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ANEMIAS CARENCIAIS SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Anemia ferropriva - Fisiologia do ferro .............. 8 3. Anemia ferropriva – Estágios, manifestações clínicas e diagnóstico ...................................................15 4. Anemia ferropriva – Abordagem e tratamento ..........................................18 Prevenção ........................................................................19 5. Anemias megaloblásticas - Fisiopatologia ....27 6. Anemia megaloblástica – Aspectos clínicos e abordagem ..............................32 Referências bibliográficas .........................................42 3ANEMIAS CARENCIAIS 1. INTRODUÇÃO As anemias são as alterações hema- tológicas mais comuns no mundo, re- sultantes da diminuição na concen- tração de eritrócitos e hemoglobina, essenciais no transporte de oxigênio. São consideradas como um grupo he- terogêneo, classificado conforme ca- racterísticas celulares dos eritrócitos e etiologia da anemia. Por apresentar diversas causas, o estudo e a diferen- ciação das características fisiopatoló- gicas, morfológicas e de seus sinto- mas tornam-se fundamentais. CONCEITO O termo anemia representa uma condição na qual o número de he- mácias ou sua capacidade de transpor- tar oxigênio é insuficiente para atender às necessidades fisiológicas. De origem multifatorial, pode ser ocasionada pela deficiência de ferro e/ou diversos outros micronutrien- tes, por perdas sanguíneas, pro- cessos infecciosos e patológicos concomitantes, uso de medicações específicas que impeçam ou pre- judiquem a absorção do ferro. A principal causa de anemia é a de- ficiência de ferro, estando associada a mais de 60% dos casos em todo o mundo. Calcula-se que quase dois bilhões de pessoas em todo o mundo apre- sentam anemia e que de 27% a 50% da população seja afetada pela defi- ciência de ferro. Mesmo acometen- do todos os grupos etários e níveis sociais, com ampla distribuição ge- ográfica, a anemia ferropriva ainda é uma doença que atinge priorita- riamente as camadas socialmente menos favorecidas, de menor renda e desenvolvimento. No Brasil, os da- dos variam muito, mas a maior parte provém de estudos isolados, de gru- pos e não representativos da realida- de nacional. Variam de 40% a 50% das crianças estudadas, sendo maior em crianças menores de três anos e gestantes. As consequências da anemia para a saúde incluem complicações durante a gestação, desenvolvimento físico e cognitivo prejudicado, aumento do risco de morbidade em crianças e re- dução da produtividade no trabalho em adultos. Os valores de concen- tração da hemoglobina (Hb) consi- derados no diagnóstico de anemia em relação a valores já definidos na literatura como limite máximo e limite mínimo são apresentados, conforme sexo, idade e período gestacional, na Tabela 1. 4ANEMIAS CARENCIAIS IDADE/SEXO VARIAÇÃO NORMAL DE HB ANÊMICO SE HB MENOR QUE Nascido a termo 13,5-18,5 13,5 (Ht 34,5) 2 a 6 meses 9,5-13,5 9,5 (Ht 28,5) 6 meses a 6 anos 11,0-14,0 11,0 (Ht 33,0) 6 a 12 anos 11,5-15,5 11,5 (Ht 34,5) Homens adultos 13,0-17,0 13,0 (Ht 39,0) Mulheres não grávidas 12,0-15,0 12,0 (Ht 36,0) Grávidas 1º trimestre 11,0-14,0 11,0 (Ht 33,0) Grávidas 2º trimestre 10,5-14,0 10,5 (Ht 31,5) Grávidas 3º trimestre 11,0-14,0 11,0 (Ht 33,0) Tabela 1. Caracterização da anemia baseada na taxa de hemoglobina normal ao nível do mar. Fonte: Adaptado da Organização Mundial da Saúde (2003). No entanto, sabe-se que pode haver uma diferença na concentração de hemoglobina de acordo com etnia e condições ambientais (por exemplo, altitude), as quais devem ser consi- deradas na interpretação dos exames laboratoriais. SE LIGA! De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a anemia em adultos é definida como a concentração de hemoglobina abaixo de 13,0 g/dL em homens e abaixo de 12,0 g/dL em mu- lheres. Contudo, na literatura, é descrita uma variação nos valores tidos como de referência, considerando valores típicos para definir anemia abaixo de 13,5 g/dL em homens adultos e abaixo de 11,5 g/ dL em mulheres adultas. A maneira usual de se analisar as anemias é de acordo com a sua pa- togênese e etiologia, classificando- -as de acordo com a morfologia eritrocitária e com a fisiopatologia. Uma vez estabelecida a presença da anemia (pela concentração de hemo- globina), deve-se analisar os índices hematimétricos a fim de observar a classificação morfológica. Os índices hematimétricos a serem avaliados são: volume corpuscular médio (VCM) dos eritrócitos, concen- tração de hemoglobina (Hb), quan- tidade de hemoglobina corpuscular média por eritrócito (HCM), concen- tração hemoglobínica corpuscular média (CHCM — média da concentra- ção de hemoglobina pelo volume total de eritrócitos) e do red cell distribution width (RDW — indica a variação do tamanho das hemácias, também de- nominado anisocitose), os quais com- põem os índices hematimétricos obti- dos por meio do hemograma. Análises laboratoriais, como a con- tagem de reticulócitos (avalia a ca- pacidade de regeneração da medula pela contagem do eritrócito jovem, reticulócito) e a microscopia (avalia 5ANEMIAS CARENCIAIS o esfregaço sanguíneo, permitin- do identificar formas eritrocitárias e inclusões celulares), podem auxiliar no diagnóstico diferencial das anemias. Contagem de eritrócitos Eritrócitos 4–5,3 M/μL (M) 4,5–6 M/μL (H) Hemoglobina 11–15,5 g/dL (M) 12–18 g/dL (H) Hematócrito 38–48% (M) 40–54% (H) Reticulócitos 25–100.000/μL ou 0,5–1,5 % Índices eritrocitários VCM 82–98 fL HCM 27–33 pg CHCM 31–35% RDW 11–15% Exames laboratoriais Ferritina sérica 20–150 ng/ mL (M) 30–200 ng/mL (H) Ferro sérico 50–170 μg/ dL (M) 65–175 μg/dL (H) Capacidade ferropéxica 250–400 μg/dL Saturação de transferrina (razão ferro sérico/ capacidade ferropéxica) 25–50% Tabela 2. Exames laboratoriais para investigação das anemias e diagnóstico diferencial. Fonte: Hematologia Básica, 2 ed, 2019 MICROCÍTICA, HIPOCRÔMICA NORMOCÍTICA, NORMOCRÔMICA MACROCÍTICA VCM < 80 fL HCM < 27 pg VCM = 80–95 fL HCM ≥ 27 pg VCM > 95 fL Deficiência de ferro Muitas anemias hemolíticas Megaloblástica: deficiências de vitamina B12 e folato Talassemias Anemia de doença crônica (alguns casos) Não megaloblástica: abuso de ál- cool, hepatopatias, mielodisplasias, anemia aplástica, etc Anemia de doença crônica (alguns casos) Anemia pós-hemorrágica aguda Intoxicação por chumbo Nefropatias Anemia sideroblástica (alguns casos) Deficiências mistas Insuficiência da medula óssea (p. ex. pós-quimioterapia, infiltração por carcinoma, etc.) Tabela 3. Diagnóstico diferencial das anemias conforme morfologia dos eritrócitos (volume e coloracão). A anemia por deficiência de ferro, talassemia maior, anemia sideroblástica, anemia hemolítica autoimune e anemias por mielodispla- sias apresentam RDW aumentado. Fonte: Hematologia Básica, 2 ed, 2019 6ANEMIAS CARENCIAIS Diminuição da produção (hipoproliferativas) Deficiência de ferro Anemia de doença crônica Anemia megaloblástica (deficiência de vitamina B12 ou ácido fólico) Anemia aplásica Aplasia eritroide pura Infiltração da medula óssea (carcinoma, linfoma) Aumento da destruição Perda aguda de sangue Hemólise intrínseca (esferocitose hereditária, eliptocitose hereditária, anemia falciforme, talassemia, hemoglobina instável, deficiência de piruvatoquinase, deficiência de G6PD) Hemólise extrínseca (crioaglutininas, autoimune, púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolíticourê- mica, prótese valvar mecânica, hiperesplenismo) Tabela 4. Os tipos de anemias conforme a fisiopatologia. Fonte: Hematologia Básica, 2 ed, 2019 7ANEMIAS CARENCIAIS MAPA MENTAL: INTRODUÇÃO ANEMIAS Diminuição na concentração de eritrócitos e Hb Homens adultos Mulheres adultas Afeta quase 2 milhões de pessoas no mundo Mais prevalente em crianças em idade pré-escolar e mulheres grávidasProblema de saúde pública Deficiência de ferro Deficiência de folato Deficiência de vitamina