidiano reúne as condições necessárias para o desenvolvimento de uma educação 
emancipadora, isto é, para a realização de uma educação que reconheça, na dinâmica das relações 
das práticas cotidianas –relação de forças entre diversos elementos, entre os quais os conhecimentos 
institucionalizados, o currículo, os valores culturais, os saberes e as práticas comuns, etc. –, os 
elementos fundamentais para a formação de indivíduos autônomos preparados para o exercício da 
cidadania e qualificação para o trabalho. 
Por outro lado, almeja-se indicar que, ao contribuir para que os indivíduos desenvolvam a 
capacidade de agir e pensar segundo as suas próprias determinações (sujeitos autônomos), a 
educação mediada pelo cotidiano também é capaz de indicar a importância das relações 
interpessoais para a formação da identidade dos sujeitos em sociedades democráticas. Isso porque 
os aspectos formativos das relações culturais, profissionais e pedagógicas estabelecidas no cotidiano 
de uma escola trazem consigo, como constatação sociológica básica, que a formação da identidade 
passa, necessariamente, pelo reconhecimento da diversidade, da diferença,do outro. Em uma 
sociedade que preza por valores democráticos, a educação não pode se limitar aos conteúdos formais 
de leis e procedimentos, mas deve se desenvolver em sintonia com a complexidade e diversidade das 
culturas e conhecimentos vigentes. Nesse ponto, a gestão do cotidiano poderá contribuir com a 
construção de uma educação democrática. 
 
 
No contexto apresentado, este material tem como objetivo geral oferecer reflexões sobre a 
importância de considerar o cotidiano escolar e suas possibilidades para a gestão. Por sua vez, os 
objetivos específicos são: 
� identificar os principais conceitos sobre o cotidiano da escola e cotidiano escolar 
implicados na gestão escolar; 
� relacionar os principais impactos da gestão do cotidiano escolar na relação entre o 
currículo e a prática educativa em sala de aula; 
� analisar as relações de poder das práticas cotidianas entre discentes, direção, docentes e 
sociedade, e 
� relacionar as demandas da sociedade referente à discussão sobre valores, princípios 
democráticos e a escola. 
 
 
 
SUMÁRIO 
MÓDULO I – COTIDIANO ESCOLAR E GESTÃO: SENSO COMUM E CONHECIMENTO ............................. 9 
COTIDIANO E EDUCAÇÃO: A POSITIVIDADE DO SENSO COMUM ............................................. 10 
PAPEL DOS VALORES NO COTIDIANO ........................................................................................... 14 
COTIDIANO ESCOLAR E CONHECIMENTO .................................................................................... 19 
COTIDIANO ESCOLAR E PRÁTICAS COTIDIANAS .......................................................................... 22 
MÓDULO II – COTIDIANO E A SALA DE AULA: ENSINO E REPRESENTATIVIDADE .................................. 27 
COTIDIANO E SALA DE AULA: PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM COMO PRÁTICA 
COTIDIANA ........................................................................................................................................ 28 
ALINHAMENTO ENTRE O CURRÍCULO E A PRÁTICA EDUCATIVA EM MEIO AO COTIDIANO .. 32 
DILEMA NO ALINHAMENTO ENTRE PRÁTICA COTIDIANA DO ENSINAR E DO APRENDER: A 
FORMAÇÃO DE IDENTIDADES ........................................................................................................ 36 
PRÁTICAS COTIDIANAS E METODOLOGIAS DE ENSINO VOLTADAS PARA AS HABILIDADES 
AFETIVAS ............................................................................................................................................ 39 
MÓDULO III – COTIDIANO E A ESCOLA: POLÍTICA E PODER .................................................................... 43 
RELAÇÃO ENTRE COTIDIANO, POLÍTICA E EDUCAÇÃO ............................................................... 44 
COTIDIANO, NORMAS E EDUCAÇÃO ............................................................................................. 46 
VALORES DEMOCRÁTICOS E A LDB ............................................................................................... 48 
PROBLEMA NA ELABORAÇÃO DE METAS PARA A EDUCAÇÃO ................................................... 51 
MÓDULO IV – COTIDIANO E SOCIEDADE: ÉTICA E CULTURA .................................................................... 55 
COTIDIANO, ÉTICA E PODER ........................................................................................................... 55 
COTIDIANO, CIDADANIA E REPRESENTATIVIDADE DISCENTE .................................................... 59 
PENSAMENTO ÉTICO COMO REFLEXÃO DA CULTURA ESCOLAR .............................................. 63 
COTIDIANO ESCOLAR, GESTÃO E PRÁTICAS COTIDIANAS .......................................................... 67 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................. 73 
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 75 
PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 79 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Este módulo tem por objetivo central definir o conceito de cotidiano em sua relação direta 
com a gestão escolar. O tratamento dispensado será o de compreender em que medida algumas 
contribuições da pesquisa no campo da filosofia e da educação permitiram a construção de uma 
análise diferenciada da relação entre as noções de cotidiano, educação e gestão. Trata-se de observar, 
por exemplo, como essas pesquisas indicam novas formas de compreensão e valorização das 
dinâmicas, bem como epistemologias que emergem do cotidiano desde a perspectiva de seus saberes 
e práticas específicos. Nesse caso, o presente módulo pretende apresentar a necessidade de entender 
os saberes que nascem no cotidiano escolar – muitas vezes, rotulados de senso comum – como 
significativos e necessários para os processos de aprendizagem. 
Pretende-se, também, à luz das muitas contribuições da sociologia do cotidiano, discutir de 
que modo algumas práticas que emergem do cotidiano precisam ser consideradas decisivas no 
processo de formação e aprendizagem dos alunos e docentes, e significativas como partes 
organizadoras da sua vida social, ou seja, como socialização. Se, no primeiro caso, trata-se de 
investigar a relação entre o cotidiano escolar e o conhecimento, tendo como referência o papel da 
educação na aprendizagem, no segundo tópico, a relação não é outra senão entre o cotidiano e a 
escola, tendo como referência o papel da educação na socialização. 
Por fim, apresenta-se o papel da gestão do cotidiano escolar à luz das dinâmicas e polarizações 
entre, de um lado, formas hegemônicas de conhecimento e modelos de organização da vida social; 
do outro, saberes cotidianos emergentes e práticas cotidianas. 
 
 
MÓDULO I – COTIDIANO ESCOLAR E 
GESTÃO: SENSO COMUM E CONHECIMENTO 
 
10 
 
Cotidiano e educação: a positividade do senso comum 
Da mesma forma que toda instituição social se estrutura segundo regras, princípios e normas 
a partir das quais os indivíduos agem e tomam decisões, também as interações cotidianas que os 
indivíduos estabelecem entre si produzem conhecimentos e práticas específicos de compreensão dos 
princípios, das regras e normas institucionais. Os conhecimentos e as práticas produzidos nas 
interações entre os indivíduos participantes de uma instituição social como a escola definem não 
apenas o cumprimento das regras institucionais, das regras de ensino e aprendizagem, de 
socialização e de políticas públicas no interior da escola. Também definem os modos específicos 
que esses indivíduos constroem a si mesmos, suas identidades, sua formação profissional e seus 
ambientes escolares nas relações que mantêm com os diferentes contextos de formação. Intrínseca 
à lógica institucional, opera uma lógica cotidiana. 
Uma gestão escolar responsável demonstra atenção e preocupação tanto com o 
cumprimento das regras e critérios encontrados em normas institucionais, legais e de 
aprendizagem, quanto com a percepção dos valores culturais cotidianos que provocam a disputa 
pela construção de ambientes escolares, e pelos elementos formativos das identidades pessoais e 
profissionais de seus discentes e docentes. 
Os últimos indicadores formulados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento 
Econômico (OCDE) atestam a importância da gestão na construção das diversas relações 
estabelecidas no cotidiano escolar. Em particular, destacou-se a importância das atuações dos diretores 
de escola na construção de um ambiente escolar com qualidade e eficiência – atuações essas que 
influenciam na melhoria das condições de trabalho dos professores e no processo de aprendizagem 
dos alunos. Nesse caso, tais melhorias de trabalho incidem, especialmente, no bom funcionamento 
das estruturas e dos processos administrativos da escola, nasações pedagógicas e no modo como os 
professores veem suas práticas como essenciais para a aprendizagem e a vida dos alunos. 
Em outras palavras, as ações dos diretores de escola que possuem algum efeito prático são 
aquelas que incidem diretamente sobre o dia a dia do professor atuante na escola, sobre o currículo 
ensinado em sala de aula e sobre as representações que os professores têm de suas práticas como 
efetivas para o processo de aprendizagem. Observar atentamente o que acontece no dia a dia, 
alinhando os resultados daí decorrentes aos objetivos educacionais, são tarefas importantes para a 
gestão escolar. 
Dessa forma, é no cotidiano escolar que práticas docentes e discentes podem se alinhar a uma 
gestão voltada não apenas para a implementação formal de leis constitucionais, procedimentos 
pedagógicos e regras institucionais, mas também para a melhoria da qualidade dos processos que 
deverão assegurar a realização desses dispositivos legais, pedagógicos e institucionais. Nesse sentido, 
faz-se necessário investir na formação de gestores preparados para atuar diretamente no cotidiano 
escolar – investimento que tem sido visto como uma das formas possíveis de intervir no grande 
problema da evasão escolar. Além desse investimento, é necessário, sobretudo, apostar nas práticas 
 
 11 
 
cotidianas docentes e discentes como incrementos para a melhoria da gestão, da formação dos 
professores, da socialização e do aproveitamento de aprendizagem dos alunos. 
A título de ilustração sobre a importância que o cotidiano escolar assumiu para a pesquisa e 
a prática em educação, enumeramos algumas considerações encontradas na literatura especializada 
sobre o tema e sobre as quais iremos comentar mais à frente. Vejamos: 
 
Diante da complexidade do mundo contemporâneo, professores e 
diretores não encontram respostas para as questões que emergem no dia a 
dia das escolas, levando-os a reivindicarem espaços formativos nos quais 
essas respostas possam vir a ser construídas. (NAJJAR, Jorge; FERREIRA, 
Sueli, 2009, p.02.) 
 
