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INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO AULA 1 Profª Valéria Silva da Fonseca 2 CONVERSA INICIAL Se você pensa que teoria é algo difícil, chato e sem qualquer utilidade prática, chegou o momento de rever as suas convicções. Teoria nada mais é do que o conjunto de conhecimentos ordenados sobre fatos, que nos ajuda a explicar e a compreender a maneira como o mundo funciona. A interligação constante entre teoria e fato constitui a ciência. A ciência está presente em todos os aspectos da nossa vida: na roupa, na alimentação, nos remédios, nos carros, nos negócios. Porém, há 60 anos, não existia celular e Internet. Eles só puderam ser criados porque antes havia computadores. Em outras palavras, quando surgem novos fatos, teorias são elaboradas ou reformuladas para gerar conhecimento sobre eles, e, assim, a ciência evolui. Todo esse conhecimento é acumulado para encontrar soluções para os problemas do nosso dia a dia. No cenário atual de incerteza, complexidade e insegurança, um dos problemas mais relevantes é administrar organizações. A teoria da administração abrange o conjunto de conhecimentos constantemente criados e recriados acerca das organizações e das maneiras de administrá-las. O objetivo desta aula é apresentar a evolução histórica da administração. Veremos como as teorias administrativas surgiram e formaram, no seu conjunto, os fundamentos das regras, atividades, sistemas, processos e relações que compõem as organizações. Nesta aula, percorreremos a história da administração desde a Antiguidade até o início do século XX, quando o engenheiro Frederick Taylor estabeleceu os princípios da administração científica, em seguida aplicados pelo empresário Henry Ford para o aprimoramento da linha de montagem e da produção em massa. CONTEXTUALIZANDO O conhecimento científico e as soluções encontradas para resolver as nossas dificuldades cotidianas são produzidos em organizações. Afinal, vivemos cercados por elas. Você já parou para pensar em todas as atividades que realiza em organizações ou que se relacionam com elas? Faça uma pausa na leitura e reflita. Acho que você precisará de mais do que cinco minutos para listar todas elas. 3 As organizações são constituídas e mantidas pela implementação adequada dos princípios da Administração. Para isso, é preciso dominar os métodos, as técnicas e as ferramentas administrativas, o que se inicia, naturalmente, pelo estudo profundo das suas origens e do seu desenvolvimento histórico. TEMA 1 – DEFINIÇÃO DE ADMINISTRAÇÃO O estudo e a prática da administração contemporânea decorrem das transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas ao longo da história. Como veremos, eventos marcantes e descobertas de pesquisadores de outras épocas e áreas do saber, tais como filósofos, engenheiros, sociólogos, psicólogos, além de empresários, contribuíram para a constituição da atividade administrativa como a concebemos hoje. Segundo Mlodinow (2015, p. 13). A história do que sabemos e de como sabemos [é] extremamente empolgante. É repleta de histórias e descobertas que não ficam nada a dever a um episódio de Jornada nas estrelas ou à primeira viagem à Lua, povoada por personagens apaixonados e peculiares como os que conhecemos na arte, na música e na literatura, por pesquisadores cuja curiosidade insaciável conduziu nossa espécie, desde suas origens na savana africana até a sociedade em que vivemos. 1.1 Origem da palavra administração A palavra administração e seus derivados, tais como administrar, administrador, administrativo, são mencionados frequentemente no nosso cotidiano, seja no trabalho, na conversa com amigos e familiares, na compra e na venda de produtos ou no noticiário. Mas você sabe o que é administração? As palavras também passam por ciclos de evolução, algumas datando de milhares de anos, provenientes de outros idiomas ou de línguas que não se usam mais. A origem da palavra administração é curiosa. Vem do latim minus, que quer dizer ‘menos’. Com o tempo, esse significado mudou para minister, empregado para se referir ao servo ou criado. Com a adição do prefixo ad, que significa “junto de”, surgiu administer, denotando a ação de prestar ajuda ou serviço a alguém ou a uma instituição, sob o mando de outrem. Mais tarde, a grafia desse termo foi alterada para administratìo, amenistraçom, aministraçon, e, a partir do século XV, para administração (Dicionário Etimológico, 2018). 4 1.2 Conceitos e diferença entre administração e organização Existem inúmeras definições de administração, bastante divulgadas em livros, revistas e trabalhos acadêmicos. Grande parte dessa produção apresenta um sentido do termo que nos remete a imagens de pessoas com saberes e habilidades diferentes, reunidas para atingir determinada finalidade. Tal imagem expressa, ainda, o conceito de organização. Conforme Clegg, Kornberger e Pitsis (2011, p. 41), “organizações são estruturas sistematicamente constituídas que relacionam pessoas, objetos, conhecimentos e tecnologias, em um projeto concebido para alcançar fins específicos”. Saiba mais Segundo Silva (2008, p. 6), a “Administração é um conjunto de atividades dirigidas à utilização eficiente e eficaz de recursos, no sentido de alcançar um ou mais objetivos ou metas organizacionais”. Afinal, qual é a diferença entre administração e organização? Administrar é uma ação. É a prática de planejar, determinar, dirigir e controlar atividades exercidas por indivíduos com cargos posicionados nos diversos níveis hierárquicos da organização, além de recursos físicos ou materiais, financeiros, humanos e informacionais, com o propósito de atingir objetivos previamente estabelecidos (Clegg; Kornberger; Pitsis, 2011; Maximiano, 2017). Organização é um objeto, ou uma entidade, na qual a prática de administrar é aplicada. Ela pode ser de vários tipos: organização escolar, organização empresarial, organização de saúde, organização religiosa, organização governamental, organização não governamental, organização desportiva etc. Assim, a organização viabiliza e mantém o funcionamento da sociedade. E tais propósitos só podem ser atingidos por meio da administração (Clegg; Kornberger; Pitsis, 2011; Maximiano, 2017). Veremos como se deu a formulação dos princípios administrativos e dos componentes das organizações ao longo do tempo. TEMA 2 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ADMINISTRAÇÃO Antes de seguirmos adiante na história da administração, é importante conhecermos acontecimentos extraordinários que contribuíram para o seu 5 surgimento. O homem administra desde os primórdios da humanidade. No início, ele planejava e dirigia os afazeres do bando, da família, do clã, da tribo, da aldeia. Liderava a busca e a distribuição de alimentos, dividia o trabalho, especializava- se no manuseio do barro para a fabricação de utensílios cerâmicos. Quando passou a conviver em sociedade, ele se deparou com a necessidade de governar vilas, cidades, estados e até mesmo nações. Para isso, juntou pessoas, materiais, equipamentos e instalações em organizações. 2.1 A administração na Antiguidade Silva (2008) mostra que a administração faz parte de empreendimentos criados em todos os períodos de desenvolvimento de todos os povos, embora com ferramentas, métodos e objetivos diferentes. Documentos de cerca de 5.000 anos da civilização suméria, na Mesopotâmia, já registravam controles administrativos. Os seus sacerdotes, por exemplo, precisavam prestar contas ao sumo sacerdote da arrecadação e da gestão do sistema tributário, por meio do qual arrecadavam somas enormes de bens e de valores, tais como propriedades rurais, rebanhos e rendas. Ora, eles não podiam simplesmente confiar na memória para confirmar o pagamento de tributos e de dívidas. No ano aproximado de 2.600 a.C., os egípcios já projetavam, planejavame controlavam os materiais, a mão de obra e a divisão das tarefas na construção das pirâmides. A Grande Pirâmide de Gizé, conhecida como Pirâmide de Quéops, levou 20 anos para ser construída com o trabalho de mais de 100.000 homens, o que exigia resolver problemas de transporte dos blocos de pedras e de alojamento. Mais tarde, Nabucodonosor, rei da Babilônia, controlava a produção fabril por meio do pagamento de incentivos salariais. E na China, em meados de 500 a.C., Sun-Tzu escreveu a famosa obra A Arte da Guerra, um importante tratado de comando e estratégia militar lido até os dias atuais (Chiavenato, 2014; Silva, 2008). No começo da Era Cristã, o Exército e a Igreja Católica Romana, tida como a organização formal mais antiga e eficiente do Ocidente, se destacam como exemplos de desenvolvimento de princípios administrativos com base na hierarquia de autoridade, na centralização das decisões, na especialização, no planejamento, no controle, na coordenação funcional, entre outros. A eficácia de suas técnicas organizacionais se disseminou pelo mundo, influenciando fortemente as regras de comportamento (Silva, 2008). 6 2.2 A administração na Modernidade A modernização da sociedade é uma referência histórica importante para a administração. No período compreendido entre o século IV e o final do século XV, quando terminou a Idade Média, a Europa Ocidental era dominada pelo feudalismo. Esse sistema era uma forma de organização econômica, política e social, na qual proprietários de terras poderosos, os senhores feudais, as cediam a outros nobres para exploração das suas riquezas, os vassalos, em troca de obrigações e serviços, realizados por camponeses, os servos. O feudalismo se caracteriza pela relação servil de produção, pela economia de agricultura de subsistência e pela troca de mercadorias e serviços sem utilização de moeda (Arruda, 1982). Figura 1 – Universidade de Paris-Sorbonne na Idade Média Fonte: Morphart Creation/ Shutterstock Saiba mais Foi na Idade Média que surgiram as universidades modernas, quando as atividades de ensino e estudo se tornaram remuneradas. As consideradas mais antigas são a Universidade de Bolonha, na Itália, e a Universidade de Paris- Sorbonne, na França, nas quais era oferecido o curso de Direito. Fonte: Frugoni, 2007. 