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ROUQUIÉ, Alain. O Estado Militar na América Latina. São Paulo Alfa-Ômega, 1984.

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ROUQUIÉ, Alain. O Estado Militar na América Latina. São Paulo: Alfa-Ômega, 1984.
Licenciado em Letras e Sociologia e doutor em Ciências Políticas, Alain Rouquié é professor universitário e cientista político latino americanista. Durante anos foi diplomático, representando o Estado francês em El Salvador, no México e no Brasil.
	PÁGINAS
	CITAÇÕES
	265
	“... as democracias-testemunhas entraram, a partir de 1973, na era da desconfiança [...] Enquanto que no Chile a subordinação militar imposta, a partir de 1932, por um governo conservador, jamais foi seriamente questionada desde então, no Uruguai, os militares nunca tinham participado do poder no século XX...”
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	“[...] os militares chilenos, assim como seus homólogos uruguaios, não têm nenhuma intenção de abandonar o poder direto antes da data mais ou menos remota fixada por eles. Essa prolongada dominação marca profundamente as sociedades dos dois países...”
“O Chile, posterior a 1930 é um caso único no contexto político do continente. Sua estabilidade econômica repousa sobre um sistema de partidos complexo e moderno [...] com uma importante representação de forças revolucionárias, que a presença ainda minoritária seria suficiente [...] para sensibilizar as classes dirigentes e regiões”.
“O partido radical era social-democrata. O partido socialista não o era absolutamente, mas reivindicava o marxismo-leninismo [...]”
“[...] o caráter precoce da formação de um Estado centralizado no Chile e a ausência de um caudilhismo centrífugo em um período em que os países vizinhos debatiam-se ainda as convulsões das guerras de independência”.
	268/269
	“É através do Estado, com efeito, que uma parte das classes médias integra-se à estrutura do poder. A expansão dos serviços públicos consolida o Estado tradicional e o “nacionaliza” dissociando-o [...] das decisões das classes dominantes, criando dessa forma, uma imagem de neutralidade, de independência jurídica e política que constituirá, por muito tempo, uma das singularidades chilenas [...] o surgimento de uma tradição de serviço civil subtrairão do Exército o monopólio da representação profissionalizada do aparelho estatal [...]”
“[...] as classes médias [...] não subtraíram, como no México ou na Venezuela, a hegemonia oligárquica, mas continuaram ocupando um lugar subordinado no quadro da dominação tradicional”.
	270/271
	“A capacidade de negociação e o pragmatismo dessa formação política traduzem claramente as regras de um jogo que não apresenta nenhum perigo vital para a dominação burguesa...”
“Como a classe operária reúne-se essencialmente nos centros mineradores, as relações das classes econômicas opõem principalmente esse proletariado chileno a um patronato estrangeiro. Os partidos e sindicatos operários que surgem a partir de 1920 e reivindicam o socialismo são, aliás, mais antiimperialistas do que capitalistas ou antipatronais [...] as organizações de trabalhadores mantêm relações mais de antagonismo político do que econômico com a burguesia local [...] o que não significa que as relações sociais fundamentais sejam idílicas e a condição dos operários seja fácil no Chile [...] Os massacres [...] pontuam a história sangrenta do movimento operário.
“[...] o isolamento dos centros mineradores [...] longe das grandes concentrações urbanas e sem acesso aos centros de poder, permitira uma organização de trabalhadores muito radicalizada, mas que não apresentava nenhum perigo para a ordem estabelecida”.
“Até o surgimento da Unidade Popular, o partido radical, representativo das camadas intermediárias e assalariadas, foi o eixo dos grupamentos de esquerda e nenhum partido ‘frentista’ questionava as regras do jogo”.
“A intervenção do Estado nos conflitos trabalhistas, às vezes a favor dos trabalhadores, configura igualmente a imagem completa de um Estado neutro, acima das classes [...] situação muito rara na América Latina”.
“As forças armadas chilenas são o exército desse Estado”.
	272/273
	“... os valores da lei e do parlamentarismo eram interiorizados no Chile, inclusive pelos partidos operários”.
“... para que o Exército abandone o quadro da subordinação é preciso (e suficiente) provar-lhe que o Executivo perdeu sua legalidade...”
“... quando Salvador Allende e a Unidade Popular chegaram ao poder, em 1970, o sistema político já estava fortemente abalado”.
