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Condições da Ação - Eugenio Pacelli

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5.1 A estrutura dialética do processo: potencialização da ampla defesa
Os estudos acerca da ação, do processo e da jurisdição alcançaram elevado e suficiente nível de sofisticação, sobretudo no
século passado, quando se esmeraram as investigações acerca dos conceitos e das possibilidades de aplicação das principais
categorias jurídicas que comporiam a chamada teoria geral do processo.
Modernamente, a partir de concepções mais avançadas que as anteriores, direcionadas não mais para os aspectos
instrumentais do processo, até então entendido a partir de sua função/finalidade de aplicação do direito material, mas para a sua
contextualização no universo mais amplo do Direito, o processo penal ganhou muito em status de cientificidade.
De fato, se é bem verdade que o processo efetivamente desempenha uma missão de coordenação/regramento da aplicação
do Direito Penal, não menos certo é que não é esse o único e nem o seu principal papel na compreensão e na práxis penal
(prática) do nosso tempo.
Se e enquanto houver um Direito Penal, se e enquanto a alguém se puder imputar e se pretender a imposição de uma pena
pública, para além dos desejos e das pretensões das vítimas, cumpre esclarecer que o processo, mais que instrumento, se impõe
como espaço e ambiente deliberativo (democrático, nesse sentido), no qual se permite a ampla participação dos atores
designados em lei e na Constituição da República (Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública e Ordem dos
Advogados, aqui em ordem de entrada em cena), na construção da decisão final. Não esqueçamos a relevante função da polícia
judiciária, cuja atuação, porém, se dá na fase anterior ao processo, ou seja, na fase pré-processual.
Assim, o processo assume os contornos de um verdadeiro lócus (lugar) argumentativo, no sentido de tornar possível o
sonho pós-positivista de que a decisão judicial não seja obra única daquele que detém a autoridade para fazê-lo. É dizer: o juiz
não pode e não deve decidir segundo suas preferências e convicções pessoais, mas, sim, a partir do diálogo e da interlocução
mantida no processo com as partes. Com isso, obtém-se algo mais próximo do que, em doutrina, se afirma tratar-se do justo
processo, encerrado por uma decisão democraticamente construída.
O processo penal, de modo muito particular, não cuida de uma disputa entre partes e nem de um duelo entre aqueles que,
dissentindo quanto à titularidade de um direito subjetivo e/ou acerca de uma obrigação jurídica, são obrigados a resolver seu
conflito perante um árbitro, ou, mais especificamente, diante do Poder Judiciário. O acusado não pode estar entregue, nem à
(má) sorte da (in)eficácia da atuação de seu defensor e tampouco à ira de um acusador movido pelo desejo de vingança.
A jurisdição estatal penal, com efeito, não pode se transformar no palco de um combate – probatório, argumentativo,
retórico etc. – cuja legitimidade se escoraria em uma suposta – mas, comprovadamente inexistente! – igualdade entre as
partes/debatedores. Essa, a paridade entre os litigantes em matéria penal, não existe em lugar nenhum, nem mesmo no direito
estadunidense, tão cioso da pretensa democracia de seu due process of law.
O acusado, antes de qualquer outra ordem de considerações, é um cidadão submetido à força do Estado, que, por meio de
seus órgãos de persecução penal (Polícia e Ministério Público), imputa-lhe a prática de um fato, concreta ou potencialmente,
danoso, cuja consequência, ainda nos dias atuais, não é a sua reparação à vítima, mas, sim, a submissão a uma pena pública,
aplicada no interesse geral, segundo as fundamentações mais cotidianas no âmbito do Direito Penal.
Seja-nos permitido repisar, de nossa autoria:
“Se o processo não penal guarda maior afinidade com a ideia de conflito de interesses, geralmente inseridos no contexto de uma
disputa entre direitos subjetivos, nada disso ocorre no processo de natureza penal. Aliás, somente quando o processo civil trata do
chamado interesse público (incapacidade, estado de pessoa etc.), no qual se adota uma perspectiva procedimental para além da
iniciativa das partes, é que ele poderá se aproximar do processo penal. E, ainda assim, muito timidamente.
Com efeito, não nos parece adequado e nem possível enxergar na imposição de uma pena pública o reconhecimento e a afirmação
de um direito subjetivo, a ser satisfeito à custa do dever alheio. O acusado não mantém, em relação a quem quer que seja, o dever
jurídico de se submeter à pena. A pena é-lhe imposta coercitivamente, tendo por fundamento, não uma relação de direito –
individual, coletiva ou difusa –, mas a responsabilidade pessoal pela prática de um fato definido como crime. Direito subjetivo e
dever jurídico, tal como o conhecemos na concepção clássica, não podem ter por objeto a inflição de um mal, ainda que sua
utilização esteja legitimada no ordenamento.
Em relação à vítima, por exemplo, pode-se vislumbrar uma responsabilidade de natureza civil, no campo da teoria das obrigações.
Na esteira de Carnelutti, “No se puede demostrar de outra manera, si se quiere razonar com rigor, la inidoneidad del ofendido
para desplegar actividad de parte em cuanto al castigo y aí a los fines penales. Em verdad, la posición del ofendido es la de qien
pide uma atribuición a sí, y precisamente uma atribuición de HABER […] Tal posición es antitética a la que se refiere al castigo,
la cual se resuelve em una atribuición no al ofendido, sino al ofensor, y em tema de SER, no em tema de TENER.”
Tudo isso parece claro quando se discute a questão do ponto de vista do Direito Penal, quaisquer que sejam as justificativas
reclamadas para a pena pública. Mas, parece-nos também necessário que tais considerações componham o ambiente teórico do
processo penal, sem o que o manejo e o recurso aos conceitos da teoria geral do processo, sistematicamente utilizados na legislação,
na jurisprudência e na doutrina, não se sustentarão” (O processo penal como dialética da incerteza. Disponível em:
<www.eugeniopacelli.com.br>).
Ora, nesse passo, e no estágio atual do conhecimento humano, isto é, no qual as certezas definitivas estão cada vez mais
provisórias, deve-se mesmo potencializar ao máximo o princípio da ampla defesa. A escolha constitucional, e nem seria preciso
dizê-lo de modo expresso, é no sentido da ampla defesa e não da ampla acusação, até porque esta, sendo exercida por órgãos
públicos, instituídos e mantidos para tal finalidade, já ostenta força suficiente para atender aos interesses da política criminal
eventualmente adotada.
E, para nós, isso somente será possível a partir da estruturação dialética do processo penal, de tal modo que se possa exigir,
sempre, a efetiva participação defensiva, necessariamente contrária à tese acusatória. É precisamente por meio das objeções
levantadas à acusação oferecida pelo Estado que se ampliará o leque probatório e argumentativo do processo, permitindo ao juiz
o amplo conhecimento da causa, a fim de se atingir e de se chegar a uma decisão participada, proferida após o esgotamento das
possibilidades de refutação da denúncia ou da queixa.
Mas que se advirta também aqui. A atividade defensiva, mesmo comprometida com a refutação da acusação, não pode
escapar das contingências do caso concreto. Haverá situações em que a força de convencimento da defesa se demonstrará mais
efetiva quando, apesar de reconhecer a prova de determinados fatos – fora de qualquer dúvida razoável – se bater pelo
reconhecimento de uma atenuante, de uma causa de diminuição da pena ou por questionamentos pertinentes aos elementos que
compõem a culpabilidade penal. Não há que se exigir a negação peremptória da autoria e da materialidade e nem mesmo o
pedido de absolvição do acusado em todas as defesas em todos os processos criminais. A eventual e manifesta impertinência da
tese defensiva poderá fragilizar a análise judicial da situação do acusado no processo.