7 No século XIV, a Europa Ocidental passou por uma fase agitada, marcada por dificuldades econômicas, guerras, enfraquecimento da Igreja e disseminação da Peste Negra, uma doença transmitida por ratos, que matou metade da população. Uma grande onda de frio também ajudou a reduzir o cultivo de alimentos, causando fome generalizada. Esse cenário levou os camponeses a se revoltarem contra o poder dos senhores feudais. Lentamente, eles conseguiram se emancipar e arrendar as suas terras, deslocando-se para as cidades (Arruda, 1982; Maximiano, 2017). Os camponeses passaram a viver à custa do trabalho manual, abrindo espaço para o fortalecimento de outras categorias profissionais, como os artesões, tecelões, ferreiros, carpinteiros, sapateiros e fabricantes de armas. Muitos precisaram aprender uma nova profissão e, nesse processo, o mestre de ofício, que era habilitado e possuía uma loja, abrigava o aprendiz na sua casa e com ele estabelecia uma relação de cooperação. Depois de concluir o aprendizado, o aprendiz podia ser contratado como ajudante da loja. Com esse sistema, logo surgiram as organizações manufatureiras (Silva, 2008; Maximiano, 2017). Tantas mudanças desencadearam o início do Renascimento, movimento de reforma artística, literária e científica originado no século XIV, na Itália, que se estendeu pelo resto da Europa até o século XVI. Foi o período de transição do feudalismo para o capitalismo, de crença na razão e na ciência como únicos caminhos para o conhecimento, de representação do homem como a criação suprema de Deus e centro do universo (Silva, 2008). Saiba mais Para saber mais sobre fatos marcantes na história da Administração da Antiguidade até o Renascimento, leia as páginas do livro sugerido a seguir: SILVA, R. O. da. Teorias da administração. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008. p. 77-91. TEMA 3 – A ADMINISTRAÇÃO E A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL Seguindo na nossa trajetória histórica, no final do século XVIII a eclosão da Revolução Industrial, na Inglaterra, provocou transformações econômicas e políticas significativas na sociedade. Influenciado fortemente pela invenção da máquina a vapor por James Watt, em 1760, esse movimento se caracterizou 8 pela troca das ferramentas pelas máquinas, do modo de produção artesanal pelo fabril e da energia humana ou animal pela energia motriz, que era mais barata e eficiente. Ele mudou radicalmente a concepção de trabalho e as relações comerciais (Chiavenato, 2014; Silva, 2008). O trabalho artesanal foi substituído pelo trabalho manual em grandes máquinas, por meio das quais era possível automatizar, agilizar e simplificar várias tarefas, aumentando a quantidade e melhorando a qualidade dos produtos, além de reduzir os custos. As pequenas oficinas se fundiram ou desaparecem, resultando no aparecimento de fábricas e usinas. As mercadorias passaram a ser produzidas em larga escala, o que demandava mais matéria- prima e mão de obra especializada (Chiavenato, 2014). Entretanto, muitos operários não possuíam qualificação para manejar máquinas cada vez mais complicadas. Muitos eram analfabetos, entre os quais mulheres e crianças. Aprendiam as atividades mediante instruções orais, demonstrações, tentativa e erro. Trabalhavam em grupos, cada qual especializado em determinadas tarefas, sem saber o objetivo delas e as tarefas executadas pelos outros grupos. Recebiam salários baixos e cumpriam jornadas diárias de 12 ou 13 horas em condições perigosas e nocivas para a saúde, o que acarretava muitos acidentes e falta de rendimento. Já os proprietários das fábricas se preocupavam somente com questões da produção mecânicas, tecnológicas e financeiras. Nesse contexto, os administradores enfrentavam muitos problemas para planejar, liderar e controlar o trabalho (Chiavenato, 2014; Silva, 2008). No campo social, as cidades inglesas cresceram de forma desordenada devido à necessidade urgente de abrigarem o contingente elevado de pessoas que provinham do meio rural à procura de emprego nas fábricas. O capitalismo se concretizou. A consciência dos operários da sua situação precária de vida e de trabalho gerou greves e conflitos com os proprietários das indústrias, resultando na aprovação de leis trabalhistas. O aumento da produção e a migração implicaram a descoberta de novos meios de transporte e de comunicação, tais como a locomotiva e o navio a vapor, o telégrafo elétrico e o telefone, intensificando o comércio internacional (Chiavenato, 2014). Numa segunda fase da Revolução Industrial, que vai de 1860 até 1914, os princípios da industrialização se difundiram na França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, Estados Unidos e Japão, alavancando a concorrência. Nesse 9 período, as principais transformações no processo produtivo foram a substituição do ferro pelo aço, do vapor pela energia elétrica e por combustíveis derivados do petróleo, o surgimento de organizações gigantescas. Com tal avanço tecnológico, os trabalhadores venceram a sua luta por salários melhores, o que exigiu, porém, o aumento da produtividade para a recuperação do capital pelos empresários (Campos, 1988; Chiavenato, 2014). TEMA 4 – MOVIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO CIENTÍFICA: TAYLOR E A RACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO Mediante o panorama econômico da segunda etapa da Revolução Industrial, as empresas começaram a implementar métodos improvisados para a realização do trabalho. Por volta da década de 1880, surgiram nos Estados Unidos poderosos impérios corporativos. Eles eram aglomerados constituídospor pequenos produtores reunidos em uma federação, controlada por uma companhia holding, baseados na divisão do trabalho entre gerentes profissionais e operários (Chiavenato, 2014). Porém era difícil administrar processos de produção e negócios tão grandes com eficiência, resultando em desperdício de matéria-prima, rendimento baixo dos recursos empregados, tempo ocioso e insatisfação dos operários. Além disso, a competição se intensificava nos mercados internacionais devido às rápidas mudanças tecnológicas. Assim, muitos impérios industriais faliram (Chiavenato, 2014). É nessa situação que se acelera a busca de fundamentos científicos para a atividade produtiva, dando margem ao nascimento da Teoria da Administração por meio do taylorismo, como veremos a seguir. 4.1 Quem foi Taylor? No começo do século XX, o engenheiro Frederick Wislow Taylor (1856- 1915) criou a administração científica, um modelo que revolucionou a gestão da produção. Proveniente de uma família abastada da Pensilvânia, nos Estados Unidos, ele iniciou os seus estudos superiores na Escola de Direito de Harvard, mas não os concluiu, preferindo atuar como operário. Por quatro anos, ele foi torneiro em uma fábrica de bombas hidráulicas, na qual constatou diversos vícios do que entendia como má administração, tais como falta de controle e de 10 orientação técnica para os operários, que faziam ‘corpo mole’ e tinham conflitos graves com os gerentes (Oliveira, 2012; Maximiano, 2017). Em 1878, ele pediu demissão e ingressou na usina siderúrgica Midvale Steel, na qual evoluiu, em um período de 12 anos, de operário para capataz, supervisor, diretor de pesquisa e engenheiro-chefe, após concluir o curso de engenharia. Nessa usina ele patenteou invenções, como um método novo de corte do aço em alta velocidade, e, preocupado com os problemas que observava, se dedicou ao estudo de questões administrativas. Entre tais problemas, destacavam-se: indefinição das responsabilidades dos gerentes e dos operários; falta de integração entre os departamentos; inexistência de incentivos para os operários pelo desempenho; conflitos entre capatazes e operários acerca do volume de produção, entre outros (Oliveira, 2012; Maximiano, 2017). Na sequência, Taylor trabalhou em uma fábrica de papel e em outra siderúrgica, a Bethlehem Steel. As suas ideias ganharam força a partir de 1911, quando foi publicado o seu livro Princípios de administração científica, que alcançou grande sucesso na época. Na obra, ele defende que a empresa deve aplicar o método científico na administração para assegurar o melhor custo/benefício na produção. Taylor faleceu aos 59 anos de pneumonia. Nos últimos 15 anos de vida, ele se concentrou na divulgação do seu modelo, em trabalhos de consultoria e na docência (Oliveira, 2012). 4.2 A organização racional do trabalho Taylor (1990) acreditava que os três problemas elencados a seguir predominavam nas indústrias naquela época, causando perdas para elas e para o país: • Falha na forma de pagamento. A vadiagem era frequente entre os operários, que reduziam a produção para evitar a diminuição dos salários pela gerência. Isso acontecia porque eles eram remunerados por dia de trabalho ou por peça produzida. Se recebessem por dia, os gerentes não consideravam a quantidade de produção. Se recebessem por peça, o valor pago era menor quando ocorria excesso de produção. Logo, o rendimento máximo não era vantajoso para os operários, que passaram a achar que ele provocava desemprego. 