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Fundamentos Metodológicos do Ensino da Arte e Música Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin A Arte e a Educação A Arte e a Educação • Estudar a história do ensino da Arte no Brasil, com alguns apontamentos que mostram as diferentes formas de se ensinar Arte; • Refletir metodologicamente sobre o ensino da Arte com base em alguns autores, destacando os trabalhos de pesquisa de Ana Mae Barbosa e Miriam Celeste Martins; • Observar a importância do estudo do ensino de Arte na formação de pedagogos para que mais mudanças sejam realizadas, a fim de oferecer, nas escolas, um ensino artístico de quali- dade e coerente com o nosso tempo. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • Poética; • As Transformações Históricas do Ensino de Arte no Brasil; • Por Que a Arte é Importante na Escola? UNIDADE A Arte e a Educação Contextualização Para o momento de contextualização, sugerimos a leitura de duas entrevistas da professora e pesquisadora Ana Mae Barbosa, que é uma das principais referências, no Brasil, para o ensino da Arte nas Escolas. Nas duas reportagens, Barbosa expõe sua opinião sobre a importância do ensino da Arte nas Escolas e sobre os problemas de implantar suas ideias. Nos textos, podemos perceber uma insatisfação com as Políticas Públicas para o ensino de Arte e com o problema da formação de educadores. É importante que você fique atento às argumentações sobre dois pontos centrais nesta Unidade: a relevância do ensino de Arte na Escola e a formação do professor para a qualidade do ensino das Linguagens Artísticas. Leia o texto “Ensino de Artes nas Escolas ainda é Inadequado”, por Karina Costa. Disponível em: https://bit.ly/2AaZTgE Veja o vídeo “Arte & Educação – Entrevista com Ana Mae Barbosa”, por Carlos Gustavo Yoda e Eduardo Carvalho. Disponível em: https://youtu.be/PSaZT9CqqbE 8 9 Introdução Nesta primeira Unidade de nossa Disciplina, estudaremos as transformações histó- ricas do ensino de Arte, com destaque especial para o contexto brasileiro. Antes de entrar no conteúdo propriamente dito, é preciso esclarecer que esse trabalho parte do pressuposto de que a Arte se caracteriza pela multiplicidade de práticas e conceituações. Assim, não se pretende uma definição imutável, eterna e a-histórica das ideias de Arte, nem um encerramento de suas manifestações. Ao contrário, o ensino da Arte está em diálogo constante e renovado com as modificações da Arte e da própria Educação ao longo da história, em particular, da história brasileira: As práticas educativas, assim como as outras áreas de conhecimento, surgem de mobilizações políticas, sociais, pedagógicas, filosóficas, e, no caso de Arte, também de teorias e proposições artísticas e estéticas. Quando aprofundamos nossos conhecimentos sobre essas articulações, em cada momento histórico, certamente aprendemos a compreender melhor a questão do processo educacional e sua relação com a vida. (FERRAZ; FUSARI, 2009, p. 37) Como salientado por Ferraz e Fusari, as práticas educativas, assim como as Artes e as demais áreas do conhecimento, são resultado de processos sociopolíticos ao longo do tempo. Mas além dessa perspectiva histórica da construção desses saberes e práticas, é importante ressaltar que suas dinâmicas não são isoladas em si mesmas, isto é, essas experiências se relacionam umas às outras, integrando-se no processo de percepção e produção da vida. Dessa forma, a Educação em Artes implica a reflexão constante dos significados da Arte, da Educação, de sua conexão e de sua relação inescapável com a Sociedade. Estética: Toda a estética de matriz europeia e continental, como o corrobora o texto de Welsch, tem a ver com esta história da modernidade. De resto, não deve ser por outros motivos que a língua da estética é o valorês. Rapidamente, a exemplaridade dessa história, balizada por nomes de estudiosos da estética ou de disciplinas afins. O belo foi um dom objectivo do criado que a nossa razão apreende: proporção, regularidade, consenso, unum multum, pondus, mensura […] (MORPURGO-TAGLIABUE, 19932:14); passaria depois para o domínio do subjectivo com Kant (1992). Mais tarde, Adorno reivindicaria o Belo natural kantiano para a Arte, (1982) e assistir-se-ia, por fim, à recuperação do sublime kantiano e burkiano, por assim dizer como alegoria formal da oposição ao social. Esta, a título de traço fundamental da Arte moderna, acha-se hoje em dia extremamente difundida entre o público (LYOTARD, 1989). 9 UNIDADE A Arte e a Educação Poética A partir do século XIX, (...) poética significará também determinado en- tendimento de poesia — ou de literatura em geral — característico de certo autor, época ou gênero literário, depreensível das obras por meio de análise, donde expressões como “poética de Gonçalves Dias”, “poética do modernismo”, “poética do romance”. Finalmente, em âmbito ainda mais particularizante, a palavra designa poemas em que um poeta ex- põe, em tom de manifesto, seu modo específico de conceber e praticar a poesia, podendo tais poemas receber títulos variados ou a denominação explícita de “poética” ou “Arte poética” (entre inúmeros exemplos, cite- mos: “Antífona”, de Cruz e Sousa; “Poética”, de Manuel Bandeira; “L’art poétique”, de Verlaine). Fonte: Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia | https://bit.ly/3eeiGGM As Transformações Históricas do Ensino de Arte no Brasil Ao estudarmos a história do ensino da Arte no Brasil percebemos que, na traje- tória histórica e política da Educação, constata-se a existência de várias concepções de ensino de Arte. Sem diminuir a complexidade dessa diversidade de concepções, Silva e Araújo (2007) organizam o ensino de Arte no Brasil em três grandes tendências conceituais e históricas denominadas: ensino de Arte Pré-Modernista, ensino de Arte Moder- nista e ensino de Arte Pós-Modernista. Como se percebe, o conceito Modernista aparece como fundamental, e é conso- lidado a partir de um conjunto de práticas sociais, políticas, históricas, artísticas, filosóficas etc. Essas experiências significam um processo de ruptura fundamental para a produ- ção da vida e sua consequente reflexão e, no Brasil, tem como marco a Semana de Arte Moderna de 1922. Inserida nas festividades em comemoração do centenário da independência do Brasil, em 1922, a Semana de Arte Moderna apresenta-se como a primeira manifestação coletiva pú- blica na história cultural brasileira a favor de um espírito novo e moderno em oposição à cultura e à Arte de teor conservador, predominantes no país desde o século XIX. Entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922, realiza-se no Theatro Municipal de São Paulo um festival com uma exposição com cerca de 100 obras e três sessões lítero-musicais noturnas. Leia mais sobre a Semana de Arte Moderna, disponível em: https://bit.ly/2LYHiXT 10 11 Figura 1 – Capa do Prorama da Semana de Arte Moderna de 22, autoria de Di Cavalcanti Fonte: enciclopedia.itaucultural.org O Período Pré-Modernista Embora haja experiências que podem ser entendidas como práticas educacionais de ensino da Arte no Brasil, costuma-se atribui-la à chegada da família real portu- guesa, com a chamada Missão francesa, que contava com muitos intelectuais e artistas, com destaque para Joaquim Lebreton (1760–1819), Nicolas Antonie Taunay (1755–1830), Auguste Marie Tauany (1768–1824), Charles Pradier (1786–1848) e Jean-Baptiste Debret (1768–1848). A Missão francesa é considerada por alguns autores a primeira ação de sistemati- zação do ensino de Arte no Brasil. É nesse período que o Museu Nacional, a Biblioteca Real, a Escola Real de Artes e o Observatório Astronômico são criados. Esse processo de implementação encontrou uma série de barreiras e algumas contradições fundamentais em seu interior. A formação cultural, social e política dos missionários tinha a Revolução Francesa como base assentada, norteando, assim, suas condutas,pensamentos e práticas, a partir das perspectivas burguesas. Por outro lado, a corte portuguesa e a realidade brasileira tinham como pilares de sustentação os ideários coloniais escravocratas e aristocráticos. 11 UNIDADE A Arte e a Educação Figura 2 – DEBRET “Casamento de D. Pedro e D. Amélia” Fonte: Wikimedia Commons Essas diferenças desencadearam inúmeros choques e contradições, gerando, por ve- zes, situações peculiares e específicas para a formação cultural e educacional brasileira. Nesse sentido, por exemplo, no século XIX, consolidou-se um ensino de Arte elitizado: O ensino de Arte no Reinado e no Império como da Educação Brasileira em geral, tem como prioridade o grau superior, ou seja, a formação de uma elite que defendesse a Colônia dos invasores e que movimentasse culturalmente a Corte, sendo considerado como a base para o desenvol- vimento do ensino primário e o secundário. (BARBOSA, 2008, p. 16) Esse processo formativo elitista tinha como princípios práticos de ensino artístico a observação de retratos, estampas, paisagens etc. e sua consequente reprodução. Formulava-se, então, um conceito pedagógico artístico baseado na cópia do modelo, legando, assim, ao aluno, apenas a capacidade de repetição do já construído, restrin- gindo-lhe, portanto, a imaginação, a criatividade e a possibilidade de investigação dos materiais e elementos da Linguagem. Os processos de Abolição da Escravatura (1888) e da Proclamação da República (1889) aglutinaram várias mudanças significativas no interior da Sociedade brasileira, dentre as quais o avanço do ideário liberal e positivista, que tinha a Educação como área estratégica para a difusão e o enraizamento de suas ideias e a consolidação de suas práticas sociais. Nesse horizonte, Rui Barbosa, uma das mais importantes figuras, foi responsável por reformas educacionais, dentre as quais incluía o ensino de Desenho no currículo escolar. Foi nesse período, também, que a influência das ideias liberais de vínculo da Edu- cação como preparação para a produção capitalista ganhou força. 