Temos dito e reafirmado que, a rigor, sequer de partes poder-se-ia falar em processo penal, na medida em que ali não se
tem por conteúdouma típica relação jurídica, na configuração dos conhecidos direitos subjetivos, que atribuem ao seu titular,
não só a fruição, gozo ou utilização de um bem de vida, mas cujo exercício vem garantido – coercitivamente, se necessário –
nas ordens jurídicas dos povos civilizados.
Não é por outra razão que o Ministério Público, legitimado à acusação, não é compelido a ela, podendo requerer o
arquivamento da investigação, quando não convencido da responsabilidade penal do investigado. Pode também recorrer em seu
favor, requerer a sua absolvição, e, ainda, produzir prova de sua inocência. Não bastasse, pode até mesmo impetrar ordem de
habeas corpus em benefício do acusado.
No processo penal brasileiro, o Ministério Público não é mero acusador, mas órgão independente e desvinculado de
qualquer tese que a priori submetesse a sua atuação. Tanto ele pode oferecer acusação, repita-se, quanto requerer o
5.2
arquivamento das investigações. Não há parcialidade que lhe condicione o agir, tal como ocorre com a defesa criminal, esta sim
obrigada a defender os interesses do réu, ainda que este confesse ao defensor eventual responsabilidade pelo fato (quanto ao
direito, a defesa é técnica, isto é, do defensor/advogado).
Também por isso, e por outras razões ainda de maior envergadura, o trânsito em julgado de sentença absolutória não pode
ser atingido jamais (proibição da revisão pro societate); já a sentença condenatória sempre poderá ser atacada, seja pela via do
habeas corpus, seja pela ação de revisão criminal.
Com isso se quer deixar assentado o seguinte: uma acusação criminal não pode ser entendida com base em uma presunção
de culpa, ao menos, e, sobretudo, diríamos, no que diz respeito à questão probatória, ou seja, no que diz respeito à formação do
convencimento judicial.
Essa afirmação, do ponto de vista dialético, é importantíssima.
Esclareçamos: por dialética, aqui, entendemos o método para a compreensão acerca de determinado conhecimento humano.
Parte-se de uma afirmação de algo (a tese); em seguida, nega-se tal afirmação, opondo-lhe o contrário (antítese). Feito isso,
renova-se a negação (já, agora, da negação), logrando-se alcançar uma síntese, que poderá se aproximar da primeira afirmação
(tese). Trata-se, então, de um movimento de afirmações e negações, de modo a expandir as possibilidades do entendimento
sobre aquele algo a ser conhecido.
Por isso, pensamos que no processo penal deve-se partir da incerteza quanto à acusação (fato e autoria), fundada na
precariedade do conhecimento humano, na fragilidade de determinados meios de prova (não todos, é claro!), e, também, na
gravidade das consequências do Direito Penal. E isso não implica, em hipótese alguma, qualquer tipo de renúncia à persecução
penal ou de facilitação da atuação defensiva. Significa apenas prudência em relação a uma questão cuja relevância há que
ultrapassar, inexoravelmente, os discursos apaixonados e justiceiros, com boas ou más intenções. Vale relembrar: os custos
sociais da absolvição de um culpado são realmente muito altos; mas, aqueles (custos) decorrentes da condenação de um
inocente são impagáveis.
Tais considerações, contudo, não afastam completamente a importância de alguns elementos fundamentais da teoria geral
do processo, cuja pertinência pode também se demonstrar aqui presente.
Mas deve restar bem esclarecido que o processo penal não é só instrumento de aplicação do Direito Penal, embora ele se
ocupe também de tal missão. Deve-se assinalar que a configuração de uma teoria para o processo penal haverá que contemplar
algumas das questões mais essenciais da estrutura a que acabamos de nos referir.
Obviamente, os conceitos de partes, de pedido, das condições da ação e dos pressupostos processuais, por exemplo, e até
mesmo de pretensão, com alguns reparos e especificidades, podem se revelar ainda úteis à prática do dia a dia do processo
penal.
É o que veremos, a seguir.
 Ação e processo
Em momento anterior, sustentamos que a noção de ação deveria anteceder a de processo, até mesmo do ponto de visto
lógico. Enquanto a ação qualificaria os meios de provocação da jurisdição, o processo seria o instrumental manejado para tal
finalidade.
Os estudos acerca da ação e do processo remontam ao século XIX, sobretudo a partir da obra de Oskar von Bülow, em
1868, com o clássico Teoria das exceções processuais e dos pressupostos processuais.
Os pontos centrais das diversas teorias construídas sobre os apontados institutos processuais localizam-se, como não
poderia deixar de ser, na identificação da natureza jurídica de cada um: se direito, se poder, a ser exercido quando, sob quais
condições, e, mais, de quem e em face de quem.
Nosso trabalho, como adiantamos, não pretende realizar um estudo sobre a teoria do processo, ou, como preferem muitos,
sobre a teoria geral do processo. A nosso juízo, esse é um dos temas que mereceram os maiores esforços da doutrina ao longo
de muitos anos.
De mais a mais, a teoria do processo é largamente estudada no processo civil, foro mais adequado ao seu desenvolvimento,
ou pelo menos, ao desenvolvimento da grande maioria de seus institutos e categorias jurídicas.
E, como, para nós, não é possível enquadrar o processo penal no âmbito de uma teoria geral do processo, ficaremos no
exame apenas dos conceitos e categorias de maior importância para o processo de natureza penal.
5.2.1 Pretensão e lide
Não há quem, já iniciado nos estudos do processo, não conheça a clássica concepção de Carnelutti, segundo a qual a lide
seria um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida.
A transposição do referido conceito para o processo penal oferece inegavelmente algumas dificuldades, a começar pela
noção de conflito de interesses.
Dizer que existe um conflito entre o interesse público ligado à segurança pública e o interesse individual da liberdade pode
ser tanto verdadeiro quanto falso, dependendo do ângulo sob o qual se examina a questão.
O interesse na preservação da liberdade individual é também um interesse público, uma vez que interessa ao Estado, na
mesma medida, a condenação do culpado e a absolvição do inocente. O Estado, no processo penal, somente pode pretender a
correta aplicação da lei penal.
Até a ideia de interesse, tal como elaborada no processo civil, não parece inteiramente adequada ao processo penal, tendo
em vista que o interesse normalmente é revertido em favor do titular do direito material. No processo penal não ocorre dessa
maneira, pois a condenação, com a prisão do réu ou mesmo a imposição de multa e/ou de prestação de serviços à comunidade,
pode até provocar satisfação pessoal do ofendido, mas certamente não reverterá em seu favor, se, por exemplo, a coisa furtada
não for devolvida. E, sendo devolvida, a satisfação do interesse terá natureza irremediavelmente patrimonial, ou seja, não penal.
Não bastasse, o réu bem que poderá estar de acordo com a imposição da pena, com o que não haveria qualquer resistência
ao pedido condenatório. É bem verdade, porém, que a defesa técnica (por advogado) é indispensável no processo penal, como
veremos a seu tempo. Entretanto, ainda assim, não se poderá falar em resistência em relação ao conflito de interesses quando o
réu não se opuser, pessoalmente, à condenação.
Passaríamos, assim, à teoria que define a lide como uma pretensão insatisfeita, independentemente da resistência do réu.
Nesse caso, o conceito seria ainda menos relevante no processo penal, dado que, nesse, toda pretensão punitiva,
necessariamente, há de ser conduzida ao Judiciário, ou seja, a pretensão punitiva é sempre insatisfeita, somente satisfazendo-se
por meio do processo. É desnecessário ressaltar o processo conciliatório previsto na Lei nº 9.099/95. Também ali se afirma o
Poder Judiciário.