Assim, entendendo a importância de que nossas principais preocupações 
estejam com os cotidianos de escolas do ensino fundamental, nas ações de 
seus praticantes docentes e discentes, indico que precisamos, com urgência, 
lançar nossos olhos, ouvidos e outros sentidos para a escola média – em 
especial por causa da enxurrada de escolas profissionalizantes que vamos 
ter – e para a universidade, lugar de formação dos docentes que atuam nos 
diversos graus de ensino (incluindo, talvez, pesquisas sobre processos 
cotidianos nos cursos de pós-graduação stricto sensu.) (ALVES, Nilda, 
2015, p. 161.) 
 
Na escola as aulas de educação física são às vezes vistas como “um peso”, 
algo de que se deva escapar, ao passo que se aceita de bom grado as aulas 
de musculação, judô ou natação das academias. Por conseguinte, não 
parece ser o cotidiano a explicação (ou pelo menos não a única) para a 
monotonia. E à repetitividade, à duração do hábito, não se pode imputar, 
como em uma relação de causa e efeito única, a possível existência de 
monotonia, se é que ela existe, em nossa vida. (MESQUITA, Zilá, 1995, 
p. 14-15) 
 
Essas práticas colocam em jogo uma ratio popular, uma maneira de pensar 
investida em uma maneira de agir, uma arte de combinar indissociável de 
uma arte de utilizar. (CERTEAU, 2014, p. 41) 
 
O cotidiano escolar – o dia a dia dos praticantes da escola – possui seu ritmo, suas questões, 
seus contextos, sua maneira de pensar investida em uma maneira de agir (CERTEAU, 2014, p 41), 
seus conflitos específicos. O cotidiano possui relação direta e indireta com diferentes contextos 
 
12 
 
sociais, profissionais, formativos, etc. Nas relações entre diferentes contextos, surgem as chamadas 
práticas cotidianas, que determinam o modo de pensar e agir de determinado grupo social. Ignorar 
suas características específicas e suas relações complexas implica deixar escapar oportunidades 
significativas para a compreensão do fenômeno educacional e do desenvolvimento de importantes 
projetos de pesquisa na área da educação. Nesse sentido, com o propósito de não correr o risco de 
utilizar uma noção vaga de cotidiano e, por consequência, realizar um diagnóstico equivocado para 
o estudo e as pesquisas na área da educação sob a base de um também vago conceito de cotidiano 
escolar, impõem-se os esclarecimentos de como o conceito de cotidiano escolar é compreendido, de 
como a sua compreensão poderá favorecer a melhoria das relações entre as práticas docentes e 
discentes comprometidas com o processo de aprendizagem e socialização e, por fim, de qual o seu 
papel na gestão escolar. Nesse caso, pergunta-se: qual o significado de cotidiano? 
De modo geral, compreende-se por cotidiano a regularidade de ações e processos 
estabelecidos no dia a dia de um indivíduo, uma coletividade ou uma instituição. O próprio 
dia a dia se confunde com a ideia de cotidiano, muitas vezes bastando perguntar pelo dia a dia 
de um professor com o intuito de saber sobre o seu cotidiano. O que ele fez naquela semana? 
Quais são os seus horários de aulas, de reuniões e de pesquisa? Quais os locais em que trabalha, 
pesquisa e escreve? 
Nessa concepção inicial, o cotidiano escolar de um professor seria composto pelas ações 
regulares, tais como iniciar a aula em determinado horário; de construir um contexto 
significativo a fim de realizar a transposição didática; de utilizar como método de explicação 
argumentos dedutivos; de encerrar suas aulas com a revisão do conteúdo e uma avaliação, etc. 
O professor em questão sempre recorreria a essas ações, tornando-as comuns e significativas em 
sua prática profissional. Em outras palavras, chamamos de cotidiano algumas ações, práticas e 
alguns processos regularmente executados. Tal regularidade se estabelece – assim é a impressão 
daquilo que comumente chamamos de cotidiano – de modo natural e sempre permanece como 
modo natural em nossas ações e na vida, ou seja, não pararíamos para refletir sobre as nossas 
ações empreendidas no cotidiano. Elas são tomadas de forma mecânica e internalizadas como 
o modo correto de agir. Nesse contexto, práticas cotidianas correspondem a um conjunto de 
ações regularmente empreendidas em um contexto e em um tempo específicos, por meio de 
relações intersubjetivas. 
No entanto, o cotidiano não implica somente considerar a regularidade das ações, a 
naturalidade de nossas percepções e o automatismo dos nossos comportamentos. Também possui 
um aspecto inovador, criativo, com pouco grau de regularidade e de muita incerteza. É importante 
que se ilustre o conceito de cotidiano em situações singulares e concretas, em práticas intersubjetivas 
e diretamente relacionadas com o funcionamento das instituições escolares, das práticas docentes e 
discentes. Nesse sentido, é fundamental compreender que, em situações práticas, não raro alguns 
dos aspectos próprios ao que se entende por cotidiano se apresentam como valores, saberes, juízos 
e crenças dispostos em ações intersubjetivas. Desse modo, não se compreende cotidiano tão somente 
 
 13 
 
como aquilo que é o rotineiro, habitual, uma delimitação de espaço e tempo no interior dos quais 
indivíduos desempenham papéis sociais previamente dados sem ao menos questioná-los. Se fosse 
assim, as atuações dos papéis sociais simplesmente dados não reafirmariam senão valores fixos e 
imutáveis. Ou seja, se o cotidiano se expressasse somente como o que é rotineiro e os indivíduos o 
considerassem como o locus no interior do qual deveriam somente dispor de seus papéis sociais 
previamente dados, professores e alunos não teriam condições de mobilizar, intencionalmente, 
quaisquer valores e a si mesmos em suas práticas cotidianas. Eles seriam meros cumpridores de 
papéis sociais, uma simples automatização de valores e hábitos cotidianos. 
Nesse sentido, por que razão, então, algumas vezes o cotidianoé considerado meramente 
como o habitual, o rotineiro, como aquilo que deve ser superado por algum conhecimento externo 
ao próprio cotidiano a fim de conferi-lo legitimidade epistemológica? Haveria alguma positividade 
do cotidiano e do seu conhecimento que comumente chamamos de senso comum? O descrédito 
do cotidiano provém de ele nada oferecer senão simples alienações, ações repetitivas e sem qualquer 
abertura compreensiva para as ações humanas? Tratam-se de simples generalizações os saberes 
produzidos no cotidiano e por essa razão o chamamos de senso comum? Por que razão cremos que 
educar implica elevar, paulatinamente, o aluno ao nível do conhecimento especializado, retirando-
o de um cotidiano atravessado e equiparado ao senso comum? 
Na formulação das perguntas acima observa-se, inclusive, um paradoxo em certas propostas 
pedagógicas. Fala-se muito em partir da experiência do aluno, considerar suas experiências de vida 
válidas para a construção do conhecimento, ao mesmo tempo em que se acredita que a educação e a 
escola irão ajudá-lo a superar o modo de viver tais experiências cotidianas. No fundo, o cotidiano 
permanece como aquilo que precisa ser superado e cuja negatividade alienante dificilmente permitiria 
aos indivíduos considerá-lo como o contexto no interior do qual suas ações devem se orientar. 
Um esclarecimento possível para o caráter de negatividade atribuído ao cotidiano e ao senso 
comum encontra-se no modo como esses conceitos passam a ser compreendidos pelos teóricos nos 
séculos XVIII e XIX. Boaventura de Souza Santos dedicou parte de seu esforço intelectual para 
mostrar como isso ocorreu e suas análises também indicam quais foram as reações críticas a essa 
postura. Em uma síntese das principais ideias de Boaventura de Souza Santos a esse respeito, a 
professora Silvia Regina Ferraz Petersen conclui que: 
 
O senso comum, como conceito filosófico, surge no século 18 no seio do 
combate ideológico da burguesia emergente contra o irracionalismo do 
antigo regime. É um senso que se pretende natural (e, portanto, universal), 
razoável, prudente, que é burguês, mas que se coloca como médio. Sua 
valorização filosófica correspondeu ao projeto de ascensão da burguesia ao 
poder e por isso se entende que, uma vez concretizado esse projeto, o senso 
comum tenha sido desqualificado para o nível ilusório e superficial. 
(PETERSEN, 1995, p. 36-37.) 
 
