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SMI II – OBSTETRÍCIA GRAVIDEZ MÚLTIPLA 1 Gravidez múltipla 1. INTRODUÇÃO · Gestações múltiplas resultam da fertilização de óvulos múltiplos ou da divisão de um único óvulo fertilizado em mais de um embrião. Nas últimas décadas, foi observado aumento significativo na incidência, devido principalmente à maternidade tardia e ao uso crescente dos métodos de reprodução assistida. 1.1 Patologias maternas – quanto maior a quantidade de fetos, maiores as patologias · Hiperêmese gravídica – por causa do hormônio lactogênico · Diabetes gestacional · Anemia · Hemorragia – o útero cresce muito e não consegue se contrair · Parto cesariano · Pré-eclâmpsia · Descolamento prematuro de placenta · Depressão pós-parto 1.2 Riscos para o feto associados a gestação gemelar · Mortalidade neonatal – 5-6x maior · Risco de paralisia cerebral (PC): 8x maior em gemelares comparando em gestações únicas · 25% partos prematuros → gravidez gemelar 1.3 Tipos de gestações gemelares – monocoriônicas (MC) e dicoriônica (DC): · Monocoriônicas – tem uma única placenta, um único ovulo que se dividiu em 2 · Dicoriônica – 2 óvulos, 2 espermatozoides que vão gerar 2 placentas · São entidades completamente diferentes · Riscos maternos diferentes · Tipo e gravidade da patologia fetal associada é marcadamente independente: protocolos de controle clinico devem ser adequados a cada gravidez, de acordo com a corionicidade 2. INCIDÊNCIA E EPIDEMIOLOGIA · Incidência de gestação múltipla espontânea: 1%; · Gestações duplas: 1/89; · Gestações triplas: 1/892; · Gestações quadruplas: 1/893; · Regra: 1/89(n-1) · Incidência real: 3 a 4% de todas as gravidezes 2.1 Risco de ocorrência de gravidez dizigótica (DZ): · Idade materna avançada (>35 anos) – essas pacientes acabam fazendo indução da ovulação · Causas étnicas · Familiares – quando é na família do homem, não tem interferência, pois a questão nesse caso é a hiperovulação. Apenas os gêmeos dizigóticos entram nessa questão, os mono são ao acaso. 2.2 Gestações gemelares naturalmente concebidas: · 2/3 dizigóticas · 1/3 monozigóticas · Técnicas de reprodução assistida: associadas especialmente com gestações DZs, mas também favorecem a ocorrência de gestações MZs 3. TIPOS DE GESTAÇÃO MULTIPLA 3.1 ZIGOZIDADE 3.1.1 Gravidez MZ · Único ovulo fertilizado que se divide em dois embriões distintos; · Mesmo conjunto de cromossomos em cada zigoto; · Gêmeos idênticos. 3.1.2 Gravidez dizigótica · Fecundação de dois óvulos separados; · Geneticamente diferentes; · Cada zigoto – conjunto individual de cromossomos; · Gêmeos fraternos ou não idênticos (podem ser do mesmo gênero) · Frequência de gêmeos dizigoticos varia: idade materna, paridade, história familiar materna, peso e altura maternos, estado nutricional e raça. 3.1.3 Termos corionicidade e amniocidade · Descrevem a placentação e composição da membrana de uma gravidez; · Determinação corionicidade e amniocidade: essencial no manejo clinico de gestações múltiplas; 3.2 CORIONICIDADE 3.2.1 Gravidez gemelar MC-MC/DA ou MC/MA tem maior risco: · Mortalidade 2 a 3x maior em relação a DC; · Lesão neurológica: 30% em MC e 3% em DC. 3.2.2 Gestações DZ: sempre DC/DA, com cada feto possuindo sua própria placenta e cavidade amniótica. 3.2.3 Corionicidade das gestações MZ: determinadas pelo tempo de ocorrência da divisão do ovulo fertilizado · A fase em que ocorre a divisão das gestações é que vai determinar se essas gestações serão monocoriônicas ou diaminióticas. Dependendo dessa fase, também existem algumas complicações associadas. · 2 a 3 dias: precede a separação de células que se tornam cório e resulta em gravidez DC/DA · Após 3 dias: geminação não pode dividir cavidade coriônica → placenta monocoriônica · Dias 3 e 8: gravidez MC/DA; · Dias 8 e 12: âmnio já se formou → gravidez MC/MA; · Clivagem embrionária (dias 13 e 15): gêmeos unidos (gemelaridade imperfeita). 