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FARMACOLOGIA APLICADA A NUTRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE EXAMES LABORATORIAIS Letícia Hoerbe Andrighetti Lucimar Filot da Silva Brum Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 A573f Andrighetti, Letícia Hoerbe. Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais / Letícia Hoerbe Andrighetti, Lucimar Filot da Silva Brum. – Porto Alegre : SAGAH, 2017. 347 p. : il. ; 22,5 cm. ISBN 978-85-9502-058-0 1. Farmacologia. 2. Nutrição. 3. Exames laboratoriais – Interpretação. I. Brum, Lucimar Filot da Silva. II. Título. CDU 615:613.2 Fármacos colinérgicos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os subtipos de receptores muscarínicos nos diversos órgãos-alvo. � Caracterizar os efeitos farmacológicos e usos terapêuticos da acetil- colina e fármacos de ação direta (agonistas muscarínicos) e de ação indireta (inibidores de acetilcolinesterase). � Relacionar os efeitos adversos e as contraindicações da acetilcolina e dos fármacos colinérgicos de ação direta (agonistas muscarínicos) e de ação indireta (inibidores de acetilcolinesterase). Introdução A acetilcolina é o neurotransmissor em todas as sinapses ganglionares do sistema simpático e parassimpático e nas sinapses neuroefetoras do sistema parassimpático. Os fármacos que mimetizam o efeito da acetil- colina são denominados de parassimpaticomiméticos (ou colinérgicos) e podem exercer seus mecanismos de ação através da ação direta nos receptores muscarínicos, ou, ainda, por ação indireta, através da inibição da acetilcolinesterase. Neste capítulo, você vai conhecer os subtipos de receptores musca- rínicos, o mecanismo de inibição da acetilcolinesterase, os efeitos far- macológicos e adversos e as contraindicações de fármacos colinérgicos. Fármacos colinérgicos e o sistema nervoso autônomo Os fármacos que mimetizam o efeito da acetilcolina são denominados de parassimpaticomiméticos (ou colinérgicos). Para que você tenha melhor compreensão da farmacologia dos fármacos que atuam no sistema parassim- pático (colinérgicos e anticolinérgicos) e no sistema simpático (adrenérgicos Eryka Eryka e antiadrenérgicos), é preciso, primeiro, que você conheça os aspectos anatô- micos e as funções fisiológicas do sistema nervoso autônomo (SNA), além dos aspectos gerais da transmissão colinérgica. A acetilcolina é o neurotransmissor em todas as sinapses ganglionares dos sistemas simpático e parassimpático e também nas sinapses neuroefetoras do sistema parassim- pático. Nas sinapses neuroefetoras, a acetilcolina atua em receptores muscarínicos. Tais receptores são assim chamados porque são estimulados pela muscarina. A acetilcolina também age em receptores nicotínicos (presentes nas sinapses ganglionares do SNA e na placa motora do sistema somático), e em receptores muscarínicos e nicotínicos no sistema nervoso central. Anatomia do sistema nervoso autônomo O SNA é dividido em duas partes, a divisão simpática – também chamada de toracolombar – e a divisão parassimpática, conhecida também por cranios- sacral. Confira essa divisão na Figura 1. As divisões simpática e parassimpática se originam de núcleos situados dentro do sistema nervoso central (SNC). Elas enviam fibras eferentes pré-ganglionares que saem do tronco encefálico ou da medula espinal e terminam nos gânglios motores. As fibras pré-ganglionares simpáticas saem do SNC através dos nervos espinais torácicos e lombares. As fibras pré-ganglionares parassimpáticas saem do SNC através de vários nervos cranianos e das terceira e quarta raízes espinais sacrais. Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais62 Eryka Neurotransmissores do sistema nervoso autônomo A classificação tradicional dos nervos autônomos tem por base o tipo de transmissor liberado da terminação pré-sináptica, isto é, acetilcolina ou norepinefrina. Diversas fibras do SNA periférico sintetizam e liberam ace- tilcolina, como é mostrado na Figura 1. Estas são as fibras colinérgicas, que abrangem todas as fibras eferentes autônomas pré-ganglionares. As fibras motoras somáticas para os músculos esqueléticos também são consideradas colinérgicas. Grande parte das fibras parassimpáticas pós-ganglionares e certo número de fibras simpáticas pós-ganglionares também são colinérgicas. Diversos neurônios pós-ganglionares parassimpáticos utilizam óxido nítrico ou peptídios para fazer a transmissão, como pode ser visto no Quadro 1. Figura 1. Diagrama esquemático que compara algumas características anatômicas e dos neurotransmissores de nervos motores autônomos e somáticos. São mostradas apenas as principais substâncias transmissoras. Os gânglios parassimpáticos não são ilustrados como estruturas distintas, visto que a maioria localiza-se na parede do órgão inervado ou nas suas proximidades. Observe que algumas fibras pós-ganglionares simpáticas liberam acetilcolina ou dopamina em vez de norepinefrina. A medula suprarrenal, um gânglio simpático modificado, recebe fibras pré-ganglionares simpáticas e libera principalmente epinefrina e um pouco de norepinefrina no sangue. ACh, acetilcolina; D, dopamina; Epi, epinefrina; NE, norepinefrina; N, receptores nicotínicos; M, receptores muscarínicos. Fonte: Panus et al. (2011, p. 38). 63Fármacos colinérgicos Eryka As fibras simpáticas pós-ganglionares liberam norepinefrina e são consi- deradas, então, fibras noradrenérgicas, também chamadas de fibras adre- nérgicas. Algumas fibras simpáticas pós-ganglionares liberam acetilcolina. A dopamina é um transmissor muito importante no SNC e, de acordo com evidências, pode ser liberada por fibras simpáticas periféricas nos sistemas cardíaco, gastrintestinal e renal. As células da medula suprarrenal, embriolo- gicamente análogas aos neurônios simpáticos pós-ganglionares, liberam uma mistura de epinefrina e norepinefrina. A neurotransmissão autonômica apresenta cinco etapas consideradas alvos potenciais para o mecanismo de ação dos fármacos e contribuem para o efeito farmacológico: síntese, armazenamento, liberação, ativação dos receptores e término da ação do transmissor. Fonte: Panus et al. (2011, p. 39). ACh O principal transmissor nos gânglios do SNA, junção neuromuscular somática e todas as terminações nervosas parassimpáticas e limitadas terminações nervosas simpáticas pós-ganglionares NE O principal transmissor na maioria das terminações nervosas simpáticas pós-ganglionares D Um possível transmissor simpático pós- ganglionar nos vasos sanguíneos renais ATP Inibe a liberação de ACh e NE das terminações nervosas do SNA NPY Cotransmissor em muitos neurônios parassimpáticos pós- ganglionares e neurônios vasculares noradrenérgicos simpáticos pós-ganglionares. Provoca vasoconstrição de longa duração NO Provável transmissor para a vasodilatação parassimpática Quadro 1. Algumas substâncias transmissoras encontradas no SNA. Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais64 Transmissão colinérgica A acetilcolina é sintetizada no citoplasma, a partir da acetilcoenzima A (Acetil- -CoA) e da colina, conforme aponta a Figura 2. A Acetil-CoA é sintetizada nas mitocôndrias, e a colina é transportada para dentro da célula. Após ser sintetizada, a acetilcolina sofre transporte do citoplasma para a parte interior das vesículas. A liberação do transmissor se dá havendo presença de cálcio extracelular e ocorre quando um potencial de ação atinge a terminação, iniciando um influxo suficiente de íons cálcio. A maior concentração intracelular de Ca2+ possibilita a fusão das membranas vesiculares com a membrana pré-sináptica terminal. A fusão das membranas é o evento que oportuniza a liberação do conteúdo da vesícula na fenda sináptica. Após a terminação pré-sináptica ser liberada, é possível que as moléculas de acetilcolina liguem-se ao receptor de acetilcolina e