Não vemos, então, qualquer razão para a utilização da expressão lide penal, a menos que queiramos alterar
substancialmente uma conceituação já consolidada, como há muito já alertava Afrânio Silva Jardim (1999, p. 23), o que não
teria qualquer sentido, nem práticonem teórico.
No processo penal, trabalha-se com o que se convencionou chamar de pretensão punitiva, que significa a pretensão
condenatória de imposição da sanção penal ao autor do fato tido por delituoso. Ao falarmos em pretensão, estamos nos
referindo a outro conceito já consolidado, no sentido de que seria ela a exigência de subordinação do interesse alheio ao
próprio.
Fala-se, mais, em jus puniendi, ou direito de punir, pertencente exclusivamente ao Estado, e que, nas ações penais privadas,
permitiria a sua substituição processual pelo ofendido.
Rejeitamos inteiramente semelhante proposição.
Como se sabe, por força de dispositivo constitucional expresso (art. 129), a regra é a persecução penal a cargo do Estado,
por meio de ação penal pública, somente admitindo-se a iniciativa exclusivamente privada para crimes cuja publicidade, a partir
da discussão judicial, seja particularmente gravosa aos interesses do ofendido, deixando-se a este, portanto, o juízo de
conveniência e a oportunidade da resposta penal. É o que ocorre, por exemplo, em relação aos crimes contra a honra.
A justificativa para uma ação penal de iniciativa privada, e, mais que isso, para uma ação penal em que se permite toda a
sorte de disponibilidade acerca da não incidência do Direito Penal, é matéria das mais complexas – e, como tal, merecerá exame
detalhado no momento adequado (item 5.7). A fundamentação com base no strepitus iudicii (publicidade do fato) não nos
convence, embora seja a preferida da maioria da doutrina.
Impende ressaltar que tais modalidades de incriminação (crimes contra a honra, por exemplo), geralmente, estão inseridas
no âmbito da intimidade e privacidade das relações pessoais do ofendido, admitindo o Estado o consentimento daquele como
causa excludente da ilicitude do fato. Daí a legitimação do ofendido.
A nosso juízo, e tal como ocorre com a jurisdição, em que se reconhece ao titular de um direito material alegadamente
lesado ou ameaçado de lesão o direito à movimentação do Poder Público estatal (Judiciário) para a solução da situação
controvertida, é de se reconhecer à comunidade, em geral, e ao ofendido (titular do bem jurídico em risco ou afetado), em
particular, o direito de exigir do Estado a ação penal, quando pública, passando este a ocupar a posição de devedor, então, do
endereçamento do caso penal à Justiça, para fins de aplicação das normas de Direito Penal.
5.3
a)
b)
c)
d)
5.3.1
O propalado ius puniendi somente se realiza no campo material, ou seja, no poder estatal de impor restrições de condutas à
coletividade, ou, de outro modo, de produzir normas incriminadoras.
No âmbito processual, não há nenhum direito, mas, sim, dever de ação. É desnecessário e mesmo ocioso acrescentar ao
aludido vocábulo (dever) a palavra poder, já que este é inegavelmente inerente ao exercício de autoridade pública.
 Condições da ação
As denominadas condições da ação, no processo penal brasileiro, condicionam o conhecimento e julgamento da pretensão
veiculada pela demanda ao preenchimento prévio de determinadas exigências, ligadas ora à identidade das partes, com
referência ao objeto da relação de direito material a ser debatida, ora à comprovação da efetiva necessidade da atuação
jurisdicional.
Certamente a exigência conceitual de se fixar os contornos da distinção entre o direito de petição, histórica e
constitucionalmente assegurado aos cidadãos em face do Estado, e o direito de ação, cuja elaboração teórica remonta ao século
passado, teve decisiva contribuição de Enrico Túlio Liebman, ilustre processualista italiano, no que se refere às denominadas
condições da ação. Estas atuariam, então, como uma necessária mitigação do direito, abstratamente assegurado a todos, à
provocação da jurisdição, independentemente da obtenção de qualquer resultado favorável (teorias do direito abstrato de ação).
As conhecidas condições da ação constituir-se-iam em determinados condicionamentos ao exercício da provocação do
poder jurisdicional, cujo desatendimento não impediria o direito à jurisdição ou ao processo, ou seja, o direito de obter qualquer
pronunciamento dos órgãos jurisdicionais, mas, sim, ao julgamento da pretensão de direito material a ela apresentada, isto é, ao
julgamento do mérito.
Aqui, uma observação. Por mérito na ação penal condenatória há de entender-se:
a existência de um fato (materialidade);
ser este fato imputável ao acusado (autoria);
constituir este fato uma ação típica, ilícita e culpável (a materialidade normativa, ou, em uma palavra, o crime, na sua
definição dogmática [conceito analítico]);
não se encontrar extinta a punibilidade.
Assim, para que seja possível o exame de tais questões, é preciso, antes, a superação de outras, de natureza eminentemente
processual.
Interesse de agir
De modo geral, na teoria do processo, afirma-se que o interesse de agir encontra-se ligado à necessidade da escolha
jurisdicional para a composição do conflito surgido entre quem se alega titular de um direito subjetivo, oponível a outro, e este,
devedor da obrigação a ele correspondente, na clássica conceituação do direito privado, no sentido de que a um direito
corresponde um dever. A via jurisdicional, para ser acionada, exigiria, então, o esgotamento prévio e anterior de todas as
possibilidades possíveis de autocomposição.
Se assim se dá no processo civil, o mesmo não ocorre no processo penal, em que, a partir da processualização da
persecução penal, não se pode pensar em imposição de sanção penal senão após o devido processo legal. É claro que nas ações
penais não condenatórias (ação de revisão, mandado de segurança, habeas corpus etc.) o interesse de agir, como condição da
ação, pode perfeitamente ser aplicável ao processo penal, com a mesma configuração que lhe dá a chamada teoria geral do
processo.
No âmbito específico do processo penal, entretanto (e o mesmo ocorre no processo civil, como um verdadeiro plus ao
conceito de interesse), desloca-se para o interesse de agir a preocupação com a efetividade do processo, de modo a ser possível
afirmar que este, enquanto instrumento da jurisdição, deve apresentar, em juízo prévio e necessariamente anterior, um mínimo
de viabilidade de satisfação futura da pretensão que informa o seu conteúdo. É dizer: sob perspectiva de sua efetividade, o
processo deve mostrar-se, desde a sua instauração, apto a realizar os diversos escopos da jurisdição, isto é, revelar-se útil. Por
isso, fala-se em interesse-utilidade.
Assim, no campo processual penal, tal concepção é bastante proveitosa, sobretudo no que respeita às hipóteses de
reconhecida e incontestável probabilidade de aplicação futura da prescrição retroativa.
Com efeito, diante da constatação, feita nos próprios autos do procedimento de investigação (inquérito policial ou qualquer
5.3.2
outra peça de informação), da impossibilidade fática de imposição, ao final do processo condenatório, de pena em grau superior
ao mínimo legal, é possível, desde logo, concluir pela inviabilidade da ação penal a ser proposta, porque demonstrada, de plano,
a inutilidade da atividade processual correspondente. E assim ocorre porque, em tais hipóteses, o prazo prescricional
inicialmente considerado, isto é, pela pena em abstrato (art. 109, CP), seria sensivelmente reduzido após a eventual sentença
condenatória (com a pena concretizada). Semelhante operação seria possível antes mesmo do início da ação penal, à vista das
condições pessoais do agente imputado ou das circunstâncias objetivas do fato, que impediriam, em sede de juízo prévio, a
imposição de pena acima do mínimo previsto no tipo penal adequado ao fato apurado na investigação.