14 
 
Desse modo, os significados atribuídos ao senso comum, ao cotidiano, passaram por 
profundas transformações e se encontravam (como ainda se encontram) dependentes da postura 
teórica e ideológica adotada. Em determinado momento, era valorizado por traduzir posturas 
socialmente razoáveis, prudentes, deixando claro que não havia como pressupô-las como alienadas 
e próprias a indivíduos que se acomodam em suas relações intersubjetivas. No entanto, em outro 
momento, passa a ser desqualificado para o nível ilusório e superficial. Muitas vezes, era visto como 
conhecimento preconceituoso e altamente pragmático. O que paira, ainda hoje, sobre o nosso 
entendimento, talvez, seja a tensão entre essas duas posturas, entre valorização e desvalorização do 
cotidiano, sobretudo se pensarmos no paradoxo da postura pedagógica de ensinar partindo de 
experiências que precisarão ser superadas. 
O cotidiano e as práticas cotidianas são, via de regra, compreendidos de duas maneiras 
distintas, e as consequências dessas compreensões são igualmente distintas. Por um lado, o cotidiano 
e as práticas cotidianas são considerados ações corriqueiras, habituais, costumeiras. Elas trazem 
segurança e conforto para aqueles que se entendem na realização dessas práticas, uma vez que 
estabelecem padrões de condutas e de pensamento. Por outro lado, o cotidiano e as práticas 
cotidianas passaram a ser vistos como modos de superação de padrões previamente estabelecidos, 
como rotas marginais que se estabelecem no pensamento dogmaticamente planejado. São aqueles 
momentos de inovação e de criação. Nas palavras que abriram esta apostila, do sociólogo Michel 
de Certeau: “O cotidiano se inventa com mil maneiras de ‘caça não autorizada’.”(2014, p. 38). O 
cotidiano e as práticas cotidianas são imprecisos, incertos e irregulares, criativos, criadores e 
inovadores. Por não possuírem uma lógica orientadora própria, tais práticas e o cotidiano são tidos 
como voláteis e efêmeros. O reconhecimento de tais características pode tanto alijar quanto 
beneficiar o engajamento e a pesquisa sobre o cotidiano. 
 
Papel dos valores no cotidiano 
O cotidiano da escola corresponde às práticas e aos conhecimentos presentes no seu interior, 
estabelecidos por meio das relações que ocorrem ente os seus diferentes praticantes – professores, 
alunos e diretores –, e entre esses praticantes e outros contextos formativos – instituições escolares, 
organizações civis e a sociedade de modo geral – e culturais. Toda escola possui cotidiano próprio, 
maneiras específicas de lidar com os conhecimentos, práticas e ações empreendidos pelos seus 
praticantes, com isso, definindo uma cultura própria, hábitos e visões de mundo próprios. 
O cotidiano escolar, por sua vez, pode ser identificado como as práticas e os conhecimentos 
inerentes às atuações de gestores, docentes e professores no processo de ensino e aprendizagem, bem 
como de socialização dos educandos. Tratam-se das maneiras que esses praticantes dispõem de seus 
saberes, crenças, convicções, práticas e ideias no interior do processo de ensino e aprendizagem. 
Tanto o cotidiano da escola quanto o cotidiano escolar podem ser vistos como regularidades das 
ações que os praticantes repetem por mero hábito. Também podem ser considerados, pelos mesmos 
 
 15 
 
praticantes, fontes autênticas de conhecimentos e de práticas. Tudo dependerá da postura 
pedagógica de desvalorização ou valorização das formas apresentadas no e pelo cotidiano. Nesse 
sentido, o núcleo de todo cotidiano são as práticas ou, em uma alusão direta às investigações 
realizadas pela obra do sociólogo Michel de Certeau, o núcleo do cotidiano são as práticas cotidianas 
entendidas como artes de fazer. 
Entre as posturas de valorização do cotidiano, daquilo que ele oferece como meios para que 
os indivíduos superem os seus possíveis enraizamentos alienantes, destacam-se as tentativas de 
observar a tensão vivida no cotidiano entre impessoalidade e autenticidade, entre rotina e 
criatividade. Por exemplo, vejamos o argumento utilizado pela professora Zilá Mesquita, da 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em um dos seus textos seminais intitulado Cotidiano 
ou quotidiano?. Ela esclarece melhor a maneira pela qual a positividade referente ao cotidiano pode 
ser assumida, levando-se em conta essas possíveis tensões: 
 
Mas a automatização tem o seu contraponto: a atenção, que pode ou não 
transformar-se em um hábito usualmente contínuo. O que quero dizer é 
que o cotidiano também é ou pode vir a ser o locus da atenção, da 
observação atenta de nós mesmos, do grupo ou grupos aos quais nos 
ligamos, das ações que executamos, do conteúdo e diversidade de nossos 
pensamentos do dia a dia, dos territórios cotidianos em que habitamos. E 
é esta observação atenta que contém a potencialidade de ser a inovação ou 
a transformação no cotidiano. (MESQUITA, Zilá, 1995, p. 16) 
 
O cotidiano também é marcado por inovação, transformação, atenção, luta e tentativa de 
afirmação entre diferentes valores, e pelos diferentes modos que os indivíduos compreendem esses 
mesmos valores como forma de romper com situações alienantes: é ou pode vir a ser o ‘locus’ da 
atenção, da ‘observação atenta’ de nós mesmos. Zilá Mesquita também nos fala da observação não 
apenas de nós mesmos, mas do grupo ou grupos aos quais ligamo-nos em diversos contextos sociais. 
Tomando a escola como o contexto social que nos oferece diferentes grupos aos quais nos 
vinculamos e também como o locus no interior do qual podemos disporda atenção e observação 
atenta de nós mesmos, nosso cotidiano terá a possibilidade de se revelar como inovação ou 
transformação. Nesse caso, é importante considerar que nossa atenção deverá direcionar-se para o 
conteúdo e a diversidade dos nossos pensamentos do dia a dia e das nossas ações na escola, ou seja, 
para aquilo que nos motiva a executar as ações do cotidiano escolar e também para aquilo que nos 
faz pertencer a determinados grupos sociais quando participamos como atores no contexto escolar. 
O que nos liga aos diferentes grupos sociais (e não seria diferente na escola) são os valores que 
compartilhamos com os membros do grupo – valores que também orientam nossos pensamentos, 
juízos e ações. Em se tratando do âmbito educacional, alguns valores mobilizados pelos professores 
e diretores são, na verdade, aqueles que irão orientar, de forma estratégica, suas ações pedagógicas 
e administrativas em prol de objetivos educacionais, muitas vezes, de difícil realização. Esses valores 
 
16 
 
também orientam a forma de transformar nossa identidade por meio de práticas pedagógicas e 
administrativas, de definir nossa condição de sujeitos. Os valores possuem a função de móbiles das 
nossas ações, como aquilo que nos impulsiona, e também devem ser vistos como impulsos para 
modificações das nossas ações e identidades. O professor Saviani diz algo a esse respeito que nos 
auxilia a melhor compreender o papel dos valores em nossas ações: 
 
Os valores indicam as expectativas, as aspirações que caracterizam o 
homem em seu esforço de transcender-se a si mesmo e à sua situação 
histórica; como tal, marcam aquilo que deve ser em contraposição aquilo 
que é. (SAVIANI, 2009, p. 46). 
 