ativem-no. Toda a acetilcolinaliberada é distribuída pela fenda sináptica e hidrolisada pela acetilcolinesterase, que cliva a acetilcolina em colina e acetato, resultando na interrupção da ação. 65Fármacos colinérgicos A transmissão colinérgica ocorre em função da ação da acetilcolina aos receptores muscarínicos ou nicotínicos. Nas sinapses neuroefetoras, o local de atuação da acetilcolina é em receptores muscarínicos. O Quadro 2 apresenta os Figura 2. Ilustração esquemática de uma junção colinérgica generalizada com receptores colinérgicos na membrana pós-sináptica (não representada na escala). A colina é transportada na terminação nervosa pré-sináptica por um transportador de colina dependente de sódio. A acetilcolina (ACh) é sintetizada a partir da acetilcoenzima A (Acetil-CoA) e da colina pela colina acetiltransferase (ChAT) no citoplasma, sendo, em seguida, transportada na vesícula de armazenamento por um segundo transportador. Ocorre liberação do transmissor quando os canais de cálcio sensíveis à voltagem se abrem na membrana da terminação nervosa, possibilitando um influxo de cálcio. O consequente aumento do cálcio intracelular provoca a fusão das proteínas de membrana associadas à vesícula (VAMP) com proteínas associadas ao sinaptossomo (SNAP) sobre a superfície da membrana interna, bem como a expulsão da ACh e dos cotransmissores na fenda sináptica. Autorreceptores e heterorreceptores ilustrados nas terminações pré-sinápticas regulam a liberação adicional de ACh quando estimulados. A ação da acetilcolina é interrompida por seu metabolismo pela enzima acetilcolinesterase. Fonte: Panus et al. (2011, p. 40). Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais66 diferentes subtipos e a localização dos receptores colinérgicos, assim como os resultados fisiológicos da interação da acetilcolina aos respectivos receptores. Fonte: Panus et al. (2011, p. 42). Nome do receptor Localização(ões) típica(s) Resultados da estimulação do receptor Colinérgico M1 Neurônicos do SNC, neurônios pós-ganglionares simpáticos e alguns locais pré-sinápticos Formação de segundos mensageiros e aumento do cálcio intracelular M2 Miocárdio, músculo liso e alguns locais pré-sinápticos Abertura dos canais de potássio e inibição da adenililciclase M3 Glândulas exócrinas e vasos (músculo liso e endotélio) Formação de segundos mensageiros e aumento do cálcio intracelular NN Neurônicos pós-ganglionares e algumas terminações colinérgicas pré-sinápticas Abertura dos canais de Na+/K+ e despolarização NM Placa terminal neuromuscular do músculo esquelético Abertura dos canais de Na+/K+ e despolarização Adrenérgicos α1 Células efetoras pós- sinápticas: particularmente do músculo liso Formação de segundos mensageiros e aumento do cálcio intracelular α2 Terminações nervosas adrenérgicas pré-sinápticas, plaquetas, adipócritos, músculo liso, bem como neurônios pós-sinápticos no tronco encefálico e na medula espinhal Inibição da adenililciclase Quadro 2. Tipos de receptores colinérgicos, localização e ações fisiológicas. 67Fármacos colinérgicos Fármacos que atuam no sistema colinérgico É possível aos fármacos colinérgicos ou parassimpaticomiméticos a execução de seus mecanismos de ação através da ação direta nos receptores muscarínicos e nicotínicos. É realizada, também, a ação indireta, através da inibição da acetilcolinesterase. Assim, inibe-se a inativação enzimática da acetilcolina e promove-se o aumento do tempo de permanência da acetilcolina endógena na sinapse neuroefetora. Confira no Quadro 3 os subtipos de receptores colinérgicos. Não há, ainda, agonistas seletivos para os subtipos de receptores muscarínicos. Os agonistas nicotínicos de ação direta têm sua classificação com base no predomínio da estimulação ganglionar ou neuromuscular, mas a seletividade do agonista é muito limitada. Muitos mecanismos moleculares para a sinalização dos receptores no caso dos receptores