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ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS EM SERVIÇO SOCIAL I Mariana Oliveira Decarli Os instrumentais técnico-operativos do Serviço Social Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever o histórico do processo de trabalho do Serviço Social. Reconhecer os conceitos de instrumental, instrumento e técnica. Identificar os instrumentos e técnicas utilizados no Serviço Social após o movimento de reconceituação da profissão. Introdução Neste capítulo, você vai estudar o significado da instrumentalidade do Serviço Social. Também vai ver de que forma essa instrumentalidade é materializada pelos instrumentos e técnicas que garantem o fazer profissional crítico, propositivo e transformador da realidade. O processo de trabalho, de maneira geral, diz respeito à relação entre homens e mulheres com a natureza e a sua transformação. Na sociedade capitalista, esse processo é alienado, o que constrói relações sociais tam- bém alienadas. O Serviço Social e o processo de trabalho da profissão estão inscritos, portanto, nesse contexto. É fundamental que você compreenda a importância de uma prática orientada de forma teleológica pelo profissional para que a instrumen- talidade do Serviço Social não reproduza a lógica alienada intrínseca ao capitalismo. Desenvolvimento histórico do Serviço Social Inicialmente, você deve notar que o desenvolvimento histórico do trabalho do assistente social se conecta ao processo de trabalho como todo. Para Marx, o processo de trabalho se dá antes de qualquer vinculação com determinada formação social. Isso signifi ca que o processo de trabalho é, antes de tudo, a relação de homens e mulheres com a natureza — modifi cando-a a partir de sua capacidade teleológica de refl exão e ação, assim como construindo algo novo com base nessa relação. O trabalho é a categoria que dignifica homens e mulheres e que constitui ontologicamente um novo tipo de ser: o ser social. Ao modificar a natureza e produzir algo novo, homens e mulheres modificam a si mesmos. Para que o desenvolvimento de um processo de trabalho seja possível, são necessárias algumas condições, como o meio e o objeto de trabalho. Para exercer deter- minado trabalho, são imperativas as faculdades mecânicas, físicas e químicas. Segundo Marx (1985, p. 151): Além das coisas que medeiam a atuação do trabalho sobre seu objeto e por isso servem, de um modo ou de outro, de condutor da atividade, o processo de trabalho conta, em sentido lato, entre seus meios, com todas as condições objetivas que são exigidas para que seu processo se realize. Estas não entram diretamente nele, mas sem elas ele não pode decorrer ao todo ou só deficien- temente. O meio universal de trabalho deste tipo é a própria terra, pois ela dá ao trabalhador o locus standi, e ao processo dele, o campo de ação ( field of employment) [...]. Esse processo de trabalho tomado de forma abstrata está relacionado com a produção de um fim, de algo utilizável no âmbito da interação entre homens, mulheres e natureza. O resultado do processo de trabalho é claro para quem trabalha. Um trabalhador que fia tem como resultado de seu trabalho o fio, a ser utilizado pela sociedade, pela coletividade. No entanto, hoje o processo de trabalho está inscrito em uma lógica distinta. Aqui, é importante que você reflita sobre a formação social capitalista. Assim, em breve, vai poder refletir também acerca do processo de trabalho do Serviço Social — que ganha definições a mais, definições que são fundamentais na compreensão da ordem vigente. Segundo Marx (1985, p. 154): O processo de trabalho, em seu decurso enquanto processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista, mostra dois fenômenos peculiares. [...] O trabalhador trabalha sobre o controle do capitalista a quem pertence seu trabalho. [...] Segundo, porém: o produto é propriedade do capitalista, e não do produtor direto, do trabalhador. Os instrumentais técnico-operativos do Serviço Social2 Todo o processo de trabalho sob a lógica da produção capitalista passa a se tornar alienante ao trabalhador. A atividade fundante passa a ser uma atividade alienada. Na medida em que se complexificam os processos de trabalho, há, cada vez mais, uma ruptura entre o trabalhador e aquilo que ele produz. Além disso, há também a sua exclusão do consumo de bens materiais coletivos, sem haver nesse processo a troca de mercadorias. Assim, a sociedade produz relações sociais de produção alienantes que se circunscrevem a todos em interação social. O processo de trabalho do Serviço Social, portanto, tem por base o desen- volvimento das forças produtivas em dado momento do desenvolvimento do próprio capitalismo em sua fase monopolista. Segundo Guerra (2000, p. 6): É no estágio monopolista do capitalismo, dadas as características que lhe são peculiares, que a questão social vai se tornando objeto de intervenção siste- mática e contínua do Estado. Com isso, instaura-se um espaço determinado na divisão social e técnica do trabalho para o Serviço Social (bem como para outras profissões). É nesse marco contraditório que se inscreve o fazer profissional do assis- tente social. A sua utilidade social se dá na medida em que há a necessidade de responder às classes sociais em disputa no interior da sociedade. Embora o Serviço Social seja uma profissão que responde às necessidades do capital, também é uma profissão que, com base em uma perspectiva crítica, tem o potencial de garantir e consolidar direitos, postando-se ao lado dos oprimidos. Existe uma distinção entre a generalização ou abstração do processo de trabalho — enquanto ação de homens e mulheres na natureza, criando algo novo, de utilidade coletiva — e o processo de trabalho inscrito em determinada sociedade. Em cada formação socioeconômica distinta (escravismo, feudalismo e capitalismo), há um tipo de processo de trabalho circunscrito, embora o processo de trabalho em si tenha a mesma essência. 3Os instrumentais técnico-operativos do Serviço Social Instrumentais, instrumentos e técnicas profissionais A compreensão acerca dos instrumentais do Serviço Social está inter-relacionada com o processo de trabalho em si. Afi nal, todo trabalho social possui algum tipo de instrumentalidade (que é diferente de instrumento e de técnica). A instru- mentalidade é uma condição inerente ao trabalho. Segundo Guerra (2000, p. 3): A ação transformadora que é práxis [...], cujo modelo privilegiado é o trabalho, tem uma instrumentalidade. Detém a capacidade de manipulação, de conversão dos objetos em instrumentos que atendam às necessidades dos homens e de transformação da natureza em produtos úteis (e, em decorrência, a transfor- mação da sociedade). Mas a práxis necessita de muitas outras capacidades/ propriedades além da própria instrumentalidade. Assim, o processo de manipular coisas — a natureza ou os posteriores frutos do trabalho — possui instrumentalidade. Isso significa que essas ações possuem teleologia, envolvem a capacidade de refletir acerca de possibilidades, de futuros. A questão central é que, na formação social capitalista, a instrumentalidade que homens e mulheres utilizavam para transformar a natureza passa a ser utilizada pelo burguês na compra de força de trabalho. Ocorre o que Guerra (2000, p. 5) chama de “[...] instrumentalização de pessoas [...]”. O profissional de Serviço Social, também inscrito na lógica de produção e reprodução da força de trabalho, tem seu próprio trabalho intermediado pela instrumentalização de pessoas. As- sim, em última instância, sua atuação também pode ser permeada de alienação. Como você pode notar, o quadro vai se tornando mais complexo. Diante disse, segundo Guerra (2000, p. 7): [...] é importante, na reflexão do significado sócio-histórico da instrumentalidade como condição de possibilidade do exercício profissional, resgatar a natureza e a configuração das políticas sociais que, como espaços de intervenção pro-fissional, atribuem determinadas formas, conteúdos e dinâmicas ao exercício profissional. A este respeito, considerando a natureza (compensatória e residual) e o modo de se expressar das políticas sociais (como questão de natureza técni- ca, fragmentada, focalista, abstraída de conteúdos econômico-políticos), estas obedecem e produzem uma dinâmica que se reflete no exercício profissional através de dois movimentos: 1) interditam aos profissionais a concreta apre- ensão das políticas sociais como totalidade, síntese da articulação de diversas esferas e determinações (econômica, cultural, social, política, psicológica), o que os limita a uma intervenção microscópica, nos fragmentos, nas refrações, nas singularidades; 2) exigem dos profissionais a adoção de procedimentos instrumentais, de manipulação de variáveis, de resolução pontual e imediata. Os instrumentais técnico-operativos do Serviço Social4 O desafio que se impõe é a construção de uma instrumentalidade baseada não naquilo que o capitalismo exige — ou seja, a reprodução da força de trabalho para que se reproduza o capital —, mas na consolidação dos direitos sociais e humanos. Isso é possível por meio da materialização de políticas sociais em interlocução com as