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1 Jéssica N. Monte – Turma 106 Cardiologia ESTENOSE MITRAL INTRODUÇÃO CONCEITO: condição em que ocorre restrição à abertura dos folhetos valvares com conse- quente redução da área valvar mitral e formação de gradiente pressórico entre o átrio e o ventrículo esquerdos. Para que haja estenose mitral significativa e formação de gradiente pressórico AE-VE, a área valvar mitral (AVM) deve ser inferior a 2,5 cm² (AVM normal: de 4 a 6 cm²). • Quando a AVM está entre 2,5 e 4 cm², chama-se de estenose mitral mínima, em que não há a formação de gradiente pressórico AE-VE significativo ou repercussão hemodinâmica. FISIOPATOLOGIA As alterações anatômicas do aparato valvar incluem diminuição do orifício de abertura valvar, fusão das comissuras, rigidez das cúspides e encurtamento das cordilheiras tendíneas. Falha na abertura da valva mitral → obstrução fixa ao fluxo de sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo durante a diástole (fase de enchimento ventricular). Para que o fluxo se mantenha adequado apesar da obstrução, cria-se um gradiente de pressão transvalvar que não existe em condições normais, às custas do aumento da pressão do átrio esquerdo. CONGESTÃO PULMONAR O aumento da pressão atrial esquerda se transmite aos pulmões por meio do aumento da pressão na artéria pulmonar. • Pressão venocapilar pulmonar > 18 mmHg (normal: ≤ 12 mmHg) → ingurgitamento venoso e extravasamento capilar de líquido → síndrome congestiva. • Como a estenose mitral é uma doença insidiosa/indolente, o paciente tolera uma pressão ve- nocapilar de até 25 mmHg sem apresentar sintomas. A congestão pulmonar é a principal responsável pelos sintomas da estenose mitral, especial- mente a dispneia aos esforços e a ortopneia. Situações que aumentam o débito e a frequência cardíaca, e consequentemente diminuem o tempo de enchimento ventricular (como exercício físico, febre, fibrilação atrial, gravidez, estresse, anemia e hipertireoidismo) causam o aumento do gradiente de pressão transvalvar na estenose mitral, gerando um aumento súbito da pressão no AE e no leito pulmonar e levando a uma piora aguda da congestão. • Aumento do débito cardíaco → aumento do retorno venoso → aumento da pressão atrial es- querda → aumento do gradiente transvalvar → congestão pulmonar. • Aumento da frequência cardíaca → menor tempo de enchimento ventricular → redução do esvaziamento atrial → aumento da pressão atrial esquerda → aumento do gradiente transval- var → congestão pulmonar. HIPERTENSÃO PULMONAR O aumento crônico da pressão venocapilar pulmonar é transmitido retrogradamente para o leito arterial pulmonar, levando a um pequeno aumento da pressão arterial pulmonar (HAP passiva). Esse aumento inicial pode desencadear uma vasoconstrição pulmonar (HAP reativa), que com o 2 Jéssica N. Monte – Turma 106 Cardiologia passar dos anos leva à obliteração crônica e progressiva do leito arteriolar pulmonar, em uma fase mais avançada. As consequências da hipertensão pulmonar ocorrem principalmente sobre o ventrículo direito, que precisa vencer a resistência pulmonar para ejetar o sangue durante a sístole. Quando a pressão arterial pulmonar sistólica chega a níveis superiores a 50-60 mmHg (normal: até 30 mmHg), o VD pode entrar em falência e levar ao quadro de insuficiência cardíaca direita (edema de MMII, hepatomegalia, derrame pleural, etc.) Nesse momento, o quadro clínico de con- gestão pulmonar se associa à congestão sistêmica e ao baixo débito cardíaco. ETIOLOGIA Mais de 95% das estenoses mitrais são causadas por cardi- opatia reumática crônica, com predomínio em mulheres (65% dos casos). No Brasil, a lesão reumática mais comum é a dupla disfun- ção não balanceada: estenose e insuficiência mitrais em es- tágios diferentes de evolução → na fase aguda da cardite reumática, predomina a insuficiência; na fase crônica, pre- domina a estenose. Boa parte dos pacientes com estenose mitral reumática crô- nica apresentam algum grau de insuficiência mitral associ- ada → a valva não abre direito e não fecha direito. A degeneração fibrótica (e posteriormente calcifica) aco- mete os folhetos, reduzindo a sua mobilidade e fundindo as comissuras. • O aspecto macroscópico da valva em um estágio mais avançado é classicamente o de “boca de peixe”. APRESENTAÇÃO