“... a democracia cristã apresentou em 1964 um projeto renovador e ambicioso [...] pretendia apoiar-se nos setores sociais excluídos do jogo político e da vida social [...] Sua campanha, tingida por um anticomunismo por vezes caricatural e financiada pela CIA norte-americana, anunciava, diante das tendências castristas de seu adversário “uma revolução em liberdade, que colocaria, sem riscos, o Chile em um caminho ‘não-capitalista’”.
	274/275
	“A formação de sindicatos camponeses é a partir de então encorajada e uma lei de reforma agrária é editada em 1967. E tem por objetivo terminar com a semi-escravidão dos inquilinos, além de formar uma pequena propriedade familiar e de intregrae em cooperativas os camponeses sem terra”.
“Prometendo justiça social e uma elevação contínua dos salários [...] a democracia-cristã liberou forças que não podia nem satisfazer rapidamente, nem controlar politicamente. O patronato ficou inquieto. A grande burguesia latifundiária julga-se espoliada pela reforma agrária que a indeniza apenas ‘insuficientemente’ e libera seus pones. O partido nacional se sente traído”.
“Um integralista brasileiro publica em 1967 um livro [...] no qual o autor pretende mostrar que a democracia-cristã estava abrindo caminho para o comunismo. Afirmação, aliás, que a direita chilena não estava longe de acreditar”.
“A mobilização popular promovida pela democracia-cristã agrava e generaliza as tenções sociais, sem conseguir mantê-las no quadro institucional em que elas estavam até então contidas [...] com a entrada em cena de novos agentes, a movimentação de setores até então marginalizados e a irrupção no cenário político de confrontos sociais para os quais o compromisso é impossível”.
“É então que se desenvolve e se expande junto à direita uma “nova” ideologia antidemocrática que designa para o Exército um papel mais de acordo com os perigos do momento [...] Seus autores mostram-se falsamente contrários à concepção de um exército submisso ao poder civil...”
	276/277
	“... gerações de oficiais formadas durante a guerra fria e após a reorientação estratégica anti-subversiva inspirada pelos Estados Unidos. Essas novas orientações do período posterior a Cuba eram particularmente acentuadas em um país sem guerrilha, mas no qual o ‘perigo comunista’ apresentava-se aos olhos do Pentágono como muito grave”.
“O Uruguai é ‘atípico’ em mais de um aspecto. Antes de 1973 esse país diferia da maioria de seus vizinhos por causa de uma concentração urbana bastante acentuada – mais a metade da população residia em Montevidéu, a capital do país...”
“Mas o sistema partidário, que constitui a chave de ouro da vida nacional e remonta a criação do país, divide os cidadãos, quase que hereditariamente, em dois partidos: blanco e colorado.
“... o novo governo teve alguma dificuldade em encontrar generais ‘simpatizantes’ [...] O Exército não é autônomo; ligado a uma família política, não se considera acima dos partidos, com direito de erigir-se com autoridade suprema em cima dos interesses nacionais”.
“O Estado uruguaio da ‘belle époque’ toma em suas mãos o controle de vários setores da produção industrial, dos serviços públicos e multiplica o número de funcionários e dependentes”.
“.... a atividade agrícola financia o desenvolvimento urbano. E este propicia, em contrapartida, a diminuição das tenções sociais do setor produtivo, além de permitir que conserve o status quo agrário”.
	278/279
	“Porque a estabilidade social e política foi atingida em troca de um fraco nível de eficácia do sistema produtivo e de uma capacidade apenas medíocre de adaptação às mutações econômicas”.
“A falta de dinamismo do setor motor da vida nacional leva à recessão do conjunto da economia,cujo ritmo de crescimento, a partir do fim dos anos cinquenta, coloca o Uruguai na turma dos lanterninhas do continente norte-americano.
“As confrontações entre os diversos setores sociais causadas pela disputa da divisão de um lucro reduzido, substituem a partir de então o compromisso permanente que caracterizava a vida nacional”.
“Os detentores dos principais meios de produção [...] A fim de preservar seus lucros, eles começam então a se opor à política de redistribuição do Estado-previdência e às transferências que favorecem os assalariados e a indústria. Esquecendo-se do papel desempenhado pelo dirigismo e o parternalismo do Estado na manutenção da paz social e do status quo [...] O desmantelamento do Estado de compromisso começou. E não pode efetuar-se sem violência.