B12 Hb < 13 Hb < 12 Definição Epidemiologia Anemias carenciais 8ANEMIAS CARENCIAIS 2. ANEMIA FERROPRIVA - FISIOLOGIA DO FERRO O ferro é o metal mais presente no corpo humano e participa de todas as fases da síntese proteica e dos sistemas respiratórios, oxidativos e anti-infecciosos do organismo. A maior parte do ferro utilizado no organismo humano é proveniente do próprio sistema de reciclagem de hemácias, e uma pequena parte pro- veniente da dieta, advindo de fontes vegetais ou inorgânicas (ferro não he- mínico), e da carne e ovos (ferro hemí- nico ou orgânico). Diferente do ferro não heme, que sofre intensa influên- cia de fatores antinutricionais no seu processo absortivo, o ferro heme tem regulagem própria e independente de ação de mecanismos inibidores ou facilitadores da dieta. A secreção gástrica de ácido clorídrico (neces- sária para a solubilização dos sais de ferro e para a manutenção do ferro na forma ferrosa Fe2+) também é im- portante para a absorção do mineral. A deficiência de ferro é a causa pre- dominante de anemia microcítica e hipocrômica, na qual os dois índices eritrocitários, volume corpuscular mé- dio (VCM) e hemoglobina corpuscular média (HCM) estão diminuídos, e a microscopia da distensão de sangue mostra eritrócitos pequenos (microcí- ticos) e pálidos (hipocrômicos). Esse aspecto decorre de defeitos na sín- tese de hemoglobina. Os principais diagnósticos diferenciais em casos de anemia microcítica e hipocrômica são a talassemia e a anemia de doença crônica. 9ANEMIAS CARENCIAIS Distribuição e transporte de ferro no organismo O transporte e o armazenamento do ferro são mediados por três pro- teínas: transferrina, receptor 1 de transferrina (TfR1) e ferritina. A molécula de transferrina pode conter até dois átomos de ferro. Ela conduz e entrega ferro a tecidos que têm receptores de transferrina, prin- cipalmente os eritroblastos na medu- la óssea, que incorporam o ferro na hemoglobina. A transferrina é, então, reutilizada. Os eritrócitos, ao final da sobrevida, são destruídos nos macró- fagos do sistema reticuloendotelial, e o ferro é liberado da hemoglobina, entra no plasma e supre a maior par- te do ferro da transferrina. Só uma pequena fração do ferro da transfer- rina plasmática vem da alimentação, sendo absorvida pelo duodeno e pelo jejuno. Algum ferro é armazenado nas célu- las reticuloendoteliais como ferritina e hemossiderina, em quantidades muito variáveis, conforme o status do ferro no organismo. Ferritina é um complexo hidrossolúvel proteína-fer- ro formado por uma concha proteica externa, a apoferritina, que consiste em 22 subunidades, e um núcleo de Figura 1. Causas de anemias hipocrômica e microcítica. Elas incluem deficiência de ferro ou de liberação de ferro dos macrófagos para o plasma (anemia da inflamação crônica ou de doenças malignas), insuficiência de síntese de pro- toporfirina (anemia sideroblástica) e de globina (α ou β-talassemia). O chumbo também inibe a síntese de heme e de globina. Fonte: Hematologia Básica, 2 ed, 2019 10ANEMIAS CARENCIAIS hidroxifosfato de ferro. O ferro consti- tui até 20% de seu peso e não é visí- vel à microscopia óptica. Hemossiderina é um complexo inso- lúvel de proteína-ferro, de composi- ção variável, contendo cerca de 37% em peso de ferro. É derivada da diges- tão lisossômica parcial de agregados de moléculas de ferritina e é visível à microscopia óptica nos macrófagos e em outras células após coloração com a reação de azul da prússia. O ferro na ferritina e na hemossiderina está na forma férrica. Ele é mobilizado após a redução à forma ferrosa. Uma enzima que contém cobre, a cerulo- plasmina, catalisa a oxidação do fer- ro para a forma férrica para ligação à transferrina plasmática. Também há ferro nos músculos como mioglobina e na maioria das células do organismo em enzimas (ex: cito- cromos ou catalases). Em estados de deficiência, o ferro tecidual tem me- nor probabilidade de ser depletado do que a hemossiderina, a ferritina e a hemoglobina, porém pode ocorrer alguma redução no conteúdo dessas enzimas que contêm heme. QUANTIDADE DE FERRO NO ADULTO MÉDIO HOMENS (G) MULHERES (G) PORCENTAGEM DO TOTAL Hemoglobina 2,4 1,7 65 Ferritina e hemossiderina 1 (0,3-1,5) 0,3 (0-1) 30 Mioglobina 0,15 0,12 3,5 Enzimas heme (p. ex., citocromos, catalase, peroxi- dases, flavoproteínas) 0,02 0,015 0,5 Ferro ligado à transferrina 0,004 0,003 0,1 Tabela 5. Distribuição do ferro no organismo. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 11ANEMIAS CARENCIAIS Ferro na dieta e absorção de ferro O ferro está presente nos alimen- tos como hidróxidos férricos, comple- xos férricoproteicos e complexos he- me-proteicos. Tanto o conteúdo de ferro como a proporção absorvida variam de um alimento para outro; em geral, carnes – particularmen- te fígado – são melhores fontes do que vegetais, ovos e laticínios. A dieta ocidental diária média con- tém de 10 a 15 mg de ferro, dos quais somente 5 a 10% são normalmen- te absorvidos. A proporção pode ser aumentada para 20 a 30% na deficiência de ferro ou na gestação, mas, inclusive nessas circunstâncias, a maior parte do ferro da dieta não é absorvida e é perdida nas fezes. Figura 2. Ciclo diário do ferro. A maior parte do ferro presente no organismo localiza-se na hemoglobina circulante e é reutilizada para síntese de hemoglobina após a morte dos eritrócitos. O ferro é transferido dos macrófagos para a transferrina do plasma e depois para os eritroblastos da medula óssea. A absorção do ferro, em geral, é suficiente apenas para compensar a perda. A linha tracejada indica eritropoese ineficaz. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 12ANEMIAS CARENCIAIS Parte do ferro orgânico da dieta é ab- sorvida como heme e parte é trans- formada em ferro inorgânico no intes- tino. A absorção ocorre no duodeno. O heme é absorvido por meio de um re- ceptor ainda não identificado, expos- to na membrana apical do enterócito duodenal; ele é, então, digerido para liberar ferro. A absorção de ferro inor- gânico é favorecida por fatores como ácidos e agentes redutores que man- têm o ferro na luz do intestino na for- ma Fe2+, em vez de Fe3+. FATORES QUE FAVORECEM A ABSORÇÃO FATORES QUE DIMINUEM A ABSORÇÃO Ferro heme Ferro inorgânico Forma ferrosa (Fe2+) Forma férrica (Fe3+) Ácidos (HCl, vitamina C) Álcalis – antiácidos, secreções pancreáticas Agentes solubilizantes (p. ex., açúcares, aminoácidos) Agentes precipitantes – fitatos, fosfatos, chá Redução da hepcidina sérica Aumento da hepcidina sérica Eritropoese ineficaz Diminuição da eritropoese Gestação Inflamação Hemocromatose hereditária Tabela 6. Absorção de ferro. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 Necessidades de ferro A quantidade diária de ferro neces- sária para compensar as perdas do organismo e para o crescimento varia com a idade e com o sexo; é máxima na gestação, na adolescência e nas mulheres que menstruam. Esses gru- pos, portanto, são particularmente suscetíveis a desenvolver deficiência de ferro se houver perda adicional ou diminuição prolongada da ingestão. Causas da deficiência de ferro Em países desenvolvidos, a inges- tão inadequada ou a má absorção de ferro raramente são causas isoladas de anemia ferropênica. A enteropatia induzida por glúten, a gastrectomia parcial ou total (inclusive por cirurgia bariátrica) e a gastrite atrófica (ge- ralmente autoimune e com infecção por Helicobacter pylori) podem, no entanto, desencadear deficiência de ferro. Em países em desenvolvimen- to, pode ocorrer deficiência de ferro como resultado de uma dieta pobre, consistindo principalmente de cereais e verduras, ao longo de toda a vida. As verminoses (ancilostomose, es- tron- giloidíase) causam ou agravam a deficiência de ferro, como tambémpodem agravar gestações sucessivas e menorragia em mulheres jovens. O aumento das necessidades nos lactentes, na adolescência, na gesta- ção, na lactação e nas mulheres nos anos em que menstruam é responsá- vel pelo alto risco de anemia nesses grupos clínicos particulares. 