12 13 Nesse sentido, a Educação de Arte tinha como um dos objetivos fundamentais a preparação de uma mão de obra especializada, organizando, assim, seus conteúdos a partir de princípios técnicos. A Arte se caracterizava, portanto, a partir de sua utilidade para a Sociedade do trabalho, e seu ensino se pautava pela formação de indivíduos aptos a serem futuros trabalhadores. O Período Modernista O início do século XX abre suas fileiras com a inclusão obrigatória do ensino das Artes, para além do desenho nas Escolas Primárias e Secundárias, sendo, assim, um passo importante para a ampliação do acesso aos conteúdos e práticas artísticas, mas ainda restritos às parcelas que tinham condições de acessar o Ensino Regular. É nesse período que surge o movimento de Arte-Educação influenciado pelas ideias do e ducador e pesquisador norte-americano John Dewey (1859–1952). Os primeiros escritos de Dewey foram disseminados na Educação brasileira e tinha como premissa a estimulação natural dos impulsos das crianças na atividade do desenho, caracterizando, assim, uma perspectiva naturalista de caráter esponta- neísta para o ensino da Arte: S eu método (Dewey) consistia em deixar a criança se expressar livre- mente, desenhando de memória e depois fazê-la analisar visualmente o objeto desenhado para, em seguida, executar um segundo desenho inte- grando, neste último, elementos observados do objeto real. (BARBOSA, 2002, p. 78-9) N o contexto político de tentativa de ampliação dos direitos democráticos dos anos de 1920, o papel social da Educação ganhou mais força. E é nesse momento que surge o movimento “Escola Nova”, que c oloca a Escola Primária e a Secundária como fundamentais e que a Arte na Escola deveria ser para todos, integrada, assim, de forma definitiva no currículo. A nísio Teixeira, ex-aluno de Dewey, foi uma figura importante do movimento “Escola Nova”. A Arte na Escola passou a ser valorizada e defendida a partir de sua capacidade de desenvolver a imaginação e a inteligência, de auxiliar a fixação de diversos conteúdos, levando em conta sua dimensão de experiência de Linguagem. 13 UNIDADE A Arte e a Educação Figura 3 – AMARAL, T. “Abaporu” Fonte: Wikimedia Commons Outro desdobramento do ideário modernista foi a criação das Escolinhas de Arte, que propunham o ensino da Arte desvinculado da Escola oficial. Iniciado por Noemia Varela, entre outros, esse Movimento atuou fortemente na formação do professor de Arte e trouxe maior significado à experiência de aprender Arte e se expressar por meio dela e à Educação em Arte como experiência estética e de encontros significativos. No começo dos anos de 1950, existiam 32 Escolinhas de Arte espalhadas pelo país e, além dos Cursos para crianças, as Escolinhas eram responsáveis por Cursos de Formação Continuada para professores. Pautada pelo desenvolvimento da capacidade criadora, com um trabalho de sensi- bilização e valorização do ensino artístico, as Escolinhas foram importantes para o processo de difusão da Arte-Educação. Contudo, na Escola de Ensino Oficial, predominava a visão de que a Arte é algo manufaturado, artesanal, utilitário, sem preocupação com a construção poética do objeto ou da linguagem e, ainda, de que o processo de construção da Arte se satis- fazia em procedimentos técnicos, sem construção poética. Apesar dos avanços modernistas, a diversidade de concepções de ensino da Arte no Brasil, de que resultaram práticas contraditórias entre si, agravou-se com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 5692/71, quando se implantou a área de Educação Artística como Atividade, e não como Disciplina. A área ficou solta no currículo da Escola, além de ser vista como conteúdo secun- dário na formação de crianças e jovens. 14 15 N a época, embora tenha havido ampliação do Mercado de Trabalho para o pro- fessor de Arte, não havia Cursos de Formação de professores em Arte disponíveis. Os Cursos de Licenciatura em Educação Artística começaram a existir a partir de 1973, dois anos depois da implantação da área na Escola. N esse período de falta de professores especializados em Arte, abriu-se precedente para a contratação, em caráter excepcional, de profissionais de outras áreas: publi- citários, arquitetos, desenhistas projetistas, pedagogos e professores com formação em outras áreas. Assumir aulas de Educação Artística era uma forma de completar a jornada de trabalho e a renda. C omo cada professor ensina a partir do seu repertório didático e cultural, fizeram parte do currículo da Escola, na área de Arte, atividades, como: confeccionar embala- gens, realizar plantas baixas de casas, desenhos geométricos, aulas de história da Arte sem apreciação de imagens, apenas com textos escritos, pintar desenhos prontos, fazer decoração de festas, Artesanato e lembrancinhas em datas comemorativas. Outro problema diz respeito à formação polivalente, por meio de um currículo que pretendia preparar professores em todas as Linguagens Artísticas, um equívoco conceitual que persiste até hoje. Olhando para a história do ensino de Arte, percebe-se a ressonância dos anos de assimilação da Disciplina na Escola, que levou à construção de um currículo oculto, disperso e incoerente, com as concepções de ensino e aprendizagem distantes da própria natureza da Arte, sem a construção e a compreensão da Linguagem Artística. O Período Pós-Modernista A tendência que, atualmente, tem mais força conceitual, começou a se desenvolver a partir dos anos 1980, com o processo de redemocratização do país, com a eclosão de associações de Arte\Educadores e a criação de Cursos de Pós-graduação. Esse movimento reconfigurou inúmeras questões do ensino de Arte e passou a ter como premissa fundamental a pergunta: “Como se aprende Arte”, em lugar de “Como se ensina Arte”, estabelecendo, assim, o chamado paradigma da cognição: O movimento demudança epistemológica na forma de conceber, filosó- fica e metodologicamente, o ensino de Arte na contemporaneidade, que não ocorria desde o modernismo, não é fruto do poder legislativo, através da implantação de leis e decretos, que determinaram a obrigatoriedade do ensino de Arte na educação Escolar; antes, foi fruto da luta política e conceitual dos Arte/educadores brasileiros, que buscaram justificar a presença da Arte na educação a partir do paradigma da cognição (SILVA; ARAÚJO, 2007, p. 12) 15 UNIDADE A Arte e a Educação Um dos grandes nomes dessa geração é Ana Mae Barbosa, que se destacou por uma produção teórica e prática consistente. Barbosa, dentre tantas coisas, desenvolveu a abordagem triangular do ensino de Arte. Sem uma ordem definida, ela indica que o aprendiz de Arte deve: ler, fazer e contextualizar a Arte. Ler Obras de Arte É estimular a percepção e o conhecimento a respeito da crítica e da estética. É am- pliar repertório cultural e nutrir o olhar dos alunos sobre os aspectos que envolvem a produção de uma obra de Arte. Isso se refere a todas as Linguagens Artísticas: Dança, Pintura, Esculturas, Teatro e Música, entre outras. Fazer Arte É explorar a ação criadora na prática artística. É buscar momentos em que os alunos experimentem materialidades, processos e procedimentos no fazer artístico. Contextualizar a Arte É o exercício de pensar a respeito da Arte. A contextualização também explora os saberes estéticos, históricos e culturais. Quando contextualizamos a Arte, devemos fazê-lo relacionando Arte à vida. Na Edu- cação, isso acontece quando podemos entender a Arte de forma interdisciplinar. Alguns métodos de ensino influenciaram a abordagem triangular. A preocupação em torno do conhecer, do apreciar e do fazer Arte, conhecida, no Brasil, como pro- posta triangular, teve influências de métodos norte-americanos. Veja alguns: • Comparativo; • Multipropósito; • DBAE (Discipline-Based Art Education). De forma geral, esses métodos envolvem realizar uma leitura comparada de várias obras de Arte de diversos períodos para que o aluno perceba as diferenças e as similaridades. Há preocupação com a formação do pensamento crítico com processos de ler e pensar a Arte, entre eles: • Descrever; • Analisar; • Interpretar; • Julgar. 