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Síndromes demenciais e demência na doença de Alzheimer Caso clínico Consulta realizada em 11/03/2021 P.C.S., 89 anos, sexo feminino, acompanhada da filha Dulce. AP: HAS, coxartrose? Negou DM, DLP, DAC, IAM, AVE, TBG, etilismo Usa: donepezila 10mg/dia; clonazepam 2mg/noite; captopril 25mg/dia; HCTZ 25mg/dia Deambula com andador, parcialmente dependente para ABVD (KATZ 3/6), usa fralda geriátrica por dificuldade em acesso ao banheiro e dores em quadris ao sentar no vaso sanitário. Requer assistência para escolher roupas. Filha notou esquecimentos há pouco menos de 2 anos, com evocação boa para fotos antigas/memória autobiográfica. Apresenta também mudança de personalidade e de comportamento, ora mais agitada, ora mais apática. Deixou de realizar os cuidados de casa, ajudou a criar o bisneto, hoje com 15 anos, e filha vem notando piora insidiosa e progressiva do quadro mencionado, atualmente controlados sem medicação nova. Dorme bem, sono reparador, sem cochilos diurnos. Boa alimentação, sem disfagia aparente, sem perda ponderal, sem lesões por pressão. Negou queixas depressivas, todavia em alguns momentos chora e pede para ir embora, com remissão espontanea posterior. Marcha bastante alentecida em virtude de coxartrose. Negou constipação ou dificuldade evacuatória. EF: BEG, CHAAA, eupneica. PA 120x80mmHg (sentada, MSE), AO 115x80mmHg (ortostase MSE), FC = P = 64bpm, sat 96% aa. Ausencia de EJ e de edema. Presença de ceratoses actínicas em MMSS, couro cabeludo (frontal mediana alta) e uma em região esternal superior. MV+ e nd sem RA // 2BRNF com SS 4+/6+ panfocal, maus audiveis em foco mitral. Abdome plano, RHA + e nd indolor, sem megalias. MMII sem sinais TVP. Vigil, fluente, confusa, sem delírium, não avaliada marcha: sem deficit motor focal. PPS 40 Avaliação cognitiva não realzado pelas dificuldades cognitivas e auditivas por parte da idosa. Questões 1) Com relação ao diagnóstico sindrômico, qual é o mais provável? a) Síndrome depressiva b) Delirium c) Síndrome demencial d) Transtorno psicótico de início tardio 2) Qual aspecto da história clínica fez você pensar nesta hipótese? a) Dificuldade em acessar o banheiro b) Perda insidiosa e progressiva de memória para fatos recentes, sem outras causas aparentes c) Dependência parcial para ABVD d) Uso de fraldas geriátricas e necessidade de assistência para escolher roupas 3) Qual o provável diagnóstico? a) Demência na doença de Alzheimer b) Demência vascular c) Demência por corpos de Lewy d) Degeneração lobar frontotemporal (DLFT) 4) Qual o próximo passo na investigação clínica? a) Encaminhamento para neurologista b) Ressonância magnética de encéfalo + punção liquórica c) Avaliação neuropsicológica d) Neuroimagem (exemplo: tomografia computadorizada de crânio) e exames laboratoriais para afastar outras causas 5) Qual a proposta terapêutica? a) Tratar condições médicas associadas: iniciar anticolinesterásico; controle de sintomas psicológicos e comportamentais b) Orientações aos familiares: não iniciar anticolinesterásico pelo fato de não haver cura desta doença neurodegenerativa c) Cuidados paliativos estritos d) Discutir acolhimento institucional Contextualização Classificação das demências Quanto ao potencial de reversibilidade: reversível ou irreversível Reversível: com comprometimento do SNC (hematoma subdural crônico, hidrocefalia de pressão normal) ou sem comprometimento do SNC (hipotireoidismo, anemia, insuficiência hepática, deficiência de B12, medicações, álcool, déficits visual e auditivo, encefalopatia de Wernicke) Quanto à localização (no passado, atualmente é criticada): corticais e subcorticais Corticais: afasia, apraxia, agnosia, amnésia Subcorticais: bradifrenia, distúrbios do humor, alterações de personalidade Quanto a fisiopatologia: degenerativas ou não degenerativas Degenerativas (dano cerebral progressivo): Alzheimer, doença de Creutzfeldt-Jakob, demência na doença de Parkinson Não degenerativas (decorrentes de lesão cerebral): AVE, traumatismo cranioencefálico Diagnóstico diferencial etiológico das demências Degenerativas: Doença de Alzheimer, demência com corpos de Lewy, demência na doença de Parkinson, paralisia supranuclear progressiva, atrofia de múltiplos sistemas, degeneração corticobasal, demência frontotemporal Vasculares: doença difusa de substância branca, isquemias