muscarínicos foram identificados (Quadro 3). Esses receptores, de modo geral, modulam a formação de segundos mensageiros ou a atividade de canais iônicos. Em contrapartida, todos os receptores nicotínicos produ- zem a abertura de um canal seletivo para o sódio e o potássio, o que gera despolarização celular. Esse mecanismo de sinalização ocorre nos gânglios autônomos e na junção neuromuscular. Os agonistas dos receptores colinérgicos de ação direta são classificados conforme o tipo de receptor, ou seja, muscarínico ou nicotínico. Os efeitos fisiológicos dos agonistas de ação direta são efeito de sua interação com os receptores muscarínicos ou nicotínicos. Os agonistas de ação indireta são menos específicos na estimulação dos receptores muscarínicos, quando compa- rados com os nicotínicos. Os agonistas de ação indireta têm essa classificação por conta da capacidade de inibir a hidrólise e a inativação da acetilcolina endógena. Isso aumenta a concentração de acetilcolina na sinapse e sua ligação aos receptores. Veja o Quadro 4 para saber mais sobre o espectro de ação dos agentes colinomiméticos de ação direta e indireta, além de conferir, nesse mesmo quadro, as características de sua farmacocinética. Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais68 Fonte: Panus et al. (2011, p. 51). Tipo de receptor Localização Mecanismo pós-receptor1 Muscarínicos (M) M1 Nervos IP3, cascata de DAG M2 Coração, nervos, músculo liso Inibição da produção de cAMP, ativação dos canais de K+ M3 Glândulas, músculo liso, endotélio IP3, cascata de DAG M4 2 SNC3 Inibição da produção de cAMP M5 2 SNC3 IP3, cascata de DAG Nicotínicos (N) NM Junção neuromuscular do músculo esquelético Canal iônico despolarizante de Na+, K+ NN Corpo celular pós- ganglionar, dendritos Canal iônico despolarizante de Na+, K+ 1 Os mecanismos de sinalização do receptor consistem na formação dos segundos mensageiros, diacilglicerol (DAG) e inositol- 1,4,5-trifosfato (IP3), inibição da formação do segundo mensageiro, o monofosfato de adenosina cíclico (cAMP), e ativação dos canais iônicos para o influxo de sódio (Na+) ou o efluxo de potássio (K+). 2 Não foram identificados receptores funcionais. 3 Ainda existem dúvidas sobre a sua presença no sistema nervoso central (SNC). Quadro 3. Subtipos e características dos receptores colinérgicos. 69Fármacos colinérgicos Fonte: Panus et al. (2011, p. 52). Fármaco Espectro de ação Características farmacocinéticas De ação direta Acetilcolina B Rapidamente hidrolisada pela ChE; duração de ação de 5 a 30 s; baixa lipossolubilidade Betanecol M Resistente à ChE, ativo por via oral, baixa lipossolubilidade; duração da ação de 30 min a 2 h Carbacol B Semelhantes às do betanecol Pilocarpina M Não se trata de um éster, boa lipossolubilidade, duração da ação de 30 min a 2 h Nicotina N Semelhantes às da pilocarpina; duração da ação de 1 a 6 h; alta lipossolubilidade De ação indireta Edrofônio B Álcool, amina quaternária, baixa lipossolubilidade, não é ativo por via oral; duração da ação de 5 a 15 min Neostigmina B Carbamato, amina quaternária, baixa lipossolubilidade, ativa por via oral; duração da ação de 30 min a 2 h Fisostigmina B Carbamato, amina terciária, lipossolúvel; duração da ação de 30 min a 2 h Piridostigmina, ambenônio B Carbamatos semelhantes à neostigmina, porém com duração da ação mais longa (4 a 8 h) Ecotiofato B Organofosforado, lipossolubilidade moderada; duração da ação de 2 a 7 dias Paration B Inseticida organofosforado; alta lipossolubilidade; duração da ação de 7 a 30 dias M, muscarínicos; N, nicotínico; B, tanto muscarínicos quanto nicotínico; ChE, colinesterase. Quadro 4. Agentes colinomiméticos: espectro de ação e farmacocinética. Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais70 Agonistas colinérgicos de ação direta Com base na estrutura química, os agonistas de ação direta são divididos em dois grupos.O primeiro consiste em ésteres de colina, representados por acetilcolina, carbacol e betanecol. O segundo é constituído por alcaloides de ocorrência natural, como nicotina, muscarina e pilocarpina. Efeitos fisiológicos Os agonistas muscarínicos de ação direta tendem a ser parassimpaticomi- méticos, visto que imitam a estimulação do sistema parassimpático (Quadro 5). A exceção ocorre quando esses agentes também estimulam os receptores muscarínicos localizados nas glândulas sudoríparas écrinas, as quais são responsáveis pela termorregulação e estão sob controle nervoso simpático, e não parassimpático. A resposta fisiológica para a estimulação dos receptores nicotínicos ocorre conforme a ativação dos receptores neuromusculares ou ganglionares. Os efeitos da estimulação dos receptores ganglionares nos níveis tecidual e orgânico nos gânglios dependem do sistema orgânico envolvido. Os vasos sanguíneos são dominados pela inervação simpática; a consequência disso é a ativação dos receptores nicotínicos nos neurônios pós-ganglionares, que resulta em vasoconstrição. O sistema gastrintestinal é dominado pelo controle parassimpático. Neste sistema, a estimulação dos neurônios pós-ganglionares leva a um aumento na motilidade e secreção. A estimulação dos receptores ganglionares na junção neuromuscular, quando são ativados por agonistas nicotínicos de ação direta, resulta em fasciculações e espasmos musculares. Uso clínico Confira o Quadro 6, que traz um resumo das aplicações clínicas dos agonistas muscarínicos e nicotínicos de ação direta. Efeitos adversos A estimulação dos receptores muscarínicos ou nicotínicos causa efeitos ad- versos variáveis, conforme for o sistema de órgãos. O efeito dos agonistas muscarínicos sobre o SNC pode envolver estimulação generalizada, o que causa alucinações ou convulsões. No olho, podem ocorrer miose e espasmo da acomodação ocular. Doses mais altas geram o risco de respostas periféricas 71Fármacos colinérgicos Eryka generalizadas à estimulação parassimpaticomimética excessiva, resultando em broncoconstrição e produção excessiva de muco, desconforto gastrintestinal, hiperatividade do músculo detrusor da bexiga (com aumento da frequência de micção) e hipotensão. Bradicardia também pode estar presente, mas a hipotensão costuma produzir taquicardia reflexa. Os agonistas nicotínicos atuantes no SNC oferecem o perigo das convulsões, do coma e da depressão respiratória. Nos tecidos periféricos, a estimulação dos receptores ganglionares autônomos resulta em hipertensão e arritmias cardíacas. Para saber mais sobre agonistas muscarínicos, assista aos seguintes vídeos: � Agonistas muscarínicos – Introdução: https://goo.gl/Qoq08o � Agonistas muscarínicos – ação terapêutica: https://goo.gl/QeUNW7 � Além de assistir aos vídeos, faça a leitura deste interessante artigo: https://goo. gl/IzFMMS Agonistas colinérgicos de ação indireta Esses agonistas são divididos em três classes, firmadas a partir da sua estrutura química e da duração dos efeitos. As etapas são: � alcoóis – o edrofônio, por exemplo; � carbamatos – a neostigmina, por exemplo; � organofosforados – por exemplo, o ecotiofato. Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais72 https://goo.gl/Qoq08o https://goo.gl/QeUNW7 Carbamatos e organofosforados fazem ligação com a acetilcolinesterase e sofrem hidrólise. O metabólito é liberado lentamente após tal situação, impedindo a ligação e a inativação da acetilcolina. Os carbamatos são liberados dentro de algumas horas; já os organofosforados levam dias e até semanas para ser liberados pela acetilcolinesterase. Efeitos fisiológicos Inibindo a acetilcolinesterase, os agonistas colinérgicos de ação indireta amplificam as ações da acetilcolina endógena nas sinapses muscarínicas e nicotínicas. Podem, portanto, aumentar as funções simpáticas ou parassim- páticas nos tecidos periféricos. Uso clínico O uso clínico dos agonistas de ação indireta e dos agonistas muscarínicos e nicotínicos de ação direta tem poucas diferenças. A aplicação peculiar dos agonistas de ação indireta ocorre no tratamento da miastenia gravis e da demência, conforme você conferir no Quadro 5. 