necessidades reais e objetivas dos usuários. Como você pode perceber, esse desafio é cada vez maior e mais complexo. A utilização de instrumentos e técnicas para a execução das políticas sociais no âmbito da seguridade social (saúde, assistência social, previdência social) também não está descolada do cenário apresentado. Mas tais instrumentos e técnicas guar- dam, eles mesmos, contradições próprias. Muitas vezes, é por meio de um fazer profissional tecnicista (ou seja, que se preocupa de forma unilateral com a técnica e os instrumentos) que se abre espaço para o processo que não inclui a práxis. Sem refletir criticamente acerca da realidade e sem se posicionar no co- tidiano profissional, o assistente social passa a realizar uma prática isolada, fragmentada, imediatista e que trata das aparências sem acessar a essência das relações sociais postas. A redução do Serviço Social a um processo técnico descolado do projeto ético-político da profissão é extremamente prejudicial não somente ao fazer profissional, mas também à própria condição do assistente social de garantidor de direitos sociais para os usuários. Sem processos de reflexão crítica, o Serviço Social pode se tornar um meio para qualquer tipo de ação profissional desqualificada. O que são instrumentos e técnicas? A dimensão técnico-operativa do Serviço Social envolve um conjunto articulado de instrumentos e técnicas que permitem a operacionalização dos serviços sociais. O conhecimento e as habilidades do profi ssional também são instrumentos que ele utiliza no seu cotidiano profi ssional. Portanto, a dimensão técnico-operativa também é uma dimensão que envolve a educação e a formação dos profi ssionais. São atribuições do assistente social: coordenar, elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas e projetos na área de Serviço Social; prestar informações e elaborar pareceres no que tange à profissão; planejar, coordenar e executar atividades socioeducativas; atuar como consultor, facilitador de processos de formação, reuniões, palestras; elaborar relatórios técnicos e análises sobre temas do Serviço Social; supervisionar estagiários de Serviço Social. 5Os instrumentais técnico-operativos do Serviço Social Você deve partir da perspectiva de que toda a matéria de Serviço Social é profissional. Assim, para ser assistente social, o profissional deve estudar e se formar considerando todos os fundamentos da profissão. Além disso, precisa pas- sar por uma formação crítica, de acordo com o projeto ético-político profissional. Alguns instrumentos do Serviço Social que você pode utilizar para desen- volver o seu trabalho junto aos usuários são: a visita domiciliar, as entrevistas, os estudos sociais, os laudos e pareceres técnicos e as intervenções em grupos. Esses instrumentos fazem parte do cotidiano dos profissionais e possibilitam o trabalho qualificado, bem como a escuta qualificada dos usuários. Só assim o assistente social pode responder às demandas apresentadas a ele. No link a seguir, você pode assistir a uma aula magna da professora Yolanda Guerra sobre a instrumentalidade do Serviço Social. O vídeo foi gravado na Universidade Estadual do Ceará (UECE). https://goo.gl/kyJ1xy Modificações trazidas pelo movimento de reconceituação Segundo Guerra (2000), há três tipos de instrumentalidade no Serviço Social. A primeira delas é uma instrumentalidade que está de acordo com o projeto burguês de sociedade. Ela se relaciona à capacidade da profi ssão de converter-se em meio de manutenção da ordem. Isso ocorre pela utilização de seu aparato técnico- -instrumental apenas de forma racional e técnica, sem criticidade. A segunda ins- trumentalidade responde às demandas das classes, ou seja, é uma instrumentalidade que também está inscrita numa perspectiva mecanicista de atuação profi ssional. A terceira instrumentalidade é a mediação. Segundo Guerra (2000, p. 11): Se é verdade que a Instrumentalidade insere-se no espaço do singular, do cotidiano, do imediato, também o é que ela, ao ser considerada como uma particularidade da profissão, dada por condições objetivas e subjetivas, e como tal sócio-históricas, pode ser concebida como campo de mediação e instância de passagem. Os instrumentais técnico-operativos do Serviço Social6 Assim, a autora afirma que a instrumentalidade é um campo de mediação. Nesse sentido, a profissão é tomada enquanto totalidade num esforço de abs- tração para se entender esse viés profissional. Na interação com o cotidiano profissional, o assistente social lança mão de acúmulos sociais, culturais, ideológicos e de formação. Ele adapta todo esse arcabouço ao seu fazer pro- fissional para resolver problemas e questões que surgem em seu cotidiano. Isso quer dizer que nesse processo também se confrontam visões distintas de mundo e do arcabouço teórico a ser utilizado. O movimento de reconceituação, que surge em 1965 no interior do Serviço Social, tem como base as condições objetivas que atravessavam o País em meio à ditadura civil-militar e à chegada da teoria social crítica por aqui — ou seja, a interação do profissional enquanto sujeito político e, portanto, a sua práxis. Nesse contexto, a instrumentalidade é repensada, assim como os instrumentos e técnicas utilizados no cotidiano profissional. Além disso, uma série de instrumentais de cunho conservador presentes no interior da profissão começam a ser questionados junto a todo o fazer profissional e à perspectiva conservadora. A possibilidade de se compreender a sociedade a partir do método crítico- -dialético, entendendo o movimento interno do capital, suas formas de sus- tentação e o papel do Serviço Social nesse contexto, faz com que o corpo profissional se destine a criticar aquilo que Barroco (2010) definiu como ethos conservador do Serviço Social. Assim, a ideia é constituir uma perspectiva emancipatória para a profissão, vinculada à necessária transformação social. A instrumentalidade é colocada como elemento fundamental da criticidade, como parte integrante da perspectiva de formação profissional. Afinal, não há um processo teórico sem um processo prático que o reflita. Assim, reforça-se a centralidade da práxis enquanto fundamento ético e ontológico da profissão. É fundamental você compreender que, ao longo dessas duas décadas de existência do Serviço Social (até o marco da reconceituação), a prática do profissional esteve voltada para a manutenção da ordem burguesa a partir de uma perspectiva teórico-metodológica e de uma ação pautadas pelo conservadorismo e pela óptica da benfeitoria junto aos usuários. Além disso, havia em todo o processo — da formação à atuação profissional — uma perspectiva de culpabilização dos sujeitospelas suas condições de existência. Diante do marco da reconceituação e do movimento de entrada da teoria social crítica no Brasil no contexto ditatorial, os profissionais passaram a acessar um instrumental teórico que explica a contradição da sociedade de uma perspectiva crítica. Tal perspectiva oferece instrumentais para que o profissio- nal compreenda que o seu trabalho é necessário, pois se vive numa sociedade 7Os instrumentais técnico-operativos do Serviço Social cindida pela luta de classes. Nesse sentido, as injustiças e as expressões da questão social — alvo de sua intervenção — são constituídas pela contradição entre os detentores dos meios de produção e aqueles que têm apenas a sua força de trabalho para vender. Esse marco é, portanto, fundante da perspectiva do Serviço Social que se desenvolve desde então e do aprofundamento dessa compreensão no Código de Ética de 1993. Considere que um profissional que trabalha na área de saúde se depara com esta situação trazida por um usuário do Sistema Único de Saúde: o medicamento para pressão está em falta nas unidades básicas de saúde de todo o município e o usuário não tem outra condição de adquiri-lo que não por meio da farmácia básica. Diante disso, o assistente social deve munir-se de todo o seu aparato de instrumentos e técnicas para solucionar a demanda do usuário. As ações tomadas por esse profissional podem ser definidas de inúmeras formas. Ele pode: optar por dialogar com seus colegas num trabalho multidisciplinar em busca de uma solução coletiva; abrir uma ação judicial contra o município, exigindo que o usuário tenha garantido seu direito de acesso ao medicamento; buscar a rede de atendimento de saúde na expectativa de garantir o direito do usuário. Todo esse processo de reflexão e tomada de decisões acerca de um quadro está inscrito na instrumentalidade da profissão. BARROCO, S. M. L. Ética: fundamentos sócio-históricos. São Paulo: Cortez, 2010. GUERRA, Y. Instrumentalidade do processo de trabalho e serviço social. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 21, n.62, p. 5-34, mar. 2000. MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1985, 2 ed. Leitura recomendada NETTO, P. J. Ditadura e serviço social. São Paulo: Cortez, 2011. Os instrumentais técnico-operativos do Serviço Social8 Conteúdo: ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS EM SERVIÇO SOCIAL I Camila Muniz Assumpção Registro e documentação: laudos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir laudo e quando deve ser realizado. Identificar a importância, os objetivos e a aplicabilidade dos laudos técnicos do Serviço Social nos diferentes campos sócio-ocupacionais. Diferenciar estudo social, laudo e parecer. Introdução O Serviço Social constitui seu modo de ser e fazer no âmbito das relações sociais, ou seja, para executar qualquer tipo de intervenção, o assistente social deve utilizar diferentes instrumentos. Quando se aborda a ação profissional, é preciso ter em mente que sua materialização se dá a partir da formulação de objetivos para ela. Cabe lembrar que o Serviço Social tem dimensões teórico-metodoló- gica e ético-política, as quais envolvem a elaboração de relatórios, laudos e pareceres para os profissionais que atuam direta ou indiretamente no campo sociojurídico. Neste capítulo, você poderá refletir sobre os instrumentais técnicos- -operativos empregados no desempenho do trabalho profissional para as garantias de direito, com destaque ao laudo, por meio de sua definição e de quando deve ser realizado, entendendo sucintamente os espaços sócio-ocupacionais nos quais é feito, sabendo que as particularidades das demandas em cada campo sócio-ocupacional estão inscritas no significado social da profissão, comprometida com a consolidação e a ampliação dos direitos. Além do laudo, poderá discutir sobre outros ins- trumentos técnico-operativos, em especial o estudo, a perícia e o parecer. Laudo Os profi ssionais do Serviço Social têm a liberdade de escolher os procedimentos técnicos para a realização de uma ação na prática profi ssional, ampla autonomia garantida pelo Código de Ética da profi ssão, no intuito de contribuir com o processo de investigação, conhecimento, intervenção e avaliação de determinada situação. Os instrumentos de trabalho que o assistente social pode utilizar são fer- ramentas que permitem formular respostas inovadoras e efetivas às demandas constantes na rotina do fazer profissional. Assim, os instrumentos técnicos operativos compreendem componentes intrínsecos à intervenção dos assisten- tes sociais. De acordo com Magalhães (2003), os instrumentos e as técnicas mostram-se como importantes pontos de apoio em uma situação competente. O modo e quando será empregado são determinados pelo profissional, que deve dominar o conhecimento a respeito e as condições para aplicá-lo com base nos princípios éticos da profissão. A utilização de um instrumental pelos profissionais de Serviço Social pressupõe interações comunicativas, face a face ou pela escrita. Entre aqueles por meio da escrita, tem-se o laudo, na maioria das vezes conectado ao âmbito sociojurídico e o produto resultante de uma perícia social. O laudo apresenta o retrato social de uma problemática e, eventualmente, responde aos quesitos propostos pelo magistrado. Se, por muitas vezes, o laudo é o produto resultante de uma perícia social, vale destacar o que Mioto (2001) define como perícia social: algo que se efetiva a partir da solicitação de uma autoridade, geralmente judiciária, com a finalidade última de emitir uma opinião fundamentada sobre determinada situação social que estará subsidiando decisões da autoridade requerente a respeito da vida daqueles envolvidos na situação. Desse modo, para realizá-la, o assistente social emprega o estudo social, que fornece os subsídios necessários para a elaboração do parecer técnico. É necessário entender que não é atribuição nem competência do assistente social produzir provas, afinal o profissional não é investigador e muito menos detetive particular; contudo, o que se deve fazer é realizar estudos sobre a realidade da situação e dos envolvidos, com o objetivo de promover o acesso a direitos fundamentais e sociais e a justiça social. Nesse aspecto, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2003), traz para a reflexão o fato de que o laudo social é utilizado no meio judiciário com o objetivo de dar suporte à decisão judicial, a partir de determinada área do conhecimento, no caso o Serviço Social. Na maioria das vezes, contribui para a formação de um juízo por parte do magistrado, isto é, para que tenha elementos que possibilitem o exercício da faculdade de julgar, a qual se traduz em “avaliar, escolher, decidir”. Registro e documentação: laudos2 Mas, então, o que é laudo? Do latim “louvo”, consiste no parecer do lou- vado ou do árbitro, peça escrita, fundamentada, em que os peritos expõem as observações e consignam as conclusões da perícia. Desse modo, o laudo é um elemento de “prova” e oferece elementos de base social para a formação de um juízo e a tomada de decisões que envolvem direitos sociais e fundamentais. Os elementos relevantes, segundo Alvarenga e Coutinho (2008), representam um conjunto de informações que envolvem situações da realidade social e humana, no âmbito individual e/ou coletivo, que subsidiam o estudo social do profissional. De acordo com Fávero (2011), o laudo consiste, então, em uma das mate- rializações mais bem acabadas do estudo social, uma vez que alude a todo o processo de avaliação e às ações realizadas pelo assistente social. Tal instru- mento reúne as qualidades e exigências do relatório e do parecer (posto que se trata da conjunção destes), servindo para documentar a intervenção, orientar o trabalho de outros agentes e indicar os caminhos da atuação profissional, prestando-se, nesse caso, à sistematização de reflexões emnível prospectivo. Sua elaboração, como todo processo de trabalho, depende das finalidades da intervenção, que ditarão seus temas e extensão. Recomenda-se, além disso, que se indiquem os procedimentos realizados durante o estudo social — análise documental, estudo da legislação e normas institucionais, visita domiciliar, etc. Como alerta, é necessário refletir que não basta descrever situações, mas analisá-las à luz de conhecimentos específicos do campo de atuação. O es- tudo avaliativo deve ater-se aos objetivos que o direcionam, o que implica uma prévia seleção do que realmente é importante para a objetividade na composição dos textos. Aplicabilidade dos laudos técnicos O Serviço Social constitui-se pelas dimensões ético-política (poder), teórico- -metodológica (saber) e técnico-operativa (fazer), que interagem como mediações da prática profi ssional em diferentes espaços sócio-ocupacionais (MARTINELLI, 2005 apud FÁVERO, 2009). As três dimensões caracterizam e fundamentam a intervenção nesses espaços, somando-se a elas os conhecimentos relativos às particularidades e às especifi cidades de cada área de intervenção. Vários são os campos de atuação do assistente social, mas, para analisar a importância, os objetivos e a aplicabilidade dos laudos, é necessário fazer um recorte e tratar do campo sociojurídico, ainda em construção. Nesse sentido, para retratar a atuação do assistente social, torna-se relevante compreender a 3Registro e documentação: laudos respeito do setor jurídico. “Campo sociojurídico” é um termo novo na história do Serviço Social brasileiro, de destaque por revelar o lugar que tal área no Brasil ocupa nesse espaço sócio-ocupacional, após seu redirecionamento ético e político, disposto a analisar a realidade social em uma perspectiva de totalidade e em meio a contradições sociais profundas. O campo apresenta uma perspectiva singular para a atuação profissional, que percebe o direito como um complexo cheio de contradições. Isso acaba possibilitando a ação em busca de novos sentidos para as relações sociais, indo em direção à realidade emancipatória. Com relação à atribuição do assistente social nesse espaço sócio-ocupacional, podemos afirmar que está pautada no que preconiza o Art. 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): ao profissional de Serviço Social, cabe, primor- dialmente, a função de perito social, que em linhas gerais consiste em subsidiar as decisões judiciais mediante a elaboração do laudo social (BRASIL, 1990). Trata-se de um espaço de recorrência de direitos, no qual as pessoas de- positam nos procedimentos legais algum direito e esperam do sistema de garantia, da Justiça, condições mínimas de cidadania. Entre os espaços sócio-ocupacionais que compõem o campo sociojudiciário, pode-se destacar: sistema prisional; tribunal de justiça; delegacias; juizados; Defensoria e Ministério Público; unidades de cumprimento de medidas socioeducativas/protetivas. Em outras palavras, têm-se aqui organizações que desenvolvem ações por meio das quais se aplicam, principalmente, as medidas decorrentes de aparatos legais, civil e penal, e nas quais se executam determinações deles derivadas. Como documento resultante do processo de perícia social — avaliação, exame técnico ou científico da área do Serviço Social —, o laudo social re- gistra as informações mais significativas do estudo e da análise realizada e o parecer social. Denomina-se, então, como o registro escrito e fundamentado dos estudos e conclusões da perícia, envolvendo uma avaliação detalhada do que foi estudado, na qual o perito emite seu parecer e, eventualmente, responde ao que lhe fora proposto pelo juiz e/ou pelas partes interessadas. Todavia, é necessário entender que identificar as expressões da questão social Registro e documentação: laudos4 é fundamental, pois qualifica