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Introdução à farmacologia do SNC O estudo do efeito dos fármacos no SNC é desafiador, visto que esse sistema é o mais complexo do corpo. É, portanto, no cérebro que o comportamento individual das células apresenta uma maior diferença quando comparado com o órgão como um todo, diferentemente de outros órgãos (RANG et al., 2016). Embora Rang et al., (2016) declarem que “[...] atualmente, o vínculo entre a ação de um fármaco, em níveis bioquímico e celular, e seus efeitos na função cerebral permanece, em sua maior parte, misterioso”, sabe-se que a ação da grande maioria dos fármacos no SNC envolve a interação com receptores específicos, os quais regulam a transmissão sináptica. Algumas substâncias, como os anestésicos gerais e o álcool, provocam ações inespecíficas nas membranas sem necessidade da interação com o seu receptor, no entanto, também resultam em alterações na transmissão sináptica (KATZUNG; TREVOR, 2017). Com o intuito de avançar na descoberta do mecanismo de ação dos fármacos no SNC, nos dias de hoje, é possível estudar essa ação em neurônios de forma individual, assim como em receptores isolados dentro das sinapses (KATZUNG; TREVOR, 2017). Com isso, antes de abordar especificamente a farmacologia do SNC, deve-se ter o conhecimento dos sistemas transmissores predominantes do SNC e as maneiras pelas quais os fármacos os afetam. SINALIZAÇÃO QUÍMICA NO SNC Os fármacos que agem no sistema nervoso central (SNC) são amplamente utilizados na prática clínica para o tratamento de diversas condições neurológicas, transtornos psiquiátricos, alívio da dor e redução da febre. Ademais, muitos desses fármacos produzem um efeito de sensação de bem-estar, fator esse que leva à automedicação por parte da população (p. ex. opioides e anfetaminas) (KATZUNG; TREVOR, 2017). A sinalização química no SNC envolve mediadores químicos que podem atuar de formas distintas, produzindo efeitos de curta ou de longa duração, podendo agir de maneira muito difusa e também com uma distância significativa do local de liberação. Esses mediadores podem afetar a condução iônica da membrana celular pós-sináptica, além de interferir na síntese do transmissor, na expressão dos receptores do neurotransmissor e na morfologia neuronal (RANG et al., 2016). No Quadro é possível verificar os tipos de mediadores químicos envolvidos na sinalização no SNC. É importante destacar que a maior parte dos fármacos utilizados clinicamente com ação central é centralizada nos mediadores de pequenas moléculas. Quadro 1. Tipos de mediadores químicos no sistema nervoso central. Fonte: RANG et al., 2016. (Adaptado). De forma geral, os processos envolvidos na transmissão sináptica no SNC são semelhantes aos que ocorrem na periferia. A comunicação entre os neurônios, assim como entre os neurônios e outros tipos de células, ocorre pela liberação de neurotransmissores, pequenas moléculas ou peptídeos que podem atuar em células-alvo por uma curta distância através de sinapses ou podem ainda ser liberados na circulação a fim de atuar em órgãos distantes (RANG et al., 2016; GOLAN et al., 2009). Os neurotransmissores são liberados pelos terminais pré-sinápticos, produzindo efeitos excitatórios ou inibitórios nos neurônios pós-sinápticos. Eles podem ser rápidos (p. ex. glutamato, GABA) tendo como alvo os canais iônicos controlados por voltagem ou podem ser lentos, atuando em receptores acoplados à proteína G (RANG et al., 2016). Os astrócitos, que são as principais células não neuronais presentes no SNC, também apresentam um relevante papel na sinalização e funcionam como “neurônios inexcitáveis”. Essas células, embora apresentem escala de tempo mais lenta que a comunicação neuronal, expressam receptores e transportadores variados, assim como liberam diversos tipos de mediadores químicos, como o glutamato, D-serina, ATP, mediadores lipídicos e fatores de crescimento (RANG et al., 2016). Muitos mediadores químicos, a exemplo do óxido nítrico e de neuropeptídeos, são denominados neuromoduladores, pois, suas ações não se enquadram no conceito original de neurotransmissor. De forma geral, os mediadores que possuem como função principal a neuromodulação estão envolvidos em ações fisiológicas de curto prazo, como na regulação da liberação do transmissor pré-sináptico ou na excitabilidade pós-sináptica (RANG et al., 2016). Deve-se ressaltar que o mesmo mediador pode funcionar tanto como neurotransmissor quanto como neuromodulador. Além disso, esse pode ter como alvo os canais controlados por voltagem e também os receptores acoplados à proteína G (p. ex., glutamato, 5- hidroxitriptamina, acetilcolina). LOCAIS DE AÇÃO DOS FÁRMACOS NO SNC As etapas da transmissão sináptica são dependentes do transmissor e podem ser divididas em ações pré-sinápticas e pós-sinápticas. Os fármacos que possuem ações pré-sinápticas são aqueles que atuam na síntese (2), no armazenamento (3), no metabolismo (4) e na liberação (5) de neurotransmissores. A reserpina é um exemplo de fármaco que deprime a transmissão sináptica por interferir no armazenamento intracelular. Alguns exemplos de substâncias que alteram a etapa de liberação incluem, a anfetamina que induz a liberação de catecolaminas nas sinapses adrenérgicas, a capsaicina que induz a liberação da substância P dos neurônios sensoriais e a toxina tetânica que bloqueia a liberação dos transmissores (KATZUNG; TREVOR, 2017). Os fármacos com ações pós-sinápticas atuam principalmente no receptor (8) do transmissor, podendo se comportar como agonistas do neurotransmissor ou como antagonistas. Como exemplo de uma classe de fármacos agonistas de neurotransmissores tem-se os opioides, os quais possuem ação semelhante a encefalina. Os fármacos antagonistas bloqueiam o receptor e impedem ou reduzem a ação de um agonista e, consequentemente, o seu efeito biológico. Fármacos antagonistas de receptores no SNC são mais comuns clinicamente, tendo como alguns exemplos: a) a estricnina, que apresenta ação convulsivante, bloqueia o receptor de glicina, um transmissor inibitório, resultando em excitação; b) a cetamina, um anestésico, bloqueia o canal iônico de receptores ionotrópicos de glutamato; c) as metilxantinas, bloqueiam o metabolismo do AMPc, um segundo mensageiro, prolongando a sua ação (KATZUNG; TREVOR, 2017). De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015) “[...] um conceito fundamental da Neurofarmacologia é o de que os fármacos que influenciam o comportamento e melhoram o estado funcional dos pacientes com doenças neurológicas ou psiquiátricas atuam aumentando ou atenuando a eficácia de transmissores e canais específicos”. Em sua grande maioria, os fármacos produzem seus efeitos no SNC ao modificar alguma etapa da transmissão sináptica química. Na Figura 1 é possível observar algumas das etapas que podem ser alteradas por esses fármacos. Figura 1. Etapas nas quais os fármacos podem alterar a transmissão sináptica. Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017. AÇÃO DOS FÁRMACOS NO SNC Os fármacos podem apresentar ações específicas ou inespecíficas no SNC. O efeito do fármaco é considerado específico quando esse interage com os receptores das células alvo, afetando um mecanismo molecular único e reconhecível. Em regra, quanto maior a potência do fármaco, menor a probabilidade dele exercer efeitos indesejáveis, no entanto, mesmo fármacos com alta especificidade podem apresentar ações inespecíficas em doses elevadas. De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015), os fármacos que atuam no SNC podem ser classificados em: depressores gerais (inespecíficos) do SNC, estimulantes gerais (inespecíficos) do SNC e fármacos que modificam seletivamente a função do SNC. Depressores gerais (inespecíficos) do SNC Incluem os agentes anestésicosnas formas de gases e vapores, os alcoóis alifáticos e alguns fármacos sedativos-hipnóticos. Essas substâncias deprimem os tecidos excitáveis em todos os níveis do SNC, reduzindo a quantidade de neurotransmissores liberados, deprimindo o transporte iônico e a reatividade pós-sináptica. O álcool, em concentrações subanestésicas, pode apresentar efeito levemente específico em alguns neurônios, o que pode causar dependência. Estimulantes gerais (inespecíficos) do SNC Incluem os fármacos pentilenotetrazol e compostos semelhantes, capazes de induzir intensa excitação do SNC, e as metilxantinas, as quais apresentam ação estimulante mais fraca. Essas substâncias estimulam o SNC pelo bloqueio da inibição ou pela excitação neuronal direta, resultando no aumento da liberação de neurotransmissores ou no prolongamento da ação deles. Fármacos que modificam seletivamente a função do SNC Podem causar depressão ou excitação, sendo que, em alguns casos, os dois efeitos podem ser observados simultaneamente em diferentes sistemas. Embora esses fármacos apresentem ação seletiva no SNC, esses normalmente afetam várias funções neurológicas centrais, porém com intensidades variáveis. As principais classes de fármacos com ações no SNC incluem os anticonvulsivantes, antidepressivos, antipsicóticos, sedativos-hipnóticos, antiparkisonianos, tranquilizantes, analgésicos opioides e não opioides, supressores do apetite, antieméticos, analgésicos- antipiréticos, alguns estimulantes e fármacos usados no tratamento da doença de Alzheimer. CURIOSIDADE O efeito de determinado agente terapêutico no SNC pode ser aditivo com os efeitos de outros agentes depressores ou estimulantes. Como exemplo, tem-se a combinação de barbitúricos ou benzodiazepínicos com etanol, a qual pode ser fatal por ambos apresentarem efeitos depressores. Um caso muito relatado na mídia em 2012 foi a morte da cantora Whitney Houston, que faleceu após a ingestão de álcool e de um coquetel de medicamentos que incluia o alprazolam (benzodiazepínico). Farmacologia dos sedativos-hipnóticos Essa classe de fármacos é amplamente prescrita em todo o mundo, e incluem os benzodiazepínicos, novos agonistas do receptor benzodiazepínico (os “compostos Z”), os barbitúricos e outros fármacos sedativos-hipnóticos (KATZUNG; TREVOR, 2017; HILAL- DANDAN, 2015). Um fármaco sedativo atua diminuindo a ansiedade, moderando a excitação e exercendo um efeito calmante. É importante ressaltar que muitos fármacos que não são depressores do SNC apresentam a sedação como efeito colateral, como é o caso dos fármacos anti-histamínicos (KATZUNG; TREVOR, 2017; HILAL-DANDAN, 2015). Um fármaco hipnótico atua produzindo sonolência e estimulando o início e a manutenção de um estado de sono. Quando comparados com a sedação, os efeitos hipnóticos envolvem uma depressão mais pronunciada do SNC, geralmente obtida pelo aumento da dose destes fármacos. Os fármacos sedativos-hipnóticos mais antigos, como os barbitúricos e os álcoois, apresentam uma relação dose-resposta linear, onde progressivamente com o aumento da dose pode-se alcançar respostas desde uma sedação branda, passando por estado de hipnose e podendo levar a uma situação de anestesia geral. Em doses ainda maiores, podem levar ao coma e à morte, por depressão dos centros respiratórios e vasomotor no bulbo (KATZUNG; TREVOR, 2017; HILAL-DANDAN, 2015). Benzodiazepínicos Os benzodiazepínicos são fármacos sedativos-hipnóticos amplamente utilizados na prática clínica no tratamento da ansiedade aguda e da insônia. Esses fármacos atuam promovendo a ligação do ácido γ-aminobutírico (GABA), um importante neurotransmissor inibitório, aos receptores de GABAA. O receptor GABAA é um canal iônico dependente da voltagem que contém diferentes subunidades, dentre elas destacam-se as subunidades α, β e γ. Os benzodiazepínicos se ligam ao receptor GABAA através da interface entre as subunidades α e β, em um local distinto do ponto de ligação do GABA, e de maneira alostérica, modulam os efeitos do GABA (RANG et al., 2016). Os fármacos pertencentes à classe dos sedativos-hipnóticos são depressores do SNC e possuem a capacidade de produzir sedação (ao mesmo tempo que aliviam a ansiedade) ou de induzir o sono. Grande parte dos efeitos dos benzodiazepínicos se dá pelas suas ações sobre o SNC, como a sedação, hipnose, redução da ansiedade, relaxamento muscular, amnésia anterógrada e ação anticonvulsivante. Esses fármacos possuem dois efeitos de origem periférica, a vasodilatação coronária e o bloqueio neuromuscular, sendo essa última ação observada apenas em doses muitos elevadas (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). Os graus de depressão neuronal produzidos pelos benzodiazepínicos são diferentes dos barbitúricos e anestésicos voláteis, sendo que entre os benzodiazepínicos todos apresentam perfis farmacológicos similares embora possam diferir quanto à seletividade e, consequentemente, quanto ao uso terapêutico. No Quadro 2 é possível ver os usos terapêuticos dos principais benzodiazepínicos disponíveis comercialmente. Quadro 2. Usos terapêuticos e meia-vida dos principais benzodiazepínicos. Fonte: HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015. (Adaptado). Quanto aos aspectos farmacocinéticos, os benzodiazepínicos apresentam boa absorção após administração oral, atingindo a concentração plasmática máxima em cerca de uma hora, embora alguns deles, como o lorazepam, apresentem absorção mais lenta. Os benzodiazepínicos, assim como os seus metabólitos ativos, ligam-se às proteínas plasmáticas, e por apresentarem uma solubilidade lipídica alta, muitos desses fármacos se acumulam de forma gradual no tecido adiposo. Como visto no Quadro 2, esses fármacos variam quanto à sua meia-vida de eliminação, podendo ser de ação curta (meias-vidas de menos de 6h), intermediária (meias-vidas de 6-24h) e longa (meias-vidas de mais de 24h). Os