11 • Falta de conhecimento dos chefes das rotinas de trabalho e do tempo gasto na sua execução. • Falta de padronização das técnicas e dos métodos de trabalho dos funcionários, que faziam as tarefas conforme julgavam necessário. Usando técnicas da engenharia industrial, Taylor (citado por Chiavenato, 2014) procurou solucionar esses problemas por meio da substituição de métodos improvisados e primitivos para a realização das tarefas por métodos científicos, o que ficou conhecido como Organização Racional do Trabalho (ORT). O seu instrumento principal foi o estudo dos tempos e movimentos. Para tanto, ele passou anos analisando as condições de trabalho e as tarefas executadas por cada funcionário de várias indústrias, inclusive por supervisores e chefes, detalhando e cronometrando todos os seus movimentos. O seu objetivo era descartar os movimentos e processos inúteis, para que o funcionário trabalhasse de maneira eficiente por meio da padronização dos procedimentos, tornando-os simples e repetitivos, e atingindo um tempo médio de execução. Com isso, seria possível prever quanto um bom funcionário demora para completar as suas tarefas, evitando a perda de tempo e de matéria- prima, facilitando o controle pelos supervisores e, consequentemente, aumentando a produtividade (Chiavenato, 2014; Maximiano, 2017). A seguir, são resumidas as características da ORT, apresentadas por Chiavenato (2014). • Racionalização e padronização do método de trabalho por meio da extinção do desperdício de esforço do funcionário e dos períodos de falta ou de excesso de trabalho; • Seleção dos funcionários de acordo com as suas aptidões e habilidades para desempenhar determinadas tarefas; • Facilidade no treinamento dos funcionários e melhoria do seu rendimento por meio da sua especialização em tarefas específicas; • Melhoria das condições do ambiente de trabalho, tais como iluminação, ruído, ventilação, arranjo físico das máquinas, adequação dos instrumentos e ferramentas etc., para diminuir a fadiga e assegurar o bem- estar dos funcionários, importante também para a sua produtividade; 12 • Estabelecimento de normas para a execução de todas as fases do trabalho. Figura 2 – Exemplo da aplicação da ORT em uma fábrica de rádios na Filadélfia, em 1925 Fonte: Everett Historical/ Shutterstock 4.3 Os princípios da administração científica Taylor (1990) afirmava que o objetivo principal da administração é garantir prosperidade máxima ao funcionário e ao patrão. Em outras palavras, permitir a obtenção de salários elevados para o funcionário e da maior lucratividade possível para a empresa. Para atingir tais propósitos, funcionários e patrões devem compartilhar interesses comuns e trabalhar de maneira harmoniosa e colaborativa, mesmo com atribuições diferentes. Ao funcionário cabe realizar as tarefas com eficiência, para aumentar a produtividade. Já o chefe deve se encarregar de cumprir os princípios da administração científica, estipulados com base nas características da ORT, como se vê na Figura 3. 13 Figura 3 – Princípios da administração científica Fonte: Elaborado pela autora, 2018. Taylor (1990) aconselhava que tais princípios fossem aplicados gradualmente, para que não causassem transformações inesperadas que desagradassem os funcionários e provocassem prejuízo para a organização. Saiba mais Para saber mais sobre a administração científica, leia o capítulo 3 do livro sugerido a seguir: CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração. 9. ed. Barueri: Manole, 2014. TEMA 5 – FORD E A GESTÃO DA PRODUÇÃO Na transição do século XIX para o século XX, o sistema taylorista fixou os alicerces para o desenvolvimento inicial do capitalismo industrial por meio da racionalização do trabalho. A aplicação de conhecimentos científicos à produção e à administração proporcionou um estágio de crescimento econômico jamais visto antes na história da humanidade, embora ainda insuficiente para suprir as demandas de produtos padronizados em grande escala para um mercado de consumo em ascensão. O surgimento do fordismo muito contribuiu para resolver esse problema. Vamos conhecê-lo? Princípio do Planejamento Determinar e testar o método de trabalho por meio do uso de procedimentos científicospara racionalizar a sua realização. Princípio do Preparo Selecionar os funcionários com base nas suas habilidades e treiná-los para atuarem conforme o método planejado. Princípio do Controle Verificar se o trabalho está sendo realizado segundo os métodos e o planejamento previstos, ajudando o funcionário. Princípio da Execução Disciplinar o desempenho do trabalho por meio da distribuição de atribuições e de responsabilidades. 14 5.1 Quem foi Ford? Henry Ford (1863-1947) foi um empresário determinado, que concretizou a ideia de eficiência em uma fábrica de automóveis. Descendente de belgas e irlandeses, ele nasceu numa fazenda em Michigan, nos Estados Unidos, onde desde cedo foi o responsável pela manutenção de motores. Após a morte da mãe, aos 13 anos, ele se mudou para Detroit, e começou a trabalhar como aprendiz de operador de máquinas em várias oficinas (Fonseca, 2013; Guia..., 2016). Por volta de 1893, ele se demitiu do emprego de engenheiro chefe da Edison Illuminating Company e decidiu fabricar automóveis. Começou a construir motores a explosão na cozinha da própria casa, com a ajuda da esposa, e depois montou a sua primeira oficina no subúrbio de Detroit. Com poucos recursos e enfrentando diversos obstáculos, ele concluiu o seu primeiro veículo em 1896, um quadriciclo, que possuía dois lugares, pneus de borracha maciça e rodas de bicicleta, conduzido à velocidade de 30 km/h. Nessa época os automóveis eram caros, e só os ricos podiam comprá-los (Fonseca, 2013; Guia..., 2016). Mas ele sonhava construir um veículo grande, no qual coubesse uma família. Após fracassar na fundação de outras empresas e na construção de outros modelos, finalmente ele fundou, em 1903, a Ford Motor Company. O primeiro automóvel fabricado pela empresa foi o Modelo A, a princípio vendido em bicicletarias e demais tipos de comercio. Em 1908, foi lançado o Modelo T, conhecido como Ford Bigode, vendido a um preço mais acessível. O carro foi um sucesso estrondoso, atingindo 57% da fatia do mercado mundial de automóveis (Fonseca, 2013; Guia..., 2016). Para barateá-lo mais ainda, Ford construiu uma fábrica maior em outro bairro de Detroit, e investiu na melhoria do sistema de produção mediante a elaboração da linha de montagem móvel, em 1913. Preocupado com a concorrência, ele resolveu acelerar a produção e comprou florestas, minas de ferro e carvão, ferrovias e navios, construindo um império. Em 1926, ele já empregava 150.000 pessoas em 88 fábricas instaladas em 19 países, além dos Estados Unidos, que produziam dois milhões de carros por ano, um feito totalmente inédito naquela época. Isso foi possível também devido à implantação do método de produção em massa, na qual entravam na esteira matérias-primas e saiam carros finalizados, além da mudança na distribuição comercial, que era 15 realizada por agências próprias (Chiavenato, 2014; Fonseca, 2013; Guia..., 2016). Tais processos revolucionaram a indústria automobilística e popularizaram a linha de montagem móvel e a produção em larga escala, que passaram a ser adotadas em outros setores industriais, tais como o têxtil e o siderúrgico. A economia norte-americana cresceu, transformando a forma de consumo e, até mesmo, a infraestrutura das cidades, com a construção de rodovias melhores para facilitar o escoamento da produção industrial e a locomoção das pessoas (Fonseca, 2013; Guia..., 2016). O Modelo T foi fabricado até 1927, após alcançar o recorde de mais de quinze milhões de unidades vendidas nos Estados Unidos, tanto que décadas depois ele foi eleito o Carro do Século XX. Mas no final dos anos 1920 as vendas começaram a cair. Ford e seu único filho, Edsel, presidente da empresa desde 1919, projetaram então o Modelo A, que teve quatro milhões de unidades produzidas até 1931 mediante a maior campanha publicitária já realizada. Na sequência, a empresa iniciou a prática de mudar de modelo de automóvel a cada ano, à semelhança do que fazia a General Motors (Fonseca, 2013). No final da década de 1930, Ford sofreu vários derrames e deixou a empresa. Porém, ele continuou a trabalhar em projetos que desenhara anos antes, tais como o uso de materiais agrícolas na produção de automóveis e da soja em tintas, borrachas e óleo para amortecedores. Ao longo da vida, ele registrou 161 patentes (Fonseca, 2013). A empresa entrou em declínio após a morte do seu filho, em 1943, quando ele reassumiu o seu controle nominal, embora na realidade ela fosse dirigida por outras pessoas. Dois anos depois, o seu neto, Henry Ford II, assumiu a presidência e a restaurou. Ford faleceu aos 83 anos, deixando a maioria da sua fortuna para a Fundação Ford e garantindo o controle vitalício da empresa pela sua família (Fonseca, 2013). Saiba mais Os primeiros automóveis Modelo A chegaram ao nosso país no final de 1904, passando a ser importados em 1908. Primeira fabricante de automóveis a operar no Brasil, a Ford instalou a sua fábrica aqui em 1919, num depósito de dois andares com 12 funcionários localizado no centro da cidade de São Paulo (Ford, 2018). 