4. DIAGNÓSTICO ULTRASSONOGRÁFICO DA CORIONICIDADE · Exame ultrassonográfico (1º trimestre); · Determinação da corionicidade com segurança praticamente em todos os casos; · Datação da gestação – dependendo do tipo de gestação e complicações, as condutas serão diferentes de acordo com a IG; · Estudo anatômico precoce; · Rastreamento das anomalias cromossômicas; · Gestação DC: definida a partir da 5ª semana – visualização do numero de sacos gestacionais e presença de septos entre eles. · Entre 9º e 14º semanas: projeção do componente coriônico entre as membranas amnióticas – base de inserção placentária – sinal de Lambda característico das gestações DC. · Sinal de lambda: patognomônico da gravidez DC – presente até 15 semanas em todas as gravidezes DC, na 16ª semana em 97% e na 20ª semana em 87% · Imagem 1 – DC/DA = dicoriônica e diamniótica, é possível ver 2 sacos gestacionais e entre eles tem um septo espesso, que recebe o nome de sinal do lambda, que é patognomônico de gestações diamnióticas (apesar de só ver uma massa placentária) · Imagem 2 – MC/DA = Tem 2 sacos gestacionais e uma massa placentária, porém a membrana divisória entre eles é mais delgada, não parece que a massa placentária está entrando por dentro dela. Essa imagem recebe o nome sinal do T, que é característico de quando tem placenta única. · Imagem 3 – MC/MA = não é possível visualizar nenhuma divisão. 4.1 Gestações monocoriônicas · 6ª semana: mais de um embrião no interior do mesmo SG; · Âmnio: identificado a partir da 8ª a 10ª semana; · Final do primeiro trimestre: fusão das membranas amnióticas adjacentes – septo fino – insere abruptamente na placenta · Sinal T – gravidez MC/DA · Não visualização da membrana amniótica na gravidez MC/MA 4.2 Datação da gestação/avaliação da morfologia · Datação – CCN (comprimento cabeça-nádega) do maior – evitar subestimações (feto restrito precoce); · 20% casos – diferença média do crescimento no 1º trimestre de 3 a 5% → CCN até 84mm → 13 semanas e 6 dias (o erro máximo do ultrassom é de 4 dias) e até as 20 semanas o erro máximo é 20 dias. · Precisa fazer mais precocemente porque o erro é menor, então as chances de acertar a IG são maiores no primeiro do que nos próximos trimestres. · Discordância de CCN > 10% · CCN do feto maior – CCN do feto menor/CCN do feto maior x 100 = aumento de resultados nas gestações MC e DC: aborto, morte fetal > 24 semanas, discrepância de peso no nascimento, parto prematuro e malformações fetais; · Prevalência de defeitos estruturais: · Gravidez DC: igual gravidez única (1%) e na gravidez MC: 4% (má divisão da massa celular); · Defeitos estruturais mais frequentes MC: linha média (fissura labiopalatina) e cardiopatias (4x mais frequentes) – divisão assimétrica da massa celular; 5. RASTREAMENTO DAS ANOMALIAS CROMOSSÔMICAS · Rastreamento de aneuploidias: 1º trimestre · Gravidez DC: risco individual para cada feto → TN (transluscência nucal) de cada feto; · Gravidez MC: risco único para os dois gêmeos (única massa cromossômica) → TN média dos fetos; · Triagem de primeira escolha e que possui taxa de detecção de trissomia 21 próxima a 89,3%, semelhante a detecção em gestações simples, com taxa de falsos-positivos em 5,4% das gestações. · Quando é uma gestação com único feto, é feito