	280/281
	“São esses novos homens que tentarão impor ao país um plano de estabilidade e recuperação econômica cujo principal componente é uma refreada autoritária dos aumentos de salário. A inflação é controlada, mas a balança econômica está próxima da falência”.
“É nessa atmosfera tensa, senão desesperada, que se torna ainda mais pesada por um sentimento de decrepitude irreversível, que surge uma oposição extraparlamentar juvenil e clandestina, que através de atos de ‘violência simbólica’ minam a autoridade governamental e tem por objetivo provocar a desagregação do regime”.
“Apesar da crise, o sistema político vai se aguentando. Os partidos tradicionais, em época de estiagem continuam, ambos juntos, acima da marca dos 80%. Mas o ‘voto tradicional entrou em um processo de erosão, e a crispação conservadora, inspirada pelo medo da mudança e da violência, não permite absolutamente que se esperem soluções pacíficas para os males do país”.
“O fracasso da ‘via chilena para o socialismo’ tanto é atribuída ao legalismo temerário dos líderes reformistas da Unidade Popular que não souberam ‘armar o povo’, quanto às intervenções ‘desestabilizadoras’ dos Estados Unidos [...] E é bastante óbvio que instaurar o socialismo contra a vontade de mais de 60% da população sem fazer uso da coerção constitui uma aventura sem precedentes.
	282/283
	“A primeira condição para sua sobrevivência está em permanecer no quadro das instituições ‘burguesas’ e de respeitar o Estado de direito tal como este lhe foi confiado [...] Nessas condições, o Exército, cioso de seu monopólio da violência e das armas, constituiria a pedra de toque e a garantia do respeito às instituições”.
“Entretanto, é muito provável que a menor tentativa de se estenderem prerrogativas das forças armadas, de tomar em mãos suas estruturas internas, ou seja, ou seja, modificar a legalidade constitucional, teria fatalmente desencadeado uma rebelião militar que os setores ‘democráticos’ do alto comando não teriam possibilidade nenhuma de controlar ou fazer abortar”.
	284/285
	“O governo americano estava por trás da conspiração de Viaux, em outubro de 1970, que custou a vida do general Schneider e pretendia impedir Allende de assumir o poder. Em 1971, esse mesmo governo arma um plano destinado a provocar o caos econômico no Chile. A greves das transportadoras [...] financiadas pela CIA. O bloqueio invisível...”
“... a desordem estava à direita, a legalidade à esquerda. Três militares da ativa aceitam encargos ministeriais no fim de outubro para colocar fim à greve patronal. A direita denuncia o conluio e a politização dos generais [...] Prats, o sucessor de Schneider, era a principal barreira contra os golpes de Estado, sob o ponto de vista da direita, um homem a ser batido”.
“O Exército apóia lealmente Allende e assegura, em nome da defesa da Constituição, a sobrevivência da experiência socialista”.
	286/287
	“... o Exército aliado aos Estados Unidos, bombardeado pela propaganda de direita e seduzido pelos cantos da sereia da burguesia, da qual sente-se próximo, deve ser detido com pulso firme, para não cair em desobediência e na rebelião”.
“... o Exército chileno continuou a manter relações bastante estreitas com os Estados Unidos [...] O Chile é, com efeito, um dos principais beneficiários da ajuda americana sobre o continente [...] A partir de 1965, praticamente todos os oficiais chilenos efetuam estágio nas escolas americanas”.
“Enquanto os Estados Unidos cortam a ajuda de víveres para o governo de Allende, mantém e ainda aumentam os créditos militares [...] O Chile da Unidade Popular conserva os barcos emprestados pelos Estados Unidos e participa, em 1973, as manobras navais Unitas, pela primeira vez depois de quatro anos; o governo de esquerda aceitando, para agradar os militares, o que a oposição de esquerda sempre negara sob a democracia-cristã, em nome do anti-imperialismo”.
	288/289
	“Embora pudesse apoiar-se na lealdade de uma parte da hierarquia e na disciplina estritamente vertical vigente no Exército chileno, não podia impedir que o espírito de contraguerrilha e a mentalidade anti-subversiva pregada pelos Estados Unidos, e também no próprio Chile na escola dos rangers fundada em 1965, impregnasse os oficiais subalternos”.