73Fármacos colinérgicos Eryka Órgão Resposta Sistema nervoso central Efeitos estimuladores complexos: reação de alerta leve (nicotínico), tremor, vômitos, excitação dos centros respiratórios, convulsões Sistema nervoso autônomo Efeitos estimuladores complexos: a estimulação dos gânglios autônomos resulta em resposta parassimpática ou simpática, dependendo de cada sistema de órgãos (nicotínicos), estimulação do órgão-alvo, ver adiante (muscarínico) Olho Músculo esfíncter da íris Contração (miose) Músculo ciliar Contração para visão de perto (acomodação, cicloespasmo) Coração Nó sinoatrial Diminuição da frequência (cronotropismo negativo) Átrios Diminuição da força de contração (inotropismo negativo); diminuição do período refratário Nó atrioventricular Diminuição da velocidade de condução (dromotropismo negativo); diminuição do período refratário Ventrículos Pequena diminuição na força de contração Vasos sanguíneos Dilatação (através do EDRF2) Brônquios Contração (broncoconstrição) Trato gastrintestinal Motilidade Aumento Esfíncteres Relaxamento (através do sistema nervoso entérico) Secreção Estimulação Quadro 5. Efeitos da estimulação dos receptores colinérgicos. (Continua) Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais74 Eryka Fonte: Panus et al. (2011, p. 53). Órgão Resposta Bexiga Detrusor Contração Trígono e esfíncter Relaxamento Glândulas Aumento da secreção: glândulas sudoríparas termorreguladoras, lacrimais, salivares, brônquicas, gástricas, intestinais Musculoesquelético Ativação da placa terminal neuromuscular, contração do músculo 1 Apenas os efeitos diretos estão indicados; as respostas homeostáticas a essas ações diretas podem ser importantes. 2 EDRF é a abreviatura para o fator de relaxamento derivado do endotélio. As evidências sugerem que o EDRF é o óxido nítrico (NO). (Continuação) Quadro 5. Efeitos da estimulação dos receptores colinérgicos. 75Fármacos colinérgicos Aplicações clínicas Fármaco Ação Agonistas de ação direta Íleo pós-operatório e neurogênico, e retenção urinária Betanecol Ativa o músculo liso intestinal e vesical Glaucoma Carbacol Ativa o esfíncter pupilar e os músculos ciliares do olho Glaucoma, síndrome de Sjögren Pilocarpina Ativa o esfíncter pupilar e o músculo ciliar do olho; estimula a salivação Abandono do tabagismo (sistema transdérmico, goma de mascar) Nicotina Substitui as ações de início rápido (cigarro) por ação mais lenta Agonistas de ação indireta Íleo pós-operatório e neurogênico, e retenção urinária Neostigmina Amplifica a ACh endógena Miastenia gravis, reversão do bloqueio neuromuscular Neostigmina, piridostigmina, edrofônio Amplifica a ACh endógena Glaucoma Fisostigmina, ecotiofato Amplifica os efeitos da ACh Doença de Alzheimer Tacrina, donepezila, galantamina, rivastigmina Amplifica os efeitos da ACh no SNC ACg, acetilcolina; SNC, sistema nervoso central. Quadro 6. Aplicações clínicas de alguns colinomiméticos. Fonte: Panus et al. (2011, p. 54). Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais76 Efeitos adversos Os riscos clínicos dos agonistas de ação indireta e dos agonistas de ação direta são muito parecidos. As manifestações do SNC são comuns após superdosagem de organofosforados. Tais reações se manifestam na forma de convulsões e, em seguida, depressão respiratória e cardiovascular. Assim como com os agonistas nicotínicos, a estimulação prolongada dos receptores neuromusculares na junção neuromuscular causa paralisia muscular e configura, portanto, um dos perigos de pesticidas que contêm agonistas de ação indireta em sua composição. Intoxicação por agentes anticolinesterásicos É muito importantevocê ter conhecimentos a respeito dos aspectos toxicoló- gicos