Por isso, entendemos perfeitamente possível o requerimento de arquivamento do inquérito ou peças de investigação por
ausência de interesse – utilidade – de agir.
No entanto, deve-se estar atento às disposições da Lei nº 12.234/10, que passou a impedir que o termo inicial da prescrição
retroativa tenha data anterior à data da denúncia ou queixa (art. 110, § 1º, CP). Assim, os fatos praticadosa partir de sua
vigência não se submeterão mais à questão aqui levantada, no que toca à ausência de interesse de agir. Poderá haver, se for o
caso, eventual ausência de interesse de recorrer, na hipótese de decisão absolutória, considerando-se os marcos interruptivos a
partir da denúncia ou queixa.
Note-se que não se trata do reconhecimento de prescrição em perspectiva. As causas extintivas da punibilidade dependem
de lei. O que estamos a nos referir diz respeito à questões de índole processual.
Nesse passo, registre-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
Súmula 438: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética,
independentemente da existência ou sorte do processo penal.”
Ainda a respeito do interesse de agir, há doutrinadores que também fazem menção ao chamado interesse-adequação, que
seria o ajustamento da providência judicial requerida à solução do conflito subjacente ao pedido. Percebe-se, porém, que, ao
menos no processo penal condenatório, a aventada adequação não ostenta qualquer utilidade, dado que, ainda que o pedido de
imposição de determinada sanção não corresponda efetivamente àquela prevista na cominação legal pertinente ao fato imputado
ao agente, nada impede o recebimento da denúncia ou queixa e o regular processamento do feito, consoante o disposto no
art. 383 do CPP.
 Legitimidade
À exceção do habeas corpus e da revisão criminal, o processo penal brasileiro impõe, como regra, a exigência de que
somente determinadas pessoas possam promover a ação penal. Impõe, pois, a exigência de legitimidade ativa para a promoção e
o desenvolvimento de atividade persecutória.
Como regra, tal atividade é privativa do Estado, por meio do Ministério Público (art. 129, CF), reservando-se a
determinadas pessoas, em situações específicas, o direito à atividade subsidiária, em caso de inércia estatal, e à iniciativa
exclusiva do particular, em atenção às peculiaridades de algumas infrações penais e das consequências específicas que delas
resultam.
Mas, mesmo tratando-se de legitimidade do Ministério Público, é preciso que se faça, desde logo, uma distinção: embora
uno e indivisível, não quer dizer que qualquer órgão do Ministério Público possa validamente postular a aplicação da lei penal.
A distribuição de atribuições do parquet tem sede na própria Constituição Federal e é feita, tal como ocorre em relação ao
princípio do juiz natural, segundo a matéria e segundo a prerrogativa de função do agente. Assim, a legitimação ativa para a
instauração de ação penal perante a Justiça Federal é atribuída ao Ministério Público Federal, do mesmo modo que ao Promotor
de Justiça caberá a iniciativa (e, por isso, a legitimação ativa) para a propositura de ação ou arquivamento de inquérito em
tramitação perante a Justiça Estadual.
Mesmo no âmbito dos tribunais, há a imposição de uma legitimação ativa, decorrente da atribuição constitucional, a
determinados órgãos do Ministério Público. Assim, por exemplo, somente o Ministério Público Federal tem legitimidade para
oficiar nos Tribunais Superiores e, em consequência, interpor recursos das respectivas decisões, conforme já acentuou o
Supremo Tribunal Federal (HC nº 80.463/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa. Informativo STF nº 237; também, pelo Pleno: STF,
Rcl 4.453 MC-AgR-AgR/SE e Rcl 4.980 MC-AgR/RJ).
Afora isso, no campo processual penal, tendo em vista que o tema relativo à autoria diz respeito, como vimos, ao próprio
mérito da ação condenatória, a legitimidade ad causam, como condição da ação, somente oferece relevância quando em relação
ao polo ativo, isto é, no que se refere à iniciativa da persecução penal. Semelhante observação não se aplica, porém, às ações
penais não condenatórias, como o habeas corpus, a revisão criminal e o mandado de segurança em matéria penal, nas quais,
5.3.3
sobretudo em relação às ações mandamentais (habeas corpus e mandado de segurança), é necessário apontar com exatidão a
autoridade que figurará no polo passivo.
Tratando-se de ação penal pública, condicionada ou incondicionada, a legitimidade ativa é sempre do Ministério Público,
não só como regra imanente do nosso modelo acusatório, mas também por força expressa de norma constitucional (art. 129, I).
Nas demais ações, ação penal privada ou privada subsidiária da pública, como se verá, a lei atribui ao particular, e só a ele, a
exclusividade da iniciativa penal.
É bem de ver ainda que o tema (legitimatio ad causam) não pode ser tratado nas mesmas bases do processo civil, já que o
Ministério Público (em regra, o legitimado ativo) não pode ser considerado o titular da relação de direito material suscitada no
juízo penal. O Estado, como vimos, ao vedar a solução privada do conflito e ao retirar do particular a generalidade da iniciativa
penal, assume a condição de tutor da ação penal, tal como ocorre em relação à jurisdição, exercendo a sua função no interesse
muito mais preventivo (no sentido da função de prevenção, geral e especial, da pena) que propriamente em favor de interesse
próprio ou mesmo da vítima do fato delituoso (que, aliás, algumas vezes, em ações públicas, pode nem existir).
Possibilidade jurídica do pedido
A transposição, para o processo penal, do conceito de possibilidade jurídica do pedido, tal qual se elaborou na teoria do
processo civil, oferece algumas dificuldades, aliás, também experimentadas no campo em que floresceu a aludida categoria
jurídica.
Normalmente, a doutrina processual penal refere-se à possibilidade jurídica do pedido como a previsão no ordenamento
jurídico da providência que se quer ver atendida. Ausente ela, o caso seria de carência da ação penal, por falta de condição da
ação.
Entretanto, pelo menos nas ações penais condenatórias, é bem de ver que, ainda que se requeira a condenação do acusado à
pena de morte, por exemplo (caso típico de ausência de previsibilidade da providência requerida), nada impede que a ação penal
se desenvolva regularmente, porque ao juiz permite-se a correta adequação do fato à norma penal correspondente, com a
aplicação da sanção efetivamente cominada, por força da emendatio libelli prevista no art. 383 do CPP. Por isso, não se
podendo extinguir o processo pela impossibilidade jurídica do pedido assim aviado, não se pode, também, aceitar tal hipótese
como de condição da ação penal condenatória.
A observação que se impõe, então, desde logo, é que, em tema de pedido, na ação penal condenatória, a exigência de
previsibilidade abstrata da providência requerida não constitui óbice à admissibilidade da ação e ao conhecimento da pretensão.
E assim é também porque a regra é que se apresente ao juízo criminal o pedido de condenação do acusado, pouco importando o
eventual descompasso entre a sanção pretendida e aquela cominada no tipo penal previsto para o fato imputado.
No entanto, ainda que, após a descrição da conduta tida por criminosa, o Ministério Público requeira providência judicial
distinta da condenação – por exemplo, pedido de natureza declaratória da autoria e materialidade, sem qualquer pretensão de
imposição de sanção penal –, parece-nos, a solução será sempre a mesma: tratando-se de ação penal pública, em que a acusação
é dever do Estado, a só imputação a alguém da prática de um fato alegadamente delituoso (art. 41, CPP) constitui manifestação
expressa da pretensão punitiva, ensejando ao juiz, por ocasião da sentença, a adequação do fato à norma, impondo a solução de
direito que lhe parecer aplicável, igualmente por força da emendatio libelli prevista no art. 383 do CPP.