“A Unidade Popular, que detém o governo mas não o poder, visto que a Câmara, o aparelho judiciário e uma boa parte da administração lhe são hostis, saberá pagar o preço das boas relações com os militares [...] o presidente da Unidade Popular esforça-se para associar os chefes do Exército com a obra de transformação, confiando a eles cargos de responsabilidade [...] e insistindo sobre seu nacionalismo para convencê-los de que a segurança nacional compreende também a defesa da soberania econômica.
“Para alguns, na maioria membros do partido socialista [...] é preciso acelerar a edificação do socialismo, nacionalizar a economia, lutar ´classe contra classe’ [...] efetuar a reforma agrária...”
	290/291
	“Uma aliança com a democracia-cristã teria exigido que o Partido Socialista fosse afastado, já que se opunha à colaboração de classes, e isso seria o fim da Unidade Popular [...] a democracia-cristã [...] cai nos braços da direita e dá uma base de massa para as forças contra-revolucionárias”.
“Aqueles que no próprio seio da coalizão governamental, anunciavam como inevitável uma confrontação e clamavam por uma guerra civil, criando retoricamente irrisórias zonas de autodefesa industrial (as cordones) que desmoronarão sem combate a 11 de setembro, sem dúvida contribuíram para que as atemorizadas classes médias fossem oferecidas à direita de bandeja”.
“... a burguesia chilena, seus partidos e suas organizações corporativas iniciam ao mesmo tempo duas ofensivas, uma econômica e outra politico-parlamentar: por um lado, a sabotagem, por outro lado, a obstrução e a provocação”.
	292/293
	“No plano político, uma guerrilha parlamentar sem piedade agrava a situação do país e procura forçar o governo a sair da legalidade”.
“O clima é o de uma guerra civil. Grupos extraparlamentares radicais acrescentam às greves patronais atentados, sabotagens de vias férreas e de oleodutos e enfrentam nas ruas seus adversários e a política, procurando dessa forma, sistematicamente provocar o caos para fazer com que o Exército intervenha. No plano ideológico, um pensamento integrista legitima a priori o golpe de Estado [...] Seus autores dizem que o governo Allende violou o ‘direito natural’ [...] Esse governo não garante mais o ‘bem comum’, portanto é ilegítimo.”
“O golpe de Estado estava a partir de então em marcha. Desde abril de 1972, alguns generais começam a pensar em dar essa solução ao conflito entre o poder Executivo e o poder Legislativo [...] A atitude da extrema esquerda que procura [...] conduzir à luta de classes nos meios militares, contribui para, ao contrário, unir ainda mais os quadros militares”.
“... os partidos majoritários na Câmara votam finalmente uma moção declarando que o governo colocou-se na ilegitimidade violando a lei e a Constituição através do encorajamento que deu aos ‘poderes paralelos’ e aos atentados sem justificação legal a propriedade privada”.
“O Chile retém a respiração e o legalismo proclamado pelo novo comandante do Exército, Augusto Pinochet[...] o comandante em chefe não traiu propriamente o governo; apenas seguiu suas tropas. Assim, na manhã de 11 de setembro, o plano ‘Djakarta’ é posto em prática”.
	294/295
	“... setembro de 1971. A partir de então, as forças armadas assumiam a responsabilidade da repressão das atividades subversivas”.
“Exército uruguaio é um dos mais fortemente influenciados pelos Estados Unidos, dentre os da América do Sul”.
“No momento em que o novo presidente faz com que seja votata pelo Parlamento uma legislação repressiva, os Tupamaros, assassinando militares e policiais acusados de incentivar uma espécie de ‘esquadrão da morte’ não ignoram que desencadearão uma reação violenta [...] Nessas circunstâncias, o Parlamento apressa-se em votar o ‘estado de guerra interna’, que militam as liberdades cívicas ampliando as competências militares.
“A capital fica em pé de guerra. O Exército aterroriza os ‘terroristas’, que ficam na defensiva”.
“A prova de força para com o Executivo, começa em julho de 1972. O Exército revela-se contra a nomeação de um novo ministro da Defesa, impõe suas condições e dá a conhecer seu programa”. 
	295/296
	“Em setembro, depois de vencerem a batalha da guerrilha, alguns militares, segundo se comenta, aconselhados por suas próprias vítimas, os Tupamaros, que continuam detidos por eles, enfrentam os ‘deliquentes econômicos’. E prendem várias dezenas de pessoas que pertencem aos meios financeiros e se recusam a soltá-las...”