16 5.2 Os atributos do sistema fordista De modo parecido ao que faziam outros fabricantes de automóveis, no início o Modelo T da Ford era montado parado, com os operários colocando todas as suas partes de uma só vez. Era uma fabricação artesanal, que gastava tempo e energia de operários sem especialização (Fonseca, 2013; Maximiano, 2017). Em 1913, Ford estabeleceu a produção em série, ou em massa, com a preparação da linha de montagem móvel. Ao observar o transporte de partes de animais em carretilhas em um frigorífico de Chicago, ele se deu conta de que quem se movimentava era o produto, não o operário. Assim, posicionou as máquinas e os operários em sequência na sua fábrica, com o carro sendo montado em etapas separadas ao longo de uma esteira movida à energia mecânica. Um operário inseria uma peça, empurrava para baixo da esteira, na qual outro operário colocava outra peça. Com isso, a fabricação de um volante magneto, por exemplo, que antes demorava 20 minutos, foi decomposta em 29 etapas separadas e caiu para apenas cinco minutos. A cada 84 minutos era fabricado um carro, no total de 800 por dia, a um custo de produção mínimo (Maximiano, 2017). Figura 4 – Linha de montagem da Ford na década de 1920 Fonte: Vyntage Visuals/ Shutterstock 17 Saiba mais A linha de montagem foi criada no século XV no Arsenal Veneziano, que consistia num complexo de estaleiros e arsenais agrupados na cidade de Veneza, na Itália, para a sua proteção. Ford a aperfeiçoou, constituindo a produção em série, que Chiavenato (2014) e outros estudiosos consideram a grande invenção do século XX. Em 1914, atento também aos problemas dos operários, Ford dividiu com eles parte do controle acionário da empresa, instituiu o salário mínimo de cinco dólares por dia, o que era substancial na época, e diminuiu a jornada diária de trabalho para oito horas. Além da divisão do trabalho, ele adotou outros mandamentos da administração científica, como o da especialização, ao contratar técnicos de capacidade elevada para planejarem os próprios métodos de trabalho e os dos operários, que somente o executavam. Com a padronização do trabalho, a especialização ditava o ritmo repetitivo, contínuo e ordenado da produção por meio do cumprimento de rotinas definidas (Chiavenato, 2014; Maximiano, 2017). Com o foco na eficiência da organização, o sistema administrativo de Ford era baseado nos três princípios a seguir, especificados por Chiavenato (2014) e por Maximiano (2017). Figura 5 – Princípios administrativos do Fordismo Fonte: Elaborado pela autora, 2018. Princípio da Intensificação Reduzir o tempo de produção com o emprego imediato de equipamentos e matérias-primas, além do lançamento rápido do produto no mercado.Princípio da Economicidade Reduzir o estoque ao mínimo, de modo que a maior quantidade possível de automóveis já estivesse sendo paga à empresa e vendida no mercado antes do vencimento do prazo de pagamento das matérias-primas e dos salários. Princípio da Produtividade Aumentar a capacidade de produção por operário, em determinado período de tempo, mediante a especialização e o uso da linha de montagem. 18 Portanto, os fundamentos do sistema fordista foram a produção em massa, o pagamento de remuneração elevada e o estabelecimento de preços mínimos de venda para os produtos. Para tanto, era preciso garantir o aumento da produtividade do funcionário com a sua especialização em um tipo de tarefa e jornada de trabalho reduzida, a intensidade de produção e a contenção de matéria-prima e de tempo de fabricação (Maximiano, 2017). Saiba mais Para você saber mais sobre como Ford criou carros e aprimorou a produção em massa, assista ao filme sugerido a seguir: GIGANTES da indústria – Henry Ford, History Channel, 16 ago. 2017. Disponível em: <https://youtu.be/1aOYcPwUXsY>. Acesso em: 12 nov. 2018. TROCANDO IDEIAS O vídeo recomendado na aula permitirá que você amplie os seus conhecimentos sobre a administração científica. Após assistir ao filme, responda à seguinte pergunta: considerando a fase atual do desenvolvimento industrial e tecnológico, qual é a sua opinião sobre a aplicação dos princípios da administração científica nas organizações modernas? NA PRÁTICA No nosso dia a dia, encontramos muitas organizações que funcionam de acordo com os métodos de produção tayloristas e fordistas. Um exemplo são os restaurantes de comida pronta, ou fast food. O que nos atraem neles são justamente o serviço padronizado e a rapidez. 1. Assim que você puder, vá a um fast food; 2. Além de comer, observe como os funcionários preparam e entregam os pedidos aos clientes; 3. Depois, compare as suas observações com os métodos de produção tayloristas e fordistas que você conheceu nesta aula; 4. Em qual dos dois métodos você acha que a produção do fast food se encaixa melhor? 19 FINALIZANDO Nesta aula começamos a descobrir como se deu o surgimento da administração. Iniciamos na Antiguidade e fomos até o começo do século XX, descobrindo os aspectos do contexto histórico, principalmente, da Revolução Industrial, que motivaram a formulação da sua primeira abordagem: a administração científica. Vimos que, preocupado com a eficiência e com a produtividade organizacional, inicialmente Frederick Taylor procurou aplicar métodos científicos à produção, enfatizando a racionalização do trabalho, com base no estudo dos tempos e movimentos, para depois formular princípios administrativos. Já Henry Ford revolucionou a indústria com o aprimoramento da linha de montagem e a produção em massa. Alguns conceitos do sistema taylorista e do sistema fordista são utilizados até os dias atuais. 20 REFERÊNCIAS ARRUDA, J. J. História antiga e medieval. 5.ed. São Paulo: Ática, 1982. CAMPOS, R. Estudos de história moderna e contemporânea. São Paulo: Atual,1988. CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração. 9. ed. Barueri: Manole, 2014. CLEGG, S.; KORNBERGER, M.; PITSIS, T. Administração e organizações: uma introdução à teoria e à prática. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2011. DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO. Disponível em: <https://www.dicionarioetimologi co.com.br/>. Acesso em: 12 nov. 2018. FONSECA, J. G. Henry Ford, um homem que mudou o mundo. Bestcars, 8 mar. 2013. Disponível em: <http://bestcars.uol.com.br/bc/informe-se/passado/ homens-maquinas/henry-ford-um-homem-que-mudou-o-mundo/>. Acesso em: 12 nov. 2018. HISTÓRIA. Ford, S.d. Disponível em: <https://www.ford.com.br/sobre-a- ford/historia/>. Acesso em: 12 nov. 2018. FRUGONI, C. Invenções da Idade Média: óculos, livros, bancos, botões e outras inovações geniais. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. GUIA 101 gênios que mudaram a história da humanidade. São Paulo: On Line Editora, 2016. MAXIMIANO, A. C. A. Teoria geral da administração: da revolução urbana à revolução digital. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017. MLODINOW, L. De primatas a astronautas: a jornada do homem em busca do conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 2015. OLIVEIRA, D. DE P. R. DE. História da administração: como entender as origens, as aplicações e as evoluções da administração. São Paulo: Atlas, 2012. SILVA, R. O. da. Teorias da administração. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008. TAYLOR, F. W. Princípios da administração científica. [1953]. 8.ed. São Paulo: Atlas, 1990. INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO AULA 2 Profª Valéria Silva da Fonseca CONVERSA INICIAL Agora que já percorrermos os primórdios da administração, desde a Antiguidade e de vermos como na segunda fase da Revolução Industrial os estudos de Taylor e as ideias revolucionárias de Ford contribuíram para aumentar a eficiência produtiva das fábricas norte-americanas por meio da racionalização do trabalho e da produção em série, constituindo o Movimento da Administração Científica, veremos nesta aula que, na mesma época, Jules Henri Fayol, um engenheiro francês, delineava o funcionamento e a estrutura da organização, idealizando a abordagem clássica da administração. Na sequência, descobriremos que a administração científica e a abordagem clássica sofreram muitas críticas, principalmente por desconsiderarem a influência do lado social e psicológico dos funcionários na organização. Nas décadas de 1920 e 1930, George Elton Mayo, um psicólogo australiano, procurou suprir essa lacuna, pesquisando as relações e as condições de trabalho em uma fábrica norte-americana, dando origem à abordagem humanista. Veremos, ainda, que as conclusões dos seus estudos conduziram ao reconhecimento da organização informal. Por fim, analisaremos as críticas formuladas a essa abordagem. CONTEXTUALIZANDO Diariamente, administradores do mundo inteiro se ocupam em planejar, organizar, coordenar e controlar tarefas executadas em organizações dos mais variados tipos, desde a farmácia na esquina da nossa casa até a Uber. Até mesmo naquela que editou este conteúdo didático! Entre tantas organizações, a Google, por exemplo, é frequentemente apontada como inovadora, um lugar com o qual todo profissional sonha atuar. Ela concede maior flexibilidade no horário de trabalho e de almoço, autonomia de criação, instalações coletivas, colaborativas e descontraídas, além de vários espaços de lazer e descanso, como restaurantes, salão de jogos e redes para dormir. Mas, embora não pareça, por trás de todos esses benefícios existe distribuição de tarefas por funções, hierarquia de autoridade, uso de mecanismos de controle e de desempenho. Só pessoas superqualificadas são contratadas para trabalhar lá. Ou seja, mesmo com tanta inovação e liberdade, 3 na Google o administrador continua a exercer as mesmas funções, com base nos mesmos princípios administrativos definidos pela abordagem clássica, embora com menos rigidez do que nas organizações tidas como conservadoras. O ambiente de trabalho também é bem mais estimulante e agradável. Logo, os funcionários produzem mais, como previa a abordagem humanística. Pense nisso, após conhecer, na continuação, os idealizadores e as características dessas abordagens. TEMA 1 – ABORDAGEM CLÁSSICA: FAYOL, O FUNCIONAMENTO E A ESTRUTURA DA ORGANIZAÇÃO Já estudamos que os princípios da industrialização foram