cerebrais, hematoma subdural crônico, lesão por hipóxia Infecciosas: HIV, tuberculose, neurossífilis, leucoencefalopatia multifocal progressiva Neoplásicas: tumores primários, metástases, síndromes paraneoplásicas Autoimunes: vasculites, esclerose múltipla, sarcoidose Endocrinopatias: hipo/hipertireoidismo, insuficiência adrenal, hipercortisolismo, hipo/hiperparatiroidismo Metabólicas: nefropatias, hepatopatias, encefalopatia de Wernicke, deficiência de vitamina B12 Traumáticas: lesão axônico-difusa, demência puglística Tóxicas: alcoolismo, drogas e medicamentos, metais pesados Atenção: o diagnóstico etiológico de demências sem comprometimento do SNC depende de exames laboratoriais e história clínica detalhada. Exames solicitados para pacientes com demência: Hemograma completo Ureia e creatinina Proteínas totais e frações Enzimas hepáticas TSH e T4L LCR com dosagem de proteína tau total, tau fosforilada, beta-amiloide (pacientes < 65 anos, suspeita de infecção no SNC, demência com apresentação atípica, hidrocefalia comunicante) Vitamina B12 Ácido fólico Cálcio sérico Sorologia para sífilis Sorologia para HIV EEG (pode ser útil na diferenciação de demência e delirium) Demências secundárias: diagnóstico por neuroexames de imagem (TC e RM de crânio) Síndromes demenciais e demência na DA Síndrome demencial Definição: “síndrome caracterizada pelo declínio da capacidade intelectual, suficientemente grave para interferir nas atividades sociais ou profissionais, que independente de distúrbio do estado de consciência (ou da vigília) e é causada por comprometimento do SNC” (Dr. Ricardo Nitrini) Duas etapas: sindrômico + etiológico Doença de Alzheimer: possível, provável ou definida (a definida só pode ser falada no pós morte, pois precisa de biópsia) Diagnóstico demencial é clínico (baseado em avaliação objetiva do desempenho cognitivo e funcional), mas a identificação da causa da demência necessita de exame complementar (exames laboratoriais + exame de imagem – situações específicas: EEG, LCR, neuroimagem funcional/SPECT e tomografia por emissão de prótons/PET) Avaliação cognitiva inicial em pessoas com suspeita de demência: testes de rastreio MEEM é o mais empregado: avalia orientação temporal, espacial, memória, atenção, cálculo, linguagem, habilidades construtivas, sendo que a pontuação varia de 0 a 30 (<28 para analfabetos, a depender da escolaridade). Pacientes com mau desempenho devem passar por avaliação neuropsicológica Teste de fluência verbal semântica: avaliada pela anamnese Teste de memória de figuras ou lista de palavras Teste do relógio Teste de Pfeffer: avaliação desempenho funcional Demência é diagnosticada quando há sintomas cognitivos ou comportamentais (neuropsiquiátricos) que: “Interferem com a habilidade no trabalho ou em atividades usuais” “Representam declínio em relação a níveis prévios de funcionamento e desempenho” “Não são explicáveis por delirium (estado confunsional aguda) ou doença psiquiátrica maior” O comprometimento cognitivo é detectado e diagnóstico mediante combinação de: “Anamnese com paciente e informante que tenha conhecimento da história” “Avaliação cognitiva objetiva, mediante exame breve do estado mental ou avaliação neuropsicológica. A avaliação neuropsicológicadeve ser realizada quando a anamnese e o exame cognitivo breve realizado pelo médico não forem suficientes para permitir diagnóstico confiável” Os comprometimento cognitivos ou comportamentais afetam no mínimo, dois do seguintes domínios: Memória: “caracterizado por comprometimento da capacidade para adquirir ou evocar informações recentes, com sintomas que incluem: repetição das mesmas perguntas ou assuntos, esquecimento de eventos, compromissos ou lugar onde guardou seus pertences” Funções executivas: “caracterizado por comprometimento do raciocínio, da realização de tarefas complexas e do julgamento, com sintomas tais como: compreensão pobre de situações de risco, redução da capacidade para cuidar das finanças, de tomar decisões e de planejar atividades complexas ou sequenciais Habilidades visuoespaciais: “com sintomas que incluem incapacidade de reconhecer fazes ou objetos comuns, encontrar objetos no campo visual, dificuldade para manusear utensílios, pra vestir-se, não explicáveis por deficiência visual ou motora” Linguagem “(expressão, compreensão, leitura e escrita) com sintomas que incluem: dificuldade para encontrar e/ou compreender palavras, erros aso falar e escrever, com trocas de palavras ou fonemas, não explicáveis por déficit sensorial ou motor” Personalidade ou comportamento, com “sintomas que incluem alterações do humor (labilidade, flutuações incaracterísitcas), agitação, apatia, desinteresse, isolamento social, perda de empatia, desinibição, comportamentos obsessivos, compulsivos ou socialmente inaceitáveis” DSM-V Em resumo domínios da cognição (avaliação da cognição): linguagem, memória, gnosia (aspectos visuoespaciais), personalidade/comportamento, funções executivas Doença de Alzheimer Epidemiologia: afeta principalmente idosos, correspondendo 60% de todas as demências Características Doença neurodegenerativa Causa e patogênese incertas Curso clínico de início insidioso e deterioração progressiva (sobrevida após o diagnóstico varia de 3 a 20 anos) Manifestações clínicas Mais precoce e essencial: comprometimento da memória episódica, primeiro para eventos recentes (há exceções em formas atípicas) Déficits em outros domínios cognitivos podem aparecer de maneira concomitante ou subsequente ao déficit de memória Disfunção executiva e o comprometimento visuoespacial estão presentes em fases iniciais, enquanto afasia, apraxia e distúrbios de comportamento se manifestam mais tardiamente na durante Pode acontecer de no início da doença ocorrreem distúrbios comportamentais Características que diminuem a probabilidade de doença de Alzheimer Início súbito (ou seja, no Alzheimer o início é lento) Presença de sinais neurológicos focais (hemiparesia, perda sensorial, déficits de campo visual, perda de coordenação) Presença de alterações da marcha Convulsões de início precoce Fase inicial: exame neurológico é normal Mesmo geralmente aparecendo como uma síndrome amnéstica, há variantes da DA Diagnóstico Diagnóstico definitivo: histopatológico Exames laboratoriais e neuroimagem são feitos para excluir outros diagnósticos “Para diagnóstico de demência de DA, é essencial que os déficits causem significativo comprometimento nas atividades profissionais, ocupacionais e sociais do indivíduo e representem declínio significativo com relação aos níveis prévios de funcionamento, na ausência de alterações de consciência” Escala FAST Neuropatologia Ainda não está 100% descoberta Principais achados: “perda neuronal e degeneração sináptica intensas, com acúmulo de deposição no córtex cerebral de 2 lesões principais: placas senis ou neuríticas e emaranhados neurofibrilares“ Alzheimer provável Demência da doença de Alzheimer provável (modificado de McKhann et al, 2011) Preenche critérios para demência e tem adicionalmente as seguintes características: Início insidioso (meses ou anos) História clara ou observação de piora cognitiva Déficits cognitivos iniciais e mais proeminente em uma das seguintes categorias: Apresentação amnéstica (deve haver outro domínio afetado) Apresentação não-amnéstica (deve haver outro domínio afetado) - Linguagem (lembranças de palavras) - Visual-espacial (cognição espacial, agnosia para objetos e faces simultaneagnosia e alexia) - Funções executivas (alteração do raciocínio, julgamento e solução de problemas) Tomografia ou, preferencialmente, RM de crânio deve ser realizada para excluir outras possibilidades diagnósticas ou comorbidades, principalmente a doença vascular cerebral O diagnóstico de demência do DA provável não deve ser aplicado quando houver: Evidência de doença cerebrovascular importante definida por história de AVC temporalmente relacionada ao início ou piora do comprometimento cognitivo; ou presença de infartos múltiplos ou extensos; ou lesões acentuadas na substância branca evidenciadas por exame de neuroimagem; ou Características centrais de demência com corpor de Lewy (alucinações visuais, parkinsonismo ou flutuação cognitiva); ou Características proeminentes da variante comportamental da demência frontotemporal (hiperoralidade, hipersexualidade, perseveração); ou Características proeminentes de afasia progressiva primária manifestando-se como a variante semântica (também chamada demência semântica, com discurso fluente, anomia e dificuldade de memória semântica) ou como a variante não-fluente, com agramatismo importante; ou Evidência de outra doença concomitante e ativa, neurológica ou não-neurológica, ou de uso de medicação que pode ter efeito substancial