Os diversos valores encontrados no cotidiano escolar são reconhecidos como os motores das 
nossas práticas cotidianas de diferentes formas e com diferentes propósitos, mas sempre irão indicar 
nossas expectativas e aspirações imbuídas em transcender situações específicas, em definir nossa 
identidade como docente, discente ou gestor. Se nos movemos segundo valores cuja expectativa é a 
de nos manter na mesma situação, dificilmente haverá como transcender e colocarmo-nos em busca 
de uma observação atenta de nós mesmos. Ainda assim, mantendo-nos na mesma situação, em uma 
atividade específica, determinamos nossa identidade. 
Dependendo dos valores que adotamos em nossas práticas pedagógicas e do reforço 
institucional a esses valores específicos, o cotidiano escolar poderá ser o local da nossa 
transcendência, da transformação da nossa consciência sobre nós mesmos e sobre nossas relações 
escolares, como também o espaço para nossa alienação, o esquecimento de nós mesmos e do valor 
criativo de nossa prática. A esse respeito – e tendo como ponto de reflexão a relação entre o cotidiano 
e o projeto político pedagógico da escola –, com muita propriedade, a seguir, o texto sintetiza a 
complexidade e, ao mesmo tempo, as dimensões criadoras e alienantes que o cotidiano pode assumir 
em nossas vidas: 
 
Nesta visão, a vida cotidiana passa a ser um espaço, também, de 
mediocridade, com alguns valores como o individualismo, a neutralidade, 
a competição, intensificados pela estrutura capitalista de organização 
social. Ocorre uma insatisfação, que se manifesta na contestação ou na 
passividade, que mascara a mediocridade e impede a procura do “ser 
inteiro”. Assim, a cotidianidade será o campo de desenvolvimento do 
poder criador e transformador e, também, da alienação. (RESENDE, 
Lúcia Maria Gonçalves, 1995, p. 57.) 
 
 
 
 17 
 
É justamente no cotidiano que vivemos a tensão entre os sentimentos de transformação e de 
adequação das nossas ações: Ocorre uma insatisfação, que se manifesta na contestação ou na 
passividade. O choque inevitável entre as expectativas e aspirações expressas por diferentes valores 
não apenas impõe a difícil tarefa de mediação cultural e de conflitos para a gestão escolar, mas é o 
que melhor nos faz compreender o papel de diretores e professores no cotidiano escolar. 
Os valores presentes no cotidiano escolar são de diversas ordens e significam, grosso modo, 
preferências que conferimos sobre objetos, ações, políticas públicas, pedagogias, etc. Não são, 
exatamente, normas de ação, mas determinam e orientam as preferências das ações. Os valores mais 
comuns ou, talvez, os mais citados no contexto escolar são: individualismo, meritocracia, 
compaixão, autonomia, imparcialidade, emancipação, liberdade, neutralidade, etc. Os valores 
podem ser identificados em nossas ações, nos posicionamentos que assumimos, na maneira como 
julgamos e agimos face a determinada situação. Compreender quais valores encontram-se na base 
de nossas preferências e juízos é fundamental para a realização de ações compatíveis com o que 
entendemos por educação. 
Um exemplo relativamente comum em algumas escolas brasileiras permitirá aprofundar as 
noções de cotidiano e cotidiano escolar em sua relação com os valores, as expectativas, os praticantes, a 
formação da consciência, a resistência e o respeito às normas institucionais e legais. Vejamos: 
Por algum tempo, em uma escola pública situada no Rio de Janeiro, tornou-se comum que 
alunos de diferentes instituições religiosas se reunissem na hora do intervalo, no pátio da escola, 
com o intuito de compartilhar os seus valores cristãos. O caráter dessa reunião não possuía 
reconhecimento institucional formalizado, na medida em que a decisão daquele grupo social para 
a partilha de suas impressões acerca dos conhecimentos religiosos surgira, em um primeiro 
momento, de modo espontâneo e, de maneira contínua e regular, com a adesão de novos alunos a 
cada semana. Não se tratava de atividade integrante da aula de religião tampouco de atividade 
própria ao cotidiano escolar. No entanto, aos poucos, tornou-se atividade própria ao cotidiano da 
escola. Professores recém-chegados, alunos e direção não contestavam aquela prática, aceitavam-na 
como própria ao contexto cultural dos alunos e àquela escola específica. Coincidentemente ou não, 
a escola se situava na região do Rio de Janeiro com índice expressivo de religiosos que garantiram, 
inclusive, a vitória do candidato religioso nas eleições à prefeitura da cidade. 
O compartilhamento regular das impressões religiosas não se realizava como simples 
exposição de passagens da bíblia, mas com discussões sobre as experiências, as visões individuais e 
os pontos fundamentais que, supostamente, influenciariam as ações e as identidades daqueles alunos 
praticantes em suas vidas na sociedade e na escola. Tais reuniões afetavam o cotidiano da escola ao 
introduzir novos elementos em seu espaço geográfico com as reuniões entre os alunos; na 
distribuição do tempo daqueles alunos, dado que não cumpriam o horário reservado para o 
intervalo como os outros, assim como na legitimidade que aqueles alunos conferiam aos discursos 
sobre moral, concepções de vida e organização social. Mesmo sem promover iniciativas de adesão 
 
18 
 
às reuniões, aquela prática cotidiana não prevista no planejamento institucional escolar conquistava 
cada vez mais adeptos. 
Nesse breve exemplo, pode-se caracterizar como traços constitutivos do cotidiano daquela 
escola a dinâmica complexa entre os valores institucionais, religiosos, organizacionais e pedagógicos 
compartilhados por alunos, direção e professores. Tal dinâmica poderá ser traduzida em duas 
possibilidades no cotidiano da escola: por um lado, considerá-los valores e práticas habituais, 
rotineiras, sem qualquer impacto direto na vida das pessoas que não façam parte daquele grupo. 
Nesse caso, somente os praticantes daquele grupo se deixariam levar por esses valores e o fariam de 
modo mecânico. Por outro lado, pode-se considerar a relação entre esses valores como possibilidade 
para, entre outras coisas, discutir questões tais como secularismo, sentido religioso da vida, 
evolucionismo,criacionismo, moral religiosa e moral pública, etc. Nesse caso, tomando a relação 
entre os valores de forma dinâmica, a escola – professores, alunos, funcionários e direção – poderia 
promover debates acerca da presença desses valores em nossas vidas, discutindo o papel da escola 
no acolhimento ou não de atitudes religiosas, e na formação da identidade das pessoas. 
Desse modo, o cotidiano e os seus praticantes se expressam não como meros representantes de 
papéis sociais, mas sim por meio de relações sociais agregadoras e conflituosas ao mesmo tempo. 
Afinal, qual o posicionamento da escola com relação a essas práticas no espaço escolar? Quais as 
impressões dos outros alunos a esse respeito? Qual a influência dessas práticas em aulas como ciências, 
história, sociologia e filosofia? E, talvez, a pergunta mais decisiva: qual a influência dessas práticas 
(assumindo-as de modo rotineiro ou inovador) na formação da identidade dos praticantes envolvidos? 
Pode-se concluir, como uma das formas de compreender a escola desde o ponto de vista social 
e cultural, que o cotidiano da escola corresponde aos aspectos do espaço no interior do qual valores 
são compartilhados e práticas são realizadas. Todos os praticantes do cotidiano da escola se 
relacionam socialmente a partir de valores que reconhecem como válidos para suas ações e formas 
de compreender a realidade social, e que também os permite discordar de regras e valores alheios. 
Nesse sentido, na medida em que se encontra mediado não apenas por regras institucionais e pelo 
conhecimento científico, mas também pelos valores próprios da cultura e dos modos como os 
indivíduos os compreendem, o cotidiano da escola é, ao mesmo tempo, afirmação e questionamento 
de papéis sociais, aceitação e crítica dos valores da realidade social, das relações sociais, de 
conhecimentos e de instituições em uma luta incessante entre valores distintos. O famoso geógrafo 
Milton Santos definiu, com precisão, aquilo que o cotidiano representa em seu aspecto de produção, 
crítica, aceitação e resistência de valores sociais e culturais: 
 
o cotidiano representa os aspectos de um lugar, que é compartilhado entre 
as mais diversas pessoas, firmas e instituições, em uma relação dialética de 
cooperação e conflito, sendo essas as bases da vida comum (SANTOS, 
1999, p. 258). 
 
 
 19 
 
Os gestores, docentes e discentes vivem e praticam os aspectos constitutivos do cotidiano por 
meio de suas ações. Todas as regras da educação e da escola, que funcionam para conformar a vida na 
escola, foram socialmente construídas, são frutos de embates históricos e sua aplicação não é isenta de 
conflitos. Uma das formas de interpretação dessas normas se dá no cotidiano da escola, nas relações 
intersubjetivas às quais, por razões distintas, gestores, docentes e discentes devem conferir atenção. 
Eles o fazem de modo consciente ou não! Em todos esses casos – e considerando que a interpretação 
das normas envolve uma relação com os valores e estes, por sua vez, traduzem as próprias expectativas 
que cada praticante imprime em suas ações –, é preciso ter atenção às dinâmicas do cotidiano como 
forma de cunhar a sua própria identidade, a sua própria consciência. 
Nossas práticas cotidianas na escola decorrem de valores que assumimos, conscientemente ou 
não, e os reafirmamos ao empreender nossas ações. A atenção aos valores como conteúdos das nossas 
ações e pensamentos no dia a dia é, dessa forma, o primeiro passo para seguirmos de modo 
autônomo e criativo no cotidiano escolar. Professores e gestores precisam ter, como tarefa central, 
o incentivo à discussão sobre os valores que mobilizam nossas ações no cotidiano, como forma de 
não prosseguirmos com posturas alienantes e, desse modo, promover ações e conhecimentos com 
as quais teríamos condições de formar nossa consciência e identidade autônoma. 
 