benzodiazepínicos são metabolizados pelas enzimas do citocromo P450 (CYP) hepáticas, principalmente as CYPs 3A4 e 2C19, e em certos casos podem ser excretados como conjugados glicuronídeos na urina (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). Dentre os efeitos adversos relacionados ao uso de benzodiazepínicos tem-se tontura, aumento dos tempos de reação, falta de coordenação motora, comprometimento das funções mentais e motoras, confusão e amnésia anterógrada, fraqueza, cefaleia, visão borrada, vertigem, náuseas e vômitos, desconforto epigástrico e diarreia. Com isso, o uso de benzodiazepínicos pode comprometer a capacidade do indivíduo em conduzir veículos assim como outras habilidades psicomotoras (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). Novos agonistas do receptor benzodiazepínico Os hipnóticos dessa classe incluem o zolpidem, zaleplona, zopiclona e eszopiclona (enantiômero S(+) da zopiclona), e são conhecidos como “compostos Z”. Esses fármacos são muito utilizados no tratamento da insônia, tendo substituído os benzodiazepínicos nos últimos anos para este fim. Quando comparados aos benzodiazepínicos, os compostos Z possuem menor atividade como anticonvulsivantes e relaxantes musculares. Embora os compostos Z tenham sido aprovados com a informação que a dependência gerada pelo uso desses era inferior ao dos benzodiazepínicos, após a comercialização destes fármacos foi verificado que os mesmos causam tolerância e dependência física após o uso prolongado, principalmente quando utilizadas doses altas (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). O mecanismo de ação dos compostos Z se dá pela ligação seletiva aos receptores GABAA que contêm a subunidade α1, atuando como agonistas no mesmo local de ligação do benzodiazepínico ao receptor e aumentando a hiperpolarização da membrana (HILAL- DANDAN; BRUNTON, 2015). O flumazenil é um antagonista do receptor de benzodiazepínicos e é utilizado como antídoto no tratamento da superdosagem de benzodiazepínicos e dozolpidem e também na reversão dos efeitos sedativos dos benzodiazepínicos administrados para anestesia geral ou procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Esse fármaco é administrado por via intravenosa, sendo que os efeitos decorrentes de doses terapêuticas de flumazenil são revertidos após uma dose total de 1 mg de flumazenil administrada durante 1-3 minutos. O zolpidem e a zaleplona aliviam a insônia resultante da incapacidade de conciliar o sono, apresentando ação hipnótica prolongada e sem o surgimento de insônia de rebote na interrupção súbita. A zaleplona tem uma meia-vida curta, cerca de uma hora, enquanto a meia-vida do zolpidem é de duas horas. A partir disso, a zaleplona pode ser administrada em um horário mais avançado, até quatro horas antes da hora prevista para levantar-se. Já a recomendação para o zolpidem é que seja administrado somente ao deitar-se. O zolpidem e a zaleplona apresentam biodisponibilidade após administração oral de 70% e 30%, respectivamente, sendo a zaleplona metabolizada, principalmente, pela enzima aldeído oxidase (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). A eszopiclona, utilizada para o tratamento prolongado da insônia e na manutenção do sono, apresenta uma biodisponibilidade de cerca de 80% após ser administrada oralmente, com meia-vida de aproximadamente 6 horas e é metabolizada pela CYP 3A4 e 2E1. Barbitúricos Os barbitúricos são fármacos que já foram amplamente utilizados como sedativos-hipnóticos, no entanto foram substituídos pelos benzodiazepínicos por serem mais seguros. De acordo com Katzung e Trevor (2017), sua ação se dá pela ligação “[...] a subunidades específicas do receptor GABAA em sinapses neuronais do SNC, facilitando a duração de abertura dos canais iônicos de cloreto mediados pelo GABA”. No Quadro 3 é possível ver os principais usos terapêuticos desses fármacos. Dentre os efeitos adversos relacionados ao uso de barbitúricos tem-se alterações de humor, comprometimento do julgamento e das habilidades motoras finas, vertigens, náuseas, vômitos, diarreia, inquietação, excitação, reações de hipersensibilidade e, em alguns pacientes, os barbitúricos causam excitação ao invés de depressão do SNC, dando a impressão de estar embriagado (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). Quadro 3: Usos terapêuticos dos principais barbitúricos. Fonte: HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015. (Adaptado). Quanto à farmacocinética, os barbitúricos apresentam meias-vidas variadas, de 4-60h, sendo que o fenobarbital apresenta a meia-vida mais longa. O metabolismo destes fármacos é hepático, e o fenobarbital apresenta 20% de eliminação renal (KATZUNG; TREVOR, 2017). Outros Fármacos Sedativos Hipnóticos A ramelteona é um análogo tricíclico sintético da melatonina utilizado para o tratamento de insônia, principalmente para pacientes com dificuldades para adormecer. A ramelteona se liga com alta afinidade aos dois receptores para melatonina (MT1 e MT2) nos núcleos supraquiasmáticos do SNC, ativando-os. Esse fármaco é administrado oralmente, porém sua biodisponibilidade é inferior à 2%, e é extensamente metabolizado pelas enzimas CYP 1A2, 2C E 3A4, sendo que durante a metabolização pela CYP 1A2 é formado um metabólito ativo que contribui para os efeitos indutores do sono da ramelteona. Farmacologia dos Antidepressivos A depressão é uma das doenças mentais mais prevalentes em todo o mundo e pode ser classificada como depressão maior (depressão unipolar) ou doença maníaco-depressiva (depressão bipolar). Os sintomas do transtorno depressivo maior (TDM) incluem: humor deprimido, pessimismo, diminuição do interesse pelas atividades normais, distúrbios do sono, perda ou ganho significativo de peso, agitação ou atraso psicomotor, sentimento de culpa e inutilidade, perda da libido e ideias suicidas. A depressão bipolar é menos comum e quando ocorre, é mais frequente no início da vida adulta, resultando em depressão e mania, os quais oscilam pelo período de algumas semanas (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). As causas e fisiopatologia do TDM ainda não foram totalmente esclarecidas, com isso há diferentes teorias para a depressão, como a teoria das monoaminas e a teoria neurotrófica. A buspirona é um agonista parcial do receptor 5-HT1A, utilizado no tratamento dos estados de ansiedade generalizada, porém apresenta pouco efeito sedativo. Os efeitos ansiolíticos deste fármaco começam a aparecer dentro de uma a duas semanas após o início do uso, sendo que a buspirona apresenta pouco comprometimento psicomotor e sem efeito aditivo na depressão do SNC ao ser utilizado com outros fármacos sedativos-hipnóticos concomitantemente (KATZUNG; TREVOR, 2017). De acordo com Rang et al. (2016) a teoria das monoaminas, proposta por Schildkraut em 1965, “[...] afirma que