CLÍNICA Por ser uma doença insidiosa, a maioria dos pacientes é assintomática no início. A progressão dos sintomas até a disfunção severa acontece, em média, depois de 7 a 9 anos. Os principais sintomas são a dispneia aos esforços e a ortopneia/dispneia paroxística noturna. Em fases mais avançadas, associa-se à síndrome de baixo débito, caracterizada por fadiga, can- saço e lipotimia provocados por esforços → os sintomas da EM são os mesmos da. Pode haver história de tosse com hemoptise, causada pela ruptura de capilar ou pequenas veias brônquicas, que se encontram ingurgitadas e hipertensas. Pode haver queixa de palpitação (relacionada à fibrilação atrial) e de dor torácica nos pacientes com hipertensão pulmonar secundária à estenose mitral. O aumento do átrio esquerdo pode levar à rouquidão por compressão do nervo laríngeo recor- rente (síndrome de Ortner) e à disfagia por compressão esofágica. EXAME FÍSICO O pulso arterial geralmente é normal, mas pode ter amplitude reduzida na EM grave, com redução importante do débito cardíaco. Se houver insuficiência ventricular direita, pode haver turgência jugular patológica. 3 Jéssica N. Monte – Turma 106 Cardiologia Nas fases iniciais, em que a valva mitral ainda tem mobilidade razoável e pouca/nenhuma calcifi- cação, há hiperfonese de B1 na ausculta, podendo ser o único achado auscultatório. Com a pro- gressão da doença, ocorre a hipofonese de B1. A hiperfonese de B2 é o primeiro sinal da hipertensão pulmonar, e em estágios mais avançados, o desdobramento de B2 desaparece completamente, tornando-se uma bulha única e hiperfoné- tica. O estalido de abertura ocorre quando a valva se abre. O som aparece logo depois de B2 e é mais seco que ela, sendo mais audível no foco tricúspide e mitral. • Quanto mais próximo de B2 estiver o estalido, maior a gravidade da EM. O sopro da estenose mitral é chamado de ruflar diastólico (ruflar = som do bater de asas), mas não é patognomônico. • É mais audível com a campânula e bem lo- calizado no foco mitral (5º EIC, linha hemi- clavicular esquerda). Pode ser de pequena duração ou holodiastólico → quanto maior a sua duração, maior a gravidade da EM. • Na forma leve, pode só ser auscultado na fase pré-sistólica, devido ao reforço pré- sistólico do fluxo pela contração atrial. • Se for intenso, pode se irradiar para axila e foco tricúspide. • Diminui com inspiração e manobra de Valsalva. • Aumenta com expiração, decúbito lateral esquerdo e exercício físico. • Pacientes com idade avançada, obesidade, DPOC, aumento do diâmetro anteroposterior do tórax ou estados de baixo débito podem não ter o ruflar diastólico audível → EM silenciosa. A EM não cursa com bulhas acessórias (B3 ou B4), pois o ventrículo esquerdo é poupado. EXAMES COMPLEMENTARES ECOCARDIOGRAMA A etiologia reumática é confirmada pelo aspecto imóvel e espessado do folheto posterior da valva mitral. Critérios de comprometimento do aparelho valvar mitral pela doença reumática: grau de calcifi- cação; grau de espessamento; mobilidade das cúspides; acometimento do aparelho subval- var. ESCORE DE WILKINS-BLOCK: soma dos 4 critérios, cada um pontuando de 1 a 4. O escore vai de 4 a 16 e quanto maior o valor, maior o comprometimento e degeneração valvar e pior a resposta à plastia valvar. • Escore < 8: valva pouco comprometida e não calcificada, com excelente resposta à plastia. • Escore entre 9 e 11: a conduta deve ser individualizada. • Escore ≥ 12: valva bastante degenerada e muito calcificada, com resposta insatisfatória à plas-tia. A gravidade da EM deve ser determinada pela estimativa da área valvar mitral (AVM). 4 Jéssica N. Monte – Turma 106 Cardiologia • ESTENOSE MITRAL LEVE: AVM entre 1,5 e 2,5 cm² ou gradiente pressórico médio < 5 mmHg ou pressão sistólica da artéria pulmonar < 30 mmHg. • ESTENOSE MITRAL MODERADA: AVM entre 1,0 e 1,5 cm² ou gradiente pressórico médio entre 5 e 10 mmHg ou pressão sistólica da artéria pulmonar entre 30 e 50 mmHg. • ESTENOSE MITRAL GRAVE: AVM < 1,0 cm² ou gradiente pressórico médio > 10 mmHg ou pressão sistólica da artéria pulmonar > 50 mmHg. Além do aspecto do aparelho mitral e da estimativa do gradiente pressórico e área mitral, o eco também deve avaliar o diâmetro do AE, a função do VE, a presença de insuficiência mitral associada, o acometimento da valva aórtica e estimar a