Cotidiano escolar e conhecimento 
Os estudos sobre o cotidiano oferecem alternativas para a compreensão das diferentes 
dimensões da vida social que a escola produz, assim como dos diferentes contextos formativos no 
interior dos quais os processos educacionais se desenvolvem a partir das ações dos diretores, alunos 
e professores. Em outras palavras, a vida cotidiana da escola possui um recorte de sua existência 
como fenômeno social amplo e como fenômeno escolar específico. Nesse contexto, convém definir 
de que modo gestores, professores e alunos poderiam fazer uso do conceito geral de cotidiano como 
ruptura da ideia de senso comum e sua relação com a escola, tal como vimos nas unidades anteriores, 
e o conceito de cotidiano escolar, cuja característica central é a de um conjunto de práticas e saberes 
especificamente voltados para o âmbito escolar, o que veremos agora. A seguir, o trecho nos ajuda 
a desenvolver melhor a questão e pensar a sua aplicação no contexto da escola: 
 
De certo modo, a necessidade de se aprofundar as reflexões em torno da 
ruptura com a ideia de que o cotidiano e rotina são a mesma coisa e que 
aquele é o espaçotempo do senso comum e, portanto, da ausência de reflexão 
política e epistemológica sobre a realidade, seus condicionantes e processos 
– bem como as consequências disso sobre a capacidade de ação política e 
social dos sujeitos nele imersos – é uma das inspirações de muitos dos 
estudos do cotidiano, em geral, e do cotidiano escolar, em particular. 
(OLIVEIRA, 2008, p. 88) 
 
20 
 
Há diversas possibilidades e diferenças metodológicas para se compreender o cotidiano, o 
cotidiano escolar e as práticas cotidianas. Em geral, professores e diretores costumam defini-los a 
partir de impressões não especializadas, passando pelas definições oferecidas pelas ciências humanas 
e, até mesmo, de compreensões expressas segundo critérios rigorosos da ciência moderna. No 
entanto, não parece correto conferir primazia às noções científicas modernas referentes a algo 
imediatamente próximo ao ser humano e à sua realidade social somente em função do grau de 
especialização que tais noções fornecem. O grau de especialização prometido pelo conhecimento 
científico (em especial, pela ciência moderna) rompeu com alguns dos elementos característicos à 
proximidade das coisas humanas, de suas crenças, seus conhecimentos e valores. O estabelecimento 
das certezas e verdades científicas com relação aos seus mais variados assuntos logrou êxito a partir 
do afastamento daquilo que é imediatamente próximo, valorativo, dinâmico e complexo, 
recorrendo, para tanto, ao rigor do conhecimento matemático e da possibilidade de mensuração e 
identificação da realidade. 
O cotidiano, por sua vez, também corresponde a um tipo de saber, de conhecimento vivido, 
de conhecimento implicado às práticas, aos valores, às experiências práticas da vida e da realidade 
social e humana que caracterizam um lugar específico. Ao olhar científico moderno, escaparia a 
possibilidade de designá-lo fazendo uso de métodos de delimitação preocupados com regularidades, 
universalidades, e não com complexidades. O cotidiano escolar e as práticas cotidianas sobre as quais 
gestores e professores devem-se ocupar, ou seja, sobre as quais deverão observar os conhecimentos e 
práticas produzidos, são aquelas que, já do ponto de vista metodológico, definem uma postura de 
crítica frente ao pensamento científico moderno, uma vez que as ciências da educação encontraram, 
na ciência moderna, os modelos de validação teórica de suas considerações sobre os processos de 
aprendizagem e formação. Nesse caso, gestores e professores precisam observar o conhecimento 
produzido pelo cotidiano escolar na sala de aula e nos contextos formativos a ela relacionados. 
Uma das principais referências brasileiras no campo de investigação sobre o cotidiano escolar, 
Nilda Alves (2003) argumenta que, entre as primeiras abordagens sobre a relação entre o cotidiano 
e as produções científicas curriculares da escola, já se instituía umacrítica aos paradigmas científicos 
de educação e, ao mesmo tempo, uma valorização da vida cotidiana como práxis formativa. Ela 
também reforça os argumentos acima de que o interesse pelo cotidiano no campo da pesquisa em 
educação ocorre do ponto de vista metodológico e em função da crítica à modernidade. Nesse 
sentido, vejamos duas passagens extraídas de dois momentos distintos de sua produção acadêmica 
e nas quais ela trata dessas questões: 
 
O primeiro destaque a ser feito às contribuições das pesquisas com os 
cotidianos ao campo da educação dever ser o trabalho insistente e regular 
de pensar as metodologias, criando-as para desenvolver processos de 
pesquisas novos. A necessidade disso apareceu quando compreendeu-se 
que os métodos propostos pelas ciências na Modernidade tinham sido 
 
 21 
 
estruturados para ‘superarem’ o ‘senso comum’, nome genérico que foi 
dado aos conhecimentos e significações comuns, que são aqueles que 
surgem nos cotidianos. (ALVES, Nilda, 2015, p. 162) 
 
Em outra passagem de um dos seus textos, ela afirma: 
 
A primeira dessas concepções mostra, quando a estudamos, uma 
tendência que, ligada a uma importante discussão sobre os novos 
paradigmas em currículo, relaciona-se ao referencial teórico-
epistemológico de Gramsci e dos filósofos da chamada Escola de 
Frankfurt, em especial de Habermas. Para essa tendência, introduzir a 
dimensão cotidiana nos estudos de currículo era necessário para a 
compreensão da escola e das relações que mantinha com a realidade social 
mais ampla. Metodologicamente, seus pesquisadores entendiam ser 
indispensável, sobretudo, a participação ativa dos sujeitos, através de 
reuniões organizadas com essa finalidade, em um processo que foi 
chamado de pesquisa participante. (ALVES, Nilda, 2003, p.64.) 
 
O conceito de cotidiano escolar que atravessa boa parte das pesquisas em educação faz 
referência, direta ou indiretamente, às críticas aos paradigmas científicos modernos. No 
desenvolvimento dessas críticas, ainda que a sociologia e as ciências da educação tenham autonomia 
quanto aos seus métodos e à delimitação de seus objetos de estudos do cotidiano, muitas noções, 
ideias e argumentos epistemológicos provêm da filosofia. Conforme identificado pela professora 
Nilda Alves, um dos primeiros referenciais teóricos utilizados pelas pesquisas da relação entre 
currículo e cotidiano escolar remetia aos fundamentos teórico-epistemológico de Gramsci e dos 
filósofos da chamada Escola de Frankfurt, em especial de Habermas. Trata-se, especificamente, do 
entendimento do valor da vida cotidiana escolar como importante contexto de formação que se 
encontra vinculado a uma realidade social mais ampla. 
O campo educacional reflete sobre a compreensão do cotidiano e das práticas cotidianas, 
considerando que qualquer intervenção pedagógica ou de gestão dependerá, basicamente, da 
valorização ou não das formas e dos aspectos específicos do cotidiano e de suas práticas. Em outras 
palavras, uma desvalorização dos saberes e práticas emergentes do cotidiano se irá caracterizar pela 
tentativa educacional de negá-lo ou até mesmo superá-lo, enaltecendo outras formas de 
conhecimentos, de práticas e de gestão. É o caso, por exemplo, das escolas que enaltecem o 
conhecimento como forma de superação do cotidiano, e só admitem práticas educativas ou de 
gestão que se encontrem devidamente amparadas pelo conhecimento científico e por 
procedimentos rigorosamente formais. 
 
 
22 
 
Por outro lado, a valorização do cotidiano e das práticas cotidianas no âmbito educacional 
não significa, necessariamente, uma negação da maneira científica e formal da educação e da gestão. 
A postura de valorização do cotidiano caracteriza-se pela valorização de saberes e práticas cotidianas 
que vêm à tona na relação com conhecimentos científicos e formais de educação e de gestão. É o 
caso, por exemplo, das escolas que têm atenção a aspectos que nascem com o cotidiano, com o uso 
e a prática de informações e saberes. Práticas educativas cotidianas que, muitas vezes, procuram se 
adaptar às adversidades e poderão, inclusive, trazer à tona novas formas de conhecimento. Práticas 
que surgem da maneira de interpretar um texto literário fazendo uso de músicas populares e locais, 
resgatando os sentidos plurais do texto, criando contextos didáticos diferenciados, práticas 
diferenciadas e, ainda, contribuindo para o processo de ensino e aprendizagem. Cotidiano que se 
estabelece com práticas de gestão alinhadas às especificidades de cada turma, oferecendo como 
possibilidade de aprofundamento de um tema de história, por exemplo, a visita dos alunos a locais 
pouco convencionais como aldeias quilombolas, escolas de sambas ou, até mesmo, frequentando a 
narrativa de ex-alunos daquela escola. 
Em suma, o cotidiano e as práticas cotidianas ainda têm muito a contribuir para o campo 
educacional. Professores, alunos e diretores que se dispõem a considerar suas práticas cotidianas 
como formas não rotineiras, não formalizadas, tampouco como meramente habituais, mas como 
formas inovadoras, criativas e próprias poderão deparar-se com a apropriação ou descoberta de 
novos conhecimentos e práticas. 
 