16 17 O método Multipropósito propõe momentos em que os aprendizes de Arte expe- rimentem: • Exercício de ver; • Exercício de aprendizagem da Arte; • Extensões da aula; • Produzir artisticamente. Figura 4 – BASQUIAT, M. “Sem título” Fonte: Wikimedia Commons As pesquisas desenvolvidas, nos anos de 1980, contribuíram muito para repensar as práticas e os conceitos a respeito do ensino de Arte. Porém, a frágil formação da maioria dos educadores não deu conta de compreender a complexidade da Arte, reduzindo as propostas de construção de saberes nas linguagens artísticas a meras atividades executáveis em sala de aula, como o caso das releituras vazias, com ênfase na cópia e não na compreensão e na ressignificação da obra de Arte para o aluno. Nesse sentido, a s novas concepções de ensino de Arte, que propunham a aborda- gem triangular (ler, fazer e contextualizar), não foram exploradas de forma adequada, pois o foco dessas práticas ficou preso à bibliografia, à poética, à forma e ao contexto do artista, e pouco se explorou a poética do aluno ou o processo de criação autônomo. E ntre os anos de 1980 e 2000, foram publicados vários Livros e Artigos de Revistas no Brasil com o objetivo de fundamentar melhor a prática dos professores de Arte e, consequentemente, dos(as) pedagogos(as) que trabalhavam com a Arte nas aulas da Educação Infantil ou no Ensino Fundamental I. 17 UNIDADE A Arte e a Educação Entre esses estudos, a proposta da Professora Doutora Ana Mae Barbosa (1998) apresentou três eixos conceituais de aprendizagem no percurso do ensinar e aprender as linguagens artísticas. A formação do educador deveria abranger temas, como os apresentados a seguir. • Fazer/criação/produção: Espaços em que os estudantes de Arte ou peda- gogia pudessem experimentar materiais, elementos de linguagens artísticas e poéticas pessoais; • Ler/percepção/análise: Momentos de apreciação artística em contato com obras de Arte originais em Museus e Espaços Culturais ou por reproduções em que os aprendizes pudessem perceber como os diferentes artistas em diversifica- das épocas produziram suas obras e como essas obras dialogam com universo do apreciador; • Contextualização/reflexão/compreensão: Oportunidades de conhecer, viven- ciar e fruir obras artísticas, para que os aprendizes pudessem ampliar seus re- pertórios culturais além de nutrir sua formação estética. Por Que a Arte é Importante na Escola? Uma resposta possível da professora e pesquisadora de Arte Mirian Celeste Martins seria: “[...] a Arte é importante na Escola, principalmente porque é impor- tante fora dela” (MARTINS, 2010, p. 12). É nessa ideia que estamos embasando nosso diálogo sobre o ensino de Arte, hoje, nas Escolas. Durante muito tempo, a Arte foi colocada em segundo plano no cenário da maioria das Escolas no Brasil. Hoje, esse conceito está mudando, mas há, ainda, muitos equí- vocos a respeito da concepção de ensino de Arte e sua importância na Escola. Hoje, encontramos muitos caminhos para pensar uma proposta de ensino de Arte. Quando pensamos em uma obra de Arte, uma Pintura, por exemplo, ou uma Peça de Teatro, uma Música, podemos refletir sobre em que momento essa obra foi produzida, que assuntos levaram o artista a criar imagens com formas e temáticas, como articulou linhas, elementos, expressões, cores e outros perceptíveis elementos visíveis em suas obras visuais ou, ainda, na Linguagem Cênica e Musical? Nós nos perguntamos que materiais ele usou para compor sua pintura, cenário, figurino, qual foi o processo de criação que o levou a fazer uma imagem ou uma representação cênica ou uma música tão impressionante capaz de fazer com que nós, apreciadores, nos emocionemos diante da obra artística? São muitos os momentos, processos e procedimentos que fazem parte da história de uma obra de Arte. 18 19 Com as crianças na produção da sua Arte também não é diferente: quanto mais o professor explorar as potencialidades dos assuntos, materiais e processos de criação, melhor será a experiência na construção da Linguagem Artística. Assim, é importante criar situações de aprendizagem que proponham a contextualização, a reflexão, a experimentação, o pensamento imaginativo e os construídos. A concepção de ensino de Arte, hoje, prima pelas ideias de que a Arte é conhe- cimento, uma linguagem complexa e expressiva que desenvolve percepção sensível de mundo e mentes criadoras. O ensino artístico tem a preocupação com a Educação estética e a acessibilidade aos bens culturais para formar cidadãos conscientes de seus papéis culturais. O estudo do ensino de Arte na formação de pedagogos é fundamental para que mais mudanças sejam realizadas, a fim de oferecer, nas Escolas, um ensino artístico de qualidade e coerente com o nosso tempo. O pedagogo, além de atuar no ensino de Arte em séries iniciais, também pode ocupar cargos de coordenação e orientação pedagógica. Nesse sentido, conhecer os conceitos e as novas propostas didáticas para o ensi- no de Arte é fundamental nesse processo de valorização da Arte na Escola. Figura 5 – BANKSY Fonte: dzjezz.org 19 UNIDADE A Arte e a Educação Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites E-Dicionário de Termos Literários LYOTARD. Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia, 1989. https://bit.ly/3eHC2o7 Vídeos História do Ensino da Arte no Brasil https://youtu.be/KyjPjAM784o Ana Mae Barbosa: Arte não se Ensina; Contamina-se pela Arte https://youtu.be/ROz0EPOdkc0 Entrevista com Ana Mae Barbosa https://youtu.be/lcSg2xdLzuI Leitura Arte-Educação no Brasil: Realidade Hoje e Expectativas Futuras Relatoencomendado pela UNESCO à INSEA. https://bit.ly/3d1dCW7 A Importância do Ensino das Artes na Escola https://glo.bo/2XnUkDI 20 21 Referências BARBOSA, A. M. A imagem no ensino de Arte. 7.ed. São Paulo: Perspectiva. 2009. _______; CUNHA, T. P. (org.). Abordagem triangular no ensino das Artes e cul- turas visuais. São Paulo: Cortez, 2010. _______. Inquietações e mudanças no ensino da Arte. São Paulo: Cortez, 2008. _______. John Dewey e o ensino de Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Referencial Curricular Nacional Para a Educação Infantil: Conhecimento de Mundo. Brasília: Mec/Sef, 1998. _______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. FUSARI, M. F. R; FERRAZ, M. H. C. T. Metodologia do ensino da Arte. 2.ed. São Paulo: Cortez, 1999. (Coleção Magistério. Série Formação do Professor). MARTINS, M. C.; PICOSQUE, G.; GUERRA, M. T. Teoria e prática do ensino de Arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD, 2010. SILVA, E. M; ARAÚJO, C. M. Tendências e concepções do ensino de Arte na Educação Escolar brasileira: um estudo a partir da trajetória histórica e sócio epis- temológica da Arte/Educação. In: Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), 30, 2007, Caxambu, 2007. SOARES, C. A. O ensino de Arte na Escola brasileira: fundamentos e tendências. 2016. 100 p. Universidade de Uberaba, Uberaba, 2016. Sites Visitados LYOTARD. Dicionário de Termos Literários de Carlos Ceia, 1989. Disponível em: <https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/estetica/>. Acesso em: 22 mai 2020. 21 Fundamentos Metodológicos do Ensino da Arte e Música Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Criatividade e Desenvolvimento Artístico Criatividade e Desenvolvimento Artístico • Apontar concepções históricas sobre o conceito de criatividade e desenvolvimento artísticos, principalmente na infância; • Investigar autores como Mirian Celeste Martins, Gisa Picosque, Terezinha Guerra e Isabel Petry Kehrwald que escrevem sobre o que é criatividade e sobre as fases do desenvolvimento infantil em relação à Linguagem da Arte; • Conhecer como as crianças se desenvolvem para o aprimoramento da formação de peda- gogos que lidarão com projetos e ações educativas que exigem saberes sobre o processo de criação, não apenas na área de Arte, mas em todas as áreas de conhecimento. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Os Caminhos da Criação; • Como Conhecer e Estimular a Arte das Crianças? • Os Movimentos do Desenho da Criança. UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico Os Caminhos da Criação Historicamente, o conceito de criatividade tem sido associado a muitos fatores e causas. Na Grécia antiga, tínhamos a ideia de criatividade como “dom divino” dado pelas musas. Eram nove musas, seres mitológicos que, segundo a lenda, inspiravam o ser humano a realizar nove Artes. Arte, nesse tempo, significava fazer algo com maestria, fazer bem, criar de maneira bela. Essa ideia podia estar ligada ao mundo das Artes, mas também a outras áreas. Ainda hoje, falamos sobre a Arte de cozinhar, a Arte de escrever, a Arte de amar. A cada musa era atribuído um talento: Calíope estava ligada ao canto e à poesia épica; Clio, à História; Polímnia, à retórica e à música cerimonial; Euterpe, à música; Terpsícore, à dança; Érato, ao canto e à poesia lírica; Melpômene, à criação de textos e à atuação de atores nas tragédias; Tália, à comédia e Urânia, à Astronomia. Não existiam musas para a pintura e a escultura, porque essas Artes, naquele tempo, não eram consideradas Artes maiores, por serem vistas como trabalhos braçais. Figura 1 – Estátua de Urânia Fonte: Wikimedia Commons Assim, para ser artista talentoso e criativo, era preciso cair na graça de alguma musa, que supostamente lhe daria um “dom”. 8 9 Mas nessa cultura antiga, apenas os homens livres podiam ser criativos e ser reco- nhecidos por seus grandes feitos, pois apenas eles podiam ganhar os dons das nove musas. Mulheres e escravos não podiam receber os dons das musas. As mulheres, por exemplo, podiam apenas imitar os dons das musas e, assim, inspirar seus homens a criarem. Daí surgiu o termo “musa inspiradora”. Na Grécia antiga, existiram várias escolas para mulheres, que aprendiam a imitar os talentos das musas na dança, na poesia, na música. Essas Escolas foram chama- das de museus. Para ser criativo, era preciso receber um “dom”, que estava ligado à outra a concepção, que mostrava a ideia de “merecimento” e, como dissemos, apenas os homens (gênero masculino) podiam ser merecedores dos talentos das musas. Essa concepção atravessou os tempos e, durante a Idade Média, essa ideia migrou para o sentido de “Dom divino dado por Deus” (visão teocêntrica do Universo). Nas religiões como no Catolicismo, o Judaísmo e até no Islamismo, uma pessoa só podia ser talentosa e criativa se recebesse esse “dom” de Deus. Mas essa dádiva só podia ser dada a quem merecesse. Assim, a ideia de merecimento aparece também nessas culturas, na Idade Média. Como a valorização do artista como um grande mestre, que aconteceu, principal- mente, no Renascimento, surge a ideia de “gênio nato”, aquele que nasce especial e com um “dom artístico”. Às vezes, essa ideia também era associada à concepção de “Dom divino dado por Deus”. Ainda hoje, é comum as