o NIPT (não é um procedimento invasivo), pois só tem um feto; · Procedimento invasivo: indicado na presença de calculo de risco > 1/250 em um ou ambos gêmeos. · Técnica de escolha: biópsia vilo corial (BVC) – entra no corion com uma agulha e retira uma quantidade de células para montar o cariótipo · Gravidez MC: única amostra (alguns serviços estão adotando o NIPT, pois eles têm a mesma massa cromossômica) · Gravidez DC: amostra de ambos. · Gravidez MC: quando faz o exame e percebe discordância de TN, ducto venoso com onda A negativa ou refluxo da válvula tricúspide – manifestação precoce da síndrome de transfusão feto-fetal (STFF). · Reavaliação com 16 semanas para tentar diferenciar STFF (classificar e decidir terapia) ou uma suspeita de cromossomopatia (oferecer amniocentese) · Reavaliação com 16 semanas para tentar diferenciarSTFF (classificar e decidir terapia) ou uma suspeita de cromossomopatia (oferecer amniocentese). · BVC não demonstrou ter risco maior de perda gestacional do que a amniocentese. Para ambas as técnicas de diagnóstico, o risco de perda de gestação seria de aproximadamente 1% maior do que gravidez única. 6. CONTROLE PRÉ-NATAL E AVALIAÇÃO ULTRASSONOGRÁFICA · A periodicidade do controle pré-natal e avaliações ecográficas dependerão da corionicidade · Principais objetivos US são: · Gravidez MC: US-Doppler 15/15 dias – 16 e 26 semanas → diagnostico precoce de STFF (12%) e sequencia de anemia-policitemia (TAPAS) (5%) · Controle pré-natal: 2 a 3 semanas (a partir da 28ª semana), semanalmente (a partir da 36ª semana) e fazer estudo com doppler em fetos suspeitos de RCIU. · Gravidez MC: 1/3 – complicações – controle quinzenal – STFF, TAPS, restrição de crescimento intrauterino seletivo (RCIUs), maior risco de malformações · Ecocardiografia fetal com 20 a 22 semanas 6.1 Resolução da gestação · Gestações MC sem complicações · Resolução da gravidez de forma eletiva, o que vai determinar é a amnionicidade: · MC/DA: resolução da gravidez após 36 semanas e antes das 38 semanas; · MC/MA: resolução da gravidez após 32 semanas e antes das 33 semanas (amadurecimento pulmonar 48 a 72h antes da cesárea) 7. SÍNDROME DE TRANSFUSÃO FETO-FETAL · Fisiopatologia e história natural: base anatômica – anastomoses vasculares, que facilitam um desequilíbrio crônico na troca de sangue. · Os vasos de um leito começam a se anastomosar com os vasos do outro leito fetal, sendo que essas anastomoses são profundas, podendo ser venoarteriais ou arteriovenosas. Com isso, começa a acontecer um desequilíbrio no fluxo sanguíneo entre um feto e o outro, gerando a síndrome de transfusão, uma vez que um feto passa a ser doador e o outro passa a ser o receptor. · Feto doador – hipovolemia, hipertensão (ativação SRAA), oligoâmnio, restrição de crescimento e atelectasia pulmonar dependendo o tempo que ficar em oligoâmnio – esse recebe pouco volume de sangue, então urina menos e por consequência vai ter menos liquido amniótico, levando a restrição de crescimento. · Feto receptor – desenvolvimento hipervolemia, hipertensão, polidrâmnio (substancias vasoativas do doador) – o receptor recebe muito fluxo, então vai aumentar a filtração renal, levando ao polidrâmnio. Como tem muito sangue, vai forçar o coração a bombear todo esse sangue, podendo gerar uma insuficiência cardíaca. O feto fica edemaciado, pode ter derrame pericárdico, derrame pleural, ascite e hepatomegalia. · Placenta MC: cada feto tem o próprio território vascular, as conexões vasculares acontecem na zona intermediária (equador vascular) · Anastomoses podem ser de vários tipos: · Bidirecionais – geralmente superficiais (artério-arterial ou veno-venosa) → protetoras contra STFF · Conexões unidirecionais – geralmente profundas (arteriovenosas ou venoarteriais) → cotilédones compartilhados, perfundidos por uma artéria de um e drenados por uma veia do outro feto. · Maioria dos casos: troca de sangue equilibrada e permanente; · “à distribuição, o número de anastomoses e a direção do fluxo em um ou outro sentido condiciona um desbalanço de sangue e o aparecimento do STFF em 10% a 12% dos casos” · Evolução espontânea da STFF: taxa de mortalidade de 100% antes de 20 semanas e a mais de 80% entre 21 e 26 semanas, com mais de 50% de sequelas graves em sobreviventes. · Além das complicações das anastomoses, podemos ter ruptura precoce de membranas. 7.1 Diagnóstico e estadiamento 7.1.1 Sinais preditivos · Presença de discordância de TN ≥ 20%; · Ducto venoso com onda A reversa; · Refluxo tricúspide em qualquer um dos fetos; · Discordância precoce na quantidade de líquidos amnióticos. 7.1.2 Diagnóstico · Sequência oligo-polidrâmnio = seguintes critérios · Receptor: maior bolsão vertical: >8cm (<= 20 semanas) ou >10cm (>20 semanas) · Doador: maior bolsão vertical < 2cm · Doppler: não necessário para o diagnóstico → útil para o estadiamento e a progressão da doença; · Quintero et al. – cinco estágios evolutivos: grau de severidade e o prognóstico da doença 7.2 Tratamento · Depende da época do diagnóstico e estadiamento – IG, estágio da doença disponibilidade de recursos e manifestações maternas. · Tratamento do STFF: ablação a laser por fetoscopia, amniodrenagem seriada, conduta expectante ou parto. 7.2.1 Estágio I e comprimento cervical > 25mm · Manejo expectante em vez de terapia invasiva (grau de recomendação 2C) · Resolução da gravidez: 36 a 37 semanas se o estágio TTTS e os sintomas permanecerem estáveis. 7.2.2 Estagio I e IG 16 e 26 semanas e comprimento cervical ≤ 25mm · Ablação vascular por laser (grau de recomendação 1B) – faz a separação das massas, interrompe o fluxo entre os fetos. · Indicada a amniodrenagem seriada na dificuldade de transferência a um centro terciário que tenha experiencia no procedimento – retira liquido e infunde na outra bolsa; · Resolução da gravidez: 36 a 37 semanas (ausência de complicações) 7.2.3 Estágio I + IG > 26 semanas e comprimento cervical ≤ 25mm · Amniodrenagem seriada em vez de ablação a laser (grau de recomendação 2C) · Ablação a laser em idades gestacionais > 26 semanas: sujeita a várias limitações técnicas; · Resolução da gravidez: 36 e 37 semanas (ausência de complicações) 7.2.4 Estágio II a IV entre 16 e 26 semanas · Ablação a laser das anastomoses placentárias – grau de recomendação 2B · Resulta em maior prolongamento da IG, maior sobrevivência neonatal e melhor resultado neurológico a longo prazo. Utiliza-se a técnica seletiva sequencial seguida da dicorionização completa da placenta (método Solomon) 7.2.5 Estágio V · Se um feto morreu – principais preocupações para o outro par: · Morte (risco 10%) · Comprometimento neurológico (10 a 30% de risco) · Circulação placentária compartilhada · Resolução da gravidez: termo (ausência de complicações) 8. SEQUÊNCIA DE ANEMIA-POLICITEMIA 8.1 Prevalência e história natural · Origem da sequencia de anemia-policitema, conhecida como TAPS (twin anemia-polycytemia sequence) – mesma da STFF: presença de um padrão de anastomoses vasculares que produzem passagem de sangue desequilibrada de um gêmeo para o outro; · As anastomoses são mais superficiais, então essa troca acontece de maneira lenta → um vai ter anemia e o outro vai ter policitemia. · TAPS:STFF