dos agentes anticolinesterásicos, sobretudo os organofosforados. Os casos de intoxicação acidental com esse elemento são diversos e ocorrem a partir de inseticidas aplicados na agricultura. Tais agentes são utilizados com propósitos criminais e suicidas. A exposição aos organofosforados ocorre pelas vias dérmica e via pulmonar, com maior frequência. A ingestão oral é a mais frequente em casos de suicídio. A lipossolubilidade dos compostos organofosforados permite que eles sejam absorvidos pelo organismo pelas vias cutânea, respiratória e digestiva. As vias respiratória e a cutânea são as formas de acesso em casos acidentais, ainda mais quando o indivíduo afetado não segue as normas de segurança para proteção individual. A via digestiva é a mais empregada em tentativas de suicídio, quando o sujeito consome água ou alimentos contaminados. Os organofosforados se distribuem por todos os tecidos, inclusive pelo SNC, pois são capazes de atravessar a barreira hematencefálica. É possível identificar concentrações significativas desses agentes nos rins e no fígado. Os organofosforados promovem a inibição da acetilcolinesterase, provocando acúmulo de acetilcolina e hiperestimulação dos receptores colinérgicos nas sinapses do SNA, do SNC e das junções neuromusculares. 77Fármacos colinérgicos Eryka A intoxicação aguda causada por agentes anticolinesterásicos se manifesta por sinais e sintomas que provêm da ativação de receptores muscarínicos e nicotínicos, em especial no SNC. Quando o indivíduo é exposto a vapores ou aerossóis, ou se realiza inalação do agente, há os seguintes problemas iniciais: � efeitos oculares, manifestados por miose, dor ocular e diminuição da visão; � efeitos respiratórios, manifestados por rinorreia e hiperemia das vias respiratórias superiores, respiração sibilante, broncospasmos e aumento das secreções traqueobrônquicas. Após a ingestão oral, anorexia, náuseas, vômitos, cólicas abdominais e diarreia são as primeiras manifestações de sintomas gastrintestinais. A absorção percutânea causa sudorese e fasciculações musculares próximas ao local de exposição. A intoxicação grave por organofosforados causa salivação extrema, defecação e micção involuntárias, sudorese, lacrimejamento, ereção peniana, bradicardia e hipotensão. Quando a pessoa é exposta a uma dose considerada elevada de organofosforado, o tempo desde a exposição e a morte varia de 5 minutos a 24 horas, conforme a dose, a via de exposição e o agente. A morte é causada pela insuficiência respiratória e por arritmias cardíacas. O diagnóstico de intoxicação aguda e grave por anticolinesterásicos pode ser estabelecido pela história de exposição e pelos sinais e sintomas, pois são muito característicos. Casos em que há suspeita de intoxicação aguda ou crônica mais leve podem ser avaliados a partir da atividade da acetilcolinesterase nos eritrócitos e no plasma. O tratamento deve ser realizado com atropina (fármaco anticolinérgico, antagonista competitivo dos receptores colinérgicos), e sua dose precisa ser suficiente para antagonizar os efeitos da acetilcolina nos receptores musca- rínicos, incluindo o aumento da secreção traqueobrônquica e salivar, a bron- coconstrição, a bradicardia e as ações centrais e ganglionares periféricas. A atropina atinge o SNC apenas com doses mais elevadas, mas essa substância Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais78 Eryka não apresenta efeito quando há comprometimento neuromuscular periférico, o qual pode ser revertido com pralidoxima. Esta é um reativador da colinesterase e é administrada por infusão intravenosa. Caso os sintomas apresentados pelo indivíduo não diminuam em 20 a 60 minutos após a administração, deve-se repetir a dose. Além da administração de medicamentos, é fundamental a adoção de medidas que cessem a exposição ao agente, tais como: � interrupção da exposição, realizando-se a remoção do indivíduo do local de exposição, ou uso de uma máscara de gás, caso o ambiente esteja contaminado; as roupas contaminadas devem ser descartadas e a pele deve ser lavada – em casos de ingestão, realizar lavagem gástrica; � manutenção das vias respiratórias desobstruídas; � respiração artificial, caso seja necessário; � alívio das convulsões com a administração de diazepam por via intravenosa. 