pessoas se referirem a Leonardo da Vinci, artista renascentista, como um “Gênio”. Na verdade, esse artista pesquisou muito e realizou grandes inventos e produções artísticas, porque era curioso e inventivo. Nos séculos que se seguem, a ideia de “dom artístico” foi ampliada para a noção de “virtuosismo”, aquele que tem uma capacidade especial para criar em função de sua habilidade técnica ou genialidade. No século XIX, principalmente, na cultura ocidental ligada ao movimento do Ro- mantismo, é forte a visão de que para criar é preciso de uma inspiração (ideia associa- da à musa inspiradora). O artista tinha de viver as mais profundas paixões para criar. No século XX, com os experimentos artísticos, essas noções sobre o conceito de criatividade e o ato criador foi aos poucos dando espaço para a ideia de pesquisa, vivência, repertório cultural e experimentação. Esta última está mais próxima da ideia atual de criatividade. “Tão flexível e caprichoso fenômeno é a criatividade, que mal podemos defini-la”. KNELLER, 1978, p. 13 9 UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico Figura 2 – MONET, C. “Impressão” Fonte: Wikimedia Commons Para estudar sobre o tema criatividade na contemporaneidade, podemos nos basear em vários estudos. Para Vygotsky (1990, p. 16), a criatividade é fruto do desenvolvimento do indiví- duo em meio social e histórico. A concepção de criação como algo mágico está cada vez mais superada. Atualmente, é mais aceita a ideia de habilidade mental ou competência argumentativa diante da vida e das coisas. Habilidade de pensamento que se desenvolve desde quando somos crianças, seguindo na vida adulta, pois é sempre possível aprender e criar. Para Vygotsky, aprendemos a observar e a estabelecer relações, criamos memó- rias sobre as coisas, armazenamos dados a partir de encontros com acontecimentos na vida que nutrem a imaginação. Esse processo se dá nas experiências de cada um, no meio sócio-histórico-cultural. Vygotsky, assim como Albert Einstein (1931), afirma que é a criação que ajuda o ser humano a projetar o futuro. Dessa forma, imaginar é importante para criar coisas ainda não existentes e para romper com a realidade e a rotina. Cometer erros e se sentir angustiado ao não saber como criar fazem parte do processo experimental do pensamento criativo. Segundo Alves: O ato criador, seja na ciência ou na Arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída. Por vezes, a dor aparece como aquela coceira que tem o nome de curiosidade. (2008,p. 12) No caso dos artistas, eles buscam materialidades e linguagens para expressar seu pensamento. 10 11 A criação do artista não se dá de modo mágico e misterioso, com base na ideia de dom artístico, mas no esforço, no trabalho contínuo e em reflexões. Essa é uma visão bem contemporânea do ato criador. VAREJÃO, A. Pele Tatuada à Moda de Azulejaria, disponível em: https://bit.ly/2zIoRV0 Também temos de desmistificar alguns conceitos e esclarecer algumas ideias. Assim, podemos afirmar que: • A criatividade não é apenas um privilégio dos artistas ou das crianças pequenas. Há pessoas criativas em todas as áreas e idades; • Podem ser artistas aqueles que se propuserem a estudar as linguagens e a expe- rimentar, poetizar e ter a intenção de fazer Arte; • Nem toda criança é criativa. Isso irá depender de sua cognição, percepção, his- tória, contexto, motivação e disposição para criar. No entanto, percebemos que as crianças, geralmente, são mais criativas que alguns adultos, porque ainda não aprenderam a ter tantos medos quanto os adultos. O medo é inimigo da criação; • Na criação há pensamento lógico (racional) tanto quanto há imaginação e intuição; • Criar é aprender a fazer escolhas. Existem muitas possibilidades e dentre elas a pessoa criativa “escolhe e experimenta”, novamente “escolhe e experimenta”, até chegar a resultados que lhe pareçam satisfatórios. Mas esse processo pode nunca terminar, porque estamos sempre inventando alguma coisa; • Segundo a Ciência e muitos teóricos, criar não é “dom” é sim habilidade e inten- ção em pesquisar, experimentar, conhecer, entrar em vigília criativa, que é um estado mental em que ficamos pensando tanto em uma questão que acabamos por encontrar soluções. Às vezes, parece que isso ocorre ao acaso, mas, na verdade, é um exercício de pensamento e concentração em um tema; • A intuição é a chave da criação? Sim, às vezes não sabemos como resolver um problema ou criar algo, mas temos uma intuição e perseguimos uma ideia até conseguir encontrar soluções; • Ter muitos problemas torna as pessoas mais criativas? A resolução de problemas exercita a capacidade de propor soluções e a habilidade de análise e resolução. Hoje, há preocupação em formar pessoas criativas, muito mais que apenas técnicas, porque vivemos um momento de necessidade de adaptação e inovação o tempo todo. Nesse sentido, as preocupações na formação de uma mente criadora não devem se ater a ideias míticas do passado como dom ou genialidade, porque elas estão liga- das a noções de merecimento e genética especial e isso não cabe mais em sistemas democráticos. Não podemos dizer que uma criança merece ser mais criativa que outra em função de dádivas sobrenaturais ou sistemas genéticos fora do comum. 11 UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico Para Gardner (1999), cada indivíduo tem o seu próprio jeito de ler o mundo e de reinventá-lo. A mente humana é portadora de complexidades e não há um único modo de explicar como a criatividade se desenvolve. Em relação ao ensino de Arte na Escola, como podemos definir, por exemplo, quando uma criança faz um desenho criativo? O que é um desenho bom ou ruim? Na Arte contemporânea, o desenho pode ser aceito em muitas formas e expressões: figurativo, abstrato, expressionista, real, estilizado, colorido, em apenas uma única cor. Como saber reconhecer um ato criador nas aulas de Arte? Nos Planos de Aulas dos educadores, é comum encontrar a frase citada em obje- tivos: “desenvolver a criatividade”. Para ser criativo é preciso querer, experimentar e, às vezes, esse processo pode ser doloroso e angustiante. Quantas vezes nós nos deparamos com esse sentimento ao ter de criar ou resolver algum problema? Se criar é querer, podemos conseguir alcançar o objetivo de “desenvolver a cria- tividade do outro” (no caso, do aluno)? Certamente, não podemos deixar o outro (no caso, o aluno) mais criativo, mas podemos criar situações de aprendizagem em que ele possa experimentar seus pro- cessos de criação e desenvolver sua própria criatividade, vez que esse processo é pessoal e intransferível. O processo de criação se dá entre observar o mundo, construir uma memória e imaginar: • Observação: é por meio da observação que lemos, vivemos o mundo e criamos nosso repertório cultural. Para criar, é essencial ter repertório: não se cria a partir do nada; • Memória: precisamos conhecer o tema, material ou linguagem sobre o qual queremos criar. Nossa memória nos ajuda a guardar informações importantes para serem usadas no ato criador. Além de lembrar, também construímos con- ceitos a partir de nossas percepções, experiências um dia vivenciadas e armaze- nadas na memória para serem usadas quando necessário; • Imaginação: está na capacidade de criar situações e coisas ainda não concre- tizadas, no campo imaginário, no sonho acordado. É por meio da imaginação que projetamos o futuro. Você se lembra de desenhos animados antigos em que os personagens falavam e viam imagens das pessoas por um telefone? Isso era ficção no passado, mas hoje é realidade e, no futuro, você pode imaginar o que irá acontecer? Assim caminha a Humanidade: entre sonhos e experiências, vamos criando o futuro. 12 13 Figura 3 – PORTINARI, C. “Desbravando a mata” Fonte: itaucultural.org Como Conhecer e Estimular a Arte das Crianças? Se eu fosse ensinar a uma criança a Arte da jardinagem, não começaria com as lições das pás, enxadas e tesouras de podar. Eu a levaria a passear por parques e jardins, mostraria flores e árvores, falaria sobre suas mara- vilhosas simetrias e perfumes; eu a levaria a uma livraria para que ela visse, nos livros de Arte, jardins de outras partes do mundo. Aí, seduzida pela beleza dos jardins, ela me pediria para ensinar-lhe as lições das pás, enxadas e tesouras de podar. Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe contaria sobre os instru- mentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes! (RUBEM ALVES, 2008) Para refletir sobre como as crianças criam e como nós adultos podemos ajudar nesse processo sem direcionar, trouxemos um pensamento do autor Rubem Alves, para mostrar que o ensino de Arte deve, assim como em qualquer outra Área, ser significativo e trabalhar com o senso estético. 