de menor magnitude; · Anastomoses muito pequenas (<1mm) e tipo arteriovenosas (AV) → unidirecionais sem anastomose artérioarterial (AA) acompanhante; pequenas anastomoses permite a passagem lenta de sangue de um gêmeo para o outro, levando gradualmente a níveis de hemoglobina discordantes; · Gêmeo receptor é o policitêmico, já o gêmeo doador é o anêmico; · Como é um processo mais lento, existe a compensação hemodinâmica, por isso não há discordância do volume do líquido amniótico · “Policitemia grave pode levar a trombose fetal e placentária, enquanto a anemia grave pode levar a hidropsia fetal”. · Forma espontânea: cerca de 3% a 6% das gestações MC/DA; · Maioria dos casos: diagnosticada no final do segundo ou terceiro trimestre; Anêmico · Ocorre em 2 a 13% dos casos de STFF tratados com ablação a laser. 8.2 Diagnóstico · Baseado na avaliação do pico sistólico da artéria cerebral média (VPS-ACM), cujas mudanças estão relacionadas a presença de alterações no nível do hematócrito fetal. · Critérios diagnósticos – diagnóstico confirmado de monocorionicidade · Doador: PS-ACM > 1,5MoM · Receptor: PS-ACM < 1MoM · Recomenda-se a VPS-ACM a cada duas semanas em todas as gravidezes MC e nos casos de STFF tratados com laser semanalmente. · Discordância placentária – tipicamente observada em ultrassom · Doador anêmico possui placenta hiperecoica e espessada; · Receptor pletórico tem placenta hipoecoica mais fina; · Demarcação clara entre territórios do doador e receptor · Também pode haver discordância de crescimento. 8.2.1 Diagnóstico pós-natal · Diferença de hemoglobina entre os gêmeos ≥ 8g/mL · Relação de reticulócitos > 1,7(contagem de reticulócitos gêmeo doador/gêmeo receptor) · Presença de pequenas comunicações vasculares na superfície placentária. 8.3 Classificação – gravidade é estagiada no pré-natal · Estágio 1: VPS-ACM > 1,5 MoM no doador e < 1,0 MoM no receptor; · Estágio 2: MCA-PSV > 1,7 MoM no doador e < 0,8 MoM no receptor; · Estágio 3: Estágio 1 ou 2 associado a comprometimento cardíaco – achados de Doppler criticamente anormais, como fluxo diastólico ausente ou reverso na artéria umbilical, fluxo pulsátil na veia umbilical, aumento do índice de pulsatilidade ou fluxo reverso no ducto venoso; · Estágio 4: Hidropsia do doador; · Estágio 5: Morte de um ou ambos os fetos. 8.4 Tratamento e resultados · Conduta: não está completamente estabelecida · Coagulação das comunicações vasculares por laser: único tratamento · Sinais de gravidade: transfusão intrauterina – reverter o estado anêmico · Resolução da gravidez dependendo da gravidade 9. RESTRIÇÃO DE CRESCIMENTO INTRAUTERINO SELETIVO 9.1 Bases fisiopatológicas · É a presença de RCIU em um único feto, produzido por distribuição assimétrica da placenta, que condiciona insuficiência placentária seletiva. · Afeta aproximadamente 12% a 25% das gravidezes MC/DA. · Ao contrário de RCIU em gravidez única ou na gemelar DC, a existência de anastomoses interfetais interfere na história de crescimento intrauterino seletivo e determina diferentes padrões clínicos, com evoluções muito diferentes. 