79Fármacos colinérgicos 1. Uma paciente de 62 anos tem glaucoma de ângulo aberto e aplica pilocarpina em excesso nos olhos. Isso pode resultar em qual(is) reação(ões)? a) Dilatação do músculo liso brônquico. b) Redução da motilidade gastrintestinal. c) Dilatação dos vasos sanguíneos e queda da pressão arterial. d) Midríase. e) Constrição dos vasos sanguíneos e aumento da pressão arterial. 2. José, cirurgião de 29 anos, procurou auxílio médico por estar apresentando, nos últimos meses, fraqueza e fadiga dos músculos esqueléticos. Sob avaliação de suspeita de miastenia gravis, qual fármaco deve melhorar a função neuromuscular depois de administrado e servir como meio de diagnóstico da doença? a) Donezepila. b) Edrofônio. c) Atropina. d) Ecotiofato. e) Neostigmina. 3. Após uma explosão em uma indústria de agrotóxicos, os funcionários começaram a manifestar sintomas como paralisia muscular, secreção brônquica abundante, miose, bradicardia e convulsões, isto é, sinais relacionados à exposição a organofosforados. Qual é o tratamento farmacológico adequado para o caso? a) Administrar pilocarpina. b) Administrar neostigmina. c) Administrar atropina e pralidoxima. d) Administrar betanecol. e) Administrar piridostigmina. 4. Os anticolinesterásicos têm aplicação terapêutica nos quadros clínicos citados, exceto: a) Miastenia. b) Glaucoma. c) Hipotensão. d) Íleo paralítico. e) Atonia da bexiga. 5. Os inibidores da acetilcolinesterase induzem a ação colinérgica de forma indireta, promovendo o aumento do tempo de permanência da acetilcolina na fenda sináptica e a resposta em todos os receptores colinérgicos muscarínicos e nicotínicos do SNA, assim como na junção neuromuscular e no SNC. Tais mecanismos podem gerar efeitos terapêuticos, mas também efeitos adversos. Quais são os principais efeitos adversos dos fármacos anticolinesterásicos? a) Bradicardia, midríase, xerostomia. b) Bradicardia, miose, salivação. c) Hipertensão, miose, salivação. d) Broncospasmo, salivação, taquicardia. e) Broncodilatação, salivação, hipotensão. Farmacologia aplicada a nutrição e interpretação de exames laboratoriais80 BRUNTON, L. L.; CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. As bases farmacológicas da tera- pêutica de Goodman & Gilman. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. CLARK, M. A. et al. Farmacologia ilustrada. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. KATZUNG, B. G.; MASTERS, S. B.; TREVOR, A. J. Farmacologia básica e clínica. 12. ed. Porto Alegre: AMGH, 2014. PANUS, P. C. et al. Farmacologia para fisioterapeutas. Porto Alegre: AMGH, 2011. TOY, E. C. et al. Casos clínicos em farmacologia. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. (Lange). Leituras recomendadas SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. Manual das doenças transmitidas por alimentos: toxinas dos cogumelos. [200-?]. Disponível em: <ftp://ftp.cve.saude.sp.gov. br/doc_tec/ hidrica/cogumelos.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2017. VENTURA, A. L. M. et al. Sistema colinérgico: revisitando receptores, regulação e a relação com a doença de Alzheimer, esquizofrenia, epilepsia e tabagismo. Revista de Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 37, n. 2, p. 66-72, 2010. Disponível em: <http://www. hcnet.usp.br/ipq/ revista/vol37/n2/ pdf/74.pdf>. Acesso em: 05 fev. 2017. 81Fármacos colinérgicos ftp://ftp.cve.saude.sp.gov/ http://hcnet.usp.br/ipq/ Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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