disseminados em vários países na segunda fase da Revolução Industrial (1860-1914). No entanto, no final desse período, o desenvolvimento industrial da França estava mais atrasado em comparação ao de países como Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha. As grandes corporações igualmenteproduziam em larga escala, com o emprego de métodos improvisados na produção. Mas havia pouco crescimento econômico, forte pressão dos custos, os mercados estavam estagnados (Wren, 1995). Esse cenário era propício para o surgimento da Abordagem Clássica, que iniciou mudanças significativas e inovadoras para a época na gestão das organizações. Em complemento às ideias de Taylor, não em oposição como frequentemente se afirma, Fayol especifica os elementos do funcionamento e da estrutura organizacional. Vamos conhecê-lo? 1.1 Quem foi Fayol? Considerado o criador da Administração moderna, Jules Henri Fayol (1841-1925) nasceu em Istambul, na Turquia. Descendente de família francesa, na época o seu pai, que era engenheiro, atuava como superintendente das obras da Ponte de Gálata, que une as duas partes europeias da cidade. Em 1847, eles retornaram para a França, onde Fayol cursou engenharia de minas em Paris (Silva, 2008). Após se formar, aos 19 anos, ele ingressou como engenheiro na Compagnie de Commentry-Fourchambault-Decazeville, uma célebre mineradora de carvão. Seis anos mais tarde, foi promovido a gerente de minas 4 em decorrência das melhorias que realizou na técnica de combate aos incêndios subterrâneos. Em 1888, assumiu o cargo de diretor-geral da empresa, que enfrentava dificuldades financeiras. Ele iniciou o seu processo de recuperação, encerrando as atividades da fundição, concentrando a produção em um único local e comprando novos depósitos de carvão. Fayol evitou a falência da empresa, que passou a se chamar Commambault, e nela permaneceu até 1918, quando se aposentou. Ainda hoje ela integra o maior grupo de mineração e metalurgia da França (Silva, 2008; Maximiano, 2017). Em 1916, já com 75 anos, ele publicou o livro Administração geral e industrial com base nos desafios que encarou na sua experiência profissional. Lecionou na Escola Superior de Guerra de Paris, mostrando que os seus princípios de gestão podiam ser adotados em qualquer tipo de organização. Dois anos depois, fundou o Centro de Estudos Administrativos, dedicado à divulgação e ao avanço das suas ideias. Fayol presidiu a entidade até a sua morte, aos 84 anos, em Paris (Maximiano, 2017). Em 1926, o centro se associou à Conferência da Organização Francesa, cujo objetivo era promover os estudos de Taylor. Dessa junção surgiu o Comitê Nacional da Organização Francesa, por muito tempo visto como a associação mais importante de investigação e de promoção dos conhecimentos administrativos (Oliveira, 2012). 1.2 As funções da organização No seu livro, Fayol (1990) regularizou a ação do administrador e argumentou que, em qualquer organização, a administração deve acompanhar o nível técnico, incluindo o seu aspecto humano. Para tanto, ele distinguiu as seis funções elencadas a seguir, que considerava essenciais para o seu adequado funcionamento. Cada função corresponde a uma área da organização. 5 Figura 1 – Funções básicas da organização Fonte: Elaborado pela autora, 2018. Segundo Fayol (1990), as funções administrativas são as mais importantes da organização por integrarem e influenciarem as outras. Elas devem ser exercidas em uma sequência lógica, orientando as responsabilidades e o trabalho do administrador que atua em qualquer nível hierárquico da organização, desde a supervisão até a direção. Figura 2 – Funções administrativas Fonte: adaptado de Chiavenato, 2014. Fonte: Elaborado pela autora, 2018. Coordenação Unificar, sincronizar e harmonizar todas as atividades e esforços coletivos. Previsão Avaliar o futuro e traçar um plano de ação para atingi-lo. Organização Mobilizar, organizar e estruturar o capital e os recursos humanos, bem como os materiais necessários para o pleno funcionamento da organização. Comando Dirigir e orientar os funcionários no desempenho de suas tarefas. Controle Cuidar para que tudo aconteça de acordo com o plano de ação formulado, as orientações transmitidas, as regras estabelecidas e as ordens fornecidas, identificando erros e fraquezas com o objetivo de corrigi-los e de prevenir a sua repetição. 6 Saiba mais Alguns trechos do desenho animado Fuga das Galinhas exemplificam de modo didático e divertido a aplicação das funções administrativas de Fayol. Acesse o link a seguir para assistir. HENRY Fayol – Fuga das galinhas. GCOM Fatec Ipiranga, 18 fev. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rZPaGGE8rS0>. Acesso em: 12 nov. 2018. 1.3 Princípios básicos da administração Para que as funções administrativas sejam efetivadas, Fayol (1990) estabeleceu 14 princípios básicos que o administrador deve aplicar, ajustáveis à organização e às suas particularidades. São eles os seguintes: Divisão de trabalho, que consiste na designação de tarefas específicas para cada funcionário, acarretando a sua especialização e alocação nas áreas funcionais da organização; Autoridade e responsabilidade, sendo uma o complemento da outra. A autoridade é o direito de dar ordens e de exigir que elas sejam obedecidas. A responsabilidade envolve a obrigação de prestar contas do que está sendo executado; Disciplina, que implica o estabelecimento, cumprimento e respeito às normas e acordos constituídos. Qualquer violação da disciplina deve ser punida; Unidade de comando, significando que cada funcionário deve receber ordens e se reportar a um único superior para evitar conflitos e mal- entendidos; Unidade de direção, significando que cada conjunto de atividades com os mesmos objetivos deve possuir um único superior e um único programa; Subordinação do interesse individual ou grupal ao interesse da organização como um todo; Remuneração, que deve ser justa e suficiente para recompensar o desempenho esperado e assegurar a satisfação do funcionário e a sua retribuição à organização; Centralização, relativa à tomada de decisões importantes pelos ocupantes dos cargos situados no topo da organização; 7 Hierarquia, que designa a linha de autoridade e responsabilidade do nível mais alto ao mais baixo da organização; Ordem, que emana da autoridade e deve ser seguida por todos os funcionários para fins de eficiência e de coordenação; Equidade, que consiste na manutenção de amabilidade e de justiça para todos os funcionários, tratando-os da mesma maneira e recompensando a sua lealdade e devoção, mas sem abandonar o rigor quando é preciso. Estabilidade do pessoal, procurando reter os funcionários mais produtivos e evitar os custos resultantes de novos processos de seleção e treinamento; Iniciativa, como capacidade de formular um plano e de garantir o seu êxito, além de estimular a atitude dos subordinados na solução de novos problemas; Espírito de equipe, promovendo o trabalho em grupo e a harmonia e a união entre os seus integrantes. Saiba mais Na administração científica, a divisão do trabalho se refere à fragmentação das tarefas exercidas no nível da produção da fábrica. Na abordagem clássica, ela se refere à definição das tarefas exercidas em todos os níveis hierárquicos da organização, tornando o funcionário especialista. A divisão do trabalho mostra o que fazer, e a especialização indica como fazer Fonte: Chiavenato, 2014. Você se lembra da diferença entre administração e organização? Agora podemos entendê-la melhor. Fayol (1990) foi o primeiro a tentar especificar a diferença entre administração e organização, que permanece até os dias atuais. Por um lado, ao definir a administração como um conjunto de funções relacionadas e integradas, ele a caracteriza como ação e restringe a organização a uma das atividades administrativas, como observamos acima. Por outro, ao atribuir ao administrador a responsabilidade de proporcionar o que é precisopara o seu funcionamento, ele enxerga a organização como uma entidade social, criada para que as pessoas, juntas, alcancem objetivos específicos. 8 1.4 Organização linear X Organização funcional Influenciados pelas concepções administrativas das instituições militares e religiosas, Fayol e outros adeptos da abordagem clássica caracterizaram a organização como se fosse uma estrutura, que retrata o modo como as tarefas são divididas, organizadas e coordenadas. A estrutura descrita por eles se baseia no princípio da unidade de comando, apresentando formato piramidal. Assim, cada funcionário recebe orientações somente do superior imediato, o qual segue, pela hierarquia, a autoridade de linha, que vai do escalão mais alto ao mais baixo. Ela é centralizada, porque a autoridade máxima se concentra no topo da organização. É o que se intitula organização linear (Robbins, 2002; Chiavenato, 2014). Esse tipo de estrutura possui, ainda, órgãos de staff, integrados por prestadores de serviços especializados, tais como assessores, consultores e conselheiros, contratados para dar suporte e orientar os funcionários. Eles não têm autoridade de comando, nem seguem a cadeia escalar (Chiavenato, 2014; Maximiano, 2017). Para Fayol (1990), tais pessoas devem possuir vastos conhecimentos intelectuais e profissionais, além de dispor do tempo para trabalhar que, muitas vezes, falta ao administrador. Figura 3 – Organização linear Fonte: Elaborado pela autora, 2018. Entre as vantagens da organização linear, Chiavenato (2014) destaca a simplicidade da composição da sua estrutura, com poucos órgãos, uma linha de autoridade direta e exclusiva entre o superior e os subordinados, e alternativas de comunicação entre eles básicas e limitadas. As