Cotidiano escolar e práticas cotidianas 
Professores e gestores precisam assumir o cotidiano escolar em sua diferença epistemológica 
com relação ao que, convencionalmente, adotamos como conhecimento. Em geral, adotamos o 
paradigma do conhecimento científico moderno. Nesse caso, deve-se assumir uma compreensão 
singular referente às capacidades de assimilação, reprodução e produção de conhecimentos, até à 
capacidade de interagir com os mais variados sistemas de conhecimento – científicos ou não. Tal 
diferenciação passa, por exemplo, pela consideração dos aspectos cognitivos como 
contigencialmente construídos, e não como capacidades humanas a priori; pela ideia de que o 
conhecimento se dá por meio de uma interação, não pela simples adequação entre o conhecimento 
especializado e o senso comum, ou ainda: entre um conhecimento supostamente verdadeiro e o 
saber ilusório e alienado das pessoas. O cotidiano precisa ser visto em sua natureza formativa, 
complexa e dinâmica. 
Em uma passagem extraída do livro Estudos do cotidiano & educação (2008), encontramos a 
exposição de quais questões devem entrar em cena na tentativa de conceber o cotidiano escolar e a 
prática cotidiana à luz do embate com o conhecimento científico e, ao mesmo tempo, de acordo 
com o que, efetivamente, é evocado como compreensão significativa desses conceitos. Utilizando 
 
 23 
 
os principais argumentos dessa passagem, tentaremos reunir os significados atribuídos a esses 
conceitos na literatura especializada e, em seguida, reafirmar de que maneira a compreensão de tais 
significados podem contribuir para a prática docente e a gestão escolar. 
 
Existe, portanto, fora daquilo que à “ciência” é permitido organizar e definir 
em função de estruturas e permanências, uma vida cotidiana, com 
operações, atos e usos práticos, de objetos, regras e linguagens, 
historicamente constituídos e reconstituídos de acordo e em função de 
situações, de conjunturas plurais e móveis. Há “maneiras de fazer” 
(caminhar, ler, produzir, falar), “maneiras de utilizar” que se tecem em redes 
de ações reais, que não são e não poderiam ser mera repetição de uma ordem 
social preestabelecida e explicada no abstrato. Desse modo, podemos afirmar 
que a tessitura das redes de práticas sociais reais se dá através de “usos e táticas 
dos praticantes”, que inserem na estrutura social criatividade e pluralidade, 
modificadores das regras e das relações entre o poder de dominação e a vida 
dos que a ele estão, supostamente, submetidos. E isto acontece no cotidiano. 
(OLIVEIRA, 2008, apud, p.86.) 
 
Todo gestor e professor que não se limitará a considerar o cotidiano como mera repetição 
poderá destacar que, nas interações comas quais produzimos nosso cotidiano, ocorrem operações, 
atos e usos práticos, de objetos, regras e linguagens. Desse modo, os conhecimentos que se obtêm como 
resultados ou conteúdos do cotidiano não são abstrações, conceitos ou ideias, mas ações, saberes 
práticos, relações concretas de uso específico de objetos, regras e linguagens. 
Em termos de cotidiano escolar, os conhecimentos práticos correspondem a ‘maneiras de 
fazer’ (caminhar, ler, produzir, falar), ‘maneiras de utilizar’ que se tecem em redes de ações reais. São 
maneiras de fazer, por exemplo, como a leitura realizada em momentos de aprendizagem ou do uso 
entre colegas e professores; ou a utilização própria que alguns praticantes fazem de mídias, desenhos, 
músicas, com o propósito de expressar visões próprias sobre a escola; ou, ainda, a utilização que a 
direção faz de regras institucionais ou morais a fim de julgar comportamentos como certos ou 
errados, justos ou injustos. Os sentidos que atribuímos às regras e às relações de poder institucionais 
por meio dessas ações definem as especificidades de cada escola, das relações intersubjetivas que são 
travadas em cada cotidiano escolar. 
Se ainda nos ocuparmos com o primeiro exemplo oferecido acima – com o da leitura como 
uma prática cotidiana, como um uso prático – será possível explicar por que razão o cotidiano 
escolar e suas respectivas atividades não podem ser entendidos como mera repetição de uma ordem 
social preestabelecida e explicada no abstrato. Ao contrário, o cotidiano se expressa como maneiras de 
fazer que inserem na estrutura social criatividade e pluralidade. 
 
24 
 
Em se tratando de cotidiano escolar, maneiras de fazer como a leitura deveriam receber uma 
atenção menos formalizada, rotineira, habitual e mais inovadora, criativa e espontânea. Uma 
maneira de fazer menos teórica e estruturada a partir de procedimentos que precisam ser seguidos 
a fim de desenvolvê-la e, talvez, mais prática, em uma prática de leitura em que aluno e professor 
integrem valores, experiências e se vejam colocados a utilizar tais bagagens de vida na leitura que 
realizam na prática. O ato de ler, entendido como uma prática cotidiana, não se caracteriza tão 
somente por uma suposta passividade. 
Considerada como do tipo tática (CERTEAU, 2014, p. 46), a leitura não se dá somente na 
formalização e orientação de normas e procedimentos. Ela escapa a essas formalizações e se impõe 
como criação, resistência ou interpretação. O professor que incentiva essa linha de raciocínio pode 
se deparar com novas formas do que significa leitura. A leitura que alunos e professores realizam do 
livro Policarpo Quaresma – um exemplo que ilustra bem a leitura como prática cotidiana –, 
desenvolve-se segundo as observações e os valores subjetivos dispostos pelo autor, Lima Barreto, 
assim como segundo os estilos literários e as normas da Língua Portuguesa referentes ao início do 
século XX. No entanto, os leitores não se lançam passivamente para essas estruturas, mas se 
apropriam, a partir de seus valores e de suas formas de compreender o mundo, daquilo que se lhes 
apresentam como produção literária formalizada. 
Das apropriações dos sentidos, significados e símbolos inerentes ao ato da leitura, ou seja, da 
leitura como prática cotidiana, podem surgir novas formas de interpretação da realidade como um 
todo: seja na expressão dos alunos, seja nas aulas dos professores. Em realidade, tais apropriações 
no processo de leitura são táticas, usos específicos, singulares e cotidianos de regras estabelecidas, 
que são organizadas pelos praticantes de acordo com as situações igualmente específicas e singulares. 
Em sua emblemática obra de referência sobre o assunto, intitulada A invenção do cotidiano, Michel 
de Certeau (2014) considerou a leitura como prática cotidiana do tipo tática e escreveu: 
 
O que se deve pôr em causa não é, infelizmente, essa divisão do trabalho 
(é muito real), mas o fato de assimilar a leitura a uma passividade. Com 
efeito, ler é peregrinar por um sistema imposto (o do texto, análogo à 
ordem construída de uma cidade ou de um supermercado). Análises 
recentes mostram que toda leitura modifica o seu objeto, que (já dizia 
Borges) uma literatura difere de outra menos pelo texto que pela maneira 
como é lida, e que enfim um sistema de signos verbais ou icônicos é uma 
reserva de formas que esperam do leitor seu sentido. Se, portanto, o livro é 
um efeito (uma construção) do leitor, deve-se considerar a operação deste 
último como uma espécie de lectio, produção própria do leitor. Este não 
toma nem o lugar do autor nem um lugar de autor. Inventa nos textos 
outra coisa que não aquilo que era a intenção deles. Destaca-os de sua 
origem (perdida ou acessória). Combina os seus fragmentos e cria algo não 
 
 25 
 
sabido no espaço organizado por sua capacidade de permitir uma 
pluralidade indefinida de significações. Essa atividade leitora será reservada 
ao crítico literário (sempre privilegiado pelos estudos sobre a leitura), isto 
é, novamente a uma categoria de funcionários, ou pode se estender a todo 
o consumo cultural? Esta a pergunta à qual a história, a sociologia ou a 
pedagogia escolar deveriam trazer elementos de resposta. (CERTEAU, 
Michel, 2014, p. 240-241) 
 