sobre a cognição Os seguintes itens, quando presentes, aumentam o grau de confiabilidade do diagnóstico clínico da demência do DA provável: Evidência de declínio cognitivo progressivo, constatado em avaliações sucessivas (confirma a existência de um mecanismo degenerativo, apesar de não ser especifico de DA); Comprovação da presença de mutação genética causadora de DA (genes da APP e presenilinas 1 e 2); Positividade de biomarcadores que reflitam o processo patogênico da DA (marcadores moleculares através de PET ou líquor; ou neuroimagem estrurural e funcional); Alzheimer possível O diagnóstico de demência da DA possível deve ser feito quando o paciente preenche os critérios diagnósticos clínicos para demência da DA, porém apresenta alguma das circunstâncias abaixo Curso atípico: início abrupto e/ou padrão evolutivo distinto daquele observado usualmente, isto é, lentamente progressivo Apresentação mista: tem evidência de outras etiologias conforme detalhado no item 4 dos critérios de demência da DA provável (doença cerebrovascular concomitante; características de demência com corpos de Lewy; outra doença neurológica ou uma comorbidade não neurológica ou uso de medicação as quais possam ter efeito substancial) Detalhes de história insuficientes sobre instalação e evolução da doença Alzheimer definido Demência da doença de Alzheimer definida Preenche critérios clínicos e cognitivo, para demência da DA, e exame neuropatológico demonstra a presença de patologia da DA segundo os critérios do NIA e do Reagan Institute Working Group Post mortem (necessária biópsia) Alterações patológicas vistas no DA Presença neuronal Presença de placas senis ou neuríticas Presença de emaranhados neurofibrilares Redução da densidade sináptica cortical e subcortical Déficit em vários sistemas neurotransmissores Tratamento “Ainda que incurável, DA é tratável” Não têm evidência para DA Vitamina E Selegilina Estatinas AINH Gingko biloba Seleglina Inibidores de hemocisteína Terapia de reposição hormonal Vitaminas B6, B12, ácido fólico Tratamento sintomáticos/compensadores Funções: retardar progressão da doença, melhorar qualidade de vida, promoção de funcionalidade, Tentar compensar lesões ou déficits já ocorridos com as alterações patológicas Deficiência de acetilcolina (principal neurotransmissor envolvido) Inibidores da acetilcolinesterase (IChE) ou anticolinesterásicos: aprovados para fases leve e moderada da DA Exemplos: Galantamina: 1x/dia. Começa com 8mg, aumenta para 16mg e chefa em 24mg (dose máxima – só não avança se o indivíduo não tolera) Donepezila Rivastigmina Antagonistas glutamatérgicos NMDA (memantina): fases moderada a grave da DA Principal neurônio inibitório do SNC: GABA/ principal neurônio excitatório do SNC: glutamato A medida que placas senis vão se formando, há uma ativação patológica do glutamato. Então deve-se usar aos antagonistas glutamatérgicos NMDA, que só são usadas nas placas moderadas-graves da DA pois no começo a atividade patológica não acontece, mas acontece quando se forma as placas. O glutamato possui excitotoxicidade neuronal: o glutamato se liga ao receptor NMDA e o cálcio dentro do neurônio induz sua morte, dentro do neurônio o cálcio induz a morte neuronal, então o glutamato fecha o canal para não entrar mais cálcio na célula, por isso, o glutamato induz a morte celular por excitotoxicidade pelo cálcio (impede a entrada de cálcio) Uso em monoterapia ou em associação com IAChE Potenciais benefícios dos IACHE (anticolinesterásicos) Manter habilidades para ABVDs Melhorar alterações comportamentais Reduzir o estresse/sobrecarga do cuidador Reduzir a chance de institucionalização Maximizar funcionalidade no decorrer da vida Abordagens farmacológicas Aumentar a cognição e função Anticolinesterásicos (IACHE) Antagonistas glutamatérgicos (NMDA) Tratar depressão ou ansiedade coexistente Antidepressivos Tratamento dos SPCD Antidepressivos Antipsicóticos Psicoestimulantes Anticonvulsivantes Evitar medicamentos que pioram a cognição: Anticolinérgicos Medidas não farmacológicas Reabilitação cognitiva/psicológica Fisioterapia Exercícios físicos Musicoterapia Terapia ocupacional Sem impacto na doença de Alzheimer, destinando-se para qualidade de vida e controle de sintomas de natureza distinta Respostas questões 1) C 2) B 3) A 4) D 5) A
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