funções e responsabilidades Diretor Gerente 1 Gerente 2 Gerente 3 Assistente Executor 1 Executor 2 Executor 3 9 de cada órgão são claras e bem delimitadas, de acordo com a especialidade dos cargos, evitando a intromissão de uma área na outra. Tudo isso facilita o funcionamento, o controle e a disciplina na organização. A supervisão linear prescrita nesse tipo de estrutura é contrária à supervisão funcional proposta pela administração científica. Para Fayol (1990) e os adeptos da abordagem clássica, a supervisão funcional nega a unidade de comando, considerada por eles um princípio essencial para a coordenação das atividades organizacionais. Nos seus estudos, Taylor (1990) verificou, no setor de produção de uma siderúrgica norte-americana, que a organização linear não dava certo porque gerava barreiras na comunicação e envolvia ao menos três superiores na solução de problemas simples de rotina. Ele trocou então a supervisão linear pela supervisão funcional, na qual cada operário podia se referir, simultaneamente, a mais de um superior para resolver um problema, pois cada um arcava somente com o que fosse da sua especialidade, sem intervir no assunto do outro (Chiavenato, 2014). Essa situação é típica da chamada organização funcional. Figura 4 – Organização funcional Fonte: Elaborado pela autora, 2018. As organizações funcionais são as mais comuns e tradicionais, existentes desde a Antiguidade. Nelas, a autoridade é sustentada pelo conhecimento, sem hierarquia ou unidade de comando. As decisões são descentralizadas e delegadas aos funcionários com conhecimento necessário para implantá-las (Chiavenato, 2014). Diretor Gerente 1 Gerente 2 Assistente Gerente 3 Executor 1 Executor 2 Executor 3 10 O emprego da organização funcional também é vantajoso. Chiavenato (2014) afirma que a especialização possibilita que o funcionário se concentre completamente nas suas tarefas e melhore a supervisão técnica, uma vez que ele responde a especialistas na sua área. As comunicações entre os órgãos se tornam mais diretas e rápidas. Aqueles responsáveis pelo planejamento e pelo controle são separados dos executores, cada um fazendo as suas tarefas específicas, sem a necessidade de acompanhar as atividades dos outros. Saiba mais Para saber mais sobre a abordagem clássica da administração, leia o capítulo 4 do texto sugerido a seguir: CHIAVENATO, I. Introdução à teoria geral da administração. 9. ed. Barueri: Manole, 2014. TEMA 2 – CRÍTICAS À ADMINISTRAÇÃO CIENTÍFICA E À ABORDAGEM CLÁSSICA Conhecer as limitações das abordagens administrativas é tão importante quanto identificar as suas particularidades, pois é o olhar crítico que leva ao seu aprimoramento. Chiavenato (2014) e Maximiano (2017) apresentam as críticas principais feitas à administração científica, que são resumidas a seguir. Visão da organização como uma máquina, projetada para funcionar com eficiência. O operário é tratado como mais uma engrenagem, capaz de trabalhar com precisão e regularidade, seguir regras e obedecer a ordens. A possibilidade de ele ter iniciativa própria, de se relacionar informalmente com os colegas, foi negligenciada. Porém, o operário é um ser humano e social. Como tal, o seu desempenho no trabalho não pode ser analisado somente dentro dos seus limites físicos; Embora a especialização tenha resultado em muitos ganhos para a Administração, a execução rápida, precisa e constante de tarefas repetitivas gera a insatisfação do operário, tédio, problemas motores e psicológicos, além de diminuir a sua visão de todo o processo de trabalho; Redução aos aspectos e problemas de produção, sem contemplar outras questões da organização, tais como as financeiras, comerciais, logísticas etc.; 11 Mesmo desenvolvida com base em ideais científicos, não houve a tentativa de buscar comprovação científica dos princípios tayloristas. Eles foram formulados com base em observações e experiências no dia a dia; Os motivos da falta de eficiência e de produtividade na organização não foram explicados. Eles foram apenas identificados e se propuseram soluções práticas para resolvê-los, a serem aplicadas sempre que se repetissem; Desconsideração da influência do ambiente externo no funcionamento da organização, como se ela existisse independentemente da sociedade na qual está inserida. As ideias de Fayol superaram diversas noções de Taylor e de Ford sobre Administração. Mas elas também sofreram críticas, entre as quais se destacam as que seguem abaixo, mencionadas por Chiavenato (2014) e Maximiano (2017). A maioria delas são as mesmas feitas à Administração Científica. Concepção da administração muito racional, simples, superficial e irreal. Visão da organização como uma máquina. Redução aos aspectos e problemas da gerência administrativa, negligenciando o nível da produção. Desconsideração da influência do ambiente externo no funcionamento da organização. Ausência de comprovação científica. TEMA 3 – ABORDAGEM HUMANISTA: MAYO E OS ESTUDOS DE HAWTORNE Os Estados Unidos despontaram como potência econômica durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando tiveram que abastecer os países da Europa de produtos como aço, comida, máquinas, carvão, entre outros itens básicos, para a manutenção do conflito e para a sobrevivência dos seus habitantes. No final da guerra, grandes empresas norte-americanas passaram a investir em títulos da bolsa de valores, o lucro e o consumo cresceram exageradamente, obrigando as indústrias a aumentarem a produção, sobretudo de bens duráveis como automóveis (Brener, 2006). Foi a época do auge do sistema taylorista e do sistema fordista naquele país. 12 Em dado momento, o mercado não comportou mais tamanha produção. As vendas começaram a cair e inúmeras empresas decretaram falência, até que, em outubro de 1929, as ações da Bolsa de Valores de Nova Iorque caíram drasticamente. Esse episódio ficou conhecidocomo a Queda da Bolsa. Os Estados Unidos entraram em um período de depressão profunda, com grave recessão econômica, taxas elevadas de inflação e desemprego, que afetou a economia de diversos países do mundo, inclusive do Brasil (Brener, 2006). Figura 5 – Fila de homens desempregados esperando sopa grátis em Chicago, 1925 Fonte: Shutterstock/Everett Historical. Saiba mais Em 1930, o café era o principal produto de exportação brasileiro. Quando o valor das sacas despencou por causa da crise norte-americana, para amenizar o seu efeito negativo, o governo de Getúlio Vargas mandou queimar milhões de sacas que abarrotavam os estoques (Brener, 2006). Empenhados em buscar soluções para a crise econômica e reerguer rapidamente as organizações, os estudiosos começaram a questionar a concepção racional, mecanicista e desumana do trabalho da administração científica e da abordagem clássica. Surge então a oportunidade para eles focalizarem os funcionários como seres sociais, orientados também pelas relações interpessoais construídas nos grupos informais, resultando no aparecimento da abordagem humanista, cujo principal idealizador foi Elton Mayo. 13 3.1 Quem foi Mayo? George Elton Mayo (1880-1949) nasceu em Adelaide, na Austrália. Filho de um engenheiro civil e neto de um médico famoso, ele começou a estudar medicina na Universidade de Adelaide, continuando em escolas de Londres e Edimburgo, na Inglaterra. Com 23 anos, ele foi trabalhar na África Ocidental, onde o contato com tribos nativas provocou o seu interesse pelas questões da natureza humana, das culturas mundiais e da interação dos indivíduos na sociedade. Em 1905, ele voltou para a Austrália para atuar numa gráfica localizada em Adelaide e, dois anos depois, reingressou na universidade para estudar filosofia e psicologia. Em 1911, ingressou como professor de filosofia mental e moral na Universidade de Queensland (Bourke, 1986; Ferreira, 2016). Em 1913, Elton Mayo foi para Brisbane. Lá ele se tornou uma pessoa pública, ministrando palestras na Associação Educacional dos Trabalhadores e servindo no comitê de guerra da universidade. Sob a influência do psicólogo Sigmund Freud e dos psiquiatras Carl Jung e Pierre Janet, estudou a origem do colapso nervoso. Durante e após a guerra, realizou, com um médico de Brisbane, análises psicológicas de soldados com traumas de guerra e outras doenças nervosas. Nessa experiência ele observou que o ambiente afeta diretamente o desempenho de um soldado, ou de um funcionário, e que, assim, tratar conflitos no trabalho equivalia a tratar neuroses industriais (Bourke, 1986; Clegg; Kornberger; Pitsis, 2011). Em 1923, ele emigrou para os Estados Unidos, passando a lecionar na Universidade da Pensilvânia, quando investigou a rotatividade elevada da mão de obra em uma organização têxtil. A Escola de Administração de Empresas da Universidade de Harvard se interessou por esse estudo, contratando-o como professor associado em 1926. Durante muitos anos ele atuou lá como professor de pesquisa industrial e como diretor do Centro de Pesquisas Sociais. Entre 1927 e 1932, ele coordenou o grupo de Harvard que promoveu os famosos Estudos de Hawthorne, assim chamados porque foram desenvolvidos em uma fábrica da Western Eletric, localizada em Hawthorne, nos subúrbios de Chicago (Bourke, 1986; Clegg; Kornberger; Pitsis, 2011; Oliveira, 2012). Elton Mayo foi um dos teóricos sociais mais influentes da sua época. Ele escreveu diversos artigos e livros. O mais conhecido deles é Problemas humanos de uma civilização industrial, publicado em 1933, que marcou o início 14 da abordagem humanista. Em 1947, ele se aposentou e voltou para a Inglaterra, onde faleceu aos 69 anos (Bourke, 1986). 