Diferentemente poderia ocorrer quanto à ação penal privada, em que se exige pedido expresso de condenação por ocasião
das alegações finais (art. 60, III, CPP). Ocorre, porém, que essa exigência se dá apenas em sede de alegações finais, não a
exigindo o art. 41 do CPP. Por isso, e porque se permite que o querelante faça a adequação da providência por ocasião das
alegações finais, desde que requeira a condenação, não vemos aí hipótese de carência deação. Acaso não o faça (pedido de
condenação), a solução será de perempção da ação já ajuizada e admitida, e não de carência dela.
Questão diversa, e mais complexa, diz respeito às hipóteses de atipicidade dos fatos imputados ao acusado, quando, então,
não mais propriamente do pedido se cuida, mas da causa dele, ou seja, da causa petendi.
Embora se reconheça que a ausência de tipificação de determinada conduta descrita na inicial configure hipótese de
ausência de previsibilidade no ordenamento jurídico, não nos parece, ainda, a hipótese de carência de ação, por falta de uma de
suas condições.
A nosso juízo, em tais situações, ocorre verdadeiro julgamento antecipado do processo, sem a necessidade de instrução,
circunscrito, portanto, à definição exclusivamente de direito dada aos fatos e às circunstâncias especificamente descritas na
denúncia ou queixa. E é exatamente nesse sentido a modificação trazida pela Lei nº 11.719/08, que, ao tempo em que revogou o
art. 43 do CPP (art. 3º), estabeleceu a hipótese de absolvição sumária para os casos de existência manifesta de causa excludente
da ilicitude do fato (art. 397, I, CPP); existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo
5.3.4
inimputabilidade (art. 397, II, CPP); o fato narrado evidentemente não constituir crime (art. 397, III, CPP); estiver extinta a
punibilidade (art. 397, IV, CPP).
Verifica-se, portanto, que a atipicidade do fato é tratada como questão de mérito.
Naturalmente, em semelhante situação, não se irá avançar sobre a existência ou não dos fatos, reservada à fase instrutória,
mas, abstraindo-se de tal questão, defere-se ao magistrado, em juízo antecipatório, a possibilidade de afastar, o quanto antes
(sem que se chegue à instrução), a pretensão punitiva – ainda que, por abstração, verdadeiros sejam os fatos alegados – por
ausência de consequência jurídico-penal a eles, solucionando, desde logo, o próprio conteúdo de mérito do processo.
Tratando-se, então, de decisão de mérito, isto é, de verdadeira sentença absolutória, a coisa julgada que sobre ela se formará
terá eficácia preclusiva de coisa julgada material, impedindo a rediscussão da matéria – limitada, repetimos, exclusivamente
aos fatos e às circunstâncias tal como efetivamente descritos na inicial – em qualquer outro processo. É de se ver a
jurisprudência do STF – HC nº 66.625/SP (RTJ 127, p. 193) e HC nº 80.560/GO (Informativo STF nº 218), anterior à
modificação legislativa, mas inteiramente pertinente.
Condições de procedibilidade
No processo penal, em determinadas situações, a lei exige o preenchimento de determinadas e específicas condições para o
exercício da ação penal. Assim, por exemplo, nas ações penais públicas condicionadas, o Ministério Público somente poderá
ingressar com a ação se já oferecida a representação (autorização ou consentimento do ofendido ou outro a tanto legitimado) ou
requisição do Ministro da Justiça, hipótese, entre outras, dos crimes previstos no art. 7º, § 3º, b, do CP, e daqueles praticados
contra a honra do Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro (art. 145, parágrafo único, CP). Outro exemplo: o
disposto nos arts. 525 e 526, ambos do CPP, que cuidam da necessidade de a denúncia ou a queixa estarem instruídas com o
exame pericial dos objetos que constituam o corpo de delito nos crimes contra a propriedade imaterial.
No âmbito das ações de iniciativa do ofendido é também requisito de admissibilidade da ação (condição de procedibilidade)
a decisão judicial de anulação do casamento passada em julgado, para que se possa ajuizar pretensão punitiva decorrente da
prática de crime de induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento (art. 236, CP).
A Lei nº 11.101/05, Lei de Falências (e de recuperação, judicial e extrajudicial, das empresas), mantém antiga exigência de
decretação da sentença (de falência e que concede a recuperação judicial e que homologa a recuperação extrajudicial) como
condição de procedibilidade para o ajuizamento da ação. Embora o art. 180 da Lei nº 11.101/05 afirme que referido ato judicial
(declaratório da falência, concessivo da recuperação judicial ou homologatório da recuperação extrajudicial) constitui condição
objetiva de punibilidade, não vemos o menor inconveniente em sustentar também a classificação de condição de
procedibilidade, nos precisos e expressos termos do art. 187 da mencionada legislação.
A doutrina, de modo geral, considera as condições de procedibilidade condições específicas da ação penal (porque somente
exigíveis para determinadas ações), enquanto as demais, comuns a qualquer ação (interesse, legitimidade e possibilidade
jurídica), seriam as condições genéricas da ação penal.
Acompanhando a doutrina de Afrânio Silva Jardim (1999, p. 98), parece-nos que as chamadas condições de procedibilidade
da ação podem ser perfeitamente conduzidas à categoria da possibilidade jurídica do pedido, e aí efetivamente como condições
da ação.
No ponto, vale a pena transcrever lição de Humberto Theodoro Júnior, para quem
“[…] o cotejo do pedido com o direito material só pode levar a uma solução de mérito, ou seja, à sua improcedência, caso conflite
com o ordenamento jurídico, ainda que a pretensão, prima facie, se revele temerária ou absurda […] impõe-se restringir a
possibilidade jurídica do pedido a seu aspecto processual, pois só assim estaremos diante de uma verdadeira condição da ação,
como requisito prévio de admissibilidade do exame da questão de mérito.
[…]
Com efeito, o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1º, o pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela
jurisdicional; e 2º, o pedido mediato, contra o réu, que se refere à providência de direito material. A possibilidade jurídica, então,
deve ser localizada no pedido imediato, isto é, na permissão, ou não, do direito positivo a que se instaure a relação processual em
torno da pretensão do autor […]” (THEODORO JÚNIOR, 1998, p. 54).
A Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, tal como ocorria com o atualmente revogado art. 43, CPP, sequer se refere de
modo expresso às condições de procedibilidade, limitando-se a mencionar a falta de pressuposto processual ou de condição
para o exercício da ação penal. Assim, embora alterada a legislação, não hão de perder o prestígio que eventualmente gozavam
as construções teóricas que procuram especificar distinções entre as condições de procedibilidade e as condições da ação.
Nas edições anteriores deste Curso, e em atenção à dimensão constitucional da questão, deitamos falação acerca de uma
suposta condição de procedibilidade em matéria de crimes contra a ordem tributária (e previdenciária), apontada em alguns
setores da doutrina e da jurisprudência.
Trata-se da exigência, ou não, do esgotamento da via administrativa para o início da persecução penal, ou, de outro, se
existiria ou não essa condição de procedibilidade.
No entanto, parece-nos desnecessário prosseguirmos no tema.
É que a Suprema Corte já consolidou seu entendimento sobre a matéria, entendendo existir, não uma condição de
procedibilidade, mas, mais que isso, uma condição objetiva de punibilidade. Uma condição de procedibilidade é uma questão
processual; a condição objetiva de punibilidade, ao contrário, diz respeito ao Direito Penal.