Muitas pesquisas no campo da sociologia e da pedagogia escolar levaram a sério a provocação 
de Michel de Certeau, no tocante ao fato de que, não considerando a leitura como uma passividade, 
perguntaram pela produção própria do leitor. Não se trata de perguntar, por exemplo, pelos métodos 
de ensino da leitura ou pela capacidade de interpretação do aluno segundo uma narratividade 
própria e inerente ao texto. Ao contrário, o que está em questão é que a leitura como prática 
cotidiana corresponde a um ato segundo o qual é o praticante (o leitor) que constrói o texto que se 
lhe apresenta. E ele o faz por não se submeter passivamente ao sistema imposto, ou seja, por não se 
submeter a uma suposta leitura correta ou como a única que atenderia ao que é próprio ao texto, às 
hierarquias sociais que buscam indicar os modos segundo os quais as informações devem ser 
extraídas dos textos. 
Considerados os aspectos práticos de apropriação do texto pelo leitor, a prática docente tem, 
nessa compreensão, o benefício de resgatar a dimensão prática do acesso aos sentidos e significados 
do texto. A essa construção de sentidos e significados próprios do texto, que não obedece a uma 
institucionalização formal e que é realizada pelos leitores praticantes, chamamos conhecimento 
prático. Ou ainda, trata-se de uma prática cotidiana do tipo tática cujo conhecimento não é formal. 
O conhecimento produzido pelo cotidiano não se limita a procedimentos formais, dado a 
sua dinâmica e aplicação prática. O cotidiano escolar se constrói na inserção, por parte dos 
praticantes, de usos e táticas na estrutura social, ou seja, da inserção de usos e táticas nas relações 
entre as diversas instituições (o poder de dominação) e a vida das pessoas a elas submetidas. Práticas 
cotidianas, como usos e táticas das regras estabelecidas, colocam-se como apropriação dessas regras 
e, muitas vezes, como sua resistência. Nesse caso, o cotidiano escolar e as práticas cotidianas se 
expressam em espaços e tempos determinados, nos usos e nas táticas que professores, alunos e 
diretores interpretam e modificam as relações entre o poder de dominação das instituições e de suas 
vidas. O cotidiano e suas práticas constituem a abertura para o novo e para possibilidades de 
inovações na educação. O conhecimento não se dá somente na relação direta com livros ou em sua 
formalização em regras institucionais ou pedagógicas, mas na utilização prática desses instrumentos 
em sala de aula e em diversos contextos formativos. 
 
 
 
 
 
Este módulo tem por objetivo apresentar os caminhos e as possibilidades para o alinhamento 
entre as práticas cotidianas, queocorrem em processos interativos no interior da escola, e a 
formalização do conhecimento em suas estruturas pedagógicas e institucionais. 
Nesse contexto, o cotidiano e as práticas cotidianas escolares são compreendidos como 
práticas habituais, corriqueiras, situadas em contextos específicos, produzindo saberes igualmente 
específicos, ou como práticas inovadoras, criativas, práticas de utilização e possível modificação de 
sistemas de conhecimento e estruturas previamente estabelecidos. Nessa segunda concepção, 
correspondem a práticas situadas em contextos específicos que produzem conhecimentos 
específicos, mas entendidas como inovadoras. Delimitadas ao espaço e tempo vigentes no cotidiano 
escolar, deverão ser examinadas quatro possibilidades de alinhamentos entre práticas cotidianas no 
âmbito escolar e o conhecimento científico formalizado. 
Em um primeiro momento, iremos reconhecer o alinhamento entre os processos de ensino e 
aprendizagem, e algumas práticas cotidianas, docentes e discentes, de apropriação ou utilização desses 
processos. Compete explicitar em que medida professores e alunos poderão fazer uso de táticas 
específicas presentes no próprio cotidiano escolar a fim de promover os processos de ensino e 
aprendizagem, e como esses usos se encontram igualmente relacionados com o processo de 
socialização e cunhagem das identidades de professores e alunos. No fundo, trata-se de entender tais 
práticas cotidianas como atribuição de sentidos e valores ao processo de ensino e aprendizagem. 
Em um segundo momento, tentaremos identificar o alinhamento entre o conhecimento 
científico do currículo e a prática educativa em meio ao cotidiano, considerando que a formalização 
do conhecimento em estruturas curriculares não pode prescindir dos contextos significativos no 
interior dos quais tal conhecimento deverá ser distribuído e consumido. 
 
MÓDULO II – COTIDIANO E A SALA DE AULA: 
ENSINO E REPRESENTATIVIDADE 
 
28 
 
Em seguida, tomando por base as discussões sobre o currículo e o cotidiano, discutiremos o 
alinhamento entre as práticas cotidianas e a formação de identidades a partir da noção de 
habilidades afetivas. Por fim, trataremos das práticas cotidianas e como as metodologias podem 
impactar, diretamente, a construção das identidades de docentes e discentes. 
 
Cotidiano e sala de aula: processo de ensino e aprendizagem 
como prática cotidiana 
Parte significativa daquilo que identificamos por cotidiano escolar ocorre em uma sala de aula 
com a tematização do conteúdo curricular e das consequências que essa tematização poderá trazer 
para os praticantes de processos interativos. Por mais que não se possa reduzir todas as experiências, 
as práticas e os processos interativos escolares ao âmbito da sala de aula e do currículo escolar, não 
é correto desconsiderar o papel que esse espaço de trocas culturais, simbólicas, epistemológicas e 
políticas desempenha no processo de ensino e aprendizagem e, consequentemente, na formação da 
identidade de docentes, discentes e gestores. O que a sala de aula tem condições de promover como 
parte significativa do cotidiano escolar não corresponde a uma simples delimitação do tempo e do 
espaço para a formalização de processos de aprendizagem. Não se trata de, simplesmente, instituir 
o lugar e as formas de transmissão do conhecimento. Em questão, encontram-se muito mais a 
realização das atividades e das práticas cotidianas que têm lugar (ou início) na sala de aula com a 
tematização do currículo escolar – práticas essas constituídas por meio das relações entre professores, 
alunos e gestores. Em outras palavras, não há uma essência curricular a cujo acesso alunos e 
professores se empenhariam no decorrer de uma aula, mas sim o desenvolvimento de práticas 
capazes de possibilitar processos formativos no interior dos quais se processariam a aprendizagem e 
a formação de identidades na discussão de conteúdos curriculares. 
A rigor, os processos formativos decorrem das relações estabelecidas entre as práticas de alunos 
e de professores em uma sala de aula voltada a discutir determinados conteúdos curriculares. Na 
dinâmica de discussão sobre esses conteúdos curriculares – pensando a discussão como 
problematização de determinados temas –, vem à tona não apenas os conteúdos curriculares 
cientificamente formalizados, mas também práticas e formas específicas presentes nas ações de 
professores e alunos. Nesse sentido, é à dinâmica do cotidiano de uma sala de aula, ou melhor, à 
sua consideração como dinâmica capaz de construir e reconstruir as relações formativas em um 
contexto social que professores, alunos e gestores deverão endereçar os seus esforços pedagógicos 
para o alinhamento entre a prática educativa e o currículo. 
No entanto, na introdução desta apostila, fez-se referência às dificuldades que professores e 
diretores têm encontrado na formulação de respostas para as questões que emergem no cotidiano 
das escolas. Tais questões, por vezes, incidem sobre os problemas de aprendizagem dos alunos ou 
de metodologias dos professores, muitos dos quais com dificuldades de estabelecer relações 
 
 29 
 
formativas no interior da escola. Um caminho proposto, ainda segundo aquela reflexão encontrada 
no início da apostila, era o de reivindicar espaços formativos nos quais essas respostas possam vir a ser 
construídas. (NAJJAR, Jorge; FERREIRA, Sueli, 2009, p.02). Se pensarmos na sala de aula como o 
espaço formativo que, supostamente, deixou de oferecer soluções para os problemas pedagógicos 
do cotidiano escolar, a tentativa seria a de propor novas fontes para o ensino e a aprendizagem, ou 
mesmo metodologias complementares àquelas comumente utilizadas em sala de aula. 
Dizer que a sala de aula perdeu a sua força de fornecer respostas à complexidade 
contemporânea relativa ao ensino e à aprendizagem, de modo que devemos procurar novos espaços 
formativos, implica desconsiderar não apenas o modelo de sala de aula visto como o momento de 
formação de alunos e professores por meio de conteúdos curriculares. Também significa considerar 
que os sentidos e as práticas inerentes ao modelo formal de sala de aula, de alguma forma, perderam 
sua validade formativa como orientadores das ações de professores e alunos. Desse modo, não se 
trata de desconsiderar a funcionalidade da sala de aula ou dos modelos pedagógicos vigentes, mas 
antes ter em vista que os sentidos e as práticas inerentes a esses modelos carecem de alguma 
tematização mais cuidadosa. Como vimos no módulo anterior, a discussão sobre o cotidiano 
envolve a atenção aos valores como conteúdos de nossas ações e nossos pensamentos no dia a dia, 
implicando se passaremos a agir como alunos, professores e gestores autônomos e criativos no 
cotidiano escolar. Nesse caso, mesmo trazendo problemas de difícil resolução, o cotidiano ainda se 
mostra como o momento específico para a possível discussão de tais problemas. É de forma lapidar 
que a professora Nilda Alves argumenta a esse respeito. Vejamos: 
 
Já há algum tempo, e cada vez mais fortemente, os pesquisadores preocupados 
com a escola – em especial a de primeiro grau e com as escolas formadoras dos 
profissionais que trabalham nesse grau de ensino – perceberam que boa parte 
das respostas às questões, que o dia a dia escolar nos apresenta, só podem ser 
encontradas no próprio cotidiano. Dito de outra maneira, sem deixar de 
perceber e procurar entender o mundo e a sociedade em torno da escola, nos 
quais ela está mergulhada e em permanente relação, é preciso que o que se 
passa no seu interior seja desvendado e revelado para que o movimento 
possível seja mais bem dirigido pelo conjunto dos interessados. (GARCIA, 
Alexandra & OLIVEIRA, Inês Barbosa de, 2015, p. 71.) 
 