a depressão pode ser causada por déficit funcional de transmissores de monoaminas, norepinefrina (NE) e 5-hidroxitriptamina (5-HT), em certos locais do cérebro, enquanto a mania resulta de excesso funcional”. Essa teoria foi baseada na capacidade de alguns antidepressivos conhecidos induzirem a transmissão monoaminérgica, enquanto outros fármacos possuem a capacidade de causar depressão (p. ex. reserpina que inibe o armazenamento de NE e 5-HT). Embora muitos fármacos antidepressivos possuam como mecanismo de ação a transmissão de monoaminas, essa teoria é insuficiente como explicação da depressão. Alterações na transmissão glutamatérgica também podem estar envolvidas na depressão, assim como fatores neuroendócrinos, como as anormalidades do eixo hipotalâmico- hipofisário-suprarrenal, em pacientes com TDM, que incluem níveis elevados de cortisol e elevação crônica dos níveis do hormônio liberador de corticotrofina (CRH, de corticotrophin- releasing hormone). Os antidepressivos agem, de forma geral, aumentando a transmissão serotonérgica e noradrenérgica. Os antidepressivos disponíveis clinicamente são diferentes estruturalmente e também em relação aos alvos moleculares, podendo ser classificados em diferentes subclasses, a saber: inibidores da captura das monoaminas, antagonistas do receptor de monoamina, inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) e agonista do receptor da melatonina. A subclasse de agonista do receptor da melatonina tem a agomelatina como único fármaco representante, sendo este um agonista dos receptores MT1 e MT2 da melatonina e um antagonista fraco do 5-HT2C. As demais subclasses serão discutidas. Inibidores da captura das Monoaminas Dentre os fármacos inibidores da captura das monoaminas tem-se os: a) inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs); b) antidepressivos tricíclicos (ADTs); c) inibidores seletivos da recaptação de serotonina-norepinefrina (IRSNs); d) inibidores da recaptação de norepinefrina. Os ISRSs (p. ex. fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina, sertralina, citalopram, escitalopram) atuam inibindo o transportador de serotonina (SERT), o qual medeia a recaptação da serotonina no terminal pré-sináptico. Os ISRSs são os antidepressivos de maior uso clínico na atualidade devido à facilidade de uso, tolerabilidade relativa, custo, segurança em casos de Na teoria neurotrófica acredita-se que a depressão está associada à redução dos níveis do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF, de brain-derived neurotrophic factor) ou o mau funcionamento do seu receptor, denominado TrkB. De acordo com Katzung e Trevor (2017), “[...] acredita-se que o BDNF exerça a sua influência sobre a sobrevida neuronal e efeitos de crescimento ao ativar a tirosina-cinase do receptor B tanto nos neurônios como na glia”. Os antidepressivos atuam aumentando os níveis de BDNF, aumentando a neurogênese e também a conexão sináptica no hipocampo. superdosagem e diversidade de usos, sendo também utilizados no tratamento de outras doenças como transtorno de pânico, bulimia, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de ansiedade generalizada(KATZUNG; TREVOR, 2017). Os ADTs (p. ex., imipramina, desipramina, amitriptilina, nortriptilina, clomipramina) eram os principais antidepressivos antes da introdução dos ISRSs. Atualmente eles são indicados para o tratamento da depressão não responsiva aos ISRSs ou os IRSNs. Esses fármacos variam quanto a sua atividade e seletividade em relação à inibição da recaptação de serotonina e norepinefrina. A imipramina, por exemplo, é muito anticolinérgica e apresenta forte inibição da recaptação de ambos transmissores, enquanto a desipramina é muito menos anticolinérgica e apresenta maior potência e ligeira seletividade para a recaptação de NE quando comparado com a imipramina (KATZUNG; TREVOR, 2017). Os IRSNs, assim como os ADTs, ligam-se aos transportadores de serotonina (SERT) e de norepinefrina (NET), inibindo a recaptação desses transmissores, no entanto, os IRSNs não apresentam afinidade com outros receptores como os ADTs, o que leva à diminuição de efeitos colaterais relacionados ao uso destes fármacos. A venlafaxina, por exemplo, apresenta atividade semelhante à imipramina porém com menos efeitos colaterais. Os inibidores da recaptação de norepinefrina incluem a bupropiona, reboxetina e atomoxetina. A bupropiona é um fármaco utilizado no tratamento da depressão associada à ansiedade e atua inibindo seletivamente a recaptação de NE sobre a serotonina, no entanto, também inibe a recaptação da dopamina. A reboxetina inibe seletivamente a recaptação de NE e é considerada mais segura e com menos efeitos adversos quando comparada aos ADTs. No Quadro 4 é possível ver as várias características farmacocinéticas dos inibidores da captura das monoaminas e das demais classes de antidepressivos. Os IRSNs (p. ex. venlafaxina, desvenlafaxina, duloxetina e levomilnaciprana) são efetivos no tratamento do TDM e também possuem outros usos terapêuticos como no tratamento da fibromialgia e neuropatias, na ansiedade generalizada, incontinência urinária por estresse e sintomas vasomotores da menopausa. IMAOs: inibidores da monoaminoxidase; ND: nenhum dado encontrado; IRSNs: inibidores da recaptação de serotonina-norepinefrina; ISRSs: inibidores seletivos da recaptação de serotonina. Quadro 4. Usos terapêuticos dos principais barbitúricos. Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017. (Adaptado). Antagonistas do receptor de Monoamina Os antagonistas do receptor de monoamina incluem a trazodona, nefazodona, mirtazapina e mianserina. Esses fármacos não são seletivos e, com isso, inibem outros receptores. A trazodona, por exemplo, inibe os receptores 5-HT2 e os receptores α1-adrenérgicos, além de também inibir o transportador de serotonina embora com menor potência. Já a mirtazapina e a mianserina inibem os receptores da histamina H1 e também apresentam afinidade com os receptores α2-adrenérgicos. Quanto aos usos clínicos a trazodona apresenta eficácia mais limitada quando comparada aos ISRSs, enquanto a mirtazapina e a mianserina promovem bastante sedação, sendo os tratamentos de escolha para pacientes depressivos que sofrem de insônia. Inibidores da Monoaminoxidase (IMAOs) Os inibidores da monoaminoxidase (IMAOs) foram introduzidos na década de 1950, porém, atualmente, possuem pouco uso clínico, em decorrência da sua toxicidade e de sua baixa segurança, já que certas interações medicamentosas e alimentares podem ser fatais. Seus usos terapêuticos incluem o tratamento da depressão não responsiva a outros antidepressivos, da doença de Parkinson e da ansiedade social e transtorno de pânico. Os IMAOs disponíveis comercialmente incluem a fenelzina, a isocarboxazida, a tranilcipromina, a selegilina e a moclobemida. A fenelzina, isocarboxazida e