Por isso, deixamos apenas registrada a polêmica, atualmente encerrada com a Súmula Vinculante 24, do STF: “Não se
tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do
tributo.”
A Suprema Corte, bem se vê, ressalva a situação dos delitos formais, ou de mera conduta, tal a hipótese daqueles elencados
no art. 2º da mesma Lei nº 8.137/90, para os quais não existiria a necessidade de esgotamento da via administrativa.
Mas note-se que nem mesmo ali há convergência conceitual sobre a matéria.
No HC nº 81.611-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, fixou-se orientação no sentido de se reconhecer uma condição objetiva
de punibilidade – fora do tipo, pois – na apreciaçãoda questão (tributo devido ou não) pela Administração Fazendária.
Já no julgamento do HC nº 84.555-0/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, 14.9.2007, 2ª Turma, o que se decidiu foi pela
subordinação do Ministério Público aos órgãos fazendários, dado que “ser devido ou não” o tributo seria um elemento
normativo do tipo, de modo que a manifestação da Fazenda não seria condição de punibilidade. A consequência de tal decisão é
da maior gravidade: entendeu-se que quando estiver presente a decadência do tributo (prazo de cinco anos) não restará tipo
penal algum!
E no Superior Tribunal de Justiça, então, sequer se adotou a distinção da citada Súmula Vinculante de nº 24. Veja-se, por
exemplo, decisão proferida pela 5ª Turma do STJ, HC nº 97.789-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em
3.12.2009, na qual se vislumbra condição objetiva de punibilidade também para crimes tributários formais.
Com isso, de nada mais adiantaria discutir a independência entre a instância administrativa, responsável pela constituição
do crédito tributário, e a judiciária. Parece desimportante, portanto, a titularidade do parquet para a ação penal. Nos crimes
tributários, ela dependerá do procedimento administrativo.
Não aderimos a essa orientação: nos chamados crimes materiais, cuja consumação exige não só resultado, mas a prática de
ação fraudulenta (no tipo penal), nada poderia impedir o Ministério Público de examinar a matéria, independentemente da
posição da Receita Federal, sobretudo porque, ainda que não devido o tributo, poder-se-ia encontrar crime remanescente –
falsidade material, por exemplo. Note-se que ali, hipóteses do art. 1º, I a IV, há a previsão de condutas fraudulentas nos tipos
penais.
São estes os caminhos percorridos na discussão da matéria, ora sob a perspectiva de suposta ausência de condição objetiva
de punibilidade (condição ou circunstância que se encontra fora do tipo penal), ora no campo da própria tipicidade (a
consumação dependeria de ser devido o tributo), ambos no âmbito do Direito Penal, e até mesmo no campo processual, de
suposta ausência de condição de procedibilidade para a ação penal tendo por objeto crime contra a ordem tributária. A
existência do tributo e do crime dependeria, portanto, nessa linha de raciocínio, da manifestação final da Administração
Fazendária.
No julgamento do leading case da questão, HC nº 81.611/DF, no Supremo Tribunal Federal, em que foi Relator o eminente
Min. Sepúlveda Pertence, Sua Excelência, cujo voto foi seguido pela maioria – vencidos os Mins. Joaquim Barbosa, Carlos
Ayres e a Min. Ellen Gracie –, acolheu a ausência de justa causa para a ação, cuidando, porém, de sustar o curso do prazo
prescricional, enquanto não resolvida a matéria no âmbito fazendário.
Em um ponto o ilustre e então Min. Pertence tinha e tem razão: a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento
do tributo – e também pelo parcelamento, com o respectivo reconhecimento do débito – pode funcionar como instrumento de
inibição ao contribuinte, relativamente ao eventual questionamento, administrativo e judicial, do débito.
Quanto a isso, pode-se objetar, porém, que a solução mais adequada não seria o reconhecimento da ausência de justa causa
para a ação, quando não resolvida definitivamente a matéria administrativa, mas, sim, a suspensão do processo penal, se
demonstrada a relevância da questão, a ser revelada, por exemplo, com a decisão judicial (cível) de suspensão da exigibilidade
do tributo. Aplicar-se-ia, portanto, o disposto no art. 93 do CPP, que cuida da chamada questão prejudicial heterogênea. Nesse
caso, a suspensão do processo teria prazo certo, no curso do qual não correria a prescrição (art. 116, I, CP).
5.3.5
De todo modo, o aspecto mais problemático da questão se encontra na mencionada decisão da 2ª Turma do STF no HC
nº 84.555-0-RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, no sentido de que a fluência do prazo decadencial da constituição do crédito tributário
implicaria a impossibilidade de realização do tipo penal relativo à conduta tendente a suprimir ou reduzir tributo devido. No
mesmo sentido, STJ – HC nº 77.986-MS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 13.9.2007.
Ora, na hipótese de decadência tributária, quando a constituição do crédito tributário não se opera por razões
absolutamente independentes da existência ou não do crédito, e da existência ou não de crime, não se pode recusar a
intervenção penal, desde que ainda não prescrito o delito.
Fazer decorrer da decadência tributária, matéria de política fiscal, uma modalidade de causa extintiva da punibilidade
constitui indevida ingerência no âmbito da política criminal. Indevida e sem previsão legal. Fazer o Ministério Público depender
da presteza dos órgãos fazendários na constituição do crédito não nos parece juridicamente justificado.
A justa causa
O que era apenas uma construção doutrinária no cenário processual penal tornou-se matéria de lei.
Com efeito, a Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, além de revogar o art. 43, CPP, incluiu expressamente a justa causa
como uma questão preliminar, consoante se vê no disposto no art. 395, III, CPP. Não se afirmou ali nem que se tratava de uma
condição da ação e nem qual seria o seu real significado. O que seria ela, então?
Além das já conhecidas condições da ação – genéricas e específicas –, Afrânio Silva Jardim, muito antes da Lei
nº 11.719/08, enumerava uma outra, que seria, a seu aviso, a quarta condição da ação: a justa causa (1999, p. 54).
Sustentava o ilustre processualista que o só ajuizamento da ação penal condenatória já seria suficiente para atingir o estado
de dignidade do acusado, de modo a provocar graves repercussões na órbita de seu patrimônio moral, partilhado socialmente
com a comunidade em que desenvolve as suas atividades. Por isso, a peça acusatória deveria vir acompanhada de suporte
mínimo de prova, sem os quais a acusação careceria de admissibilidade.
E também não faltou doutrina (TUCCI, 2002, p. 95) incluindo a justa causa entre as condições da ação e não como espécie
distinta, porquanto ligada à exigência de um legítimo interesse na instauração da ação, apto a condicionar a admissibilidade do
julgamento do mérito – interesse de agir, pois.
A nosso ver, a questão de se exigir lastro mínimo de prova pode ser apreciada também sob a perspectiva do direito à ampla
defesa. Com efeito, exigir do Estado, por meio do órgão da acusação, ou do particular, na ação privada, que a imputação feita na
inicial demonstre, de plano, a pertinência do pedido, aferível pela correspondência e adequação entre os fatos narrados e a
respectiva justificativa indiciária (prova mínima, colhida ou declinada), nada mais é que ampliar, na exata medida do preceito
constitucional do art. 5º, LV, da CF, o campo em que irá se desenvolver a defesa do acusado, já ciente, então, do caminho
percorrido na formação da opinio delicti.
Mas, em tese, também é possível analisar a questão sob outra ótica.
É que se admitir a rejeição da peça acusatória sob tal fundamento (falta de justa causa) iria unicamente em favor dos
interesses persecutórios, dado que permitiria o novo ingresso em juízo, após nova coleta de material probatório. Ora, se a
acusação não tem provas nem as declina na inicial, não deveria propor a ação. Uma vez oferecida a denúncia, ou queixa, pode-
se argumentar, a ação deveria ter seguimento, com a absolvição do acusado – e não a rejeição da denúncia, por falta de justa
causa –, se insuficiente a atividade probatória da acusação.