9.2 Diagnóstico, classificação e história natural · Diagnóstico: crescimento abaixo do percentil 10 em um feto, associada a discordância de peso entre fetos superior a 25%, porém isso não é essencial para o diagnóstico · A RCIUs representa risco muito alto para ambos os gêmeos – se ocorrer óbito do feto restrito, o feto normal apresenta risco de 25% de morte e 25% a 45% de sequelas neurológicas graves 9.3 3 tipos de RCIUs – Doppler da artéria umbilical do feto afetado Foram descritos três tipos de RCIUs diferenciados em função do Doppler da artéria umbilical do feto afetado 9.4 RCIU seletiva – classificação · Insonação da artéria uterina: nível da inserção placentária do cordão umbilical e com velocidades de aquisição do sonograma muito baixa para poder flagrar o padrão intermitente ou diástole zero/diástole reversa da artéria umbilical. · Tipo I: apresenta artéria umbilical com fluxo positivo contínuo do feto restrito, surgimento em média com 23 semanas, menor taxa de discordância de crescimento (29%), risco de óbito fetal de 3% a 4,3% e ausência de dano neurológico. · Tipo II: apresenta artéria umbilical com fluxo diastólico ou reverso de modo persistente, manutenção da alteração no Doppler por longos períodos sem deterioração fetal (10 semanas de latência em média), compartilhamento desigual da placenta (relação 2,6) e menor número de anastomoses placentárias, risco de óbito fetal de 30% a 50% e dano neurológico de 14%, 90% dos casos evoluem com deterioração fetal e o ducto venoso é bom preditor do dano. · Tipo III: artéria umbilical com padrão intermitente (fluxo diastólico presente, ausente ou reversa de forma intermitente); apresenta anastomoses artério-arteriais calibrosas, discordância placentária acentuada (relação de 4,4), instabilidade hemodinâmica para ambos os gêmeos, discordância de peso de 36% em média, risco de óbito fetal de 15% e de dano neurológico de 28% a 36%, e a evolução é imprevisível, com o risco de morte súbita de 15% 9.5 Tratamento – de acordo com o tipo de RCIU RCIUs tipo I · Conduta expectante · Acompanhamento Doppler semanal ou quinzenal · Resolução: piora Doppler da AU · Parto: 34 a 36 semanas RCIUs tipo II e tipo III · Não existe tratamento ideal; · Feticídio seletivo do feto restrito ou laser até a 26ª semana. · Momento do parto: seguimento rigoroso do ducto venoso (deterioração fetal) – 7/7 dias – 26/28 semanas e 24/24h após esse período · Parto: entre 32 e 34 semanas (ausência de complicações) 10. GÊMEO ACÁRDICO · Incidência: ocorrência de gêmeo acárdico é de 1/35.000 nascidos vivos e representa cerca de 1% das gestações MC. · Etiologia: doença exclusiva da gravidez MC. · Sequencia TRAP (twin reverse arterial perfusion) · Feto bomba – circulação normal fetal – parte do seu débito cardíaco vai para o gêmeo sem coração pelas anastomoses artério-arteriais placentárias → artéria umbilical e circulação sistêmica cogêmeo receptor → circulação “reversa” nesse gêmeo · Isso é possível porque o gêmeo acárdico não possui um coração funcional, cujo fluxo direto e de alta pressão sistêmica é normalmente fornecida pelo feto bomba. A presença de anastomoses artério-arterial permite que o sangue seja bombeado do gêmeo normal para o gêmeo acárdico sem passar por um leito capilar. Também ocorrem anastomoses veneno-venosas e arteriovenosas. A presença de anastomoses vasculares placentárias é comum em gêmeos MC e, por si só, não é suficiente para o desenvolvimento da sequência TRAP. · A perfusão vascular desigual do gêmeo bomba resulta na evolução de uma variedade de anormalidades estruturais no gêmeo receptor. 10.1 Diagnóstico · TRAP: gestações MC – um feto anatomicamente normal e outro não possui estruturas cardíacas e/ou atividades aparentes; · Diagnóstico definitivo: fluxo pulsátil na artéria umbilical em direção ao acárdico. · O gêmeo bomba pode ter sinais de insuficiência cardíaca de alto débito: polidrâmnio, cardiomegalia, derrames pericárdicos e pleurais, ascite e regurgitação tricúspide. Esse risco é maior quando a proporção de peso do gêmeo acárdico para o gêmeo bomba excede 0,70. 