“Além disso, os comunicados 4 e7 do Exército [...] propõem, na verdade, uma série de reformas de estruturas, que compreendem a redistribuição de terras e a participação dos operários na gestão de empresas”.
“... os militares desejavam ser representados em todos os setores da vida nacional [...] criação, em fevereiro de 1973, do Conselho de Segurança Nacional (COSENA) [...] para a realização dos objetivos nacionais [...] O poder militar é dessa forma institucionalizado.
“Após terem imposto sua vontade ao presidente, os militares aproveitam-se da desordem da oposição e tomam a ofensiva contra o Parlamento [...] A 27 de janeiro de 1973, o interminável golpe de Estado deságua finalmente na dissolução das duas Câmaras e na criação de um Conselho de Estado nomeado, que herda as atribuições das duas primeiras”.
“As organizações sindicais dividem-se tentando fazer a análise da orientação e do papel dos militares. A Convenção Nacional do Trabalhadores (CNT) [...] lança, entretanto, uma palavra de ordem de greve geral, contra o golpe de Estado [...] O país é paralisado [...] O poder cívico-militar, como é então chamado, aceita negociar, e depois assina um decreto de dissolução da central sindical”.
	298/299
	“... o Conselho de Estado formado por vinte e cinco membros civis, que o assiste no plano legislativo, fica encarregado de preparar um projeto de reforma constitucional [...] os militares inseriram-se maciçamente na administração do Estado”.
“Essa militarização do Estado caminha ao lado da destruição das organizações representativas. Os partidos políticos de esquerda, que se opuseram ao golpe de Estado são proscritos e seus dirigentes são presos, além de proibirem sua imprensa [...] a liberdade de imprensa é suprimida e os órgãos contraventores são fechados por decreto”.
“... em razão da pretensa tutela que os ‘dirigentes marxistas’ exercem sobre os sindicatos, que o direito de greve é praticamente suprimido e os sindicatos são colocados sob o controle do Ministério do Trabalho, que supervisiona todos os seus atos”.
“... será revelado, posteriormente, a supressão dos sistemas de partidos e a instauração de um Estado autoritário apoiado pelas forças armadas”.
“... os militares, mesmo depois desse novo ‘golpe de Estado, não renunciam a ficção do poder civil. Alberto Demicheli [...] assume provisoriamente a presidência, enquanto se aguardava o estabelecimento de mecanismos institucionais que permitissem a designação de um novo presidente por cinco anos”.
	300/301
	“Através dos atos I e IV, o poder militar ratifica, entre outras, a situação anticonstitucional criada pelo golpe de Estado”.
“Esse poder Executivo pluralista é presidido por cinco anos, a partir de 1976...”
“É verdade que a hipertrofia das forças armadas é anterior a militar, mas as despesas com a defesa mais que dobraram entre 1968 e 1973. Nesses anos, a parte orçamentária dos Ministérios do Interior e da Defesa ultrapassa amplamente um quarto do orçamento do país”.
	302/303
	“As prisões dos adversários não conhecem nenhuma fronteira [...] A tortura torna-se um procedimento administrativo comum”.
“A insegurança generalizada reina em nome da segurança nacional [...] O sistema educativo do qual o Uruguai tinha tanto orgulho, transformou-se em um território dominado pelos militares [...] A nova política educativa pretende estar a serviço da ‘civilização ocidental’ e da ‘ordem natural’. É dada prioridade ao recrutamento de professoras que sejam casadas com militares ou a pessoas de alguma forma aparentadas com eles”.
	305
	“E foi exatamente para impedir uma resposta da Unidade Popular que o Exército bateu forte e instaurou o terror. Os militares visam o chefe. Morto o presidente, os putschistas resolvem colocar fora de combate os dirigentes dos partidos operários, a fim de desmobilizar por muito as classes perigosas”.
“O golpe de Estado de 11 de setembro é uma verdadeira ruptura histórica, selada pelo sangue das vítimas”.
	306/307
	“... Exército quebra o ‘estado de compromisso’ sem deixar a possibilidade de retorno e proclama o ‘estado de sítio’, designando-se um papel tutelar”.
“A junta, formada pelos generais das três armas, inclusive o da força policial, atribuiu-se todos os outros poderes, inclusive o de retornar a Constituição [...] o Exército não é mais um ramo da administração, é o Estado que se tornou simplesmente um prolongamento do exército. E o regime de caserna que se estabelece, instaura também uma ordem quadricular.