Sempre admitimos a existência da justa causa como condição da ação, seja como quarta condição (da ação), inserida no
contexto da demonstração do interesse (utilidade) de agir, seja enquanto lastro mínimo de prova, a demonstrar a viabilidade da
pretensão deduzida. Como, aliás, era previsto no art. 44, § 1º, da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67). Referida legislação foi tida
como não recepcionada pelo Supremo Tribunal Federal, não mais se aplicando suas disposições, conforme julgamento na
ADPF 130-7. No mesmo sentido, traduzindo a exigênciade lastro probatório mínimo, também a Lei nº 9.613/98 (lavagem de
capitais), nos termos do art. 2º, § 1º (hoje com a redação da Lei nº 12.683/12).
A questão não poderia se reduzir a uma disputa entre interesses de absolvição, pela manifesta ausência de provas, e
interesses de acusação, no sentido mais específico de parte (acusadora).
Do ponto de vista do exercício do Poder Público, com efeito, não se deve admitir o desenvolvimento de atividade
jurisdicional inútil, ou útil apenas em relação a determinados fins e interesses. Não há um direito subjetivo do acusado em ver
julgado o mérito da ação penal, sobretudo quando o único fundamento a legitimar tal pretensão seja a inadequação da iniciativa
persecutória.
Assim, bem-vinda a redação do art. 395 do CPP, trazida com a Lei nº 11.719/08, deixando expressamente assentada a justa
5.4
5.4.1
causa como condição da ação (art. 395, III, CPP).
De outro lado, doutrina e jurisprudência já vinham admitindo a justa causa também como condição da ação (seja como
condição específica, seja como genérica), já que, nos termos do art. 648, I, do CPP, sempre se admitiu o habeas corpus para
trancamento de investigação ou de ação penal, sob o fundamento de ausência de justa causa, tanto para a solução de questões
processuais (falta de prova mínima para lastrear a acusação, inépcia da inicial etc.) quanto para aquelas pertinentes ao próprio
mérito da ação penal (prescrição ou qualquer outra causa extintiva da punibilidade, atipicidade manifesta etc.).
É de se ver importante decisão do Supremo Tribunal Federal nesse sentido, na qual se deferiu habeas corpus para trancar
ação penal por ausência de suporte mínimo de prova (STF – HC nº 81.324/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ
23.8.2002).
Também naquela E. Corte, decidiu-se que o “reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal […]
reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de
dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal” (STF – HC nº 82.393/RJ, Rel. Min. Celso de Mello,
Informativo nº 317, 2003). Posteriormente, reafirmou-se referido caráter excepcional do trancamento da ação penal por meio do
habeas corpus por ausência de justa causa (STF – HC 106.314/SP, 1ª Turma, Rel. Cármen Lúcia, julgado em 21.6.2011),
consolidando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal neste sentido.
Como se vê, a inclusão expressa da justa causa como condição da ação, tal como se acha no art. 395, III, CPP, apesar de
esclarecer a possibilidade de seu manejo em relação às questões processuais, não revogou o art. 648, I, CPP, com o que também
questões de mérito, e particularmente a atipicidade e as causas extintivas da punibilidade continuarão a ser veiculadas em
habeas corpus, como sempre foram. Sobre o ponto, aliás, pensamos que a concessão de habeas corpus para fins de trancamento
da ação penal, sob o fundamento de atipicidade ou de extinção da punibilidade, implicará a absolvição sumária dos pacientes
(réus).
E mais. Até mesmo para o fim de impedir o indiciamento no curso de inquérito policial, parece-nos possível o manejo da
ausência de justa causa, quando absolutamente inexistentes indícios probatórios para tal valoração (STF – Inq. nº 2.041/MG,
Rel. Celso de Mello, em 6.10.2003).
Aliás, em sede de habeas corpus, para o qual é previsto o manejo expressamente quando faltar justa causa (art. 648, I,
CPP), pensamos ser cabível o trancamento da ação ou do processo até mesmo em razão da ausência de pressupostos
processuais. Nesse caso, não se trataria, à evidência, de uma condição da ação, a não ser no lato sensu da matéria processual.
 Pressupostos processuais
O Direito Processual brasileiro adota critérios mais ou menos bem demarcados quanto a titularidade, oportunidade e
viabilidade do exercício da ação penal, bem como acerca dos requisitos de validade da relação processual veiculada no
processo. Em relação às primeiras, teríamos as chamadas condições da ação, enquanto, relativamente aos demais, os
denominados pressupostos processuais.
Encontram-se na doutrina afirmações acerca dos pressupostos de existência do processo e da relação processual, além
daqueles outros ligados ao seu regular desenvolvimento (pressupostos de validade).
Parece-nos, contudo, que, ao menos em relação à validade, nem de pressupostos se cuida, tratando-se, na verdade, de meros
requisitos, sem os quais a lei não confere validade à atividade processual desenvolvida. Por pressuposto deve-se entender
apenas o antecedente logicamente necessário à própria existência do objeto, em cujo campo se poderá afirmar a validade ou
invalidade das atividades nele desenvolvidas.
Daí por que, segundo nos parece, somente é possível falar em pressupostos de existência do processo e da relação jurídica
processual, bem como de requisitos de validade de seu regular desenvolvimento.
Pressuposto de existência
Desde logo, uma distinção necessária: pressuposto de existência do processo não é o mesmo que pressuposto de existência
da relação processual. Esta, independentemente da teoria que se adote em relação ao tema – se angular, na qual se nega a
relação jurídica processual entre autor e réu, ou se triangular, quando presente –, exige sempre o concurso ou a participação de
autor e acusado, reunidos sob a jurisdição do magistrado.
E mesmo que não se aceite mais a expressão relação processual, atente-se para os termos do art. 363, caput, CPP, com
redação dada pela Lei nº 11.719/08, no qual se lê: “o processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do
5.4.2
a)
a.1)
acusado”. Haveria, então, processo completo e processo incompleto, tal como pode haver, dependendo do intérprete, relação
jurídica processual completa e relação incompleta.
E para que tenhamos processo (incompleto, que seja), isto é, para que se exerça atividade jurisdicional, seria suficiente a
existência de órgão investido de jurisdição (juiz) e de demanda (ato de pedir), veiculando a pretensão.
Exemplo cristalino da utilidade de tal distinção pode ser visto na decisão que rejeita liminarmente a denúncia ou queixa
(art. 395, CPP). Nessa hipótese, embora incompleta a relação processual ou incompleto o processo (art. 363, CPP), já que o
acusado sequer teria sido chamado em juízo, é bem de ver que, inegavelmente, teria existido o processo, a menos que se queira
admitir manifestações do Poder Judiciário, e com eficácia preclusiva, fora do processo judiciário.
Por isso, não nos parece consistente a doutrina que inclui, entre os pressupostos de existência do processo, a presença de
partes, autor e réu, exigência esta ligada, como vimos, tão somente à existência da relação jurídica processual penal.
Também não acompanhamos a doutrina que afirma como pressuposto de existência do processo a presença do órgão
jurisdicional constitucionalmente competente, em razão da garantia, também constitucional, do juiz natural.
Deve-se observar, primeiro, que a função jurisdicional é una, prestando-se a repartição de competências unicamente à
adequada operacionalidade da jurisdição, consoante os critérios da especialização, ora por matéria, ora em atenção à pessoa do
acusado ( ratione personae).