o laudo e define o objeto de intervenção, que vai além da solicitação de um juiz, ou seja, o exercício profissional, no âmbito do poder Judiciário, pode e deve ir além do subsídio técnico, atuando a partir da possibilidade do acesso dos sujeitos a seus direitos fundamentais, avançando no que diz respeito aos mecanismos que possibilitem o acesso à justiça social. Introdução: indica demanda judicial e os objetivos. Identificação dos sujeitos: relação dos indivíduos envolvidos. Metodologia: descrição dos métodos praticados para sua elaboração, esclarecendo a especificidade da profissão e os objetivos do estudo. Relato analítico: explanação da edificação histórica da questão estudada e do estado social. Parecer final: sintetização da situação, análise crítica e apontamentos de conclusões ou indicações de alternativas do ponto de vista do Serviço Social, no qual o assistente social deixa expresso o seu posicionamento técnico referente à questão em destaque. Quadro 1. Estrutura do Laudo Social. Para Fávero (2009), perito é o profissional especializado em determinada área do conhecimento, que tem a função de oferecer uma opinião, constituindo-se como suporte à decisão do outro profissional. Os documentos produzidos pelos assistentes sociais nas instituições, fruto do estudo social, podem e devem ser garantia de direitos à população. Isso pode acontecer quando o profissional, ao realizar o estudo social, identifica as expressões da questão social (materiais, ideológicas ou culturais), que perpassam a situação apresentada, e as referencia nos relatórios, laudos e pareceres sociais, sobretudo no último, indicando alternativas que envolvam os sujeitos, mesmo que institucionalmente, possibilitando o enfrentamento da questão social posta. 5Registro e documentação: laudos Estudo social, laudo e parecer Como já se sabe, os instrumentais técnico-operativos representam um conjunto articulado de instrumentos e técnicas que permitem a operacionalização da ação profi ssional. A confi guração dos procedimentos e do instrumental técnico- -operativo acompanha as alterações históricas da base sócio-organizacional do Serviço Social. Ainda que alguns instrumentos e técnicas constituam o acervo interventivo dos assistentes sociais desde os primórdios da profi ssão no Brasil, são acionados como parte dos procedimentos que compõem um processo de intervenção nas relações sociais. Aqui, enfatizaremos o estudo social, o laudo social e o parecer social. O estudo social se dá por meio de entrevistas, visitas domiciliares, pesquisas do- cumentais e bibliográficas instrumentais que têm no relacionamento um elemento constante e dinâmico. É entendido como um processo de trabalho de competência do assistente social, com a finalidade de conhecer e interpretar a realidade social na qual está inserido o objeto da ação profissional, ou seja, a expressão da questão social ou o acontecimento/situação que oportuniza a intervenção. Fávero (2011) proporciona a reflexão de que o profissional com uma ação refletida e planejada define quais conhecimentos deve acessar e em que nível os aprofundará — se necessita realizar entrevistas, visitas domiciliares, com quem e quantas pessoas, se precisa estabelecer contatos variados com a rede familiar e a rede social, se deve consultar material documental e bibliográfico, entre outros aspectos. Ainda, Fávero (2011) nos auxilia a compreender o conceito de estudo social situando-o como um instrumental presente no cotidiano do assistente social ao longo do processo histórico da profissão. Mesmo não sendo o foco da questão, não se pode deixar de falar sobre a perícia social, que tem sido, no decorrer da atividade profissional, o documento pelo qual o assistente social manifesta o seu trabalho técnico e científico, diante de uma realidade específica. É realizada por meio do estudo social e implica a elaboração de um laudo e a emissão de um parecer. O assistente social pode ser solicitado para uma perícia social. Quando solicitada a um profissional de Serviço Social, é chamada de perícia social, pelo fatode se tratar de um estudo e parecer cuja finalidade é subsidiar uma decisão judicial. É realizada por meio do estudo social e implica a elaboração de um laudo e a emissão de um parecer. Como já dito, o laudo social, como documento resultante do processo de perícia social, apresenta o registro das informações mais significativas do estudo e da análise realizada e do parecer social. Pelo fato de resultar do processo de perícia social, compreende o registro escrito e fundamentado Registro e documentação: laudos6 dos estudos e das conclusões no qual o perito emite seu parecer. O laudo é o registro que documenta informações significativas e recolhidas por meio do estudo social, permeado ou finalizado com interpretação e análise. Em sua parte final, registra o parecer conclusivo, do ponto de vista do Serviço Social, pelo fato de que deve esclarecer que, naquele momento e com base no estudo científico realizado, chegou-se à determinada conclusão. Para a efetivação desse registro, o profissional terá como referência conteúdos obtidos pelas entrevistas, visitas, contatos, estudos documental e bibliográfico que considerar necessários para a finalidade do trabalho. Em geral, sua apresentação segue uma estrutura constituída por: introdução; identificação das pessoas envolvidas; metodologia e definição breve de alguns conceitos utilizados, na medida em que o receptor da mensagem contida nesse documento não necessariamente tem familiaridade com os conhecimentos da área do Serviço Social (assim, seu caráter científico e as especificidades da área são clareados); e os aspectos socioeconômicos e culturais que podem ser permeados pela análise ou finalizados com a análise interpretativa e conclusiva, também denominada parecer social. O laudo não necessariamente precisa detalhar todos os conteúdos do estudo realizado. Claramente, a documentação desses conteúdos e o seu arquivamento são importantes, de maneira que o profissional tenha acesso a eles, se neces- sário, obedecendo ao sigilo profissional; portanto, o assistente social é quem poderá afirmar, em cada situação, o que deve ser objeto de maior detalhamento, em consonância com as diretrizes e os princípios éticos da profissão. O parecer social diz respeito ao esclarecimento e às análises, com base em conhecimento específico do Serviço Social, a uma questão ou a questões relacionadas à decisão a serem tomadas, ou seja, trata-se de uma finalização de caráter conclusivo ou indicativo. Compreende um instrumento de via- bilização de direitos, um meio de realização do compromisso profissional com os usuários, tendo em vista a equidade, a igualdade, a justiça social e a cidadania. É necessário que o conteúdo do parecer não seja excessivo, devendo ser expresso de maneira clara e objetiva, além de sucinto e não superficial. O assistente social, tomando por base os dados coletados ao longo do estudo social, cuja análise sempre se dá à luz do referencial teórico, expressa a sua posição técnica de como alguma situação em questão poderá ser solucionada. O parecer social, bem como o laudo social, faz parte da metodologia de trabalho de domínio específico e exclusivo do assistente social, pois, de acordo com o artigo 5º, inciso IV, da Lei de Regulamentação da Profissão (Lei nº. 8.662/1993), realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de Serviço Social constitui uma das atribuições privativas desse profissional (BRASIL, 1993). 7Registro e documentação: laudos BRASIL. Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal, 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 20 nov. 2018. BRASIL. Lei nº. 8.662 de 07 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Brasília: Senado Federal, 1993. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8662.htm>. Acesso em: 20 nov. 2018. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS) (Org.). O estudo social em perícias, laudos e pareceres técnicos: contribuição ao debate no judiciário, na penitenciária e na previdência social. São Paulo: Cortez, 2003. FÁVERO, E. T. Instruções sociais de processos, sentenças e decisões. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS); ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL (ABEPSS) (Org.). Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: Cfess/Abepss, 2009. p. 609–636. FÁVERO, E. T. O estudo social: fundamentos e particularidades de sua construção na área judiciária. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS) (Org.). O estudo social em perícias, laudos e pareceres técnicos: contribuição ao debate no judiciário, penitenciário e na previdência social. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2011. MAGALHÃES, S. M. Avaliação e linguagem: relatórios, laudos e pareceres. São Paulo: Veras, 2003. MIOTO, R. C. T. Perícia Social: proposta de um percurso operativo. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 67, 2001. Leituras recomendadas CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS) (Org.). O estudo social em perícias, laudos e pareceres técnicos. São Paulo: Cortez, 2003. GUERRA, Y. Instrumentalidade do processo de trabalho e serviço social. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 62, 2000. MIOTO, R. C. T. Cuidados sociais dirigidos à família e segmentos sociais vulneráveis. In: CFSS; ABEPSS; CEAD/NED-UNB. (Org.). O trabalho do assistente social e as políticas sociais, Brasília, DF: NED-CEA/UNB, 2000. v. 4, p. 216–224. Registro e documentação: laudos8 Conteúdo: ESTRATÉGIAS E TÉCNICAS EM SERVIÇO SOCIAL I Camila Muniz Assumpção Registro e documentação: elaboração de pareceres Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir as competências e atribuições do Serviço Social. Descrever a importância, os objetivos e a aplicabilidade dos pareceres técnicos do Serviço Social nos diferentes campos sócio-ocupacionais. Reconhecer o parecer como instrumento de materialização de direitos. Introdução Sabe-se que o quadro em que se exerce o Serviço Social nos dias atuais é bastante desafiador, embora a categoria tem feito durante os últimos tempos debates em torno das atribuições privativas e competências profissionais dessa área, de grande relevância, pois nos darão a direção para tratar as diferentes expressões da questão social, que se materializam, por sua vez, em diversas demandas. As respostas a essas demandas por parte de assistentes sociais residem no campo das suas possíveis com- petências, tornando-se necessário articular as dimensões ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa. A realização das competências e atribuições requer a utilização de instrumentais adequados a cada situação social a ser enfrentada profissio- nalmente, dos quais destacaremos neste capítulo o parecer social: a opinião fundamentada que o assistente social emite sobre a situação estudada. Aqui, você poderá, então, perpassar pelas competências e atribuições do Serviço Social, bem como entender a importância de olhar a vida cotidiana, a partir dos fundamentos teóricos, para ter embasamento sobre suas ações. Além disso, será destacada a relevância do parecer social nos diferentes campos sócio-ocupacionais, com ênfase à materialização dos direitos. Competências e atribuições do Serviço Social Refl etir sobre as atribuições e competências signifi ca, no contexto contempo- râneo, discutir sobre a particularidade da intervenção profi ssional na divisão social e técnica do trabalho. Portanto, debater a respeito das atribuições pri- vativas e competências profi ssionais de assistentes sociais é, também, discutir a profi ssão. E isso se dá a partir de uma nítida concepção de profi ssão, que se forja na ruptura com o conservadorismo que marcou o início da atividade e que está expressa noatual Código de Ética do Assistente Social, na lei de regulamentação da profi ssão de 1993 e nas diretrizes curriculares da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss). Desde a ruptura com o conservadorismo, o qual caracterizou a emergência da profissão, vem-se construindo um projeto profissional em que a questão social é vista como fruto do capitalismo. A questão social se materializa na naturalização das desigualdades sociais e na submissão das necessidades humanas ao poder das coisas sociais. O Serviço Social trabalha com as mais diversas expressões da questão social. Logo, torna-se importante entender as atribuições e competências do Serviço Social, pois, diante da materialização da questão social, se coloca em cena não somente aquilo que, pela lei, é função exclusiva do Serviço Social, mas também aquilo que pode e deve ser desenvolvido no trabalho profissional. De acordo com a Lei n.º 8.662/1993 (BRASIL, 1993), que regulamenta a profissão, nos arts. 4° e 5°, pode-se notar, respectivamente, as competências e atribuições privativas de profissionais do Serviço Social: o profissional deve coordenar elaborar, executar, supervisionar e avaliar estudos, pesquisas e projetos na área de Serviço Social; prestar informações e elaborar pareceres na área de atuação do Serviço Social; planejar, coordenar, executar atividades sócio-educativas; estabelecer parcerias e contatos institucionais; atuar como facilitador de processos de formação de lideranças e organização comunitária; planejar, coordenar e realizar reuniões e palestras na área de atuação do Serviço Social; elaborar relatórios técnicos e analíticos; treinar, avaliar, supervisionar e orientar estagiários de Serviço Social. Entende-se, assim, que as atribuições privativas são aquelas que se referem diretamente à profissão, e as competências ações que os assistentes podem desenvolver, embora não lhes sejam exclusivas. Para uma reflexão sobre as atribuições privativas e competências profis- sionais, é importante, portanto, uma reflexão a respeito da vida cotidiana, a qual pode ser compreendida pelo conjunto das atividades fundamentais que caracterizam a (re)produção dos homens. Registro e documentação: elaboração de pareceres2 Vida cotidiana O cotidiano faz parte da vida de todo homem, sem nenhuma exceção. De acordo com Heller (1992, p. 20), “[…] a vida cotidiana não está ‘fora’ da história, mas no ‘centro’ do acontecer histórico”. No cotidiano, o indivíduo vive o mundo a partir do “eu”, e somente quando supera essa singularidade pode ter acesso à consciência humano-genérica. A vida cotidiana contém o dado prático, o vivido, a subjetividade fugitiva, as emoções, os afetos, hábitos e comportamentos, assim como o dado abstrato, as representações e imagens que fazem parte do real cotidiano, sem se perder no imaginário — ou seja, é o material, o concreto e o abstrato, contido na própria realidade. A realidade deve integrar os diferentes fatos da vida social em uma totalidade. Vieira (2007) afirma que, sem a relação entre o singular, o particular e o universal, não se pode encontrar meios de ultrapassar, em relação, no caso, aos direitos, os limites do singular, de um lado, e do universal, do outro. Desligá-los é desligar a totalidade do humano. O particular constitui a mediação necessária entre o singular e o universal, não sendo apenas um elo entre eles. Torna-se importante, então, ter a perspectiva da totalidade, a fim de buscar uma conexão com todos os elementos, para saber o que a necessidade exposta indica. Assim, a ultrapassagem da realidade para a totalidade mais complexa no fazer da prática se dá pela relação entre pensamento e realidade. O assistente social deve levar em consideração as representações, os valores e os significados presentes no contexto sociocultural no qual o usuário desenvolve relações sociais e de convivência. A prática profissional tem inúmeros limites e desafios para um agir compro- metido com os princípios e as diretrizes do Código de Ética e da Lei de Regu- lamentação. No entanto, também traz possibilidades de uma prática inovadora e diferenciada daquela implementada tradicionalmente no âmbito institucional. Muitos profissionais veem o trabalho cotidiano como um imenso obstáculo que lhes impede de realizar um exercício profissional comprometido com o projeto ético-político. No entanto, cabe ao assistente social, sem a pretensão de uma postura messiânica, racionalizar esse fazer burocrático e pontual, vislumbrando alternativas de ação coletivas para o cotidiano da instituição em que se insere. De acordo com Martinelli (1995), é necessário ultrapassar práticas que reproduzam o princípio de permanência e se revestir de um olhar crítico, capaz de descobrir o movimento do real a fim de colaborar em práticas sociais múltiplas que resultem na produção do novo. Deve-se, então, superar as limitações, sabendo que, conforme Iamamoto (2012), o exercício profissional compreende uma ação de um profissional que 3Registro e documentação: elaboração de pareceres tem competência para propor e negociar com a instituição seus projetos, além de defender seu campo de trabalho e suas qualificações e funções profissionais. Em outras palavras, devemos ir além daquilo que está posto para nós, mais adiante da rotina da instituição e procurar apreender o movimento da realidade. Vislumbra-se um profissional que demonstre criatividade, ousadia, autodeterminação, que porte respostas eficientes, referidas por Iamamoto (2012) como competência teórico-metodológica, na qual o profissional tem na sua prática uma visão teórica, ou seja, as ações apresentam embasamento teórico-metodológico e não substanciado pelo senso comum. Além disso, tem competência técnico-operativa, que diz respeito ao uso adequado do instrumental técnico, como entrevistas, reuniões, visitas, pareceres sociais, etc., e competência ético-político, fundamento que rege nossa profissão. O Código de Ética Profissional tem se atualizado ao longo da trajetória da profissão. Em 1993, após um rico debate com o conjunto da categoria em todo o país, foi aprovada a quinta versão do Código de Ética Profissional, instituída pela Resolução n.