13ANEMIAS CARENCIAIS CAUSAS DE DEFICIÊNCIA DE FERRO Perda crônica de sangue Uterina Gastrintestinal, como por exemplo úlcera péptica, varizes esofágicas, ingestão de ácido acetilsalicílico (ou ou- tro anti-inflamatório não hormonal), gastrectomia, carcinoma de estômago, ceco, colo ou reto, ancilostomose, esquistossomose, angiodisplasia, doença inflamatória intestinal, pólipos, diverticulose Raramente hematúria, hemoglobinúria, hemossiderose pulmonar, perda de sangue autoinfligida Aumento de demanda Prematuridade Crescimento Gravidez Tratamento com eritropoetina Má absorção: Enteropatia induzida por glúten, gastrectomia (incluindo cirurgia bariátrica), gastrite autoimune Dieta pobre: Fator relevante em muitos países em desenvolvimento, mas raramente a única causa em países desenvolvidos Tabela 7. Causas de deficiência de ferro. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 SAIBA MAIS! São necessários cerca de 8 anos para um homem normal adulto desenvolver anemia ferropê- nica somente como resultado de dieta pobre ou defeito absortivo que resultem em absorção zero de ferro. 14ANEMIAS CARENCIAIS MAPA MENTAL: ANEMIA FERROPRIVA – FISIOLOGIA DO FERRO Síntese proteica FISIOLOGIA DO FERRO Sistemas respiratório, oxidativo e anti-infecciosos Sistema próprio de reciclagem de hemácias (maior parte) Alimentação Transferrina e TfR1 Ferritina Funções do ferro Fontes de ferro Ferro não hemínico Intensa influência de fatores da dieta no processo absortivo Ferro hemínico ou orgânico Regulagem própria independente da dieta Melhores fontes Fontes vegetais ou inorgânicas Carnes e ovos Transportam o ferro Armazena o ferro Transporte e armazenamento do ferro 15ANEMIAS CARENCIAIS 3. ANEMIA FERROPRIVA – ESTÁGIOS, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO Quando a deficiência de ferro está se desenvolvendo, só ocorre anemia quando já há depleção completa dos depósitos reticuloendoteliais de he- mossiderina e ferritina. À medida que a condição evolui, o paciente passa a mostrar sinais e sintomas gerais de anemia. As manifestações clínicas da defici- ência de ferro são determinadas pe- los estágios de depleção, deficiên- cia de ferro e anemia propriamente dita, quando as repercussões clínicas e fisiológicas são aparentes, como apatia, cansaço, irritabilidade, taqui- cardia e outros. Exames laborato- riais específicos oferecem diagnós- tico em cada um destes períodos. A depleção de ferro, primeiro está- gio, é caracterizada por diminuição dos depósitos de ferro no fígado, baço e medula óssea e pode ser diagnosticada a partir da ferritina sérica, principal parâmetro utiliza- do para avaliar as reservas de ferro, por apresentar forte correlação com o ferro armazenado nos tecidos. Entre- tanto, a concentração de ferritina é in- fluenciada pela presença de doenças hepáticas e processos infecciosos e inflamatórios, devendo ser interpre- tada com cautela. No segundo estágio (deficiência de ferro), são utilizados para diagnós- tico a própria redução do ferro sé- rico, aumento da capacidade total de ligação da transferrina (>250- 390μg/dl) e a diminuição da satura- ção da transferrina (<16%). Outros exames podem ser necessários como a transferrina, zincoprotoporfirina eri- trocitária e capacidade total de liga- ção do ferro. O ferro sérico é relevante no diagnóstico quando seus valores se encontram menores que 30mg/dl. A anemia ferropriva (diminuição sanguínea da hemoglobina e he- matócrito e alterações hematimé- tricas) é o estágio final da deficiên- cia de ferro. Ainda na avaliação do hemograma, leucopenia e plaqueto- se também podem ser indicativos do quadro de anemia e devem ser con- siderados. A contagem dos reticu- lócitos se relaciona à eritropoiese, uma vez que o volume de hemoglo- bina presente nos reticulócitos repre- senta o volume de ferro disponível para a eritropoiese e é um indicador precoce da anemia ferropriva e déficit de hemoglobinização. Para o diagnóstico da anemia ferro- priva também é necessário conside- rar os sinais clínicos da deficiência de ferro, que podem ser utilizados em conjunto com parâmetros bioquí- micos e laboratoriais, tais como: • Redução da acidez gástrica • Gastrite atrófica 16ANEMIAS CARENCIAIS • Sangramento da mucosa intestinal • Irritabilidade • Distúrbios de conduta e percepção • Distúrbio psicomotor • Inibição da capacidade bactericida dos neutrófilos • Diminuição de linfócitos T • Diminuição da capacidade de tra- balho e da tolerância a exercícios • Palidez da face, das palmas das mãos e das mucosas conjuntival e oral • Respiração ofegante • Astenia e algia em membros inferiores • Unhas quebradiças e rugosas • Estomatite angular. Figura 3. Estomatite ou queilite angular: fissura e ulceração no canto da boca. Fonte: https://opas.org.br/wp-content/ uploads/2018/11/queilite-angular.jpg 17ANEMIAS CARENCIAIS Figura 4. Coloníquia: unhas típicas em “colher”. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 SE LIGA! A avaliação clínica não é suficiente para detecção de casos precocemente, uma vez que os sinais clínicos se tornam visíveis apenas depois da condição instalada ou quadro de deficiência já intenso, com consequências graves e de longa duração. Assim, o diagnóstico precoce é fundamental para a aplicação de tratamentos eficazes. 18ANEMIAS CARENCIAIS 4. ANEMIA FERROPRIVA – ABORDAGEM E TRATAMENTO Abordagem nutrológica Como visto, há dois tipos de ferro da dieta. Cerca de 90% do ferro dos ali- mentos estão na forma de sais de fer- ro, denominados ferro não-heme. O grau de absorção deste tipo de ferro é altamente variável e depende das reservas de ferro do indivíduo e de outros componentes da dieta. Os outros 10% do ferro da dieta es- tão na forma de ferro heme prove- nientes principalmente da hemoglo- bina e da mioglobina. O ferro heme é bem absorvido e seu nível de ab- sorção é pouco influenciado pelas reservas orgânicas de ferro ou por outros constituintes da dieta. Os constituintes da dieta que in- terferem na biodisponibilidade do ferro não-heme do pool de ferro in- traluminal podem ser classificados em estimuladores e inibidores da ab- sorção de ferro. Entre os fatores esti- muladores da dieta estão as carnes e os ácidos orgânicos como o cítrico, málico, tartárico, lático e, principal- mente, o ácido ascórbico. Entre os inibidores da absorção es- tão os polifenóis, fitatos, fosfatos e oxalatos. Os polifenóis são metabó- litos secundários de origem vegetal, ricos em grupos hidroxil fenólicos que formam complexos insolúveis com ferro. Polifenóis de alto peso mole- cular – os taninos – presentes no chá e no café são os maiores inibidores da absorção de ferro dos alimentos. O cálcio, em pequenas quantidades, parece aumentar a absorção de fer- ro, mas grandes quantidades inibem a absorção. Os fosfatos ligados ou não a proteínas formam complexos insolúveis com ferro e são os princi- pais responsáveis pela baixa biodis- ponibilidade do ferro dos ovos, leite e derivados. Os fitatos, presentes em MAPA MENTAL: ANEMIA FERROPRIVA – ESTÁGIOS, MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO 1º estágio: Depleção de ferro 2º estágio: Deficiência de ferro Estágio final: Anemia ferropriva Diminuição dos depósitos de ferro no fígado, baço e medula óssea Diagnóstico: • Redução da ferritina sérica Diagnóstico: • Redução do Ferro sérico • Aumento da Capacidade total de ligação da transferrina • Redução da Saturação da transferrina Diagnóstico: • Redução da Hemoglobina e do Hematócrito • Sinais clínicos 19ANEMIAS CARENCIAIS muitos cereais, inibem a absorção do ferro não heme da dieta através da formaçãode complexo insolúvel de fitato di e tetra-férrico. As dietas ocidentais contêm cerca de 6 mg de Fe/1000 kcal, estiman- do-se um consumo diário de 12 a 18 mg de ferro em muitos indivídu- os. Entre a população brasileira, há evidências da associação entre pre- valência de anemia e deficiência de ferro das dietas, uma vez que nestas a quantidade