pressão arterial pulmonar. A presença de trombo intra-atrial também deve ser investigada. • O eco transesofágico tem uma sensibilidade > 95% para trombo atrial, incluindo o apêndice atrial esquerdo (local comum para a formação do trombo). • Pequenas cintilações no átrio esquerdo (contraste ecogênico espontâneo) representam pre- disposição à formação de um trombo. ELETROCARDIOGRAMA Pode revelar sinais de aumento do átrio esquerdo (sobrecarga atrial esquerda - SAE): • Onda P com duração ≥ 120 ms em D2; • Índice de Morris em V1: porção nega- tiva da onda P com duração e ampli- tude maiores que 1 quadradinho (> 40 ms e 0,1 mv ou área > 1 mm²). Nos casos mais avançados, pode haver si- nais de sobrecarga de VD, com desvio do eixo para a direita (> 110º) e onda R dominante (R > S) ou ≥ 7 mm em V1. RADIOGRAFIA DE TÓRAX Em perfil, com o esôfago contrastado com bário, observa-se o aumento do AE pelo desloca- mento posterior do esôfago (sinal radiológico mais precoce). O aumento do VD pode ocupar o espaço retroesternal. Em PA, o aumento do AE pode ser notado através de: • SINAL DO DUPLO CONTORNO: ocorre quando o átrio cresce para a direita, permitindo a visualização da sua borda direita, que se aproxima da borda do átrio direito. 5 Jéssica N. Monte – Turma 106 Cardiologia • SINAL DA BAILARINA: ocorre quando o átrio cresce para cima, levando ao des- locamento superior do brônquio fonte esquerdo. • ABAULAMENTO DO ARCO MÉDIO CARDÍACO , correspondente ao apên- dice atrial esquerdo. SINAIS DE CONGESTÃO PULMONAR: inversão do padrão vascular, linhas B de Kerley e edema intersticial. CATETERIZAÇÃO CARDÍACA Indicada apenas aos casos em que os exames não invasivos são inconclusivos ou quando há dis- crepância entre o resultados dos exames e a clínica apresentada. Deve ser realizada de rotina em homens > 40 e mulheres > 45 anos, ou pacientes com idade > 35 anos e presença de fatores de risco para coronariopatia que serão submetidos à cirurgia valvar aberta. Em pacientes com perfil de menor risco, a coronariografia pode ser substituída pela angio-TC coronariana. COMPLICAÇÕES FIBRILAÇÃO ATRIAL O AE aumenta de tamanho progressivamente na EM, devido ao aumento da pressão intracavitária, e a própria cardiopatia reumática acomete o miocárdio atrial, levando a uma espécie de miocar- dite atrial crônica → esses dois fatores geram as condições eletrofisiológicas que predispõem à FA - a grande responsável pelos fenômenos tromboembólicos que complicam a doença valvar mitral. De 30 a 50% dos pacientes com EM desenvolvem FA paroxística intermitente ou crônica perma- nente. A rápida resposta ventricular característica da FA, juntamente à perda da contração atrial, pro- move um aumento importante da pressão atrial esquerda, levando aos sintomas de congestão pulmonar. Episódios de FA paroxística podem se manifestar com edema agudo de pulmão. Hipotensão arterial ou choque podem ser decorrentes do baixo débito cardíaco, causado pelo pequeno tempo de enchimento ventricular diastólico e pela perda da contração atrial (responsá- vel por 30% do enchimento ventricular). FENÔMENOS TROMBOEMBÓLICOS A embolia sistêmica ocorre em cerca de 10 a 20% dos pacientes com EM e são especialmente comuns quando há FA associada. Os pacientes em ritmo sinusal e com átrio esquerdo bastante aumentado também podem evoluir com tromboembolismo, embora com chance menor. O átrio esquerdo grande e fibrilando, sem contração eficaz, é um enorme estímulo para a forma- ção de trombo intracavitário devido à estase sanguínea. Estes trombos podem se deslocar do AE, 6 Jéssica N. Monte – Turma 106 Cardiologia seguindo pela circulação sistêmica até embolizar uma artéria cerebral, esplênica, mesentérica, re- nal, etc. • O AVE isquêmico é o evento embólico mais comum. TRATAMENTO TERAPIA MEDICAMENTOSA TRATAMENTO SINTOMÁTICO BETABLOQUEADORES: • São as drogas de escolha para tratar os sintomas da EM. • Redução da frequência cardíaca → maior esvaziamento do AE → redução da pressão atrial esquerda →redução do gradiente pressórico transvalvar → redução dos sintomas congestivos. • Aliviam a dispneia e melhoram a classe funcional do paciente. • Para os que não podem utilizá-los, deve-se usar os bloqueadores dos canais de cálcio (vera- pamil ou diltiazem). DIURÉTICOS: • Podem ser associados aos betabloqueadores para facilitar a