º 273/1993, do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 1993). Pareceres técnicos do Serviço Social A ação profi ssional do assistente social envolve um compromisso ético-político, embasamento teórico-metodológico e capacidade técnico-operativa, que nor- teiam a direção social do trabalho cotidiano. Nesse sentido, rejeita-se uma postura pretensamente neutra desse profi ssional. O assistente social tem a liberdade de escolher os procedimentos técnicos para realizar uma ação na prática profissional, ampla autonomia garantida pelo código de ética da profissão, com o intuito de contribuir com o processo de co- nhecimento, intervenção e avaliação de determinada situação. Considerando que os diversos instrumentos de trabalho são ferramentas que nos permitem formular respostas inovadoras e efetivas às demandas que se impõem constantemente em nossa rotina, é essencial saber quais são e quando se aplica cada um deles. A utilização de um instrumental pressupõe interações comunicativas face a face ou por meio da escrita: Registro e documentação: elaboração de pareceres4 face a face — comunicação oral, entrevistas, grupos, visitas, reuniões; por meio da escrita — relatórios, laudos, pareceres. Entre os instrumentos de comunicação escrita, há o parecer social, que pode ser caracterizado como uma opinião fundamentada, constituída pelo estudo dos aspectos de uma lei ou de um caso jurídico. Magalhães (2003) relata que o parecer se refere a uma opinião de técnicos, peritos e arbitradores sobre o assunto de sua especialidade. Segundo Moreira e Alvarenga (apud CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2003, p. 9), parecer social constitui “a opinião profissional do assistente social, com base na observação e no estudo de uma dada situação,fornecendo elementos para a concessão de um benefício, recurso material e decisão médico- -pericial”. Sua elaboração deve se basear em um estudo socioeconômico e cultural por meio de alguns instrumentos, como entrevistas e visita domiciliar. Em outras palavras, realiza-se o parecer com base na observação e no estudo de determinada situação para subsidiar a concessão de benefícios sociais, decisões médicas, deci- sões judiciais sobre adoção, heranças e outros de interesse dos usuários. Ainda, seu conteúdo deve ser sucinto, claro e objetivo sem ser superficial. Consideram-se elementos constitutivos do parecer social as representações, os valores e os significados presentes no contexto sociocultural no qual o usuário desenvolve relações sociais e de convivência. O parecer deve ter em conta o núcleo familiar, identificando a situação não de forma individual, mas relacionada à situação de classe social, à satisfação das necessidades básicas e à inserção no mercado de trabalho. Compreendem artigos e incisos referentes ao parecer social, conforme a Lei n.º 8.662/1993 (BRASIL, 1993): Art. 4º — Competência do assistente social: XI — Realizar estudos socioeconômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. Art. 5º — Atribuições privativas do assistente social: IV — Realizar vistorias, perícias técnicas, laudos periciais, informações e pareceres sobre a matéria de serviço social. 5Registro e documentação: elaboração de pareceres Parecer como instrumento de materialização de direitos Segundo a Constituição Federal, de 1988, em seu art. 6º, entende-se como direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a Pre- vidência Social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados (BRASIL, 1988). Ao emitirmos um parecer, apoiamo-nos em conceitos teóricos que refletem a visão ético-política e social adotada, mesmo que nem sempre nos demos conta de tal fato. A utilização de conceitos que tenham por referência a ampliação dos direitos sociais em vez de minimizá-los é fundamental, pois se trata de um instrumento viabilizador de direitos. Como destacam Moreira e Alvarenga (apud CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2003, p. 12), a elaboração do parecer social “não pode ser uma comprovação de informação e não deve ter um caráter de fiscalização: ele é um viabilizador de direitos”. Como já observado, consideram-se elementos constitutivos do parecer social as representações, os valores e os significados presentes no contexto sociocultural no qual o usuário desenvolve relações sociais e de convivência. O parecer social deve ser elaborado tendo como referência a perspectiva do direito social e da inclusão da população usuária na concessão de benefícios sociais, portanto é um instrumento de viabilização de direitos. Ainda, precisa apresentar aspectos socioeconômicos do núcleo familiar básico, analisar as relações de necessidades básicas e avaliar as implicações sociais da doença e outras dimensões, conforme a finalidade (Quadro 1). Alguns dos principais conceitos e concepções adotados na elaboração do parecer social Direitos sociais Seguridade social/Saúde/Previdência social/Assistência Social Trabalho Família Saúde Necessidades básicas de vida Deficiência Incapacidade Quadro 1. Conceitos e concepções na elaboração do Parecer Social Registro e documentação: elaboração de pareceres6 Direitos sociais Pontes (2000) afi rma que o assistente social trabalha com/e nas mediações das políticas sociais fazendo valer os direitos dos usuários. Estes, por sua vez, são uma conquista, e não uma dádiva, portanto dinâmicos e inacabados, exigindo que sejam constantemente conquistados e reconquistados, diante das relações de poder e de dominação que os cerca, para atacá-lo. Entretanto, a existência de garantias legais não se traduz necessariamente em garantias efetivas, ou seja, não basta somente afi rmar legalmente um direito para vê-lo respeitado e materializado, pois existe uma grande fratura entre o anúncio do direito e sua efetiva materialização. A luta por direitos compreende um processo de construção coletiva que exige o resgate do protagonismo dos sujeitos, contexto no qual se insere o serviço social, como profissão interventiva e comprometida com os interesses das classes populares, atuando como coparticipante na construção de processos emancipatórios que produzam impactos na ação e na construção de sujeitos sociais. O compromisso do serviço social com a classe trabalhadora não se esgota na sua afirmação, mas é necessário mediá-lo por estratégias concretas e articuladas com a capacidade de objetivá-lo por meio de estratégias de ação. Nessa perspectiva, os sujeitos não podem ser compreendidos tão somente como indivíduos que lutam por melhores condições de vida, mas também como produtores da história, resultante de suas ações transformadoras. É necessário estar atento para as situações em que se emite o parecer e para as estratégias pelas quais se adota, potencializando-o como instrumento de viabiliza- ção de direitos em consonância com os princípios defendidos pelo Código de Ética. Antônia é assistente social do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas) e recebeu um encaminhamento social da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) solicitando a intervenção na realidade da família do Luiz Felipe, que vivencia situações de vulnerabilidade e risco social, somada à violação de direitos. Com a intenção de garantir o acesso aos direitos e oportunizar a superação da situação vivenciada, o assistente social deve percorrer um caminho que pode ser caracterizado por: buscar suporte teórico-metodológico para as ações; amparar-se nas orientações ético-políticas para atendimento as necessidades; usar instrumentos e técnicas como meios de assegurar a direção do exercício profissional, para alcançar as finalidades pretendidas. 7Registro e documentação: elaboração de pareceres BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituicao.htm>. Acesso em: 20 nov. 2018. BRASIL. Lei nº. 8.662 de 07 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Brasília: Senado Federal, 1993. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8662.htm>. Acesso em: 20 nov. 2018. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS) (Org.). O estudo social em perícias, laudos e pareceres técnicos: contribuição ao debate no judiciário, na penitenciária e na previdência social. São Paulo: Cortez, 2003. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Resolução CFESS nº 273 de 13/03/1993. Institui o Código de Ética Proffissional dos (as) Assistentes Sociais e dá outras providências. Brasília, DF, 1993. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=95580>. Acesso em: 20 nov. 2018. HELLER, A. O cotidiano e a história. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. IAMAMOTO, M. Projeto profissional, espaços ocupacionais e trabalho do(a) assistente social na atualidade. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Atribuições privativas do/a assistente social em questão. Brasília: CFESS, 2012. MAGALHÃES, S. M. Avaliação e linguagem: relatórios, laudos e pareceres. São Paulo: Veras, 2003. MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. São Paulo: Cortez, 1995. VIEIRA, E. Os direitos e a política social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007. Leituras recomendadas IAMAMOTO, M. Renovação e conservadorismo no Serviço Social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1995. IAMAMOTO, M.; CARVALHO, R. Relações sociais e Serviço Social no Brasil. 8. ed. São Paulo: Cortez/Celats, 1991. NETTO, J. P. A crítica da vida cotidiana. In: CARVALHO, M. C. B. Cotidiano: conhecimento e crítica. 