tranilcipromina são inibidores irreversíveis e não seletivos aos subtipos MAO-A e MAO-B, enquanto os outros IMAOs apresentam propriedades reversíveis e seletivas para determinado subtipo (p. ex. a moclobemida é reversível e seletiva para MAO-A). EXEMPLIFICANDO A “reação ao queijo” é um exemplo de uma interação grave entre IMAOs e alimentos. O queijo maturado contém tiramina, um neurotransmissor derivado da tirosina. Quando o queijo maturado é consumido em grandes quantidades por um paciente que faz uso IMAO, ocorre uma interação fármaco-nutriente que causa crise hipertensiva ou aumento súbito da pressão sanguínea que pode ser perigoso. Essa interação ocorre devido à tiramina ser degradada pela monoaminoxidase, inibida pelos IMAOs. Com isso, os níveis de tiramina aumentam no organismo causando efeitos simpaticomiméticos. Farmacologia dos Antipsicóticos O Lítio foi utilizado como agente terapêutico pela primeira vez por volta do século XIX, no tratamento de paciente com gota. Seu efeito psicotrópico foi descoberto por John Cade em 1949, que observou que o Lítio produziu uma melhora rápida em um grupo de pacientes maníacos. Após uma série de estudos clínicos, foi comprovada a efetividade do Lítio como monoterapia na fase maníaca do transtorno bipolar. Sendo o primeiro fármaco desprovido de ação antipsicótica eficaz para essa enfermidade pois o Lítio não apresenta nenhuma aplicação no tratamento da esquizofrenia. O lítio é um cátion monovalente e pode simular o papel do íon sódio em membranas excitáveis sendo capaz de permear os canais de sódio dependentes de voltagem responsáveis pela geração de potenciais de ação. Essa é uma substância que inibe diretamente duas vias de transdução de sinais. Suprime a sinalização do Inositol pela redução do Inositol intracelular e inibe a glicogênio sintase cinase – 3, uma proteína cinase presente em diversas vias de sinalização intracelulares. Com o passar do tempo, a utilização o lítio diminuiu pois os fármacos anticonvulsivantes atípicos são igualmente eficazes no tratamento da mania aguda e são muito mais seguros. Além disso, por apresentar janela terapêutica estreita é eficaz na concentração plasmática de 0,5 a 1 mmol/L e tóxico em uma concentração 3x superior a esta. Este limite reduzido, requer um monitoramento constante da concentração plasmática Dentre os principais tóxicos que podem ocorrer durante o tratamento com Lítio, podemos citar: náuseas, vômitos, diarreia, tremor, efeitos renais (poliuria, lesão tubular grave), aumento da tireoide, ganho de peso, perda de cabelo, coma, convulsões e morte caso a concentração plasmática passe de 3000 mmol/L. A psicose é um dos sintomas de doenças mentais que se caracteriza por uma realidade distorcida ou inexistente. Dentre os transtornos psicóticos mais comuns que acometem a população tem-se a depressão maníaco-depressiva, psicose induzida por substâncias, transtorno psicótico breve, transtorno delirante, transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia, demência e delirium com aspectos psicóticos (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). Os sintomas dos transtornos psicóticos incluem as alucinações, ilusões, desorganização do pensamento, fala incoerente e agitação. Além desses sintomas, pacientes esquizofrênicos também apresentam os denominados sintomas negativos, que incluem a apatia, avolição (incapacidade de iniciar ou persistir na busca de um objetivo), alogia (marcante pobreza de fala e fala vazia de conteúdo) e déficits cognitivos (p. ex. atenção, memória e cognição social) (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). A esquizofrenia possui um componente hereditário significativo e atinge cerca de 1% da população (RANG et al., 2016). Os primeiros fármacos que apresentaram atividade na redução dos sintomas das esquizofrenia foram a reserpina e a clorpromazina, descobertos a partir dos estudos baseados na hipótese da dopamina. No entanto, atualmente a reserpina não é mais utilizada como fármaco antipsicótico e a clorpromazina é classificada como fármaco neuroléptico. De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015) “[...] o termo “neuroléptico” refere-se aos fármacos antipsicóticos típicos, que atuam através do bloqueio do receptorD2, mas são associados a efeitos colaterais extrapiramidais”. Segundo a hipótese da dopamina a redução dos sintomas da esquizofrenia é obtida pela diminuição da neurotransmissão dopaminérgica. No entanto, esta hipótese apresenta limitações pois a dopamina não é responsável pelos déficits cognitivos associados à essa doença, e nem explica os efeitos alucinógenos da fenciclidina e cetamina que são fármacos antagonistas do receptor do glutamato N-metil-D-aspartato (NMDA) (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). Porém, essa hipótese continua sendo relevante, pois, a partir dela é possível compreender os principais aspectos da esquizofrenia assim como os mecanismos de ação da maioria dos fármacos antipsicóticos (KATZUNG; TREVOR, 2017). De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015) “[...] são promissores os medicamentos que almejam o glutamato e os subtipos do receptor 5-HT7, os receptores para o ácido γ- aminobutírico (GABA) e acetilcolina (ambos muscarínicos e nicotínicos) e até mesmo os receptores de hormônios peptídicos (p. ex., a ocitocina)”. No entanto, até o momento, todos os antipsicóticos disponíveis comercialmente são antagonistas dos receptores D2 de dopamina, podendo ser divididos em duas principais classes: antipsicóticos de primeira e segunda geração. Os fármacos mais recentes foram obtidos a partir da experiência com a clozapina, um agente antipsicótico atípico que provoca menos efeitos colaterais extrapiramidais (EEP), e de mecanismos não dopaminérgicos, como o antagonismo do receptor 5-HT2. EXPLICANDO Os sintomas negativos da esquizofrenia são caracterizados pela ausência de manifestações psíquicas que deveriam estar presentes no indivíduo. Já os sintomas positivos referem-se aos comportamentos psicóticos que normalmente não são observados em pessoas saudáveis, como as alucinações, delírios, distúrbios de movimento e pensamentos desordenados. Antipsicóticos de Primeira Geração Os antipsicóticos de primeira geração (também conhecidos como “antipsicóticos típicos” ou “convencionais”) são aqueles que foram desenvolvidos inicialmente, como a clorpromazina, haloperidol e outros compostos análogos (p. ex. flufenazina, flupentixol e clopentixol). Os antipsicóticos de primeira geração atuam bloqueando os receptores D2 de modo estereosseletivo (em grande parte) sendo que a afinidade de ligação ao receptor relaciona-se a potência antipsicótica e incidência de EEP. A clorpromazina é um derivado da fenotiazina com baixa potência, incidência média de EEP e que provoca alta ação sedativa e hipotensora, além de ganho de peso. Outro derivado