Por essa razão, quando é provocada a jurisdição, cível ou penal, é o Estado quem atua nos autos – por meio de órgãos
investidos dela –, fazendo-o no campo e no espaço que lhe são próprios: o processo. Negar existência à atividade estatal
desenvolvida, ainda que por juiz incompetente, é recusar a existência da própria jurisdição enquanto Poder Público.
De resto, semelhante linha de raciocínio pode deixar o acusado inteiramente à mercê do Estado, enquanto se realiza a
disputa pela definição final do órgão efetivamente competente para o processo e julgamento do fato alegadamente delituoso. É
que, como se sabe, do ato inexistente não resulta efeito algum, ao contrário do que ocorre com o ato nulo, no qual, embora, em
regra, não se admita a produção dos efeitos que lhe são próprios, é possível,diante de previsão normativa, atribuir a ele
determinadas consequências jurídicas.
Exatamente por isso, e não pela só prevalência de um abstrato princípio do favor rei, ninguém será processado pelo mesmo
fato, de que já tenha sido absolvido em outro processo (vedação da revisão pro societate), ainda que desenvolvido com violação
à regra do juiz natural (art. 8º, 4, do Pacto de San José da Costa Rica, vigente por força de tratado internacional ao qual o Brasil
aderiu, conforme Decreto nº 678/92).
O argumento da inexistência do processo parece-nos inteiramente artificial, prestando-se, mais, a sustentar uma construção
teórica que vê a impossibilidade de ratificação dos atos não decisórios realizados por juiz constitucionalmente incompetente, tal
como genericamente previsto no disposto no art. 567 do CPP. Ora, a tanto, bastaria a leitura da Constituição da República que
afirma que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII).
Pressuposto de existência do processo, a nosso juízo, é tão somente o órgão investido de jurisdição, podendo-se até admitir
a inclusão da exigência de demanda (ato de pedir em juízo e não o próprio pedido), já que se nos afigura remotíssima a
possibilidade, na prática e após o texto constitucional de 1988, do desenvolvimento de atividade jurisdicional iniciada sem o
aviamento de qualquer pretensão de parte (Ministério Público ou o Querelante), ou seja, ex officio, pelo juiz.
Nesse sentido, isto é, sustentando que o vício de incompetência material (ou constitucional) é causa de nulidade absoluta, e
não de inexistência do processo, é de se ver decisão do Pleno da Suprema Corte (HC nº 80.263-0/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão,
DJ 27.6.2003).
Requisitos de validade
Superada que seja a questão relativa à existência do processo, cumpre observar que a legislação processual penal, tal como
a civil, exige o cumprimento de alguns requisitos sem os quais a relação processual não poderá se desenvolver validamente. Os
chamados pressupostos – que, na verdade, são requisitos – de validade do processo ou da relação processual dizem respeito ora
ao juiz e às partes – e, por isso, são denominados subjetivos – ora ao próprio objeto da ação penal (pretensão) – caso em que se
fala em requisitos objetivos.
Em relação aos requisitos subjetivos, pode-se arrolar:
Quanto ao juiz:
a competência e a imparcialidade, ou seja, a ausência de hipóteses de suspeição, impedimento ou
incompatibilidade, ainda que o art. 564, I, do CPP, refira-se apenas à suspeição e ao suborno do magistrado.
Como vimos, a imparcialidade do juiz é regra imanente do sistema processual constitucional.
b)
b.1)
b.2)
a)
b)
5.5
5.5.1
Quanto às partes:
a capacidade processual ou legitimatio ad processum, isto é, a capacidade de estar em juízo (exemplificativamente,
relembre-se do caso do ofendido menor de 18 anos que somente pode exercer o direito de ação por meio de seu
representante legal, conforme art. 30, CPP). Note-se, ainda, que o menor de 18 anos também não tem capacidade
para integrar a relação processual nem mesmo como réu (além da inimputabilidade penal, de natureza material);
a capacidade postulatória, devendo a parte, se não for habilitada, ser representada por advogado regularmente
habilitado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, à exceção da ação de habeas corpus (art. 654, CPP),
ação de revisão criminal (art. 623, CPP), recursos (art. 577, CPP), e incidentes de execução, tais como pedido de
reconhecimento de anistia ou indulto (art. 187, Lei de Execução Penal) e de reabilitação (art. 743, CPP).
Quanto aos requisitos objetivos de validade, a doutrina costuma arrolar:
citação válida, cujo vício poderá ser suprido pelo comparecimento espontâneo (art. 570, CPP). Saliente-se, aqui, que há
autores que sustentam a inexistência e não a nulidade da relação processual – e não do processo! – quando ausente a
citação do réu. Ainda que nos pareça sedutora a observação, o fato é que nosso ordenamento processual cuida da
matéria como hipótese de nulidade absoluta (art. 564, III, e, CPP);
observância das exigências legais atinentes aos requisitos da denúncia ou queixa (art. 41, CPP), no que se refere à
idoneidade formal da peça de ingresso.
Não falta também quem inclua entre os requisitos de validade a inexistência de coisa julgada e a ausência de
litispendência.
Contra semelhante classificação pode-se argumentar que tanto a litispendência quanto a coisa julgada não dizem respeito à
validade do processo, até porque o vício, quando existente, se encontraria mesmo fora do processo, ou seja, decorreria apenas da
existência de outro processo, versando – ou já tendo versado e decidido – a mesma pretensão. A hipótese estaria ligada, então,
ao tema da admissibilidade da ação e não à invalidade do processo (SOUZA, 1998, p. 36).
Observe-se que o tema relativo aos requisitos de validade do processo e da relação processual penal, exatamente porque
identificado com o seu válido desenvolvimento, encontra-se regulado, de modo geral, no campo das nulidades processuais
previstas nos arts. 564 e seguintes do CPP.
Por fim, salienta-se que a ausência de pressupostos e/ou de requisitos processuais é causa de rejeição da denúncia ou
queixa, nos termos do art. 395, II, CPP.
E, mais. Ainda que recebida a peça acusatória, deve o juiz, se constatar a ausência de pressuposto de existência do
processo, anular, de ofício, a própria decisão anterior, com fundamento no art. 564, II, CPP. Nesse caso, o fundamento seria por
analogia, já que a ilegitimidade de parte ali prevista é condição da ação (cujo tratamento é o mesmo destinado aos pressupostos
processuais). Também por analogia, a hipótese do inciso III, e, serviria de suporte para a decisão de anulação do recebimento da
peça acusatória, tendo em vista que a citação válida é considerada pressuposto processual. Analogias de extremo proveito, com
o fim de evitar perda futura de atividade jurisdicional.
 Ação penal pública incondicionada
Ação (penal) popular e crime de responsabilidade
A Lei nº 1.079/50 dispõe sobre os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República, pelos Ministros de
Estado, pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal, pelo Procurador-Geral da República e pelos Governadores dos Estados e
seus secretários.
Tratando-se do Presidente da República e dos Ministros de Estados, quando conexos (os crimes) àqueles praticados pelo
primeiro, bem como do Procurador-Geral da República, Ministros do Supremo Tribunal Federal, membros do Conselho
Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público e o Advogado-Geral da União, a competência para o
julgamento é do Senado Federal (art. 52, I e II, CF), observando-se, em relação ao Presidente da República e aos Ministros de
Estado, a competência da Câmara dos Deputados para a admissibilidade e a formalização da acusação (art. 51, I, CF; art. 86,
CF; e art. 20 e seguintes da Lei nº 1.079/50).
Em relação aos Governadores dos Estados e respectivos Secretários, a competência para o processo e o julgamento é
atribuída às Assembleias Legislativas (art. 75, Lei nº 1.079/50).

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