5. ed. São Paulo:Cortez, 2000. Registro e documentação: elaboração de pareceres8 Conteúdo: FUNDAMENTOS HISTÓRICOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL Camila Muniz Assumpção Projeto ético-político do Serviço Social e suas dimensões Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a dimensão ético-política do projeto profissional do Serviço Social atual e seus desafios na contemporaneidade. Analisar a dimensão teórico-metodológica da categoria e a perspectiva da pluralidade. Explicar a dimensão técnico-operativa e suas possíveis lacunas no Serviço Social. Introdução O projeto ético-político do Serviço Social é o grande norteador da prática profissional dos assistentes sociais, que o tomam como base para sua atuação. Esse projeto constitui-se de dimensões que, embora sejam diferentes entre si, são indissociáveis e se complementam, constituindo diferentes níveis de apreensão da realidade da profissão. Neste capítulo, você vai entender a importância do projeto ético- -político do Serviço Social e as suas dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, analisando-as nas suas particularidades. Dimensão ético-política do projeto profissional do Serviço Social atual e seus desafios na contemporaneidade De acordo com Paulo Netto (1999, p. 104), o projeto ético-político do Serviço Social “[...] se constrói com base na defesa da universalidade do acesso a bens e serviços, dos direitos sociais e humanos, das políticas sociais e da demo- cracia”, em virtude da ampliação das funções democráticas do Estado e da pressão de elementos progressistas, emancipatórios. Esse projeto vai nortear os profi ssionais do Serviço Social, que vão se basear nas suas dimensões para atuar e se posicionar profi ssionalmente. Guerra (2000) declara que as dimensões constituem níveis diferenciados de apreensão da realidade da profissão, mas são indissociáveis entre si, formando uma unidade, apesar de suas particularidades. A competência teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-política são requisitos fundamentais que permitem ao profissional colocar-se diante das situações com as quais se defronta, vislumbrando com clareza os projetos societários, seus vínculos de classe, e seu próprio processo de trabalho. Os fundamentos históricos, teóricos e metodológicos são necessários para apre- ender a formação cultural do trabalho profissional e, em particular, as formas de pensar dos assistentes sociais (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL, 1996, p. 7). A dimensão ética se refere à reflexão crítica e expressa que os assistentes sociais não são profissionais neutros, mas que tomam partido e posicionam-se profissionalmente a favor da igualdade, da liberdade, da democracia, entre outros princípios. A dimensão política diz respeito aos compromissos profissionais e expressa as intencionalidades das ações profissionais, implicando tomadas de posições com sustentação teórica. A dimensão ético-política, portanto, revela o pensar a ação em função dos valores e finalidades do profissional, da instituição e da população. São as diferentes posições e os partidos que os profissionais assumem. Pode-se pensar que o Serviço Social tem um projeto societário com dimensões políticas, ou seja, é uma profissão politizada e inserida no mundo sociotécnico do trabalho e comprometida atualmente com a defesa dos interesses da classe trabalhadora. Todavia, é necessário ressaltar que a dimensão política do trabalho profissional está posta na medida em que a profissão assenta-se na mediação capital/trabalho e, como Iamamoto (2010) afirma, pela mesma atividade, atende a interesses contraditórios, o que convida a categoria fazer o debate sobre a dimensão política da profissão. Assim considera-se que a profissão tem caráter eminentemente político na sua prática e no seu exercício profissional ao lidar de forma comprometida e organizada em luta e defesa dos interesses da classe trabalhadora, a partir do momento que se posiciona na realidade pela histórica inserção da profissão no contexto das relações sociais. Projeto ético-político do Serviço Social e suas dimensões2 Nos últimos anos, vem surgindo uma extrema fragilidade nas relações de trabalho com o crescimento das privatizações, terceirizações e parcerias público- -privadas. Assim, a flexibilização e a desregulamentação da legislação trabalhista, como o enfraquecimento das organizações representativas dos trabalhadores, foram estratégias importantes na consolidação da contrarreforma trabalhista. O trabalho dos assistentes sociais sofre inflexões decorrentes das novas configura- ções do mercado de trabalho que se dão, também, nos espaços em que se inserem trabalhadores assalariados, que não escapam das determinações estruturais que movem os processos de intensificação e precarização do trabalho no contexto da crise mundial. Com essas mudanças na sociedade contemporânea, são colocados grandes desafios e tem-se o descenso na luta dos trabalhadores, a intensificação da repressão e a criminalização das formas de resistência (IAMAMOTO, 2017). A prática profissional tem inúmeros limites e desafios para um agir com- prometido com os princípios e dimensões da profissão. No entanto, também traz possibilidades de uma prática inovadora e diferenciada daquela instituída tradicionalmente no âmbito institucional. Ao analisar tal questão, percebe-se que: Um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente é desenvol- ver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo (IAMAMOTO, 2011, p. 20). Os assistentes sociais precisam ter uma postura criativa e inovadora, com ações estratégicas que nos levem a avançar, rompendo com atividades buro- cráticas e rotineiras. O momento atual frisa a necessidade, como afirma Paulo Netto (1996, p. 115), de referenciar ao Serviço Social sua possibilidade objetiva, capaz de transformar alternativas potenciais em respostas reais, lembrando que [...] se não for capaz de elaborar respostas qualificadas para as demandas — e essa qualificação, em grande medida, será aferida em função da racionalidade sociopolítica da hegemonia que se afirmar —, o Serviço Social pode muito bem definhar e tornar-se um exercício profissional residual. Para compreender o Serviço Social na contemporaneidade, é necessário considerar seus pressupostos sócio-históricos. Um dos períodos importantes e que representou mudanças foi a década de 1960, que trouxe, por exemplo, a reformulação do Código de 1947 para o de 1965, aprovado um ano após o 3Projeto ético-político do Serviço Social e suas dimensões golpe militar e, portanto, sofrendo reflexos da ditadura. Perpassando o pe- ríodo da ditadura, tem-se o Movimento de Reconceituação, que foi “[...] um fenômeno tipicamente latino-americano na década de 1965, dominado pela contradição ao tradicionalismo profissional, implicou um questionamento global da profissão” (IAMAMOTO, 2010, p. 205). Com a aproximação da teoria de Marx e a vigência do currículo mínimo, tem-se, em 1980, as maiores transformações do Serviço Social, com a aprovação do Código de Ética de 1986 afirmando que a profissão é autônoma, inscrita na divisão sociotécnica do trabalho coletivo. Além disso, no ano de 1988, houve a promulgação da Constituição da Republica Federativa do Brasil, que fez com que a profissão caminhasse para a construção de uma identidade profissional voltada à classe trabalhadora, assumindo uma prática mais humanizada e com maior enfoque nos direitos dos cidadãos, tendo como valor central a liberdade em favor da equidade e da justiça social (BRASIL, 1988). Iamamoto (2010) situa o exercício profissional como resultado das relações sociais, fruto de um produto histórico que tem,em sua formação, uma sociedade capitalista construída na expropriação do trabalho e legitimada pela obtenção dos meios de produção nas mãos de poucos. Assim, pela atual conjuntura, o assistente social volta o seu olhar para uma perspectiva de autonomia e emancipação da classe trabalhadora no que se refere à luta por seus direitos, que se faz mediante participação popular nas políticas inerentes aos mesmos como forma de chamá-los à cidadania. Diante disso, de acordo com Martinelli (1995), é necessário que o profis- sional ultrapasse práticas que reproduzam o principio de permanência e se revista de um olhar crítico, capaz de descobrir o movimento do real, a fim de colaborar em práticas sociais múltiplas, que resultem na produção do novo. Deve-se, então, superar as limitações, sabendo que, assim como Iamamoto (2011) diz, o exercício profissional é uma ação de um profissional que tem competência para propor, negociar com a instituição seus projetos, assim como defender seu campo de trabalho e suas qualificações e funções profissionais. A realidade atual incita os profissionais a exercitar um nível de competência condizente com o que Rios (1999) descreve, com base em um “saber fazer bem”, justificado por: [...] uma dimensão técnica, a do saber e a do saber fazer, isto é, do domínio dos conteúdos de que o sujeito necessita para desempenhar o seu papel, aquilo que se requer dele socialmente, articulado com o domínio das técnicas, das estratégias que permitam que ele, digamos, “dê conta de seu recado”, em que seu trabalho [...] quanto uma dimensão política [...] ao encontro daquilo que é desejável, que está estabelecido valorativamente com relação à minha atuação (RIOS, 1999, p. 47). Projeto ético-político do Serviço Social e