da fenotiazina é a flufenazina, e ele difere da clorpromazina por apresentar alta potência clínica e baixa ação sedativa e hipotensora. No entanto, a flufenazina apresenta uma incidência alta de EEP (KATZUNG; TREVOR, 2017). O haloperidol, um derivado de butirofenona, é o antipsicótico de primeira geração mais utilizado, possuindo alta potência e baixa ação sedativa e hipotensora. No entanto, esse fármaco apresenta um nível elevado de EEP quando comparado aos demais fármacos dessa classe (KATZUNG; TREVOR, 2017). Antipsicóticos de Segunda Geração Os antipsicóticos de segunda geração (também conhecidos como “antipsicóticos atípicos”) foram desenvolvidos mais recentemente e incluem a clozapina, risperidona, olanzapina, sertindol, quetiapina, amissulprida, aripiprazol, zotepina, ziprasidona. Esses fármacos causam menos efeitos adversos e apresentam uma farmacologia complexa, diferente dos compostos de primeira geração. Os fármacos atípicos possuem maior capacidade de atuar sobre receptores 5-HT2A (antagonismo) do que nos receptores D2, e a maior parte deles também atuam como agonistas parciais do receptor 5-HT1A, o que resulta em efeitos sinérgicos. A maioria desses fármacos também são antagonistas dos receptores 5-HT6 ou 5-HT7. A classificação em antipsicóticos de primeira e segunda geração é baseada no perfil dos receptores, incidência de EEP, eficácia em pacientes não responsíveis ao tratamento e eficácia no tratamento dos sintomas negativos. A escolha do antipsicótico baseia-se nas diferenças da eficácia e do surgimento de efeitos colaterais, além do custo e da disponibilidade no setor público. No Quadro 5 é possível ver algumas vantagens e desvantagens dos antipsicóticos de segunda geração, enquanto no Quadro 6 é possível ver os principais efeitos colaterais dos fármacos antipsicóticos. Quadro 5. Alguns fármacos antipsicóticos de segunda geração. Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017. Quadro 6. Efeitos colaterais dos fármacos antipsicóticos. Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017. Farmacologia do Anticonvulsivantes A epilepsia é um distúrbio neurológico muito comum, caracterizada por convulsões, que atinge aproximadamente 1% da população mundial. De acordo com Rang et al (2016) “nem todas as crises envolvem convulsões. Essas estão associadas à despolarização episódica de alta frequência de impulsos por um grupo de neurônios (algumas vezes referido como foco) no cérebro. O que se inicia como despolarização local anômala pode propagar-se para outras áreas do cérebro”. O tratamento da epilepsia é sintomático, visto que até o momento não há cura para essa condição. No entanto, 20% dos pacientes não apresentam controle das convulsões após o uso da farmacoterapia padrão. As crises convulsivas podem levar à depressão transitória da consciência, o que prejudica as atividades cotidianas do indivíduo (KATZUNG; TREVOR, 2017; HILAL-DANDAN, 2015). As causas da epilepsia são diversas, podendo desenvolver-se após lesão cerebral, doenças traumáticas, neoplásicas e degenerativas, infecção ou crescimento tumoral, assim como defeitos genéticos e de desenvolvimento. Com base nas particularidades da crise convulsiva, essas podem ser classificadas em: crises parciais e crises generalizadas. O conhecimento do tipo de convulsão é importante para definir a melhor terapia farmacológica. As crises parciais acometem apenas uma parte do cérebro e podem ser subdividas em: Crises parciais simples Manifestações determinadas pela região do córtex ativada pela crise, com duração de cerca de 20-60s, com preservação da consciência; Crises parciais complexas Presença de movimentos involuntários como estalar dos lábios ou contorção das mãos, com comprometimento da consciência por cerca de 30s a 2min; Crises parciais secundariamente generalizadas Ocorre quando a crise do tipo parcial simples ou complexa evolui para uma crise tônico- clônica. Já as crises generalizadas envolvem todo o cérebro e podem ser subdividas em: Crise de ausência Comprometimento abrupto da consciência associado a olhar fixo, de curta duração (inferior a 30s) levando à interrupção das atividades realizadas pelo indivíduo no momento; Crise mioclônicas Contrações musculares muito rápidas (aproximadamente 1s) semelhantes a choques, podendo ser locais, atingindo apenas uma parte do membro, ou generalizadas; Crise tônico-clônicas Contrações persistentes (tônicas) dos músculos de todo o corpo e perda da consciência, seguidas por períodos de contrações musculares alternados com períodos de relaxamento (clônicos), com duração de cerca de 1-2 min. Anticonvulsivantes Clássicos Dentre os fármacos anticonvulsivantes clássicos, tem-se a carbamazepina, fenitoína, valproato, etossuximida, fenobarbital e os benzodiazepínicos. O fenobarbital e os benzodiazepínicos atuam potencializando a ativação dos receptores de GABAA através do favorecimento da abertura dos canais de cloreto, enquanto a carbamazepina e fenitoína inibem a excitabilidade da membrana através da ação destes fármacos sobre os canais de sódio dependentes de voltagem. Os agentes que são utilizados no tratamento de crise de ausência, como o valproato e a etossuximida, atuam inibindo os canais de cálcio que são ativados por baixavoltagem do canal do tipo T, sendo esses relevantes na determinação do ritmo de despolarização dos neurônios do tálamo (RANG et al., 2016). A carbamazepina é o anticonvulsivante mais utilizado clinicamente, sendo especialmente eficaz no tratamento das crises convulsivas do tipo parciais complexas. Ela também é utilizada no tratamento de outras condições, como dor neuropática e doença maníaco-depressiva. A fenitoína também é um fármaco muito utilizado, sendo eficaz nas crises convulsivas dos tipos parciais e generalizadas, porém sem efeitos nas crises de ausência. O fenobarbital, um dos primeiros barbitúricos desenvolvidos, apresenta usos clínicos semelhantes à fenitoína, porém é muito pouco utilizado por causar sedação. As propriedades farmacológicas dos anticonvulsivantes clássicos podem ser melhores vistas no Quadro 7. Os fármacos anticonvulsivantes, também conhecidos como antiepilépticos, atuam inibindo a despolarização neuronal através de três diferentes mecanismos de ação: a) potencialização da ação do GABA; b) inibição da função dos canais de sódio; c) inibição da função dos canais de cálcio. Os anticonvulsivantes desenvolvidos recentemente apresentam novos mecanismos de ação, sendo alguns ainda não elucidados (RANG et al., 2016). Quadro 7. Propriedades dos fármacos anticonvulsivantes clássicos. Fonte: RANG et al., 2016. Anticonvulsivantes desenvolvidos recentemente Dentre os fármacos anticonvulsivantes desenvolvidos recentemente, tem-se: vigabatrina, lamotrigina, gabapentina, pregabalina, felbamato, tiagabina, topiramato, levetiracetam, zonisamida, rufinamida, lacosamida, retigabina e