3.2 As experiências de Hawthorne Os estudos de Hawthorne foram um dos mais analisados, reconhecidos e criticados na história da evolução das organizações, tornando-se um clássico da administração moderna. As suas origens nos levam a 1924, quando a Western Electric, uma grande fabricante norte-americana de componentes e equipamentos para telefonia, começou a se preocupar com os problemas na produtividade. Contando com cerca de 40.000 funcionários, ela sempre prezara pelo bem-estar deles, estimulando a manutenção de um clima de trabalho amistoso e saudável (Homans, 1979). Nessa época, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos realizou uma investigação na empresa com o objetivo de verificar a influência da intensidade da iluminação do local de trabalho na eficiência dos funcionários. Em 1927, o Conselho Nacional de Pesquisas procurou constatar a mesma relação na fábrica da empresa situada em Hawthorne. Foi então que a equipe de Harvard foi chamada para participar do estudo nessa fábrica, sob a coordenação de Elton Mayo e de George A. Pennock, superintendente de inspeção da Western Electric (Homans, 1979; Silva, 2008). O estudo foi desenvolvido até 1932, dividido em quatro experiências seguidas e com resultados acumulativos. Na primeira experiência (1924-1927), que visava a descobrir a relação entre iluminação e rendimento, foram delimitados dois grupos de operários para executar a mesma tarefa, sendo que um grupo trabalhou sob variação da iluminação e o outro sob iluminação constante. Os pesquisadores suponham que a produção cairia quando a iluminação diminuísse, mas ela aumentou. Eles observaram que isso ocorria porque os operários se viam obrigados a produzir mais quando a iluminação era mais ou menos intensa. Assim, havia indícios de que o resultado foi afetado por fatores psicológicos, que eles tentaram eliminar por considerá-lo negativo, estranho e inconveniente (Homans, 1979). Na segunda experiência (1927-1928), que já contou com a colaboração da equipe de Harvard, o objetivo era verificar o efeito na produtividade de alterações nas condições físicas. Para isso, um grupo de seis operárias que montavam relés de telefone, mais uma sexta que fornecia as peças, foi colocado em uma sala de provas separada do departamento. O trabalho delas era 15 controlado por um supervisor, como ocorria no departamento, mas foi incluído na sala um observador, que procurava mantê-las à vontade, trabalhando em cooperação e no ritmo normal. O horário de trabalho era reduzido, com intervalos de descanso. As operárias ganhavam lanches. Também aprovavam previamente as mudanças e eram informadas sobre os resultados obtidos (Homans, 1979). A experiência foi dividida em 12 períodos de tempo. No 11º período, quase um ano depois do seu início, os pesquisadores verificaram novamente a presença do fator psicológico. Além de aumentar a produtividade, o relacionamento entre as moças melhorou. O clima era amistoso e sem pressões. Elas perderam o medo do supervisor, que atuava como um orientador, tornaram- se amigas, formando uma equipe unida em torno dos mesmos objetivos (Homans, 1979). Na terceira experiência (1928-1930), o objetivo era analisar as relações humanas no trabalho. Iniciou-se um programa de entrevistas com os funcionários da empresa, para identificar as suas atitudes, sentimentos e opiniões sobre as tarefas que realizavam. Eles aprovaram o programa, que ocasionou o aumento imediato da produtividade e o aperfeiçoamento dos supervisores com base no conhecimento dos problemas e anseios dos subordinados. Durante os dois anos em que durou a experiência, foram entrevistados aproximadamente 21.126 funcionários. A empresa criou a Divisão de Pesquisas Industriais com o propósito de estendê-lo e de entrevistar anualmente os funcionários (Homans, 1979). A análise das respostas das entrevistas revelou a existência de grupos informais, que se formavam para proteger os interesses e zelar pelo bem-estar dos seus membros. Eles permaneciam unidos por meio da lealdade entre si. Quando algum integrante queria manifestar lealdade tambémà organização, ocorriam conflitos, tensão, nervosismo e insatisfação (Homans, 1979). Na quarta experiência (1930-1932), os pesquisadores procuraram investigar a organização informal, inserindo na sala de provas um grupo de vinte funcionários da montagem de terminais para estações telefônicas. Dentro da sala ficava um observador e fora dela um entrevistador, que eventualmente conversava com eles. Foram mantidas as mesmas condições ambientais do departamento, mas o sistema de pagamento foi modificado, de modo que o salário aumentava de acordo com o aumento da produção total do grupo. 16 O observador verificou o emprego de artifícios pelos funcionários, tais como diminuição do ritmo de trabalho logo que eles terminavam de montar o que consideravam ser a produção habitual; solicitação de pagamento por excesso de produção; igualdade de sentimentos e solidariedade grupal; aplicação de métodos para garantir as suas atitudes e de punições simbólicas para os tidos como delatores (Homans, 1979). Conforme Oliveira (2012), as conclusões dos estudos de Hawthorne foram as seguintes. O aumento da competência e da eficiência dos funcionários é fruto da sua integração e do seu relacionamento social; As regras, os objetivos e as orientações definidas pelo grupo regem o comportamento individual. No caso dos grupos informais, muitas vezes em maior grau do que as normas das organizações; Os fatores psicológicos, tais como o nível de satisfação ou de insatisfação, influenciam mais no relacionamento social e na produtividade dos funcionários do que os fatores fisiológicos e as condições do ambiente de trabalho; Os funcionários costumam rejeitar as melhorias e as inovações técnicas, porque acham que produzirão mais com o mesmo salário; Os intervalos de descanso também contribuem para o aumento da produtividade, embora o seu efeito seja mais evidente quando implantados juntos com outros fatores motivacionais; A natureza e o conteúdo do cargo afetam diretamente a motivação do funcionário e o seu rendimento. Segundo Clegg, Kornberger e Pitsis (2011), com base nessas conclusões, Mayo traçou os princípios da abordagem humanista. 17 Figura 6 – Princípios da abordagem humanista Fonte: Clegg; Kornberger; Pitsis, 2011. TEMA 4 – A ORGANIZAÇÃO INFORMAL Ao enfatizar a importância do trabalho na vida das pessoas com base nos resultados dos Estudos de Hawthorne sobre a influência dos fatores psicológicos na produtividade, a abordagem humanista foi além da abordagem clássica, dominante até então. Isso fez com que os estudiosos procurassem definir e identificar os elementos da organização informal. Os princípios e as funções atribuídas ao administrador por Fayol deram margem à definição da organização formal, como um conjunto de atributos, normas, processos e procedimentos formulados pela direção, que sustentam a realização das tarefas organizacionais. Eles são formulados de acordo com os componentes da estrutura, tais como divisão do trabalho, especialização, hierarquia de autoridade, entre outros, que podem apresentar um formato linear O trabalho deve ser considerado uma atividade grupal, não individual. O trabalho é fundamental na vida da maioria das pessoas. Uma falha grave da maioria das outras teorias da Administração é a desconsideração às relações humanas. As pessoas desenvolvem no trabalho o sentido de fazerem parte de um grupo social e procuram satisfazer a sua necessidade de reconhecimento e do que é fundamental para a sua produtividade. As reclamações dos trabalhadores podem ser uma expressão de alguma questão vital psicologicamente situada. Os grupos sociais informais construídos no trabalho influenciam significativamente na disposição e no bem-estar dos trabalhadores. A colaboração no contexto dos grupos informais pode ser apoiada pela administração por meio da oferta de benefícios organizacionais positivos, com o intuito de gerar maior coesão e unidade no trabalho. O local de trabalho deve ser considerado um sistema social composto por partes interdependentes. 18 ou funcional. Logo, a configuração da organização formal é orientada por práticas definidas intencionalmente para o alcance de determinados objetivos. A organização informal surge de maneira espontânea, englobando os relacionamentos e as interações formadas pelas pessoas no trabalho por meio dos seus sentimentos, atitudes, interesses, opiniões, da necessidade de pertencerem e de atuarem em grupo. Além disso, tendo em vista a natureza dos cargos que ocupam, muitas vezes as pessoas precisam interagir entre si para exercerem as suas tarefas, num contato que se prolonga fora do trabalho (Chiavenato, 2014). Segundo Chiavenato (2014), a organização informal possui as características listadas abaixo. Existência de relações pessoais de identificação ou de rivalidade entre os integrantes do grupo informal; Obtenção de status social em decorrência do papel desempenhado no grupo informal e a despeito do cargo ocupado; Colaboração voluntária entre os integrantes do grupo informal; Elaboração natural de padrões de relações e atitudes aceitos e absorvidos pelos integrantes do grupo informal por expressarem os seus interesses e anseios; Desenvolvimento de oposição à organização formal, no caso de a direção ser incapaz de proporcionar um clima favorável na relação com os subordinados; Padrões de desempenho individual maiores ou menores do que aqueles definidos pela direção, variando de acordo com a motivação, o reconhecimento, a integração e a aprovação no grupo informal; Tendência de alteração dos vínculos nos grupos informais devido a mudanças na organização formal, tais como contratação de novos funcionários, rotatividade e transferência de pessoal; Duração e natureza dos relacionamentos entre os integrantes do grupo informal que ultrapassa o horário de trabalho e os limites físicos da empresa, se estendendo aos períodos de lazer. 