13 UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico A Arte é uma Linguagem expressiva, em que conceitos podem ser construídos pelo sentir, pelo refletir, pelo imaginar. E como toda Linguagem, tem: conteúdos, formas, percursos de criação, saberes estéticos e culturais, interlocuções com outras áreas do conhecimento e com a própria vida cotidiana da criança. A concepção de ensino contemporâneo procura respeitar as fases da produção artística infantil e seu universo imaginativo e expressivo. A criança está disponível para experimentar as coisas no mundo e, a partir da experiência, aprende a conhecer. A aprendizagem, quando explorada pela percepção das belezas nas coisas, pode tornar-se significativa. A apresentação de imagens de obras de Arte e a experimentação de materiais pode ampliar e estimular o processo de criação das crianças. Muitas vezes nós, professores, temos a preocupação de compreender as produ- ções dos pequenos, chegamos até a fazer anotações sobre os desenhos das crianças para ajudar também os pais a entenderem melhor essas produções. Será que essa prática representa o melhor caminho? Quando escrevemos sobre os desenhos estamos interferindo na visualidade, já não é mais o desenho deles e sim um monte de escritas, muitas vezes, realizadas com canetas vermelhas que realçam a anotação do educador, em que o desenho da criança ficaem segundo plano. Alguém já escreveu sobre a obra de um artista abstrato? E um pintor cubista? Já pensou como seria uma exposição contemporânea cheia de recados para o públi- co entender a obra? Talvez não restasse espaço para percepção sensível. Entender o desenho da criança é bom para o adulto ou para a criança? Segundo Stern: Minha tarefa pode ser comparada à obra de um explorador que penetra numa terra desconhecida. Descobrindo um povo, aprendo sua língua, de- cifro sua escrita e compreendo cada vez melhor sua civilização. Acontece o mesmo com todo adulto que estuda a Arte infantil. (ARNO STERN, apud MARTINS, 2010, p. 84) Como Stern, também nos aventuramos na busca de conhecer o universo das produções artísticas das crianças. Muitas vezes, nós nos vemos perguntando para a criança o que ela desenhou, ou o que ela quis dizer em suas produções. Mas será que estamos respeitando o modo de criar dos pequenos? A criança vive suas experiências, a cada momento inventa e explora um jeito mui- to particular de compreender o mundo a sua volta. Compreender como a criança se expressa é um desafio para o adulto. O Pintor Pablo Picasso se aborrecida quando alguém o indagava sobre o sentido da sua Arte: 14 15 Não há quem não queira compreender a Arte. Isso me faz estranhar que não se queira compreender, também, o canto dos pássaros. Por que amamos a noite, as flores e toda a beleza que nos rodeia sem ter vonta- de de analisar-lhes os mistérios? Quando se trata, de uma obra de Arte, todo mundo acha que tem de compreendê-la. Por quê? (PICASSO apud SIMÕES JR., 1985, p. 69) Figura 4 – BRAQUE, G. “Clarinet and Bottle of Rum on a Mantelpiece” Fonte: wikiart.org Como um pássaro que voa livre, a imaginação das crianças não pode ser controlada. É possível compreender o que as crianças colocam em seus desenhos? Há possibilidade de compreender, porém não de forma a traduzir os significados, mas na busca por estudar como se dá o seu processo criador, para respeitar e poten- cializar essa habilidade de pensamento. Não devemos fazer anotações nos desenhos das crianças. Isso as deixa inseguras. Mario de Andrade foi importante estudioso do desenho das crianças. Esse poeta marcou história ao elaborar planos para Educação Infantil e criar Concursos de Arte ainda na década de 1930, além de sua trajetória como poeta e escritor. Em seu exercício de olhar para a produção dos pequenos com olhos de poeta, Mario costumava dizer que o adulto deveria perceber que as crianças não são “seres descuidados, vivendo da alegria dos brinquedos e das pequenas reações diante de dores da vida” (apud FARIA, 1999, p. 184). 15 UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico A criança tem seu modo de sentir o mundo, às vezes, de forma dramática, outras de forma lúdica, imaginária. As crianças não são indiferentes, estão atentas ao que acontece ao seu redor, têm seu jeito de criar mistérios interiores, às vezes impenetrá- vel, nas palavras de Mario de Andrade. O poeta também dizia que a criação das crianças não tem limites e que o adulto deve motivar e acompanhar essa criação, e nunca direcioná-la. Segundo ele: O que me agrada principalmente, na tão complexa natureza do desenho, é o seu caráter infinitamente subtil, de ser ao mesmo tempo uma transi- toriedade e uma sabedoria. (ANDRADE, 1975, p. 69) Figura 5 – AMARAL, T. do. “Retrato de Mário de Andrade” Fonte: wikiart.org Larrosa (2004, p. 161) fala de uma concepção de infância como acontecimento. Nesse pensamento, podemos dizer que a criança registra em seus desenhos o que lhe acontece. A criança é o “sujeito da experiência” que “é, sobretudo o espaço onde tem lugar os acontecimentos”. Assim, quando analisamos a produção das crianças, é importante perceber o que lhes acontece no momento. A cada momento, ela se interessa por assuntos, temas, cores, formas e muitos outros interesses que lhe chamam a atenção. São formas de estar e perceber o mundo que diferem da lógica dos adultos. Acredito que o grande problema é que muitas vezes olhamos para a produção das crianças com os olhos de adultos, ou seja, sobre a nossa concepção de Arte, igno- rando a opinião das crianças, autoras de suas produções. 16 17 Segundo Martins, Picosque e Guerra (2010), as crianças apresentam seu processo de criação em movimentos no fluxo da vida. Cada criança se desenvolve entre uma fase e outra diante das oportunidades e do contato com Arte. Oportunidades oferecidas pelo mundo ao seu redor, nesse contexto, o professor, a escola, a família e os amigos são determinantes na construção de saberes, hipóteses, poéticas e criação pessoal. Essa ideia apresenta uma concepção de que a criança é um ser em constante trans- formação e, nas experiências com o mundo, imita, constrói e reconstrói símbolos para se expressar. Estudar a produção das crianças pode proporcionar atitudes educativas mais cons- cientes por parte dos educadores a respeito do desenvolvimento artístico na infância. Ao estudar as produções artísticas infantis, devemos ter um o olhar atento não apenas para o produto final, mas para o processo como um todo, que envolve esco- lhas de assuntos, materiais e resolução de questões da linguagem da Arte, como, por exemplo, como a criança usa as linhas, as formas e as cores, em que fase está e como escolhe representar suas ideias nos desenhos, nas pinturas e em outras linguagens. Há poesia nas produções das crianças, mas apenas um olhar sensível poderá compreendê-la. Assim, ler os desenhos das crianças constituiu exercício do olhar sensível do professor, pois a criança, ao desenhar, expressa o que percebe sobre o mundo ou a respeito do que imagina naquele momento. A lógica do pensamento da criança é diferente da lógica do adulto. Dessa forma, precisamos estar atentos a essa diferença. Um bom desenho para a criança não passa necessariamente pela mesma concepção de Arte dos adultos. A cada fase ou movimento de criação a criança expressa, visões de mundo e “cada movimento tem uma beleza e uma significação próprias, sendo necessária a compreen- são de tudo o que ele envolve” (MARTINS; GUERRA; PICOSQUE, 2010, p. 87). A o estudar a produção dos pequenos, podemos perceber que as crianças têm ritmos diferentes na sua produção artística, os movimentos (ou fases) são influen- ciados pelo meio ambiente em que vivem. Notamos que há momentos abstratos pré- -figurativos e figurativos. O melhor seria não classificar as fases por idade, e sim por movimentos de interesse e estímulos. Os estudos sobre o desenho da criança passaram por muitas concepções, mas há muito a descobrir sobre essa forma de linguagem expressiva. Há uma ideia de que o ser humano procura assinalar sua presença no mundo, deixando suas marcas pessoais. Isso se confirma quando olhamos a Arte rupestre. As crianças demonstram prazer e satisfação em seus gestos ao perceberem que podem deixar suas marcas. Talvez seja esse o motivo de as paredes das casas em que há crianças pequenas serem marcadas por desenhos. 17 UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico Figura 6 – PORTINARI, C. “Crianças Brincando” Fonte: wikiart.org Os Movimentos do Desenho da Criança Cada movimento tem uma beleza e uma significação próprias, sendo necessária a compreensão de tudo o que ele envolve. Estudar esses movimentos é compor um pano de fundo para nossa leitura sobre o ser expressivo da criança e do jovem, ali- mentando nosso olhar para ver o grupo singular que está à nossa frente nas diversas salas de aula nas quais trabalhamos (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2010). Há inúmeras publicações sobre o desenho e as fases da mente criadora das crianças, mas como fundamentação teórica para os nossos estudos estamos indicado o livro “Didática do ensino da Arte: poetizar, fruir e conhecer Arte”, das autoras Mirian Celeste Martins; Gisa Picosque e Maria Terezinha Telles Guerra, publicado pela Editora paulista FTD, em 1998 (há uma versão mais recente desse livro com o título Teorias do Ensinode Arte, de 2010). Esse livro citado, em seu terceiro capítulo, o texto O aprendiz da Arte, um texto (p. 90-125), que indico como muito interessante para compreender como as crianças e os jovens criam em seus desenhos e em outras Linguagens Artísticas. Esse texto aborda as fases do desenvolvimento criativo e artístico das crianças e jovens em quatro movimentos, apresentados a seguir. Primeiro Movimento – Traços nas Garatujas “A criança está atenta e aberta às experiências e ao mundo, sem medo dos riscos, por isso arrisca-se. Vive intensamente” (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2010, p. 89). 