suas dimensões4 Sendo assim, deve-se considerar a ética profundamente vinculada à demo- cracia — participação dos usuários — e entendê-la no “campo da filosofia e de um saber de caráter ontológico” (BARROCO, 2004, p. 29), pois “[…] a ética não se esgota na afirmação do compromisso ético-político. É de suma impor- tância que o compromisso seja mediado por estratégias concretas, articulado à competência teórica, técnica e a capacidade de objetivá-las” (BARROCO, 2004, p. 31). A dimensão teórico-metodológica da categoria e a perspectiva da pluralidade A dimensão teórico-metodológica diz respeito à capacidade de apreensão do método e das teorias e sua relação com a prática na ação profi ssional. Essa dimensão traz a ideia de que o profi ssional tem que estar por dentro da realidade e das demandas dos seus usuários, mas a partir de estudos mais abrangentes, segundo seu contexto histórico, com embasamentos teóricos, fugindo do senso comum e das aparências, criando formas efetivas de transformar a realidade desse usuário, embora sempre respeitando suas especifi cidades. O Serviço Social atua nas diversas expressões da questão social que se materializam no atendimento aos usuários, que, junto a suas solicitações, trazem suas particularidades, suas histórias, sua singularidade e diversidade presente nas relações que estabelecem com as demais pessoas e com a so- ciedade. Entender essa diversidade que o usuário traz exige compreendê-lo em seu universo, ofertando espaços de acolhimento, de escuta qualificada que permita a livre expressão dos indivíduos, respeitando seus valores, suas escolhas, entre outras coisas. A dimensão teórico-metodológica se atenta ao rigor teórico para enxergar a realidade dinâmica para além dos fenômenos aparentes e pode ser expli- cada a partir do olhar dos métodos, técnicas e instrumentos utilizados pelo profissional, no seu cotidiano, no qual, com um posicionamento direcionado ao projeto ético-político diante das manifestações e expressões da questão social e com abordagem crítico-dialética, o profissional deve decidir a melhor forma de aplicá-lo. O pluralismo, quando entendido enquanto categoria que se aproxima da totalidade dialética, busca conciliar elementos objetivos e subjetivos, o indi- víduo e a universalidade, elementos modernos e pós-modernos. Essa proposta pluralista pode ser verificada na estrutura básica do projeto ético-político profissional: 5Projeto ético-político do Serviço Social e suas dimensões Esquematicamente, este projeto ético-político tem em seu núcleo o reconhe- cimento da liberdade como valor central — a liberdade concedida histori- camente, como possibilidade de escolher entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Consequentemente, projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero. A partir dessas escolhas que o fundam, tal projeto afirma defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo — tanto na sociedade como no exercício profissional (PAULO NETTO, 1999, p. 104). O pluralismo é considerado por Coutinho (1991) uma dimensão básica e complexa, por envolver inúmeras implicações na construção do conhecimento. Para o autor, “[...] o pluralismo, no terreno da ciência natural ou social [...], é sinônimo de abertura para o diferente, de respeito pela posição alheia, con- siderando que essa posição, ao nos advertir para nossos erros e limites, e ao fornecer sugestões, é necessária ao próprio desenvolvimento da nossa posição e, de modo geral, da ciência [...]” (COUTINHO, 1991, p. 14). Um dos pontos que marcou o processo de renovação do Serviço Social é entendido por Paulo Netto (2009, p. 131) como “[...] a construção de um pluralismo profissional, radicado nos procedimentos diferentes que embasam a legitimação prática e a validação teórica, bem como nas matrizes teóricas a que elas se prendem”. Sendo assim, no âmbito profissional, segundo Ramos (2009), a hegemonia com o pluralismo apresenta a predominância de uma direção política que se constrói por meio da vontade coletiva, que se dá por um processo não coer- citivo e tem bases na não eliminação ou repressão de interesses particulares divergentes da direção dominante. Tendo o pluralismo como elemento factual da vida cotidiana, Paulo Netto (1999) analisa que o projeto ético-político do Serviço Social não é algo homogêneo, mas sim hegemônico, no cerne da categoria profissional. Borba (2011, p. 1083) aponta pluralismo como sinônimo de “multiplicidade; variedade; diversidade”. Diante da multiplicidade, da variedade, da pluralidade, a teoria social de Marx subsidiará ou, de acordo com Baptista (2009), servirá de base para o diálogo e para a intervenção do profissional com a realidade. Com base na perspectiva da totalidade, abrangendo as determinações his- tóricas, as conjunturas e as situações específicas, os conhecimentos sobre a questão a ser trabalhada serão construídos e, assim, o assistente social vai saber quais instrumentos e técnicas serão adequadas para operacionalizar suas ações no cotidiano. Projeto ético-político do Serviço Social e suas dimensões6 Dimensão técnico-operativa e suas possíveis lacunas no Serviço Social Para fazer uma analise da dimensão técnico-operativa do Serviço Social, deve-se reconhecer a sua complexidade, derivada dos diversos espaços sócio- -ocupacionais nos quais os profi ssionais transitam e da própria natureza das suas ações nos diferentes âmbitos do exercício profi ssional, como, por exemplo, a proposição e a formulação de políticas sociais, o planejamento, a gestão e a articulação de serviços e programas sociais ou o atendimento direto aos usuários em diferentes instituições e programas sociais (MIOTO, 2000). Quanto às possíveis lacunas da dimensão técnico-operativa do Serviço Social, pode-se destacar que o debate em torno da operatividade tem-se carac- terizado pela escassez, quando comparado às dimensões teórico-metodológicas e ético-políticas, sobre o próprio campo de incidência do ServiçoSocial (as políticas sociais e os direitos de forma geral) (IAMAMOTO, 1999). Além disso, deve-se reconhecer que a dimensão técnico-operativa ainda não articulou uma linguagem comum em relação ao “fazer profissional” capaz de materializar amplamente o projeto profissional e sua direção ético-política. Apesar de ter avançado de maneira grandiosa a partir do rompimento com a tradicional metodologia do Serviço Social (caso, grupo e comunidade), que permitiu uma nova compreensão da profissão no contexto da divisão sociotécnica do trabalho, ainda encontramos uma diversidade de discursos sobre o “fazer profissional”, definidos, prioritariamente, a partir de elementos “externos” à profissão. Particularmente, essa situação é altamente problemática quando os assistentes sociais trabalham em equipes multiprofissionais, nas quais o campo do social tem sido cada vez mais objeto de estudo e intervenção de outras profissões (WIESE, 2002). A operacionalização da ação implica articular os conhecimentos entre o universal, o particular e o singular, ou, segundo Iamamoto (2005, p. 95), deve-se estabelecer “a relação indivíduo/sociedade; as relações entre as macroanálises e microssituações enfrentadas no cotidiano profissional”. É a partir das demandas postas pelos sujeitos que o assistente social, a partir da finalidade assumida como horizonte para suas ações, define tanto o objetivo quanto o caráter da ação a ser empreendida, localizando-a dentro dos limites e possibilidades co- locados pela natureza dos espaços sócio-ocupacionais. A definição é realizada por meio da investigação e do conhecimento das necessidades da população, expressas pelas suas demandas e pela realidade particular de suas condições de vida, e em diálogo com o corpo de conhecimentos já produzidos sobre as 7Projeto ético-político do Serviço Social e suas dimensões particularidades das situações e coerentes com a matriz teórico-metodológica que direciona determinado projeto profissional (MIOTO, 2000). Sendo assim, para que o assistente “[...] possa atuar, ele necessita de bases para sua intervenção, traduzidas em fundamentos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos que irão contribuir para iluminar a leitura da realidade e imprimir rumos à sua ação” (PEREIRA, 2015, p. 8). Essas três dimensões representam níveis diferentes de apreensão da realidade em que o Serviço Social irá intervir e, portanto, não podem ser dissociadas, devendo haver sempre “[...] uma interlocução constante entre elas, de forma que uma dimensão não seja mais priorizada do que outra e elas conformem uma uni- dade” (PEREIRA, 2015, p. 9). Assim, como conclui Pereira (2015, p. 1), “O fortalecimento da articulação entre essas dimensões se expressa na potencialidade das respostas profis- sionais competentes, de forma que o trabalho dos assistentes sociais esteja comprometidos com a materialização do projeto ético-político da profissão”. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Lei de Diretrizes Curriculares. Diretrizes gerais para o curso de Serviço Social: com base no Currículo Mí- nimo aprovado em Assembleia Geral Extraordinária de 8 de novembro de 1996. Rio de Janeiro: ABEPSS, 1996. BAPTISTA, M. V. 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