perampanel. A vigabatrina e a tiagabina atuam potencializando a ação do GABA, o primeiro inibindo de forma irreversível a enzima GABA transaminase que inativa o GABA, e o segundo inibindo os transportadores (p. ex. GAT1, neuronais e gliais) que removem o GABA das sinapses. A lamotrigina e a lacosamida inibem a função dos canais de sódio, sendo que a lamotrigina atua de forma semelhante aos anticonvulsivantes clássicos carbamazepina e fenitoína, enquanto a lacosamida, difere por afetar os processos de inativação lentos ao invés dos rápidos, como os demais. A gabapentina e a pregabalina atuam sobre os canais de cálcio, inibindo a entrada de cálcio nos terminais nervosos o que reduz a liberação de neurotransmissores e moduladores (RANG et al., 2016). Os demais fármacos anticonvulsivantes foram desenvolvidos com base na sua resposta nos modelos animais sem uma elucidação do mecanismo de ação em nível celular. Acredita-se que o levetiracetam liga-se à proteína SV2A (de synaptic vesicle protein 2A), o perampanel atue como antagonista AMPA não competitivo e a retigabina atue na ativação dos canais de potássio contendo a subunidade Kv7.2. As propriedades farmacológicas dos novos fármacos anticonvulsivantes podem ser melhores vistas no Quadro 8. Quadro 8. Propriedades dos novos fármacos anticonvulsivantes. Fonte: RANG et al., 2016. (Adaptado). Farmacologia dos antiparkisonianos A doença de Parkinson (DP) é uma síndrome clínica que altera progressivamente os movimentos, caracterizando-se por uma combinação de quatro manifestações principais: rigidez muscular, bradicinesia (lentidão e pobreza de movimentos), tremor em repouso e instabilidade postural (KATZUNG; TREVOR, 2017; HILAL-DANDAN, 2015). Pacientes com DP apresentam um grau variável de comprometimento cognitivo devido o processo degenerativo afetar diferentes partes do cérebro, podendo a DP estar associada à demência, depressão e disfunção autônoma (RANG et al., 2016). De acordo com Hilal-Dandan e Brunton (2015) “[...] o achado patológico característico da DP é a perda dos neurônios dopaminérgicos pigmentados da parte compacta da substância negra, com aparecimento de inclusões intracelulares conhecidas como corpúsculos de Lewy. A DP sintomática está associada à perda de 70 a 80% desses neurônios que contêm dopamina”. Ademais, os neurônios que contêm noradrenalina e 5-hidroxitriptamina também são afetados (RANG et al., 2016). Sem um tratamento efetivo, essa síndrome é progressiva, causando incapacidade crescente e podendo levar à morte, no entanto, os tratamentos atuais permitem a manutenção, por muitos anos, de uma mobilidade funcional satisfatória, além do aumento da expectativa de vida. No entanto, nenhum dos fármacos atuais impedem a progressão da doença (HILAL- DANDAN; BRUNTON, 2015). A DP é mais comum em idosos, e geralmente não possui uma causa óbvia (idiopática), porém pode ser resultante de algumas condições cerebrais como isquemia cerebral, encefalite viral ou outros tipos de lesão patológica. Embora existam poucos casos de DP na mesma família, foram identificadas várias mutações gênicas, dentre elas as que codificam a sinucleína e a parquina e as mutações do gene LRRK2 (quinase de repetição rica em leucina). É importante relatar que alguns sintomas da DP também podem ser induzidos pelo uso de fármacos que diminuem a quantidade de dopamina no cérebro, como a reserpina, ou que bloqueiam os receptores deste neurotransmissor, como a clorpromazina, um antipsicótico (RANG et al., 2016). Na década de 1980 foi descoberto que uma neurotoxina denominada de 1-metil-4-fenil-1,2,3,6- tetra-hidropiridina (MPTP) que afeta neurônios dopaminérgicos foi responsável por causar uma forma grave de DP em usuários de um substituto de heroína que continha este composto na formulação. Com isso, um dos mecanismos de ação dos fármacos usados no tratamento da DP é o impedimento da neurotoxicidade induzida pela MPTP. Precursores da Dopamina e Agonistas dos Receptores de Dopamina De acordo com Rang et al (2016) os principais fármacos antiparkisonianos utilizados na atualidade são: • Levodopa (geralmente em combinação com carbidopa e entacapona); • Agonistas da dopamina (p. ex., pramipexol, ropinirol, bromocriptina); • Inibidores da monoaminoxidase B (MAO-B) (p. ex., selegilina, rasagilina); • Antagonistas dos receptores muscarínicos da acetilcolina (p. ex., triexifenidil e benzatropina). A levodopa é o fármaco de escolha para o tratamento da DP, geralmente combinada com a carbidopa e entacapona. Essa combinação é altamente benéfica, pois reduz em aproximadamente 10 vezes a dose necessária de levodopa, além de diminuir os efeitos adversos periféricos. A levodopa (lggol-DOPA) é o precursor imediato da dopamina capaz de atravessar a barreira hematoencefálica. Após adentrar o SNC, a levodopa é convertida em dopamina pela enzima aminoácido aromático descarboxilase (AADC). Quando administrada oralmente, a levodopa é convertida rapidamente em dopamina pela AADC no trato gastrintestinal, porém apenas 1 a 3% da dose administrada atinge o SNC em sua forma inalterada. A carbidopa, um inibidor da AADC, e a entacapona, um inibidor da catecol-O-metiltransferase (COMT), aumentam a fração de levodopa periférica disponível para o cérebro (Figura 2), diminuindo a dose necessária de levodopa para obter uma eficácia clínica (GOLAN et al., 2009). Figura 2. Efeitos da carbidopa, dos inibidores da COMT e dos inibidores da MAO-B sobre o metabolismo periférico e central da levodopa. Fonte: GOLAN et al., 2009. Embora aproximadamente 80% dos pacientes que utilizam levodopa apresentem uma melhora inicial, especialmente da rigidez e da bradicinesia, ao passar do tempo, a efetividade deste fármaco declina gradualmente, sendo que o uso contínuo geralmente resulta em tolerância à medicação. A fim de aumentar a neurotransmissão dopaminérgica, no tratamento da DP também são utilizados os agonistas dos receptores de dopamina que incluem a bromocriptina (agonista D2), a pergolida (agonista D1 e D2), o pramipexol (agonista D2/3) e o ropinirol (agonista D2/3). Esses fármacos possuem a vantagem de possuir meias-vidas mais longas que a levodopa,o que permite doses menos frequentes além de uma resposta mais uniforme aos fármacos. Além disso, esses fármacos permanecem sendo efetivos durante a fase avançada da DP. Por outro lado, a tendência em induzir efeitos adversos, como náuseas, vômitos, sonolência e risco de reações fibróticas nos pulmões, limita o uso dos agonistas dos receptores de dopamina (GOLAN et al., 2009). Inibidores da MAO e Fármacos Não Dopaminérgicos Os inibidores da MAO (p. ex. seleginina) são utilizados como adjuvantes da levodopa na prática clínica, por proteger a dopamina da degradação intraneuronal. A seleginina é um inibidor seletivo para a MAO-B (isoforma da MAO que predomina no estriado). A selegrina pode causar