18 19 Nesse momento, a criança está entre seus primeiros anos de vida até cerca de três anos, mas a idade é apenas um fator de reconhecimento dessa fase, pois, como dissemos, o contexto em que a criança vive e cresce e suas questões motoras e cognitivas também são relevantes no reconhecimento de qualquer fase. O Período da Garatuja, muitas vezes, não é valorizado pela Escola. É um momento rico, em que a criança pequena aprende a manipular riscadores. Um lápis, um pedaço de giz de cera ou até mesmo seu dedinho são materiais expressivos no registro de suas descobertas e na exploração do espaço da folha de papel, parede ou outro suporte. A criança sente prazer em fazer linhas em todos os sentidos, descobre as muitas possibilidades que seu corpo pode traçar, um lápis (um riscador) pode ser entendido como ampliação do seu corpo. Assim, as crianças desenham com o corpo, e não apenas com as mãos. Fazem movimentos corporais ao desenhar em linhas rápidas, lentas, no meio da folha, nos cantos. Algumas vezes, são linhas produzidas com força, outras, são linhas suaves. Desenhando, percebem o potencial de seu corpo e da sua imaginação. É um momento de experimentação e não há intenção de representar algo figu- rativo. Nesse movimento, o desenho figurativo não é importante. O desenho é uma maneira de expressão singular de cada criança. Com o tempo, as crianças passam de linhas e formas abstratas a figuras, elementos visuais que, muitas vezes, repetem-se na mesma composição ou em ocasiões diferentes. Nesse movimento (fase), ofereça muitos materiais, de diferentes tipos. Ofereça, também, para a criança, suportes grandes como folhas de papel ou espaços em paredes preparadas para esse fim. Não pergunte o que ela quis fazer ou crie expectativas de formas figurativas. Nessa fase, não se exige isso. S egundo Movimento: A Criança em Momentos Simbólicos “A criança está atenta e aberta às experiências e ao mundo, sem medo dos riscos, por isso arrisca-se. Vive intensamente” (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2010, p. 89). A o observar os desenhos das crianças entre 3 anos e meio e 5 anos, podemos perceber que elas têm ritmos diferentes na sua produção artística. Os movimentos também são influenciados pelo meio social em que vivem, mas notamos que há momentos abstratos, pré-figurativos e figurativos, em que as figuras humanas são protagonistas. N essa fase, percebemos os desenhos de raio-X, em que a criança desenha o que está dentro das figuras ou casas. Como, por exemplo, uma criança que desenha a mãe que está grávida de seu irmãozinho. Há também efeitos chamados de repartimento, em que vemos, nos desenhos, visões de planos laterais e aéreos, como, por exemplo, o desenho de um campo de futebol em que os goleiros estão deitados um de lado e o outro no lado contrário. 19 UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico A produção artística das crianças, nesse Movimento, tem ênfase na fase simbó- lica: elas desenham aquilo que sabem do que veem e não exatamente o que veem. A função das coisas tem maior atenção em relação à descrição e a cor é simbólica e não relacional. A criança conta histórias sobre o seu desenho. É a idade da fabulação e as ideias colocadas em seus desenhos apresentam um mundo muito particular, mostram a sua imaginação. Trocando Ideias... O pintor Pablo Picasso dizia que pintava as coisas como as imaginava e não exatamente como as via. Assim é o desenho da criança nessa fase: é uma produção simbólica e não realista. Figura 7 – PICASSO, P. “Guernica” Fonte: wikiart.org Nesse momento do desenho da criança, aparecem as primeiras figuras. Perce- bemos, no adulto, uma ansiedade para compreender essas produções. Assim, esti- mulam as crianças a realizarem suas figuras mais próximas do real, mas isto é uma necessidade do adulto, e não essencialmente da criança. Vemos que, na Escola, muitas vezes, os modelos estereotipados são apresentados às crianças para sanar uma insegurança dos adultos, normatizando a produção. Esse procedimento desvaloriza o processo de criação dos pequenos. Importante! Desenhos prontos não devem ser oferecidos às crianças em nenhuma idade ou função como de recreação ou em datas comemorativas. Isso atrapalha a sua produção e limita sua criatividade. Inclusive, há alguns desenhos que já vêm até com as cores determinadas, mos- trando onde deve ser pintado de verde ou vermelho, como no caso de árvores, por exemplo. Esse tipo de desenho de árvores mostra que elas são sempre de um 20 21 único jeito. Isso além de atrapalhar o desenho, no caso desse exemplo, também ensina um conceito errado em Ciências, porque sabemos que a Natureza é forma- da pela biodiversidade. Enfim, não devemos dar desenhos prontos para as crianças em nenhuma situação ou data comemorativa. Isso é um grande problema na Escola porque, para alguns professores sem conhecimento e até acomodados, essa prática é bastante corrente e aceita. Outro problema bastante comum é a colocação de legendas nos desenhos. As crianças, percebendo que não se fazem entender pelos seus desenhos, ficam inseguras e, com o tempo, diminuem seu ritmo de produção e ou aprendem a dizer que não são boas em desenhar. Os desenhos das crianças, em função de práticas metodológicas equivocadas por parte da Escola, com o tempo, ficam cada vez mais pobres e padronizados, isto é, a criança entra na Escola com um grande potencial expressivo e criativo e sai de lá depois de anos, sem saber desenhar ou criar. É muito comum ver, em desenhos de adultos, casas, flores, árvores e figuras hu- manas com formas mecânicas e repetitivas. A Escola, geralmente, quando não sabe trabalhar com o processo criador da criança, faz um desserviço, atrapalhando muito mais que ajudando. O papel da Escola é fazer a criança crescer e se desenvolver, e não estagnar sua produção criadora. A criança pode ter seu processo criador potencializado pelos educadores na Escola, mas eles precisam estar sensíveis e conscientes de seu papel para não contaminar os desenhos das crianças com formas estereotipadas. Pablo Picasso dizia que a criança produz a verdade em seus desenhos e pinturas. Gostava de dizer que antes ele desenhava como Rafael (artista renascentista), mas precisou de toda uma existência para aprender a desenhar como as crianças. Diante dos desenhos das crianças, nós, adultos, precisamos ser cuidadosos e estar atentos às falas e aos movimentos. Oferecer muitos materiais, oportunidades e situ- ações de aprendizagem em que elas possam experimentar e criar com liberdade é um caminho. Como dissemos, escrever ao lado do desenho da criança, fazendo legendas que chamam mais atenção que a obra dela, apresenta uma ideia de não compreensão, o que pode frustrar a criança. Quando escrevemos sobre os desenhos, estamos interferindo na visualidade: já não é mais o desenho dela e sim um monte de escritas, muitas vezes, realizadas com canetas vermelhas que realçam a anotação do educador, em que o desenho da criança fica em segundo plano. N ão precisamos saber exatamente o que elas dizem em seus desenhos, mas ouvi-las é importante. 21 UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico Desse modo, chegamos à conclusão que é melhor não perguntar “o que você quis desenhar”, mas estimular a criança a contar a história do seu desenho. Anotações podem ser feitas na parte de trás do desenho, para não o danificar.Como um exemplo para sua reflexão, segue um relato de uma situação acontecida em uma sala de aula, que envolveu uma professora e uma criança de cinco anos de idade. O Caso do Desenho da Bailarina Uma professora dedicada ao seu trabalho solicitou, certa vez, que sua turma falasse e desenhasse sobre as coisas que eles mais gostavam de fazer. Uma garotinha de cinco anos de idade disse que gostava de dançar Balé e um garoto da mesma idade manifestou o prazer que tinha em jogar Futebol. Cada criança foi expondo suas preferências. Depois da conversa, a professora pediu a eles que se desenhassem fazendo suas coisas preferidas. A garotinha que gostava de Balé começou a desenhar uma bela Bailarina, com roupas cor de rosa, sapatilhas vermelhas e uma fita amarela para prender o cabelo, igual ao que as bailarinas costumam usar. A professora passava entre as mesas para ver como os seus alunos desenvolviam a tarefa. Quando olhou para o desenho da menina ficou feliz, conseguia ver niti- damente uma bela bailarina, mesmo assim sentou ao lado da criança e carinhosa- mente fez uma interferência, desenhou uma flecha indicando a palavra Bailarina. “Que belo desenho!” disse a professora ao se levantar. A criança preenchida de ale- gria ao perceber que agradara a professora, continuou seu desenho. Com um lápis de cor preta, começou a cobrir a figura da Bailarina com linhas curvas em traços rigorosos e intensos. A bailarina cor de rosa tinha já quase desaparecido em meios as linhas pretas quando a professora notou o ocorrido e deu um grito com a criança indagando: “Por que você estragou seu desenho? “ A menina, assustada com a reação da professora, tentou se explicar: “Não estraguei não, eu desenhei a música!” É possível que a bailarina dance sem música? Na visão da menina, não. Não precisamos compreender os desenhos das crianças como compreendemos uma bula de remédio. A interpretação dos desenhos feitos pelos pequenos requer um olhar mais sensível, com foco no universo particular, imaginário de cada aprendiz. Na produção da criança, vemos como ela busca resolver seus problemas, na intenção de representar as coisas, mas essa representação não está na forma, está nas soluções que dá para mostrar sua interpretação sobre o mundo. No entanto, essa busca na representação não segue a ideia de real por aparência do objeto desenhado, mas na investigação de recursos técnicos e de linguagem. É uma representação simbólica. 