Nesse sentido, o dilema pode ser formulado da seguinte maneira: mesmo com as diversas 
críticas à sua estruturação, a sala de aula com a tematização curricular aindaé um importante espaço 
no qual boa parte das questões colocadas pelo cotidiano poderão ser encontradas. Nesse caso, para 
um alinhamento entre o currículo e a prática educativa, a ênfase deve recair, especificamente, não 
somente sobre descoberta de novos espaços formativos, mas sim sobre a atenção ao cotidiano como 
fomento e construção de valores e práticas promovidos em sala de aula que deverão tematizar o 
currículo escolar. 
 
30 
 
Desse modo, o professor deverá ter atenção às suas estratégias e táticas cotidianas a fim de 
promover o processo de aprendizagem por meio da construção de sentidos, valores e práticas capazes 
de favorecer a discussão dos conteúdos curriculares. Em sintonia com o projeto político pedagógico 
da escola, com as ações dos diretores e respeitando a natureza dos diferentes conteúdos curriculares, 
o professor desenvolverá suas estratégias para a construção de sentidos e valores inerentes ao 
processo de aprendizagem. 
O primeiro e, talvez, o passo mais importante para o professor desenvolver tais estratégias 
consistirá na atenção à participação dos alunos na construção de sentidos, valores e práticas no 
processo de aprendizagem e discussão do currículo, isto é, na atenção ao modo que os alunos irão 
encontrar para estabelecer relações entre a percepção dos seus valores e significados expressos nos 
conteúdos propostos em sala de na aula e nas suas ações. Diz respeito a uma discussão que nos 
remete ao modo como o professor intervém na própria dinâmica do cotidiano escolar. Dito de 
outro modo, o professor que se dispõe a considerar suas práticas cotidianas como formas não 
rotineiras ou habituais, mas antes como formas criativas de lidar com o currículo e a prática 
educativa, desenvolverá estratégias capazes de reconhecer a importância da participação dos alunos 
(na forma de percepções e ações) para o desenvolvimento desse contexto formativo. Significa pensar 
o conteúdo curricular a partir da construção de significados, valores e ações; significa, também, 
pensar a própria prática educativa, isto é, o processo de ensino e aprendizagem a partir da construção 
de significados e valores. 
Em seu livro A prática educativa: como ensinar, Antoni Zabala argumenta a esse respeito com 
muita propriedade: 
 
É todo um conjunto de interações baseadas na atividade conjunta dos alunos 
e dos professores, que encontram fundamento na zona de desenvolvimento 
proximal, que, portanto, vê o ensino como um processo de construção 
compartilhada de significados, orientados para a autonomia do aluno, e que 
não opõe a autonomia – como resultado de um processo – à ajuda necessária 
que este processo exige, sem a qual dificilmente se poderia alcançar com 
êxito a construção de significados que deveriam caracterizar a aprendizagem 
escolar. (ZABALA, 1998, p. 90-91) 
 
Dessa forma, segundo Zabala e reforçando nossa proposta de intervenção do professor no 
cotidiano, o papel do professor corresponderá a desenvolver estratégias sem as quais os alunos não 
terão êxito na construção de significados que deveriam caracterizar a aprendizagem escolar. 
Entendendo o processo de ensino e aprendizagem como um processo de construção compartilhada 
de significados, Zabala não delimita a somente um tipo, tampouco a uma quantidade de estratégias 
 
 31 
 
que serão necessárias para a construção dos significados e valores nessa interação. Ao contrário, 
indica a possibilidade de se falar em diversidade de estratégias dependendo do tipo de interação e 
de intenções educacionais. Ele escreve: 
 
Portanto, podemos falar da diversidade de estratégias que os professores 
podem utilizar na estruturação das intenções educacionais com seus 
alunos. Desde uma posição de intermediário entre o aluno e a cultura, a 
atenção à diversidade dos alunos e das situações necessitará, às vezes, 
desafiar; às vezes, dirigir; outras vezes, propor, comparar. Porque os 
meninos e as meninas, e as situações em que têm que aprender, são 
diferentes. (ZABALA, 1998, p. 90-91) 
 
O professor poderá recorrer a diversas estratégias para a estruturação das relações que irão 
conferir significados e valores às práticas do processo de ensino e aprendizagem. Como intérprete 
ou mesmo como intermediário ativo entre os valores dos alunos e as mais diversas culturas e 
conhecimentos, ele poderá utilizar as seguintes estratégias, segundo Zabala: desafiar, dirigir, propor 
ou comparar. Ou seja, em uma sala de aula, o professor poderá desafiar ou dirigir os alunos a 
questionarem e, possivelmente, desenvolver seus significados a partir, por exemplo, das discussões 
sobre conteúdos específicos. 
Tomemos como exemplo uma aula de física e a tematização do conteúdo curricular referente 
às três leis de Newton. Tendo como propósito realizar a mediação entre o conhecimento de física já 
estruturado em sistemas, regras e métodos, o professor precisará possibilitar aos alunos o acesso a esse 
sistema estruturado, e o fará a partir de estratégias que levam em conta a dinâmica do cotidiano. Em 
primeiro lugar, poderá desafiar os alunos a apresentarem suas noções sobre o que vem a ser uma lei. 
No lugar de passar o conteúdo sobre as leis de Newton, julgando que a aprendizagem se realizaria 
pela adequação entre o conhecimento previamente definido e estruturado e a compreensão dos 
alunos, o professor tentaria construir contextos significativos no interior dos quais o ensino e 
aprendizagem poderão ser construídos. Nesse caso, possivelmente, surgiriam diversas noções sobre o 
que é uma lei: lei do trânsito, lei no futebol (a regra é clara), leis da sociedade, leis da natureza etc. Em 
segundo lugar, o professor poderá desenvolver com os alunos algumas possibilidades de entendimento 
sobre ações, compreensões e sanções ligadas às leis. Quais são as ações vinculadas à lei do trânsito, 
além de dirigir com atenção aos sinais, estradas etc.? Quais as sanções que advém se você não observar 
a existência de uma lei de trânsito? Por que é possível desrespeitar uma lei de trânsito e impossível 
desrespeitar uma lei natural? Em seguida, diante dessas discussões, o professor estará em condições de 
relacionar as noções de regularidade, princípio, causa e efeito, generalização etc. a fim de tematizar as 
três leis de Newton. Sua posição de intermediário e seu olhar para o cotidiano contribuirão, 
decisivamente, para o processo de ensino e aprendizagem em uma sala de aula. 
 
32 
 
Desse modo, o cotidiano não é, simplesmente, o ponto de partida ou o âmbito cujos 
elementos possam ser ignorados e superados. O cotidiano e as práticas cotidianas contêm elementos 
significativos e dispositivos de luta e de reconhecimento dos saberes vigentes. A sala de aula e a 
tematização curricular deverão aquiescer essa dinâmica. 
 
Alinhamento entre o currículo e a prática educativa em meio 
ao cotidiano 
O currículo é, talvez, o momento mais decisivo da prática educativa, certamente, um dos 
âmbitos mais pesquisados no campo da educação nos últimos tempos e também o que melhor 
traduz as possibilidades, dificuldades e incongruências entre as propostas educativas e o cotidiano 
escolar. Inclusive, pode-se afirmar que é somente no cotidiano, nas práticas cotidianas, que o 
currículo ganha, efetivamente, os sentidos que lhes foram propostos no planejamento pedagógico. 
Também é correto afirmar que alguns dos sentidos previamente definidos no planejamento 
pedagógico deparam-se com outras significações práticas que, muitas vezes, conferem-lhe direções 
distintas, que passam a figurar segundo novos sentidos e valores. Nas práticas estabelecidas entre os 
docentes e discentes, o currículo tem condições de concretizar o processo educacional com relação 
à escolarização visada pelo ensino e a aprendizagem, assim como a socialização proposta pela escola. 
Na interação entre o cotidiano e o currículo, os sentidos direcionados às práticas docentes e 
discentes vêm à tona, os valores

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