19 TEMA 5 – CRÍTICAS À ABORDAGEM HUMANISTA Os princípios da abordagem humanista predominaram na administração até meados do século XX, permitindo que os psicólogos começassem a investigar e a influenciar a condução das atividades da organização, além dos engenheiros. No entanto, eles também receberam várias críticas, como especifica Chiavenato (2014). Forte oposição à abordagem clássica, à medida que aspectos organizacionais considerados essenciais pelos seus adeptos foram praticamente ignorados. Interpretação equivocada e distorcida de alguns problemas gerados pelas relações no trabalho, tais como as tensões e os conflitos entre os interesses dos funcionários e os interesses da organização, estimulando somente a união e a harmonia; Concepção do funcionário como feliz, satisfeito, produtivo e integrado ao grupo e ao ambiente de trabalho. Os resultados de pesquisas posteriores, nem sempre comprovaram a relação entre satisfação ou coesão grupal e produtividade; Elton Mayo e sua equipe focalizaram nos seus estudos somente o ambiente da fábrica, não ampliando as suas investigações para outros tipos de organizações, tais como bancos, hospitais, universidades etc., o que restringe a aplicabilidade das suas descobertas; Enquanto a abordagem clássica salientou somente os aspectos da gerência administrativa e da organização formal, a abordagem humanista se limitou a analisar apenas a organização informal; Na realidade, o propósito de Elton Mayo e sua equipe não era acabar com a degradação do trabalho decorrente do domínio de uma concepção racional, mecanicista e desumana, mas antes solucionar os problemas causados pela resistência dos trabalhadores a essa degradação. Sem dúvida os seus estudos constituem um avanço mediante ao taylorismo, mas asorganizações continuaram a ser consideradas como estruturas imunes às pressões e influências do ambiente externo. 20 TROCANDO IDEIAS Você precisa ir ao supermercado nesta semana? Então, antes de ir, reflita sobre a seguinte questão: como você aplicaria as funções administrativas formuladas por Fayol nas suas compras no supermercado? NA PRÁTICA Após a leitura, você deve ter percebido que há grande diferença entre os fundamentos administrativos da abordagem clássica e da abordagem humanista. 1. Leia com atenção as características abaixo. a. A organização é vista como uma máquina. b. Enfatiza a lealdade entre as pessoas. c. Inspirada em sistemas de engenharia. d. Linhas claras de autoridade. e. O homem busca satisfazer no trabalho as suas necessidades psicológicas. f. Os problemas da organização são de natureza social. g. Separação entre linha e staff. h. Competência técnica. 2. Preencha o quadro abaixo, identificando quais delas são características da abordagem clássica e da abordagem humanista. Abordagem clássica Abordagem humanista 3. Discuta em classe as respostas com os colegas. 21 FINALIZANDO Nesta aula descobrimos que Jules Henri Fayol foi o pioneiro da abordagem clássica da administração. Ele procurou estabelecer os princípios e as funções administrativas da organização, considerando-a como uma estrutura. Já a abordagem humanista foi iniciada por George Elton Mayo com base nos Estudos de Hawthorne, cujos resultados possibilitaram desvendar o outro lado do ambiente de trabalho mediante a identificação dos grupos sociais. Juntas, as duas abordagens revelaram as dimensões complementares da organização formal e da organização informal. Vimos também as críticas severas que as duas abordagens receberam posteriormente, além daquelas atribuídas à administração científica. Apesar disso, elas não foram suficientes para abalar o reconhecimento de que tais pesquisadores abriram o caminho para o entendimento da gestão das organizações. 22 REFERÊNCIAS BOURKE, H. Mayo, George Elton (1880-1949). Australian Dictionary of Biography, 1986. v. 10. Disponível em: <http://adb.anu.edu.au/biography/mayo- george-elton-7541>. Acesso em: 12 nov. 2018. BRENER, J. 1929: a crise que mudou o mundo. Rio de Janeiro: Ática, 2006. CLEGG, S.; KORNBERGER, M.; PITSIS, T. Administração e organizações: uma introdução à teoria e à prática. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2011. FAYOL, H. Administração geral e industrial. [1950]. 10.ed. São Paulo: Atlas, 1990. FERREIRA, D. Pensadores – Elton Mayo. Administradores sem Segredo, 2016. Disponível em: <http://admsemsegredos.com/pensadores-elton-george- mayo/>. Acesso em: 12 nov. 2018. HOMANS, G. C. As pesquisas na Western Electric. In: BALCÃO, Y. F.; CORDEIRO, L. L. O comportamento humano na empresa. 4. ed. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1979. MAXIMIANO, A. C. A. Teoria geral da administração: da revolução urbana à revolução digital. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017. OLIVEIRA, D. DE P. R. DE. História da administração: como entender as origens, as aplicações e as evoluções da administração. São Paulo: Atlas, 2012. ROBBINS, S. P. Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2002. SILVA, R. O. da. Teorias da administração. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2008. TAYLOR, F. W. Princípios da administração científica. [1953]. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1990. WREN, D. A. Henri Fayol: learning from experience. Journal of Management History, v. 1, n. 3, p. 5-12, 1995. http://admsemsegredos.com/pensadores-elton-george-mayo/ http://admsemsegredos.com/pensadores-elton-george-mayo/ INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DA ADMINISTRAÇÃO AULA 3 Profª Valéria Silva da Fonseca CONVERSA INICIAL Nesta aula, abordaremos o desenvolvimento da abordagem da burocracia e da abordagem estruturalista. As características da burocracia foram descritas pelo sociólogo Max Weber no início do século XX, quando se tornou a forma dominante de organização na sociedade moderna. Já o estruturalismo foi introduzido na administração no final da década de 1950, em decorrência da necessidade de integrar os elementos organizacionais formais e informais investigados pela abordagem clássica e pela abordagem humanista, visando à obtenção de um entendimento mais abrangente da organização. Descobriremos que, para tanto, os seus adeptos recuperaram a concepção weberiana de burocracia, delineando a visão da organização como um sistema racional e eficiente, composto por dimensões interdependentes, entre as quais o poder, estudado pelo sociólogo Amitai Etzioni, e o conflito. No final, veremos também as críticas feitas à abordagem estruturalista. CONTEXTUALIZANDO Se você perguntar para qualquer pessoa na rua o que é burocracia, a resposta provavelmente será algo parecido com “papelada”, atraso na solução de requerimentos, ineficiência, incompetência, descaso, sobretudo nas instituições públicas. Enfim, “dor de cabeça”. Essa ideia negativa está tão enraizada na sociedade que não é de hoje que ouvimos falar sobre as dificuldades para se abrir e fechar uma empresa no Brasil por causa do excesso de burocracia. São diversos formulários e documentos para preencher, uma romaria por vários órgãos governamentais para entregá-los, muitas regras para acatar, diversas taxas para pagar. E, ainda, frequentemente se destaca na mídia especializada que o tempo para se abrir uma empresa aqui é um dos mais demorados do mundo. Chegou-se ao ponto de a diminuição da burocracia virar promessa de governo atual e futuro. Aliás, você sabia que o Brasil já teve um Ministério da Desburocratização? Ele foi criado no período 1979-1986, para diminuir o impacto do sistema burocrático na economia e na vida das pessoas. Se você encara a burocracia como a maioria dos brasileiros, descobrirá nesta aula que está equivocado. É ela que garante que as organizações sejam eficientes e produtivas, não o contrário. Logo, todas as organizações são 3 burocracias, em menor ou maior grau, à medida que o seu funcionamento é baseado em ações racionais. O que acontece é que as pessoas confundem as irregularidades na sua gestão com o seu significado real. Vamos entender melhor tudo isso? TEMA 1 – ABORDAGEM DA BUROCRACIA: WEBER, A ORGANIZAÇÃO BUROCRÁTICA E AS FORMAS DE RACIONALIDADE Até meados do século XIX, a Alemanha era uma monarquia imperial importante e poderosa. Os seus portos, cidades comerciais e bancos em muito contribuíam para o desenvolvimento econômico da Europa. No entanto, em decorrência de uma série de particularidades históricas, a sua trajetória rumo ao capitalismo e à industrialização ocorreu de forma tardia e diferente da dos demais países europeus, sobretudo da Inglaterra. O país era dividido em vários territórios, governados por reis, príncipes e duques de modo autoritário, mas os proprietários rurais dominavam o Estado e o exército. Eles mantinham relações de trabalho feudais em uma economia que se apoiava na agricultura e no artesanato, com baixos níveis de produtividade (Kemp, 1987). Somente a partir da unificação política e administrativa da Alemanha em um Estado-nação, firmada em 1871, foram consolidadas no país as bases já existentes para o surgimento de uma sociedade industrial avançada e competitiva no comércio internacional. A classe operária possuía elevado grau de instrução, havia disponibilidade de matéria-prima, investia-se em pesquisa e desenvolvimento, o que colaborou para a criação de tecnologias eficientes e inovadoras, sobretudo nos setores químico, automobilístico e elétrico. Bancos privados e de fomento se associavam com as empresas, garantindo o retorno financeiro esperado dos investimentos. E
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