22 23 Terceiro Movimento – D esenhando e Aprendendo a Escrever [...] Do que é feita a nuvem Do que é feita a neve Como é que se escreve Réveillon Well, Well, Well Gabriel... (Trecho da música: Oito anos, de Adriana Calcanhotto) C om a Linguagem Escrita em pleno desenvolvimento expressivo, a criança per- cebe que há um mundo com signos que pode usar para se comunicar e se relacio- nar culturalmente. No seu desenho, aparece um sentimento de busca de “verossimilhança em sua representação”. É uma fase de transição entre uma concepção de mundo simbólico e a compreen- são de realidades que acontece, geralmente, com a chegada dos seis anos de idade e se estende até os nove para dez anos. Mas é importante lembrar-se de que, nessa fase, há muitas particularidades de desenvolvimento, já que cada criança é um ser singular. Nessa fase, a criança é muito curiosa e tem interesse científico nas coisas do mundo. São momentos de muitas perguntas: como funciona isto ou aquilo? Como nascem as coisas? Há muita curiosidade no pensamento, que quer conhecer melhor o mundo; a mente imaginativa e a pesquisadora estão em plena vivacidade. Na produção da criança, vemos como ela busca resolver seus problemas, na intenção de representar as coisas mais próximas do que são. Mas essa realidade não está na forma, está nos detalhes e na descrição, como, por exemplo, colocar listas em uma figura para mostrar que se trata de uma abelha. A criança expressa seu potencial criador a partir da relação entre observação, memória e imaginação. Já sabemos que apresentar modelos de imagens é uma prática que se torna negativa, mas, por outro lado, a presentar obras de Arte às crianças para que elas conheçam e ampliem o seu olhar é bastante positivo. Assim como trazer imagens do cotidiano, como ilustrações, cenas de desenhos animados, imagens publicitárias e outras da cultura visual pode fazer dessa criança uma leitora de imagens mais crítica. Porém, a apreciação de imagens tem como objetivo nutrir o olhar das crianças e não deve ser usada para releituras que se carac- terizem como cópias. 23 UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico Apresentar os elementos de Linguagem também pode ampliar o conhecimento da criança a respeito da linguagem do desenho, como se constitui e como ela pode realizá-lo com maior segurança e riqueza de detalhes e narrativas. É a alfa- betização visual. Ostrower (1991, p. 65.) diz que, com apenas cinco elementos de Linguagem, po- demos realizar muitas obras visuais: superfície, linha, volume, cor e luz. Quarto Movimento: A Descobertas de Estilos Por volta dos onze anos, a criança começa um momento de muitas mudanças em sua vida. É a fase da adolescência que começa a despontar. Essa fase se desdobra até o fim da adolescência. É uma fase de transição e questões como “Quem sou? Do que gosto? Do que minha turma gosta? Para onde vou? Como posso me expressar? são latentes na garotada, que está preparada para conhecer a Arte e seus códigos e Linguagens. É comum os jovens acharem que desenho é coisa de criança pequena. Outro problema pode ter sido como o desenho foi tratado na Escola. Mas há adolescen- tes que gostam de desenhar e fazer Arte. Linguagens como Teatro e Música, por exemplo, são bem procuradas para expressão dos jovens. A Escola deve aproveitar essas características. Nesse momento, aparecem, nos desenhos, imagens surrealistas, paisagens, dese- nhos de moda em que as meninas criam figurinos novos e fazem desenhos român- ticos, enquanto é mais comum ver nos desenhos de meninos os super-heróis, carros e logotipos. Os desenhos de Mangá (quadrinho de origem oriental) são apreciados tanto por meninas quanto por meninos. As representações de gêneros de sexo feminino ou masculino, podem aparecer, mas hoje, essas questões são tratadas de modo mais aberto, e isso não é uma norma. Este é um momento em que as técnicas e as teorias de Arte podem ser mais trabalhadas. O ensino de Arte deve ser lúdico. Nele, brincar é fundamental para aprender, principalmente, nos três primeiros movimentos. As crianças elaboram traços e desenhos simbólicos, depois criam desenhos mais descritivos e reais e buscam estilos e linguagens expressivas. Em cada movimento, há sempre uma potencialidade a ser desenvolvida pelos educadores com crianças e com adolescentes. Cabe a cada Escola elaborar um Plano de Ação Educativa que valorize o proces- so de criação dos alunos. Para criar, é preciso ter repertório. Assim, a Escola deve ampliar sempre os saberes dos alunos, sem nunca podar seu modo de descobrir e reinventar o mundo. 24 25 O estudo do desenvolvimento da capacidade criadora e expressa nas Artes na formação de pedagogos é fundamental para que mais mudanças sejam realizadas, a fim de formar no futuro pessoas mais criativas. O pedagogo, além de atuar no ensino de Arte em séries iniciais, também pode ocupar cargos de Coordenação e Orientação Pedagógica. Nesse sentido, saber sobre os conceitos e as novas propostas didáticas para o ensino de Arte é fundamental nesse processo de valorização da Arte na Escola. Para finalizar esta unidade, convidamos você a fazer uma reflexão: o texto apresentado nesta unidade cita questões sobre a criatividade e as fases do desenvolvimento artístico, com foco no desenho das crianças. Agora, pense a respeito: • Você acha mesmo que oferecer desenhos prontos e estereotipados pode prejudicar o desenvolvimento das crianças? • Como você acha que o desenho deve ser trabalhado na Escola?; • O que é um bom trabalhode Arte para você? • Em sua opinião, ter criatividade é uma questão de dom, genialidade ou desenvolvi- mento intelectual? • Você se considera uma pessoa criativa? • Como são os seus desenhos? Você acha que a Escola influenciou o modo como você desenha hoje? • O que você aprendeu de novo ao estudar esta unidade? Essas questões nos ajudam a pensar sobre os processos de criação, qual o papel da Escola nesse desenvolvimento e sobre a importância da Arte em nossa Educação. Figura 8 – LAI, M. “Lai Mondo Incandescente” Fonte: wikiart.org 25 UNIDADE Criatividade e Desenvolvimento Artístico Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites PartimpimVEVO Canal de músicas de Adriana Partimpim. https://bit.ly/3cpDR7u Vídeos Provocações – Rubem Alves https://youtu.be/VASben3f4GM A Importância de Desenhar para o Desenvolvimento da Criança | Momento Papo de Mãe https://youtu.be/HElezD6XGYA Leitura O Desenho Infantil e suas Etapas de Evolução https://bit.ly/3eKyl0F O Desenho e o Desenvolvimento das Crianças https://bit.ly/3dvfCpR 26 27 Referências ALVES, M. L. da C.; CASTRO, P. F. de. Criatividade: histórico, definições e avaliação, Revista Educação, Universidade Guarulhos (UnG), São Paulo. v. 10, n. 2, 2015. ALVES, R. Ostra feliz não faz pérola. São Paulo: Planeta do Brasil, 2008. ANDRADE, M. de. Do desenho. In: Aspectos das Artes Plásticas no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1975. ERDIK, E. 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Bruno Pinheiro Ribeiro Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro Mediação Cultural Mediação Cultural • Refletir sobre o papel do professor como mediador cultural no processo de educação artís- tica e estética da criança; • Contemplar uma nova proposta para ensino de arte conhecida como “territórios de arte e cultura”; • Conhecer os caminhos e discussões contemporâneas do ensino de arte para a formação de pedagogos, tendo em vista as ações em sala de aula como a formação de outros educadores. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Conceito de Mediação Cultural; • A Experiência Estética; • Cultura Visual; • Cultura Gestual e Sonora; • Abordagens no Ensino de Arte: Métodos de Leituras de Imagens; • Os Territórios de Arte e Cultura: Origens, Fundamentos e Proposições. UNIDADE Mediação Cultural Conceito de Mediação Cultural Antes de entrarmos no conceito de mediação cultural, é importante ressaltar al- gumas noções sobre as definições de cultura. Primeiro, elas aparecem no plural por- que não há definição exclusiva para a palavra, caracterizando, assim, um conjunto diverso. E, segundo, porque a palavra ganhou, e segue ganhando acepções distintas de acordo com as transformações sócio-históricas. Algumas dessas definições são destacadas pelo teórico Raymond Williams: (Cultura): (i) o substantivo independente e abstrato que descreve um pro- cesso de desenvolvimento intelectual, espiritual e estético, a partir do século XVIII; (ii) o substantivo independente, quer seja usado de modo geral ou específico, indicando um modo particular de vida, quer seja de um povo, um período, um grupo ou da humanidade em geral. [...] (iii) o substantivo independente e abstrato que descreve as obras e as práticas da atividade intelectual e, particularmente, artística. Com frequência esse parece ser hoje o sentido mais difundido: cultura é música, literatura, pintura, escultura, teatro e cinema. (WILLIAMS, 2007, p. 121) Essa variedade de sentidos coloca a cultura como um conceito aberto e em disputa semântica e, consequentemente, simbólica. Isso significa que o apego a algum sentido exclusivo pode não ser exatamente a melhor estratégia no processo pedagógico, perceber a cultura como um conjunto múltiplo e em movimento é mais interessante devido à dimensão e complexidade de sua dinâmica. Partindo desse princípio de que a cultura se orienta por contornos históricos, sociais, passemos para a conceituação de mediação cultural: A mediação representa o imperativo social essencial da dialética entre o singular e o coletivo, e da sua representação em formas simbólicas. A sociedade pode existir apenas se cada um dos seus membros tem consciência de uma relação dialética necessária entre a sua própria existência e a existência da comunidade: é o sentido da mediação que constitui as formas culturais de pertença e de sociabilidade dando-lhes uma linguagem e dando-lhes as formas e os usos pelos quais os atores da sociabilidade apropriam-se dos objetos constitutivos da cultura que funda simbolicamente as estruturas políticas e institucionais do contrato social. [...] É no espaço público que são levadas a efeito as formas da mediação, que se trata do lugar no