compensação da síndrome con- gestiva. • O seu excesso pode levar a uma síndrome de baixo débito. ANTICOAGULAÇÃO Está indicada para pacientes com EM associada à FA. A droga de escolha é a varfarina, com meta de INR entre 2 e 3. Os novos anticoagulantes orais não devem ser usados em portadores de doença valvar mitral. Pacientes que já apresentaram alguma embolia sistêmica ou têm trombo no AE ou AE ≥ 55 mm no ecocardiograma também deve ser anticoagulados. Pacientes com recidiva de evento embólico ou que apresentam persistência de trombo atrial na vigência de anticoagulação adequada devem associar AAS (50 a 100 mg/dia) à varfarina. TRATAMENTO DA FIBRILAÇÃO ATRIAL Se FA + instabilidade hemodinâmica → cardioversão elétrica sincronizada. Se FA + estabilidade hemodinâmica → controlar a resposta ventricular com betabloqueadores e observar indicações para reversão da arritmia. • Critérios desfavoráveis para reversão: AE aumentado, recidiva da FA na vigência de profilaxia antiarrítmica e FA há mais de 12 anos. Se FA há mais de 48 horas, anticoagular com varfarina por no mínimo 3 semanas antes e 4 sema- nas depois da reversão. A anticoagulação deve ser mantida para sempre, mesmo após a reversão para ritmo sinusal. • A FA valvar é uma condição automaticamente classificada como de alto risco cardioembólico. A reversão também pode ser alcançada com antiarrítmicos (amiodarana) em conjunto à cardio- versão elétrica eletiva → previnem nova FA em 70% dos pacientes. 7 Jéssica N. Monte – Turma 106 Cardiologia ANTIBIOTICOTERAPIA A diretriz nacional recomenda antibioticoprofilaxia contra a endocardite infecciosa para todos os portadores de doenças orovalvares ou próteses valvares, antes de procedimentos dentários, respiratórios, gastrointestinais ou geniturinários. TERAPIA INTERVENCIONISTA A correção intervencionista reduz os sintomas e é a única abordagem que aumenta a sobrevida. A única indicação inquestionável de terapia intervencionista na estenose mitral são os pacientes sintomáticos com estenose mitral moderada a grave (AVM < 1,5 cm²) → estágios D e C2. VALVOPLASTIA PERCUTÂNEA Cateter entra por veia cava inferior → transfixa o septo interatrial → é posicionado no meio da valva mitral → infla-se o balão → rasga-se a valva (comissuro- tomia por balão). Permite a separação das comissuras e a fra- tura dos pontos de calcificação. • A regurgitação mitral é uma complicação bastante frequente e esperada. Indicada para sintomáticos ou assintomáticos com hipertensão pulmonar (> 50 mmHg em repouso ou > 60 mmHg no exercí- cio), estenose moderada a severa (área valvar < 1,5 cm2), escorede Wilkins-Block ≤ 8, sem trombo atrial ou regurgitação mode- rada a severa. Complicações: embolia sistêmica, regurgitação mitral e comunicação interatrial (CIA). VALVOPLASTIA CIRÚRGICA COMISSUROTOMIA ABERTA: É realizada após visualização da valva, pela abertura do coração, em circulação extracorpórea. Deve ser a terapia de escolha nos pacientes que seriam indicados para a valvoplastia percutânea (escore de Wilkins-Block ≤ 8, ausência de insuficiência mitral moderada a grave), mas que apre- sentam trombo intra-atrial após 3 meses de anticoagulação. COMISSUROTOMIA FECHADA: O átrio esquerdo é incisado e o procedimento é feito com o dedo do cirurgião ou com um dila- tador, sem circulação extracorpórea. Apresenta um alto risco de embolia. Tem resultados menos satisfatórios em curto e longo prazos. Somente deve ser feita na indisponibilidade da cirurgia com circulação extracorpórea e do mé- todo percutâneo. TROCA VALVAR É mandatória para os pacientes com escore de Wilkins-Block ≥ 12, valva calcificada, ou quando há insuficiência mitral moderada a grave (dupla lesão mitral) ou doença coronariana associada → nesses pacientes, os resultados da plastia valvar (percutânea ou cirúrgica) são limitados. 8 Jéssica N. Monte – Turma 106 Cardiologia Oferece uma nova morbidade ao paciente: a prótese valvar, que pode ser biológica (bioprótese) ou mecânica (metálica). Operam-se os pacientes com classe funcional NYHA III ou IV ou pacientes sintomáticos/oligos- sintomáticos com HAP muito grave (PAP sistólica ≥ 80 mmHg) não candidatos à valvoplastia per- cutânea.i i Fontes: Medcurso; Medcel; Curso Intensivo de ECG; CardioClub: Manual Completo de Car- diologia.
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