10.2 Conduta · Fetos entre 18 e 27 semanas de gestação com sinais indicativos de mau prognóstico são candidatos à intervenção. Realiza-se preferencialmente tratamento intrauterino a laser em idades gestacionais com menos de 16 semanas. · Nas idades gestacionais maiores que 16 semanas, realiza-se ablação por radiofrequência (RFA) por causa da maior taxa de fluxo sanguíneo. · Resolução: nas gestações TRAP deve ser feita entre 34 e 36 semanas. O período depende do cenário clínico da paciente e se há indicações de comprometimento no gêmeo bomba, o que levaria a parto antecipado. · A resolução via cesárea é indicada se houver distocia de apresentação, escore de perfil biofísico baixo para o gêmeo bomba, gestação MC/MA ou outras contraindicações para parto vaginal. 11. GRAVIDEZ MONOCORIÔNICA E MONOAMNIÓTICA (MC/MA) · A incidência de gêmeos monoamnióticos é de aproximadamente 1 em cada 10.000 gestações espontâneas, 1% da gravidezes gemelares e 5% das MC. 11.1 Monitoramento das complicações – gêmeos MC/MA · Os gêmeos MC/MA têm risco menor de STFF do que gêmeos MC/DA (2% a 6% versus 9% a 15%), mas o risco é suficiente para justificar o rastreio. · As anormalidades maiores foram relatadas em 7% a 28% dos gêmeos MC/MA. · As anomalias cardíacas congênitas são mais comuns que na gravidez única. Sugere-se avaliação da anatomia fetal a partir da 18ª semana. A ecocardiografia fetal é aconselhada se na avaliação detalhada da anatomia o rastreamento cardíaco for subótima, ou a paciente possuir indicações padrão para ecocardiografia fetal. · A mortalidade fetal ocorre em cerca de 20% de todas as gestações MC/MA. · O entrelaçamento dos cordões é uma das principais causas da morte fetal nessas gravidezes. · Alguns serviços preconizam monitorização com CTG convencional a partir de 24 a 28 semanas e internação na 28ª semana. No entanto, a mortalidade perinatal não pode ser completamente eliminada pela vigilância fetal rigorosa. · Deve ser realizada administração de corticosteroides pré-natais na 28ª semana. · Para pacientes que permanecem sem resolução da gravidez após três semanas, um curso de resgate de esteroides é realizado, mas deve ser decidido caso a caso. 11.2 Resolução da gravidez · Dada a alta taxa de mortalidade fetal nessas gravidezes, sugerimos parto por cesariana entre 32 e 34 semanas de gestação (grau de recomendação 2B) 12. GÊMEOS CONJUGADOS · É um tipo raro de gêmeos monoamnióticos, estimados em 1,5 por 100.000 nascimentos em todo o mundo;· É mais frequente em fetos femininos que masculinos. · Diagnóstico: deve ser suspeitado em gestações MC/MA de primeiro trimestre, quando os polos embrionários fetais estão intimamente associados e não mudam de posição um com o outro. A fusão de órgãos do feto pode ser óbvia · Outros achados, que não são todos específicos para gêmeos unidos, incluem hiperextensão fetal, aumento da TN ou higroma cístico, ausência de movimentos em separado dos gêmeos, embriões justapostos com um único movimento cardíaco no meio, menos membros do que o esperado, um único cordão umbilical com mais de três vasos, ou ambas as cabeças ou nádegas consistentemente ao mesmo nível entre si. · As anomalias congênitas estão sempre presentes em gêmeos conjugados. · Doppler colorido, ecocardiografia fetal e exame ultrassonográfico tridimensional podem confirmar o diagnóstico e esclarecer a anatomia, o que é crítico para avaliar o prognóstico e a tomada de decisões pré e pós-natal. · A ressonância magnética fetal pode ser útil para definir de forma mais completa a anatomia compartilhada e o planejamento cirúrgico antes do parto · Prognóstico: pobre, porque essas anomalias geralmente impedem a sobrevivência de um ou ambos os gêmeos, mesmo que a separação cirúrgica seja realizada · Não há literatura suficiente para orientar o tempo específico da resolução; as decisões são tomadas caso a caso; · O entrelaçamento do cordão não é uma preocupação importante, porque os gêmeos não se movem de forma independente. · A incisão uterina ideal depende dos fatores específicos do paciente, incluindo a idade gestacional, o nível da união e o prognóstico neonatal. As incisões abdominais e uterinas devem ser suficientemente grandes para retirar os gêmeos sem traumas obstétricos. Muitas vezes, requer incisão uterina clássica. · O parto vaginal pode ser tentado no segundo trimestre, particularmente para gêmeos não viáveis ou para término da gravidez. 13. COMPLICAÇÕES DA GRAVIDEZ DICORIÔNICA · Prematuridade · RCIU: 10%, maior que gestações únicas – um dos fetos; · Diagnóstico e tratamento do RCIU em DC: gestação única · Classificação da RCIU: grau de restrição e nas alterações ao Doppler; · Curvas de crescimento especificas para gêmeos: não existe nenhuma curva especifica na literatura 14. PREVENÇÃO DA PRÉ-ECLÂMPSIA · Gravidez múltipla: fator de risco médio da pré-eclâmpsia (pré-eclâmpsia tardia) · Iniciar o tratamento preventivo: AAS 150mg (a noite) de 11 a 14 semanas até 36 semanas: para primíparas, idade materna >= 40 anos, intervalo gestacional > 10 anos, IMC > 35kg/m2, história familiar de pré-eclâmpsia · Pacientes com história de risco epidemiológico de pré-eclâmpsia: nefropatia crônica, diabetes pre-gestacional, HAC, história de pré-eclâmpsia em gestação anterior, doenças autoimunes: SAF-LES; 15. PREVENÇÃO DE PREMATURIDADE · Prematuridade: morbidade e a mortalidade neonatal · Risco PP: 8 a 12x maior que em gravidez única · Colo curto durante o segundo trimestre: melhor preditor – encurtamento do colo – comprimento do colo diminui mais durante a gestação quanto maior o número de fetos · Velocidade de encurtamento · Gestações únicas normais: 0,6mm/semana · Gestações gemelares: 0,9mm/semana · Trigemelares: 1,2mm/semana · Colo curto: aumenta em 6,3x o risco de parto antes de 28 semanas (12%) e mais do dobro do risco de parto antes de 32 semanas (27%). · Progesterona vaginal micronizada: 200 a 400mg/dia (melhor 400mg) – segundo trimestre. Associada a redução: · Risco de parto < 33 semanas (31%) · Mortalidade neonatal (47%) · Redução de mortalidade perinatal · Desconforto respiratório · Peso < 1,5kg · Uso de ventilação mecânica 16. ORIENTAÇÕES GERAIS SOBRE A RESOLUÇÃO DA GRAVIDEZ 16.1 Idade gestacional da resolução · Gêmeos DC/DA: 38 + 0 a 38 + 6 semanas (grau de recomendação 2C) · MC/DA: 36 + 0 a 36 + 6 semanas de gestação (grau de recomendação 2C) · MC/MA: 32 a 34 semanas 16.2 Via de parto · MC/MA, gestação multifetal ou gêmeos acolados com prognostico – parto cesariano · Apresentação cefálico-cefálico – parto vaginal (grau de recomendação 2B) · Primeiro gêmeo em apresentação não cefálica – cesariana (grau de recomendação 2C); · Primeiro cefálico e segundo não cefálico – parto vaginal com extração pélvica do segundo gêmeo (experiencia da equipe e paciente fornecer o consentimento informado) (grau de recomendação 2C) · Grande diferença de peso entre gêmeos ou peso do segundo gêmeo para indicar via abdominal (segundo feto com peso < 1,5kg) · Gestação monocoriônica: clampear cordão imediatamente – evitar fenômenos agudos de transfusão intergêmeos · Após clampeamento do cordão do primeiro: verifica-se a apresentação do segundo gêmeo, mantendo a bolsa integra. PÂMELA MARTINS BUENO