total e a biodisponibili- dade de ferro parecem insuficientes para atender as necessidades de fer- ro de vários grupos etários. Em relação às modificações da die- ta, há três principais formas de se aumentar as reservas orgânicas de ferro através da dieta: Aumentar o consumo de ferro heme. Aumentar o consumo de vitamina C e outros estimuladores da absorção de ferro nas refeições. Diminuir, durante as refeições, o con- sumo dos inibidores da absorção de ferro (chá, café, alguns cereais, leite e derivados). PREVENÇÃO As necessidades de ferro durante os primeiros anos de vida e durante a gestação são muito elevadas, por isso recomenda-se a adoção de medidas complementares ao estímulo à ali- mentação saudável, com o intuito de oferecer ferro adicional de forma pre- ventiva. Dessa forma, a prevenção da anemia por deficiência de ferro deve ser planejada com a priorização da suplementação de ferro medicamen- tosa em doses profiláticas; com ações de educação alimentar e nutricional para alimentação adequada e saudá- vel; com a fortificação de alimentos; com o controle de infecções e parasi- toses; e com o acesso à água e esgo- to sanitariamente adequado. As ações de prevenção da anemia de- vem priorizar intervenções que contri- buam para o enfrentamento dos seus principais determinantes. O esquema abaixo apresenta as janelas de opor- tunidades de prevenção e controle da anemia nos diferentes ciclos de vida. 20ANEMIAS CARENCIAIS ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO E CONTROLE DA ANEMIA Gestação 1. Suplementação profilática com ferro e ácido fólico. 2. Ingestão de alimentos que contenham farinhas enriquecidas com ferro e ácido fólico. 3. Alimentação adequada e saudável com ingestão de ferro de alta biodisponibilidade. Parto e nascimento 1. Clampeamento tardio do cordão umbilical. 2. Amamentação na primeira hora de vida. Primeiros seis meses de vida 1. Aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida. 2. Suplementação profilática de ferro para crianças prematuras e que nasceram com baixo peso. A partir dos seis meses até dois anos de idade 1. Alimentação complementar saudável e adequada em frequência, quantidade e biodisponibilidade de ferro. 2. Suplementação de ferro profilática. 3. Fortificação dos alimentos preparados para as crianças com micronutrientes em pó. Tabela 8. Estratégias de prevenção e controle da anemia. Fonte: Ministério da Saúde, Programa Nacional de Suple- mentação de Ferro: Manual de Condutas Gerais, 2013 SAIBA MAIS! O Brasil apresenta políticas para a suplementação do ferro desde 2005 (Programa Nacional de Suplementação de Ferro - PNSF), atingindo crianças de seis a 24 meses de idade, ges- tantes e lactantes até o terceiro mês pós-parto com suplementação profilática com sulfato ferroso via oral. Referência: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. De- partamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Suplementação de Ferro: manual de condutas gerais. 2013. A suplementação profilática com sulfato ferroso é uma medida com boa relação de custo e efetividade para a prevenção da anemia. O Pro- grama Nacional de Suplementação de Ferro (PNSF), desenvolvido no Brasil, consiste na suplementação profilática de ferro para todas as crianças de seis a 24 meses de idade, gestantes ao iniciarem o pré-natal, indepen- dentemente da idade gestacional até o terceiro mês pós-parto, e na suplementação de gestantes com ácido fólico. O esquema de administração da su- plementação profilática de sulfato ferroso preconizado pelo Programa encontra-se abaixo: 21ANEMIAS CARENCIAIS PÚBLICO CONDUTA PERIODICIDADE Crianças de seis a 24 meses 1 mg de ferro elementar/ kg Diariamente até completar 24 meses Gestantes 40 mg de ferro elementar Diariamente até o final da gestação Mulheres no pós-parto e pós-aborto 40 mg de ferro elementar Diariamente até o terceiro mês pós-parto e até o terceiro mês pós-aborto Tabela 9. Administração da suplementação profilática de sulfato ferroso. Fonte: Ministério da Saúde, Programa Nacio- nal de Suplementação de Ferro: Manual de Condutas Gerais, 2013 Recomendações especiais para o cui- dado de crianças: • Casos de anemia já diagnostica- dos: o tratamento deve ser prescri- to de acordo com a conduta clínica para anemia definida pelo profis- sional de saúde responsável. • Para crianças pré-termo (< 37 se- manas) ou nascidas com baixo peso (< 2.500g), a conduta de su- plementação segue as recomen- dações da Sociedade Brasileira de Pediatria. • Crianças em aleitamento materno exclusivo só devem receber suple- mentos a partir do sexto mês de idade. Se a criança não estiver em aleitamento materno exclusivo, a suplementação poderá ser realiza- da a partir dos quatro meses de ida- de, juntamente com a introdução dos alimentos complementares. • As parasitoses intestinais não são causas diretas da anemia, mas po- dem piorar as condições de saúde das crianças anêmicas. Por isso, para o melhor controle da anemia faz-se necessário que, além da su- plementação de ferro, sejam imple- mentadas ações para o controle de doenças parasitárias como a anci- lostomíase e a esquistossomose. • As crianças e/ou gestantes que apresentarem doenças que cur- sam por acúmulo de ferro, como doença falciforme, talassemia e hemocromatose, devem ser acom- panhadas individualmente para que seja avaliada a viabilidade do uso do suplemento de sulfato ferroso. Ressalta-se que a com- plementação de ferro oral a essas crianças deve ser considerada, por apresentarem igual chance de de- senvolverem anemia por deficiên- cia de ferro na fase de crescimento. • A suplementação profilática com ferro pode ocasionar o surgimento de efeitos colaterais em função do uso prolongado. Os principais efei- tos são: vômitos, diarreia e consti- pação intestinal. É fundamental que as famílias sejam orientadas quan- to à importância da suplementa- ção, bem como sejam informadas 22ANEMIAS CARENCIAIS sobre a dosagem, periodicidade, efeitos, tempo de intervenção e formas de conservação, para que a adesão seja efetiva, garantindo a continuidade e o impacto positivo na diminuição do risco da defici- ência em ferro e de anemia entre crianças. Recomendações especiais para o cui- dado de mulheres: • Com o objetivo de repor as reser- vas corporais maternas, todas as mulheres até o terceiro mês pós- -parto devem ser suplementadas apenas com ferro, mesmo que por algum motivo estejam impossibili- tadas de amamentar. • A suplementação também é re- comendada nos casos de abortos (40 mg ferro elementar/dia até o terceiro mês pós-aborto). • Casos de anemia já diagnostica- dos: o tratamento deve ser prescri- to de acordo com a conduta clínica para anemia definida pelo profis- sional de saúde responsável. • Apesar de normalmente ser o me- dicamento de escolha, o sulfato ferroso possui como limitantes as intercorrências gastrointestinais (vômitos, diarreia, constipação in- testinal, fezes escuras e cólicas). As gestantes devem ser orientadas quanto aos possíveis efeitos e a necessidade de se manter a suple- mentação até o final do esquema. Já a recomendação vigente da So- ciedade Brasileira de Pediatria orienta a suplementação profilática com dose de 1mg de ferro elementar/ kg ao dia dos três aos 24 meses de idade, independentemente do regime de aleitamento. Para lactentes nas- cidos pré-termo ou com baixo peso (menor de 1500g), a recomendação é de suplementação com 2mg/kg/dia a partir do 30º dia até os 12 meses. Já para os prematuros com baixo peso (entre 1000g e 1500g) a recomenda- ção de suplementação é de 3mg/kg/ dia até os 12 meses; e pararecém- -nascidos com menos de 1000g, de 4mg/kg/dia. Após o 1º ano de vida, a suplementação em todos os casos reduz-se para a dose de 1mg/kg/dia por mais 12 meses. A dose de suple- mentação profilática com ferro ele- mentar recomendada é diferenciada (30mg/ dia) para crianças entre 2 e 12 anos residentes em regiões com prevalência de anemia ferropriva su- perior a 40%. Para gestantes, a recomendação