“A partir de 1973, com exceção dos ministérios econômicos, todas as outras pastas ministeriais estão entre as mãos dos oficiais superiores das quatro armas”.
	308/309
	“O fato de que qualquer contestação social seja considerada crime, fez com que se dissesse que o Chile transformou-se ‘em uma casa de correção para delinquentes políticos”.
“A ordem militar, apesar das críticas das instituições representativas frequentemente formuladas por seus responsáveis, tem essencialmente um projeto econômico e social. A reorganização da sociedade e reestruturação capitalista devem permitir a instauração de uma democracia protegida e sem riscos, ‘capaz de enfrentar o adversário que destruiu a soberania do Estado’”,
“Quanto maior é o estadismo reinante em uma sociedade, tanto menos a liberdade é efetivada, mesmo quando a extensão dos direitos cívicos é grande... O estadismo lesa os direitos essenciais da pessoa humana e, em particular, sua real liberdade.
	310/311
	“Além disso, a mercantilização generalizada e a desestatização de numerosas instituições e atividades privatizam as demandas sociais e assinalam, dessa forma, o fim da ação coletiva e talvez mesmo da política”.
“... a desestatização das atividades que interessam ao setor privado, assim como a supressão dos controles, subvenções e proteções estatais sobre a economia, foram os grandes eixos de modelo [...] O capital estrangeiro goza então das mesmas vantagens que o capital nacional [...] Segundo a junta militar, assistimos, graças a essas medidas ortodoxas e rudes, a um verdadeiro ‘milagre econômico. Mais um. Com efeito, a inflação que em 1973 ultrapassava a taxa anual de 500%, é reduzida a 30% em 1978 [...] A recuperação econômica é inegável a partir de 1976. De 1976 a 1980, a economia chilena cresce a uma taxa de mais de 7% ao ano”.
“O nível médio dos salários baixou perto de 30% entre 1974 e 1980. O desemprego dobrou em relação a 1970 e, entre 1975 e 1978 situa-se em torno de 13 a 15% da população”.
“A desnutrição agravou-se tanto nas cidades como nos campos, enquanto que as importações de produtos alimentares de luxo aumentaram de formaespetacular”.
	311/312
	“... as fraquezas do modelo econômico. As importações crescem mais rapidamente do que as exportações. A balança comercial é continuamente negativa quase que desde 1973. O afluxo de capitais financeiros aumentou o endividamento externo...”
“Não apenas o Chile importa menos equipamento do que bens de consumo, mas ainda o país desindustrializa-se de acordo com a teoria das vantagens comparativas”.
“A concentração econômica acentuou-se graças à compra de empresas que antigamente eram propriedade social e às falências provocadas pelo tratamento de choque. A ‘extrema riqueza’ fica por conta de poderosos grupos financeiros [...] A concentração parece ser a inclinação natural da exclusão econômica e social.
	314/315
	“A redução e o envelhecimento da mão-de-obra não favorecem em nada a dinâmica econômica [...] O desemprego em Montevidéu passou de 7% em 1972 para 13% em 1977. O novo modelo econômico aberto e de estabilização financeira, reduzindo o consumo interno, castiga duramente as indústrias não-exportadoras que, além disso, só têm direito a crédito através de juros elevadíssimos [...] O milagre uruguaio não aconteceu”.
	316/317
	“Aliás, será que não se trata, como nas experiências europeias clássicas, de um regime contra-revolucionário que nasceu da derrota da classe operária, devido à mobilização das classes médias atemorizadoras?”
“Esses regimes sem partido único nem aparelho mobilizador não têm uma base de massa nem procuram ter. Eles não mobilizam mas, pelo contrário, despolitizam os cidadãos; da mesma forma como também não doutrinam os trabalhadores e sim os incitam a voltar a vida privada”.
“Embora o ‘ventre ainda seja fecundo’, não se repete mais o fascismo além de seu contexto europeu e do pós guerra”.
	318/319
	“Esse regime, sem líderes, sem nenhum sucesso econômico e sem unidade, desde então parecia à deriva esperando que um caudilho militar se imponha ou ainda que sobrevenha a queda final. Mas o anúncio de um ‘cronograma’ de volta à democracia em 1984 prova que essa solução não obtivera a aprovação unânime das forças armadas e que os regimes militares são essencialmente provisórios [...] Esses Estados militares têm como objetivo, na verdade, suprimir o lado político e não fundar uma nova ordem política”.