excitação, ansiedade e insônia, uma vez que ela é metabolizada em anfetamina. A rasagilina é um análogo de selegrina e não possui estes efeitos adversos, podendo ser utilizada de forma mais segura no tratamento da DP (RANG et al., 2016). A safinamida, aprovada em 2017 nos Estados Unidos, é um fármaco que inibe tanto a MAO-B quanto a recaptação de dopamina e a liberação de glutamato (CABRITA, 2017). Dentre os fármacos não dopaminérgicos tem-se a amantadina, um fármaco desenvolvido inicialmente como agente antiviral, no qual apresentou atividade benéfica na DP. A amantadina é menos eficaz que a levodopa no tratamento da DP, porém é utilizada na fase tardia da doença para a redução da discinesia induzida pelo tratamento prolongado com levodopa. Acredita-se que a amantadina atua bloqueando os receptores NMDA excitatórios através da estabilização do estado fechado do canal (RANG et al., 2016; GOLAN et al., 2009). De acordo com Rang et al (2016) como novas abordagens farmacológicas tem-se os “[...] antagonistas dos receptores A2A de adenosina (p. ex., istradefilina e preladenant), antagonistas dos receptores 5-HT1A (p. ex., sarizotan) e antagonistas do receptor do glutamato ou moduladores alostéricos negativos (que atuam nos receptores mGluR5, AMPA ou NMDA), bem como os novos inibidores de COMT. O triexifenidil e a benzatropina são fármacos que atuam como antagonistas dos receptores muscarínicos, sendo utilizados no tratamento de pacientes que possuem como principal manifestação da DP o tremor. Esses fármacos modificam as ações dos neurônios colinérgicos estriatais, os quais regulam as interações dos neurônios das vias direta e indireta (GOLAN et al., 2009). SINTETIZANDO Os fármacos que agem no SNC são amplamente utilizados na prática clínica para o tratamento da insônia, ansiedade, depressão, ansiedade, esquizofrenia, epilepsia, doenças neurodegenerativas, dentre outros. A ação de grande parte desses fármacos que atuam no SNC envolve a interação deles com receptores específicos, os quais regulam a transmissão sináptica. Diversos tipos de mediadores químicos estão envolvidos na sinalização no SNC, no entanto a maioria dos fármacos utilizados clinicamente tem ação sobre os mediadores de pequenas moléculas, como o glutamato, GABA e dopamina. Os fármacos sedativos-hipnóticos são depressores do SNC e produzem sedação com alívio da ansiedade ou induzem o sono. Pertencem a essa classe os barbitúricos, benzodiazepínicos e os novos agonistas do receptor benzodiazepínico, como o zolpidem. Os fármacos antidepressivos são utilizados no tratamento do transtorno depressivo maior (TDM) e atuam aumentando a transmissão serotonérgica e noradrenérgica. Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), como a fluoxetina, paroxetina e sertralina, são os antidepressivos de maior uso clínico na atualidade. Outras subclasses de antidepressivos incluem os antidepressivos tricíclicos, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina- norepinefrina, os inibidores da recaptação de norepinefrina, os antagonistas do receptor de monoamina e os inibidores da monoaminoxidase. Os fármacos antipsicóticos são utilizados no tratamento dos transtornos psicóticos, como a esquizofrenia e a depressão maníaco-depressiva. Dentre os antipsicóticos de primeira geração, o haloperidol é o mais utilizado, e possui alta potência e baixa ação sedativa, porém apresenta um nível elevado de efeitos colaterais extrapiramidais. Já os antipsicóticos de segunda geração apresentam menores efeitos adversos e incluem a clozapina, risperidona, olanzapina, quetiapina, dentre outros. Os fármacos anticonvulsivantes são utilizados no tratamento das crises convulsivas, que podem ser parciais ou generalizadas. A carbamazepina é um dos anticonvulsivantes mais utilizados clinicamente, sendo extensamente utilizada no tratamento das crises convulsivas do tipo parciais complexas. Os fármacos utilizados na doença de Parkinson incluem a levodopa, os agonistas do receptor da dopamina, os inibidores da monoaminoxidase B e a amantadina. Porém nenhum desses fármacos impedem a progressão da doença. A combinação de levodopa com a carbidopa e a entacapona geralmente é a terapia medicamentosa de escolha para o tratamento da doença de Parkinson, no entanto a efetividade da levodopa declina gradualmente com o aumento da tolerância à medicação. fluo Doença de Huntington Doenças degenerativas são caracterizadas pela perda progressiva e irreversível de neurônios localizados em regiões específicas do cérebro. A doença de Huntington é uma patologia degenerativa que apresenta um caráter hereditário autossômico dominante e é causada pela anormalidade de um gene Huntingtina no cromossomo 4. Essa doença causa perdas progressivas da coordenação motora, da função cognitiva em pacientes de meia idade. Na maioria dos casos a Coreia, movimentos rápidos de estremecimento dos membros, do tronco, da face e do pescoço, é a primeira manifestação da doença. Em geral os pacientes tornam-se irritáveis, ansiosos e deprimidos. E a doença evolui para óbito ao longo de 15 a 30 anos. Acredita-se que o desenvolvimento de Coreia está relacionado ao desequilíbrio da dopamina, da acetilcolina do GABA. Os fármacos que diminuem a neurotransmissão dopaminérgica aliviam a Coreia. Os análogos à dopamina como a levodopa tendem a intensifica-la. Embora nenhum medicamento disponível possa retardar a progressão da doença, o tratamento farmacológico é realizado em pacientes deprimidos, irritáveis, paranoides, excessivamente ansiosos ou psicóticos. Antidepressivos com a fluoxetina podem ser utilizados no tratamento da depressão e da irritabilidade. Já em pacientes com paranoia, estados ilusionais e psicoses são utilizados os antipsicóticos: Tetrabenazina, um inibidor do transportador 2 das monoaminas vesiculares é empregado no tratamento da Coreia de grande amplitude associada à doença de Huntington. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CABRITA, M. F. V. F. O papel dos inibidores da Monoamino Oxidase nas Doenças Neurodegenerativas. 2017. 51 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado). Faculdade de Farmácia, Universidade de Lisboa, Portugal, 2017. Disponível em: <https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/36066/1/MICF_Manuel_Cabrita.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2020. GOLAN, D. E. et al. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farmacoterapia. 2. ed. [s.l.]: Guanabara Koogan, 2009. HILAL-DANDAN, R.; BRUNTON, L. Manual de farmacologia e terapêutica de Goodman & Gilman. Porto Alegre: AMGH, 2015. KATZUNG, B. G; TREVOR, A. J. Farmacologia Básica e Clínica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017. RANG, H.P. et al. Rang & Dale Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/36066/1/MICF_Manuel_Cabrita.pdf
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