pro- filática é de 40mg/dia de ferro ele- mentar para mulheres não anêmicas, 60-120 mg/dia para gestantes com anemia, por mínimo de 60 dias. 23ANEMIAS CARENCIAIS SUPLEMENTAÇÃO PROFILÁTICA DE FERRO SBP Recém-nascidos a termo, de peso adequado para a idade gestacional em aleitamento materno exclusivo ou não 1 mg de ferro elementar/kg peso/dia a partir do 3º mês até 24º mês de vida Recém-nascidos a termo, de peso adequado para a idade gestacional em uso de menos de 500mL de fór- mula infantil por dia 1 mg de ferro elementar/kg peso/dia a partir do 3º mês até 24º mês de vida Recém-nascidos a termo com peso inferior a 2500g 2 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano Após este período, 1mg/kg/dia mais um ano Recém-nascidos pré-termo com peso entre 2500 e 1500g 2 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano Após este prazo, 1mg/kg/dia mais um ano Recém-nascidos pré-termo com peso entre 1500 e 1000g 3 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano Após este período, 1mg/kg/ dia mais um ano Recém-nascidos pré-termo com peso inferior a 1000g 4 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano Após este período, 1mg/kg/ dia mais um ano Crianças entre 2 e 12 anos residentes em regiões com prevalência de anemia ferropriva superior a 40% 30 mg/dia de Fe elementar Ministério da Saúde Crianças em aleitamento materno exclusivo 1mg/kg de peso/dia entre os 6 e 24 meses Crianças sem aleitamento materno exclusivo 1mg/kg de peso/dia entre os 4 e 24 meses Crianças pré-termo (< 37 semanas) ou nascidas com baixo peso (< 2.500 g) Seguir recomendações da SBP Tratamento da anemia SBP Crianças 3 – 5 mg/kg/dia de Fe elementar por 3 a 6 meses (até reposição dos estoques de ferro) Gestantes 60 – 120 mg de Fe elementar por no mínimo de 60 dias Ministério da Saúde Adultos 120 mg de Fe elementar/dia por 3 meses Crianças < 2 anos 3 mg de ferro/kg/dia, não superior a 60 mg por dia Tabela 10. Suplementação profilática de ferro. Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria, Consenso sobre anemia ferro- priva: Mais que uma doença, uma urgência médica, 2018. Ministério da Saúde, Programa Nacional de Suplementação de Ferro: Manual de Condutas Gerais, 2013. 24ANEMIAS CARENCIAIS Tratamento O tratamento da anemia ferropriva é pautado na orientação nutricional para o consumo de alimentos fon- te, e reposição de ferro por via oral com dose terapêutica no mínimo de oito semanas. A suplementação deve ser continuada visando a repo- sição dos estoques de ferro, o que va- ria entre dois a seis meses ou até ob- tenção de ferritina sérica adequado. Dentre os diversos tipos de sais de ferro disponíveis para a suplementa- ção destacam-se o sulfato ferroso, o fumarato ferroso e o gluconato ferro- so. Os sais de ferro são eficazes na correção da hemoglobina e reposição dos estoques de ferro, apresentam baixo custo e a rápida absorção (di- fusão ativa e passiva, no duodeno). A suplementação com sais de ferro tam- bém exige cautela quanto ao excesso de dosagem, uma vez que a oxidação do ferro ferroso gera radicais livres, e a absorção do ferro excessiva eleva a saturação da transferrina e o ferro li- vre no plasma, tóxico para o metabo- lismo. Por sofrer influência dos com- ponentes dietéticos, a suplementação com sais de ferro deve ser realizada longe das refeições, recomendando- -se a tomada em jejum, 1h antes das refeições ou antes de dormir. Apesar da eficácia, a adesão ao trata- mento com sais ferrosos é geralmen- te baixa devido aos sintomas adver- sos frequentes (35% a 55%) e típicos da suplementação, como náuseas, vômitos, gosto metálico, pirose, dis- pepsia, plenitude ou desconforto ab- dominal, diarreia e obstipação. Assim, a dose ideal torna-se a dose tolerada pelo paciente. Apesar disto, o sulfato ferroso ainda é o composto de esco- lha pelo Ministério da Saúde para os programas de suplementação no Sis- tema Único de Saúde, o que se reflete em potencial abandono do tratamen- to ou da profilaxia. Além dos sais ferrosos, os sais férri- cos e aminoquelatos - ferro polimal- tosado, ferro aminoquelato, EDTA e ferro carbonila - também podem ser utilizados com melhor perfil de ade- são, por padrão de absorção mais lento e fisiologicamente controlado (taxa de absorção de cerca de 50%), por não sofrerem alterações com a dieta (o que permite administração durante ou após as refeições), e por provocarem menos efeitos adversos (10% a 15%). Os sais férricos apre- sentam eficácia semelhante aos fer- rosos quanto à correção da anemia ferropriva. Apesar da absorção lenta e controla- da, todas as alternativas menciona- das requerem maior tempo de trata- mento e de apresentar custo para o paciente, uma vez que ainda não são distribuídos gratuitamente na rede pública. Assim, a família deve ser edu- cada quanto à importância da adesão ao tratamento. 25ANEMIAS CARENCIAIS Além da suplementação de ferro via oral, a reposição parenteral de ferro é recomendada em casos excepcio- nais como os de hospitalização por anemia grave após falha terapêutica do tratamento oral, necessidade de reposição de ferro por perdas sanguí- neas, doenças inflamatórias intesti- nais, quimioterapia ou diálise ou após cirurgias gástricas com acometimento do intestino delgado, devendo sem- pre ser solicitada avaliação de espe- cialista experiente para uso prévio. SE LIGA! O planejamento do tratamen- to da anemia ferropriva deve ser pauta- do na confirmação diagnóstica e identi- ficação da etiologia da anemia, seguida pela correção da causa primária, suple- mentação com ferro oral e confirmação do sucesso terapêutico. A monitorização do tratamento da anemia deve ser realizada pelos pa- râmetros laboratoriais de reticulóci- tos, hemograma completo a cada 30 a 60 dias, e dosagem de marcadores do estoque de ferro-ferritina, com 30 e 90 dias; sendo que o tratamento deve durar até a reposição dos esto- ques de ferro, quase sempre por volta dos seis meses de tratamento. 26ANEMIAS CARENCIAIS MAPA MENTAL: ANEMIA FERROPRIVA – ABORDAGEM E TRATAMENTO Aumentar o consumo de ferro heme Medidas dietéticas Aumentar o consumo de estimuladores da absorção de ferro nas refeições (ex: vitamina C) Diminuir o consumo de inibidores de ferro durante refeições (ex: café, leite) RN a termo com peso adequado para a IG • 1 mg de ferro elementar/kg peso/ dia a partir do 3º mês até 24º mês de vida Suplementação profilática de ferro RN a termo com peso entre 2.500g e 1.500g • 2 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano + Após este período, 1mg/ kg/dia mais um ano RN a termo com peso entre 1.500g e 1.000g • 3 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano + Após este período, 1mg/kg/dia mais um ano RN a termo com peso < 1.000g • 3 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano + Após este período, 1mg/kg/dia mais um ano Crianças entre 2 e 12 anos residentes em regiões com prevalência de anemia ferropriva > 40% • 30 mg/dia de Fe elementar Gestantes • 40 mg/dia de Fe elementar até 3 meses após parto ou aborto Crianças • 3 – 5 mg/kg/dia de Fe elementar por 3 a 6 meses Tratamento da anemia Gestantes • 60 – 120 mg de Fe elementar por no mínimo de 2 meses Adultos • 120 mg de Fe elementar/dia por 3 meses 27ANEMIAS CARENCIAIS 5. ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS - FISIOPATOLOGIA As anemias megaloblásticas consti- tuem um grupo de anemias em que os eritroblastos na medula óssea mostram uma anormalidade caracte- rística – atraso da maturação do nú- cleo em relação à do citoplasma.O defeito básico responsável por essa assincronia é a síntese defeituosa de DNA, geralmente causada por deficiência de vitamina B12 ou de folato. Com menor frequência, ano- malias do metabolismo dessas vita- minas e outros defeitos na síntese do DNA podem causar aspecto hemato- lógico idêntico. CAUSAS DE ANEMIA MEGALOBLÁSTICA Deficiência de vitamina B12 Deficiência de folato Anomalias do metabolismo de vitamina B12 ou de folato (p. ex., deficiência de transcobalamina, exposição a óxido nitroso, uso de fármacos antifólicos) Outros defeitos da síntese do DNA Deficiências enzimáticas congênitas (p. ex., acidúria orótica) Deficiências enzimáticas adquiridas (p. ex., abuso de álcool, tratamento com hidroxicarbamida, citarabina) Tabela 11. Causas de anemia megaloblástica. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 SE LIGA! As anemias macrocíticas, ca- racterizadas por eritrócitos anormal- mente grandes (VCM > 98 fL), têm várias causas, podendo ser subdivididas em megaloblásticas e não megaloblásti- cas, de acordo com o aspecto dos eritro- blastos em desenvolvimento na medula óssea. A vitamina B12 é sintetizada na natu- reza por microrganismos; os animais adquirem-na ingerindo alimentos de origem animal, pela produção interna das bactérias intestinais (o que não ocorre em seres humanos) ou pela ingestão de alimentos con- taminados com bactérias. A vitami- na consiste em um pequeno grupo de compostos, as cobalaminas, todas com a mesma estrutura básica, com um átomo de cobalto no centro de um anel de corrina ligado a uma porção nucleotídica. A vitamina é encontra- da em alimentos de origem animal, como fígado, carnes em geral, pei- xe e laticínios, mas não ocorre em frutas, cereais e verduras. O ácido fólico (pteroilglutâmico) é o composto-base de um grande grupo de compostos derivados, os folatos. Os folatos são necessários em várias reações bioquímicas envolvendo transferência de unidades de um car- bono, em interconversões de aminoá- cidos, como na conversão de ho-mo- cisteína em metionina e na de serina 28ANEMIAS CARENCIAIS em glicina, bem como na síntese de precursores purínicos de DNA. Fisiopatologia da anemia megaloblástica O DNA é formado pela polimerização dos quatro trifosfatos de desoxirribo- nucleotídios (adenina, guanina, cito- sina, ti- mina). Supõe-se que a defi- ciência de folato provoque anemia megaloblástica por inibir a síntese de timidilato, um passo limitante da sín- tese de DNA, no qual é sintetizado o mono-fosfato de timidina (dTMP). Essa reação requer o 5,10-meti- leno- -THF-poliglutamato como coenzima. O papel da vitamina B12 na síntese de DNA é indireto. A B12 é neces- sária à conversão de metil-THF, que entra na medula e nas demais célu- las a partir do plasma, para o THF. O THF (mas não metil-THF) é o subs- trato para a síntese de poliglutamato de folato no interior das células. Os poliglutamatos de folato, incluindo o 5,10-metileno-THF-poliglutamato, são as coenzimas intracelulares de folato. A deficiência de B12, portan- to, reduz indiretamente o suprimento da coenzima crítica do folato envolvi- da na síntese de timidilase. Outras causas congênitas ou ad- quiridas de anemia megaloblástica (p. ex., tratamento com antimetabóli- tos) inibem a síntese de purina ou de pirimidina em uma ou outra etapa. O resultado é a diminuição do su- primento de um ou outro dos quatro desoxirribonucleotídios necessários à síntese de DNA. Deficiência de vitamina B12 Nos países ocidentais, a deficiência grave de vitamina B12 geralmente decorre de anemia perniciosa (adi- soniana). Com menor frequência, pode ser provocada por veganismo (vegetarianismo estrito), no qual falta B12 na dieta (mais comum na Índia), na gastrectomia e em doenças do intestino delgado. Não há síndrome de deficiência de B12 como resultado de consumo excessivo ou perda da vitamina, de modo que a deficiência inevitavelmente leva ao menos dois anos para se desenvolver, isto é, o tempo necessário para que haja de- pleção dos depósitos ao ritmo de 1 a 2 mg/dia, quando se estabelece grave má absorção de B12 da dieta. O óxido nitroso, no entanto, é capaz de inati- var rapidamente a B12 do organismo. 29ANEMIAS CARENCIAIS CAUSAS DE DEFICIÊNCIA GRAVE DE VITAMINA B12 Nutricional Principalmente veganismo Má absorção Causas gástricas Anemia perniciosa Falta congênita ou anormalidade do fator intrínseco Gastrectomia parcial ou total Causas intestinais Síndrome da alça intestinal estagnante – diverticulose jejunal, alça-cega, estenose, etc. Espru tropical crônico Ressecção ileal e doença de Crohn Má absorção seletiva congênita com proteinúria (anemia megaloblástica recessiva autossômica) Infestação por tênia de peixes (Diphilobotrium latus) Causas de deficiência leve de vitamina B 12 Dieta pobre e outras causas de má absorção de vitamina B12 (p. ex., má absorção da B12 dos alimentos por gastrite atrófica, particularmente em idosos, tratamento com inibidores da bomba de prótons ou metformina) Pancreatite grave Enteropatia induzida por glúten Infecção por HIV Tabela 12. Causas de deficiência grave de vitamina B12. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 HORA DA REVISÃO! A anemia perniciosa é causada por agressão autoimune à mucosa gástrica, levando à atrofia do estômago. A parede do estômago torna-se delgada, com infiltrado de linfóci- tos e plasmócitos na lâmina própria. Pode ocorrer metaplasia intestinal, há acloridria, e a secreção de fator intrínseco (FI) torna-se ausente ou quase ausente. A gastrina sérica au- menta. A infecção por Helicobacter pylori pode iniciar uma gastrite autoimune: em pacien- tes jovens, apresenta-se como anemia ferropênica; em idosos, como anemia perniciosa. O acometimento é maior no sexo feminino (1,6:1), com pico de ocorrência aos 60 anos, podendo haver doença autoimune associada, particularmente da tireoide. A doença é encontrada em todas as raças, mas é mais comum nos norte-europeus e tem certa inci- dência familiar. Também há aumento de incidência de carcinoma de estômago (aproxi- madamente 2-3% de todos os casos de anemia perniciosa). 30ANEMIAS CARENCIAIS Deficiência de folato Resulta frequentemente de dieta po- bre em folato, isolada ou em com- binação com uma condição em que haja aumento de utilização ou má absorção de folato. Um turnover ce- lular excessivo, de qualquer tipo, in- cluindo gravidez, é a principal causa de aumento das necessidades de folato, pois mais moléculas de fola- to se degradam quando há aumento da síntese de DNA e de timidilato. O mecanismo pelo qual os anticonvulsi- vantes e os barbitúricos causam defi- ciência ainda é controverso. CAUSAS DE DEFICIÊNCIA DE FOLATO Nutricional Principalmente idade avançada, vida em instituições, pobreza, carência extrema de alimento, dietas especiais, anemia do leite de cabra, etc Má absorção Espru tropical, enteropatia induzida por glúten (adulto ou criança). Possível fator contribuinte na deficiência de folato em alguns pacientes com gastrectomia parcial, ressecção jejunal extensa ou doença de Crohn. Excesso de utilização Fisiológica Gravidez e lactação, prematuridade Patológica Doenças hematológicas: anemias hemolíticas, mielofibrose Doenças malignas: carcinoma, linfoma, mieloma Do- enças inflamatórias: doença de Crohn, tuberculose, artrite reumatoide, psoríase, dermatite exfoliativa, malária Perda urinária excessiva de folato Hepatopatia ativa, insuficiência cardíaca congestiva Fármacos Anticonvulsivantes, sulfassalazina Mistas Hepatopatia, alcoolismo, tratamento intensivo Tabela 13. Causas de deficiência de folato. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 31ANEMIAS CARENCIAIS MAPA MENTAL: ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS - FISIOPATOLOGIA Condições: gravidez, uso de convulsivantes, barbitúricos ANEMIAS MEGALOBLÁSTICASDeficiência de folato Principais causas Fisiopatologia Deficiência de vitamina B12 Dieta pobre em folato isoladaou combinada com outra condição Síntese defeituosa de DNA Atraso da maturação do núcleo em relação ao citoplasma dos eritroblastos Deficiência de vitamina B12 Deficiência de folato Veganismo Anemia perniciosa Doenças do intestino delgado Gastrectomia 32ANEMIAS CARENCIAIS 6. ANEMIA MEGALOBLÁSTICA – ASPECTOS CLÍNICOS E ABORDAGEM Aspectos clínicos da anemia megaloblástica A instalação, em geral, é insidiosa com sintomas e sinais gradativa- mente progressivos de anemia. O paciente pode ter icterícia leve (co- loração amarelo-limão) pelo excesso de catabolismo de hemoglobina, re- sultante do aumento da eritropoese ineficaz na medula óssea. Glossite (língua com aspecto de carne bovina crua, que arde com alimentos ácidos), estomatite angular e sintomas le- ves de má absorção, com perda de peso, podem estar presentes, causa- dos pelas alterações epiteliais. Púr- pura decorrente de trombocitopenia e hiperpigmentação generalizada (cuja causa é incerta) são raras. Muitos pacientes assintomáticos são diag- nosticados quando o hemograma, solicitado por outros motivos, mostra macrocitose. Figura 5. Anemia megaloblástica: palidez e icterícia leve em paciente com hemoglobina 7 g/dL e volume corpuscular médio de 132 fL. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 33ANEMIAS CARENCIAIS Figura 6: Anemia megaloblástica: glossite – a língua é vermelha como carne bovina e dolorosa. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 Figura 7. Anemia megaloblástica: queilite angular (estomatite). Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 34ANEMIAS CARENCIAIS Neuropatia da deficiência de vitamina B12 (degeneração subaguda combinada da medula espinal) A deficiência grave de B12 pode cau- sar neuropatia progressiva, que afe- ta os nervos sensoriais periféricos e os cordões posterior e lateral da me- dula espinal. A neuropatia é simétrica e afeta mais os membros inferiores do que os superiores. O paciente tem formigamento dos pés e dificuldade para deambular; em ambiente escuro, ele pode cair. Raramente, há atrofia óptica ou sintomas psiquiátricos gra- ves. Quando há neuropatia, a anemia pode ser grave, leve e até ausente, mas o hemograma já mostra macro- citose e o aspecto da medula óssea sempre está alterado. A neuropa- tia periférica geralmente é reversível com o tratamento com B12, porém a recuperação da medula espinal é in- completa, principalmente se já estiver presente por mais de algumas sema- nas ou poucos meses. Figura 8. Secção transversal da medula espinal em um paciente que morreu com degeneração subaguda combinada da medula (coloração de Weigert-Pal). Há desmielinização dos cordões dorsal e dorsolateral. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 35ANEMIAS CARENCIAIS A causa da neuropatia provavelmen- te está relacionada com o acúmulo de S-adenosil-homocisteína e dimi- nuição dos níveis de S-adenosil-me- tionina no tecido nervoso, resultando em metilação defeituosa da mielina e de outros substratos. As deficiências de B12 e folato têm sido associadas a uma redução da função cognitiva e doença de Alzheimer, mas não se de- monstrou benefício pelo uso profiláti- co dessas vitaminas. Defeito do tubo neural A deficiência de folato ou de B12 na mãe predispõe a defeitos do tubo neural (DTN) no feto: anencefalia, espinha bífida ou encefalocele. Quan- to mais baixos forem os níveis de fola- to sérico ou eritrocitário, ou de vitami- na B12 sérica, maior a incidência de DTNs. No entanto, a suplementação da dieta com ácido fólico na ocasião da concepção e no início da gestação diminui em 75% a incidência de DTN. Figura 9. Bebê com defeito do tubo neural (espinha bífida). Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 36ANEMIAS CARENCIAIS Outras alterações teciduais Na deficiência grave de B12 ou de folato, a esterilidade é frequente em ambos os sexos. Há macrocitose, excesso de apoptose e outras ano- malias morfológicas dos epitélios cervical, bucal, vesical e outros. Hiperpigmentação generalizada reversível também pode ocorrer. A deficiência de B12 associa-se à dimi- nuição da atividade osteoblástica. O aumento dos níveis de homocisteí- na sérica e a redução no folato sérico ou eritrocitário e o polimorfismo na enzima MTHFR têm sido associados com incidência aumentada de do- enças cardiovasculares, incluindo infarto do miocárdio, doença vascular periférica, acidente vascular cerebral (AVC) e trombose venosa. A profila- xia com ácido fólico, entretanto, não reduziu a incidência de doença arte- rial, exceto, possivelmente, de AVC. Várias associações entre o status de folato e doenças malignas têm sido observadas, mas a metanálise de pacientes randomizados para re- ceber ácido fólico ou placebo, por 2 anos ou mais, não mostrou diferença entre a incidência de câncer entre os dois grupos. EFEITOS DA DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B12 OU DE FOLATO Anemia megaloblástica Macrocitose das células das superfícies epiteliais Neuropatia (somente na deficiência de B12) Esterilidade Raramente, pigmentação melânica cutânea reversível Diminuição da atividade osteoblástica Defeitos do tubo neural no feto são relacionados à deficiência de folato ou de B12 Tabela 14. Efeitos da deficiência de vitamina B12 ou de folato. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 Achados laboratoriais A anemia é macrocítica (VCM > 98 fL e com frequência tão alto quan- to 120-140 fL nos casos graves) e os macrócitos são ovais. Se houver concomitância de deficiência de ferro, o VCM pode ser normal. A contagem de reticulócitos é baixa, e as conta- gens de leucócitos e plaquetas podem estar moderadamente diminuídas, sobretudo em pacientes muito anê- micos. Vários neutrófilos apresen- tam núcleo hipersegmentado (com seis ou mais lobos). A medula ós- sea é, em geral, hipercelular, e os eritroblastos (megaloblastos) são grandes e mostram falta de maturação, mantendo aspecto de cromatina frouxa, primitiva, mas 37ANEMIAS CARENCIAIS hemoglobinização normal. Metamie- lócitos gigantes e com forma anormal são característicos. A bilirrubina sérica não conjugada (bilirrubina indireta) e a desidroge- nase láctica estão aumentadas, de- vido à destruição de células na medu- la óssea (hematopoese ineficaz) Diagnóstico de deficiência de vita- mina B12 ou de folato Dosagens de vitamina B12 e de fola- to séricos são rotineiras. A vitamina B12 sérica é baixa na anemia me- galoblástica e na neuropatia causa- da por deficiência de B12. O folato sérico e o eritrocitário estão baixos na anemia megaloblástica causada por deficiência de folato. Na defi- ciência de B12, o folato sérico tende a aumentar, mas o eritrocitário diminui. Quando não há deficiência de B12, o folato eritrocitário é um guia mais preciso do status do folato tecidual do que o folato sérico. EXAME VALORES DE REFERÊNCIA DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B12 DEFICIÊNCIA DE FOLATO Vitamina B12 sérica 160-925 pg/mL 20-680 pmol/L Baixa Normal ou limítrofe Folato sérico 3-15 ng/mL 4-30 nmol/L Normal ou alta Baixa Folato eritrocitário 160-640 ng/mL 360-1.460 nmol/L Normal ou baixa Baixa Tabela 15. Exames laboratoriais para deficiência de vitamina B12 e de folato. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 A dosagem de ácido metilmalônico sérico é um teste para a deficiência de B12; a de homocisteína, para a deficiência de folato ou de B12. Não são resultados específicos, há dificul- dade no estabelecimento de valores de referência nos diversos grupos etários e não são testes amplamente disponíveis. Profilaxia A suplementação de ferro e áci- do fólico durante a gestação é re- comendada como parte do cuida- do no pré-natal para reduzir o risco de baixo peso ao nascer da criança, anemia e deficiência de ferro na ges- tante. Ressalta-se que a suplemen- tação com ácido fólico deve ser ini- ciada pelo menos 30 dias antes da data em que se planeja engravidarpara a prevenção da ocorrência de defeitos do tubo neural e deve ser 38ANEMIAS CARENCIAIS mantida durante toda a gestação para a prevenção da anemia. A re- comendação de ingestão é de 400 µg de ácido fólico, todos os dias, além de aumentar a ingestão de alimentos ricos em folatos ou suplementados com folato. O ácido fólico também é administra- do em pacientes em diálise crônica, com anemia hemolítica grave e com mielofibrose primária e em crianças prematuras. A fortificação de alimen- tos com ácido fólico (p. ex., farinhas ou grãos) é praticada em mais de 70 países, incluindo os Estados Unidos e o Brasil, para diminuir a incidência de DTNs; não é feita na Europa. A vitamina B12 deve ser administra- da periodicamente em pacientes com gastrectomia total, cirurgia bariátrica ou ressecção ileal. VITAMINA B12 FOLATO Ingestão normal diária na dieta 7-30 μg 200-250 μg Principais alimentos Somente produtos animais Na maioria dos alimentos, princi- palmente fígado, vegetais verdes e levedura Cozimento Pouco afetada Facilmente destruído Necessidade mínima diária do adulto 1-2 μg 100-150 μg Depósitos no organismo 2-3 mg (suficiente para 2-4 anos) 10-12 mg (suficiente para 4 meses) Absorção Local Mecanismo Limite Íleo Fator intrínseco 2-3 mg por dia Duodeno e jejuno Conversão a metiltetraidrofolato 50-80% do conteúdo da dieta Circulação êntero-hepática 5-10 μg /dia 90 μg/dia Transporte no plasma Maior parte ligada à haptocorri- na; TC essencial para a captação celular Fracamente ligado à albumina Principais formas fisiológicas intracelulares Metil e desoxiadenosilcobalamina Derivados reduzidos do poliglutamato Forma terapêutica comum Hidroxocobalamina Ácido fólico (pteroilglutâmico) Tabela 16. Vitamina B12 e folato: aspectos nutricionais. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 39ANEMIAS CARENCIAIS Tratamento A maioria dos casos necessita so- mente de tratamento com a vitami- na apropriada. Doses terapêuticas de ácido fólico (ex: 5 mg/dia) dadas a um paciente com deficiência de B12 provocam resposta terapêutica da anemia, porém podem agravar a neuropatia. Não devem ser prescritas isoladamente, salvo se a deficiência de B12 tiver sido excluída com se- gurança. Em pacientes com anemia grave que necessitam de tratamento urgente, pode ser mais seguro iniciar o tratamento com ambas as vitami- nas, mas depois da coleta de sangue para as dosagens de B12 e de folato. O tratamento com B12 oral pode ser utilizado; em hemofílicos sempre deve ser preferido, mas inicialmente é difícil suprir as reservas. Altas do- ses orais diárias são necessárias para garantir absorção o suficiente e para contornar a falta de adesão com o tra- tamento a longo prazo. O tratamento oral pode ser preferível para pacien- tes com graus leves de deficiência (ex: os que têm má absorção da B12 dos alimentos). Em idosos, a presen- ça de insuficiência cardíaca deve ser controlada com diuréticos. Transfu- sões de sangue devem ser evitadas, se possível, pois podem causar so- brecarga circulatória. DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B12 DEFICIÊNCIA DE FOLATO Composto Hidroxicobalamina Ácido fólico Via Intramuscular Oral Dose 1.000 μg 5 mg Dose inicial 6 × 1.000 μg em 2-3 semanas Diariamente por 4 meses Manutenção 1.000 μg a cada 3 meses Depende da doença de base; pode ser necessário tratamento durante toda a vida em anemias hemolíticas hereditárias crônicas, mielofibrose e diálise Uso profilático Gastrectomia total Ressecção ileal Gravidez, anemias hemolíticas graves, diálise, prematuridade Tabela 17. Tratamento da anemia megaloblástica. Fonte: Fundamentos em hematologia de Hoffbrand, 7 ed, 2018 O paciente sente-se melhor depois de 24 a 48 horas do tratamento com a vitamina correta, com notável au- mento de apetite e bem-estar eufóri- co. A hemoglobina deve aumentar de 2 a 3 g/dL a cada 2 semanas. As contagens de leucócitos e de plaque- tas normalizam-se em 7 a 10 dias e a medula perde o aspecto megaloblás- tico, torna-se normoblástica, em cer- ca de 48 horas – embora persistam metamielócitos gigantes durante até 12 dias. 40ANEMIAS CARENCIAIS MAPA MENTAL: ANEMIAS MEGALOBLÁSTICAS – ASPECTOS CLÍNICOS E ABORDAGEM Quadro clínico Achados laboratoriais Profilaxia e Tratamento • Sintomas e sinais gradativamente progressivos de anemia • Icterícia leve • Glossite • Estomatite angular • Sintomas de má absorção • Neuropatia (somente na def. de vit B12) • Esterilidade • Pigmentação cutânea • Defeitos do tubo neural • Anemia macrocítica • Macrocitose • Contagem de reticulócitos baixa • Bilirrubina indireta aumentada • LDH aumentado • Vitamina B12 baixa (na def. de vit B12) • Folato sérico e eritrocitário diminuídos (na def. de folato) • Ácido fólico - Gestante: - Suplementação com ácido fólico 30 dias antes de engravidar até o fim da gestação - Aumentar ingestão de alimentos ricos ou suplementados com folato - Outras indicações: diálise crônica, anemia hemolítica grave e com mielofibrose primária, crianças prematuras • Vitamina B12 - Indicações: gastrectomia total, cirurgia bariátrica, ressecção ileal • Tratamento: administrar vitamina apropriada 41ANEMIAS CARENCIAIS MAPA MENTAL: GERAL A N EM IA S CA R EN CI A IS Anemia Anemias carenciais Anemia ferropriva Estágios Abordagem Anemias megaloblásticas Principais causas Quadro clínico Profilaxia e Tratamento Homens adultos Mulheres adultas Deficiência de ferro Deficiência de folato Deficiência de vitamina B12 1º estágio: Depleção de ferro Estágio final: Anemia ferropriva Medidas dietéticas Suplemen- tação profilática de ferro Tratamento da anemia Deficiência de vitamina B12 Deficiência de folato Sintomas e sinais gradativa- mente progressivos de anemia Outros Anemia macrocítica Macrocitose Contagem de reticulócitos baixa Bilirrubina indireta aumentada LDH aumentado Vitamina B12 baixa (na def. de vit B12) Folato sérico e eritrocitário diminuídos (na def. de folato) Ácido fólico Vitamina B12 Tratamento Hb < 13 Hb < 12 Diminuição dos depósitos de ferro no fígado, baço e medula óssea Diagnóstico: Diagnóstico: Diagnóstico: Aumentar o consumo de ferro heme Aumentar o consumo de estimuladores da absorção de ferro nas refeições Diminuir o consumo de inibidores de ferro durante refeições RN a termo com peso adequado para a IG RN a termo com peso entre 2.500g e 1.500g RN a termo com peso entre 1.500g e 1.000g RN a termo com peso < 1.000g Crianças entre 2 e 12 anos residentes em regiões com prevalência de anemia ferropriva > 40% Gestantes Crianças Gestantes Adultos Icterícia leve Glossite Estomatite angular Sintomas de má absorção Neuropatia (somente na def. de vit B12) Esterilidade Pigmentação cutânea Defeitos do tubo neural Gestante: Indicações Administrar vitamina apropriada Redução da ferritina sérica Redução do Ferro sérico Aumento da Capacidade total de ligação da transferrina Redução da Saturação da transferrina Redução da Hemoglobina e do Hematócrito Sinais clínicos Vitamina C Café Leite 1 mg de ferro elementar/kg peso/dia a partir do 3º mês até 24º mês de vida 2 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano + Após este período, 1mg/kg/dia mais um ano 3 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano + Após este período, 1mg/kg/dia mais um ano 3 mg/kg de peso/dia, a partir de 30 dias durante um ano + Após este período, 1mg/kg/dia mais um ano 30 mg/dia de Fe elementar 40 mg/dia de Fe elementar até 3 meses após parto ou aborto 3 – 5 mg/kg/dia de Fe elementar por 3 a 6 meses 60 – 120 mg de Fe elementar por no mínimo de 2 meses 120 mg de Fe elementar/dia por 3 meses Suplementação com ácido fólico 30 dias antes de engravidar até o fim da gestação Aumentar ingestão de alimentos ricos ou suplementados com folato Gastrectomia total Cirurgia bariátrica Ressecção ileal 2º estágio: Deficiênciade ferro Achados labora- toriais 42ANEMIAS CARENCIAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Rodrigues, Adriana Dalpicolli., et al. Hematologia básica. 2. ed. Porto Alegre: SAGAH, 2019. Hoffbrand, A. V. Moss, P. A. H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. Sociedade Brasileira de Pediatria. Departamentos de Nutrologia e Hematologia-Hemotera- pia. Consenso sobre anemia ferropriva: Mais que uma doença, uma urgência médica! Nº 2. Junho/2018. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Bá- sica. Programa Nacional de Suplementação de Ferro: Manual de Condutas Gerais. Bra- sília – DF: 2013. Cardoso, M. A. Penteado, M. V. C. Intervenções Nutricionais na Anemia Ferropriva. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (2): 231-240, abr/jun, 1994 43ANEMIAS CARENCIAIS
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