qual é possível tal dialetização das formas coletivas e as representações singulares. O espaço público é, por definição, o lugar da mediação cultural. (LAMIZET apud COSTA, 2009, p. 2) Essa dimensão pública é fundamental para a medicação cultural, é ela que conse- gue fazer a conexão entre a escola e a sociedade. É por meio dessa dimensão que o projeto pedagógico se coloca como um dos elementos da cultura e não como uma instância separada e apartada da cultura. Portanto, a cultura e pedagogia se inter- penetram a ponto de uma influenciar a outra. A formação do(a) mediador(a) cultural precisa levar isso em consideração, precisa tomar atenção ao fato de que as estrutu- ras simbólicas que circulam nos museus, nos teatros, nos cinemas etc. não são “outra 8 9 cultura”. Esses espaços, apesar de muitas vezes serem restritivos do ponto de vista de classe, raça, gênero etc. são elementos constituintes da sociedade e, portanto, podem fazer parte da apreciação e da elaboração de mundo dos alunos. Ao mesmo tempo, quando se assume que as experiências subjetivas contam para a produção da cultura, que a fazem se movimentar, é interessante estimular, a partir da mediação cultural, os alunos a se colocarem como sujeitos da aprendizagem e da produção cultural. É importante que eles descubram em seus próprios hábitos, em seus espaços particulares, em suas dinâmicas mais íntimas, a conexão com as estru- turas sociais que se apresentam “oficialmente” como culturais. A cultura, aqui, ganha um sentido de trânsito, de movimento, de relação entre o particular e o público, o íntimo e o exposto, o individual e o coletivo, a rua e o museu, a escola e o mundo. Vimosanteriormente que, para que as crianças e jovens possam criar e com- preender a arte, é preciso ter repertório. Dessa forma, é preciso nutrir, alimentar esse repertório com a arte. A Nutrição Estética (MARTINS, 2001, p. 3) alimenta a percepção sobre o mundo para que a criança formule hipóteses e amplie seu reper- tório cultural. Nesse sentido, o momento de Nutrição Estética possibilita o contato com obras de arte, imagens da natureza e do cotidiano, percepção de sons, músicas, conhecimento do seu corpo e do outro, além de mostrar as produções artísticas em diversas linguagens. Diferentes jeitos de ver, ouvir e sentir a arte, modos múltiplos de expressar leituras de mundo que se tornam também um meio para alfabetização visual, corporal e sonora. A mediação cultural propõe que o educador se preocupe em como apresentar as produções artísticas para as crianças e jovens, investiga como a arte afeta as pessoas e estimula o educador a ser um mediador entre a arte e o público (seus alunos). Figura 1 – CARAVAGGIO. “Narciso” Fonte: wikiart.org 9 UNIDADE Mediação Cultural O conhecimento pela apreciação de obras de arte, sejam elas pintura, escultura, músicas ou espetáculos de dança e teatro, pode compor memórias culturais que serão essenciais no momento da criação e também na formação do cidadão. Artistas sempre procuram saber sobre os assuntos que abordam em suas obras, com a criança não é diferente, é importante nutrir seu olhar e mente. Outra mudança bastante significativa nas aulas de arte foi a presença de imagens. Antes dos anos 1980, eram raros, no Brasil, relatos de educadores que trabalhavam com leituras de imagens em sala de aula. Com os estudos desenvolvidos pela profes- sora Ana Mae Barbosa no final dos anos de 1980, que ficou conhecido como abor- dagem triangular do ensino de arte, a imagem ficou cada vez mais presente nas aulas de arte, porque essa proposta metodológica previa três momentos de aprendizagem: a leitura de obras de arte, o fazer artístico e a contextualização (não necessariamente nessa mesma ordem). Como um dos momentos de aprendizagem era a leitura de obras de arte, princi- palmente pinturas e esculturas, os educadores começaram a se interessar em conhe- cer melhor como era o processo de ler imagens com crianças e jovens no espaço da sala de aula. Esse interesse se deu em meio a muitas publicações de teóricos que também apontaram para importância do tema e pela formação de educadores nesse sentido. Ainda há muito a ser investigado, porque essa área é nova e carece de mais publicações, porém, temos alguns caminhos metodológicos já traçados. Alguns dos métodos de leitura de imagem divulgados no Brasil são propostas já desenvolvidas por educadores de outros países, como o caso do norte-americano Robert Willian Ott, que desenvolveu um sistema de apreciação da arte em propostas com várias etapas. Essa proposta chegou ao nosso país na década de 1990, no entanto, muitos professores de arte ainda utilizam esse sistema para fazer mediações entre a arte e o público em museus e na sala de aula. O livro Arte Educação: Leitura de Subsolo traz uma coletânea de textos organizados por Ana Mae Barbosa a partir de um simpósio internacional de arte educação ocorrido na Universidade de São Paulo (USP) na década de 1990. Robert Wilian Ott, em seu texto Ensinando Crítica nos Museus (presente no livro citado acima), escreve sobre a importância do ensino de arte a partir de imagens, principalmente em visitas a museus defendendo que “o poderoso impacto da obra torna a educação no museu uma experiência única” (OTT, 1997, p. 112). O autor segue em seu texto dizendo: Ensinar a crítica nos museus possibilita uma educação artística que auxi- lia os alunos no desenvolvimento, aprendizagem, percepção e compre- ensão da arte como expressão das mais profundas crenças e dos mais caros valores da civilização. A arte, ensinada no contexto das coleções dos museus, reflete os valores estéticos intrínsecos da obra de arte e as preferências cognitivas dos alunos que estão nesse processo de aprendi- zagem, mas arte nos museus também reflete as condições culturais da sociedade. (OTT, 1997, p. 112) 10 11 Compreender a concepção de aprender arte por meio de leituras de obras de arte tem como objetivo refletir sobre as ideias e as aspirações de uma civilização. Nesse sentido, a participação do aluno deve ser ativa e não passiva. O educador deve saber como apresentar as imagens, como planejar uma visita ao museu e como aproveitar essa experiência com seus alunos. Outro aspecto fundamental é que a leitura das obras de arte se faça com as contex- tualizações necessárias, levando em conta o imperativo massivo que as imagens eu- ropeias produziram ao longo do tempo. Nesse sentido, é importante apresentar pers- pectivas de produção artística para além daquelas produzidas no velho continente . Compreender, por exemplo, como se estruturaram as obras de arte nos conti nentes africano, asiático e americano e conectar a nossa produção brasileira e latino-ame- ricana com as origens ameríndias. Esse trabalho reposiciona a importância dos cha- mamos cânones e abre espaço para arejar nossa percepção civilizatória, dando valor aos múltiplos e potentes trabalhos artísticos esquecidos ou negligenciados pelos pro- cessos de dominação. Como falado anteriormente, a cultura está em aberto e em disputa, e sua dimensão de formulação simbólica é um elemento fundamental para as dinâmicas de pertencimento e para uma produção social crítica. Figura 2 – GARCÍA, J. T. “Inverted America” Fonte: wikiart.org 11 UNIDADE Mediação Cultural A Experiência Estética Uma experiência estética é algo significativo, marcante e pode influenciar nossa visão de mundo e escolhas. Quem não se lembra de uma cena de um filme, uma pintura, ou desenhos que vimos na nossa infância que marcaram nossa história. Também uma música, um perfume, uma imagem podem nos fazer viajar a tempos passados. Esse é o poder da experiência estética, o encontro com a beleza ou com a estranheza que nos marca para sempre. Compreender essas questões é importante para nossa formação como seres hu- manos sensíveis e inteligentes. Mas, para vivenciar experiências estéticas, é preciso estar disponível à poesia, estar aberto a sentir. Às vezes, temos a intenção de entrar neste estado mais sensível, em outras situações, estamos distraídos e nos vemos chorando de repente em função de uma cena de um filme, nós nos emocionamos ao lembrar de algo ao ouvir uma música e, talvez, até a nos revoltar ao saber de uma história de injustiças, ou ainda levar um susto ao ver uma cena de horror, seja real ou na ficção de um filme de cinema. Podemos ter experiências estéticas em encontros com a arte tanto dentro de instituições culturais como museus e galerias ou educacionais como escolas, como do lado de fora desses locais. A formação cultural de crianças e jovens não está restrita apenas ao ambiente escolar. Praças, ruas, museus, teatros, cinemas, centros de cultura, espaços midiáticos e espaços virtuais são locais que hospedam e ofere- cem formas simbólicas geradoras da experiência estética, artística e cultural. Nesse contexto, o professor se vê diante do desafio de criar encontros entre os alunos e as produções culturais que possam produzir significados e talvez provoquem experiên- cias estéticas. Figura 3 – BANKSY. “Swinger, New Orleans” Fonte: wikiart.org 12 13 É possível desenvolver processos educativos em que o professor é também um dinamizador cultural. O educador, muitas vezes, é o primeiro mediador entre arte e os alunos. É aquele que apresenta aos alunos o mundo da arte. E, sendo um provocador de encontros, é também um provocador de experiências estéticas. O educador na ação mediadora propõe ligações e diálogos entre os assuntos e contextos das produções artísticas e as demandas e necessidades do processo edu- cativo. Tem a intenção de estabelecer uma mediação cultural sem impor uma deter- minada “verdade”
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