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CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS 1- INTRODUÇÃO Os atos administrativos podem ser praticados de duas formas distintas, de forma vinculada e de forma discricionária. As diferenças entre elas e os mecanismos de controle dos atos administrativos serão objeto de análise do presente artigo. É cediço o entendimento de que o princípio da legalidade sob o ponto de vista do direito administrativo deve ser interpretado de forma distinta da legalidade civil. Se na administração privada é válido fazer tudo o que a lei não proíbe, para a administração só tem validade aquilo que for determinado em lei. Ocorre que, considerando a impossibilidade de a administração prever todas as hipóteses em abstrato a qual o agente público deve atuar, a lei atribui certa margem de liberdade para que o administrador possa agir em determinados atos sem que isso ofenda o atributo da tipicidade dos atos administrativos, esse fenômeno é denominado pela doutrina de juízo de conveniência e oportunidade, também conhecido por mérito do ato administrativo. Dessa forma, o presente artigo tem por escopo esclarecer o conceito de ato administrativo, conceituar seus elementos, diferenciar ato vinculado e discricionário, explanar quais são os limites da discricionariedade administrativa e, principalmente, estudar e definir o grau de ingerência que o poder judiciário possui sobre tais atos. Cabe ressaltar que o entendimento a respeito desse assunto vem mudando paulatinamente, uma vez que é possível perceber uma evolução do entendimento jurisprudencial a respeito do tema. 2- SEPARAÇÃO DOS PODERES E SUA IMPORTÂNCIA PARA O CONTROLE ESTATAL. O estudo referente à separação dos poderes do Estado em Executivo, Legislativo e Judiciário remete-se à antiguidade com Heródoto e Aristóteles, tendo sido abordada, posteriormente, por John Locke, e, por último, sistematizada por Charles de Montesquieu. A teoria da divisão de poderes atingiu seu ápice com Montesquieu. O autor é responsável por aprofundar e dar grande sistematicidade ao tema. Em sua obra, evidenciou, com clareza lapidar, a necessidade da separação de poderes para evitar leis tirânicas executadas tiranicamente A obra de Montesquieu, O espírito das Leis, introduziu o conceito do sistema de freios e contrapesos às funções legislativas, executivas e judiciais, conceito esse adotado em nosso atual ordenamento jurídico. O sistema de Freios e contrapesos preceitua que as principais funções de um Estado – legislativa, executiva e judiciária - sejam distribuídas entre esferas organicamente distintas, de maneira que cada esfera seja capaz de exercer de forma legítima as suas atribuições específicas bem como o controle sobre as demais funções exercidas pelas outras esferas, buscando-se, deste modo, o equilíbrio das instâncias governamentais e a concretização dos princípios constitucionais de um Estado Democrático de direito. A separação de poderes – melhor definindo como funções do estado - de forma horizontal, na maioria dos países do mundo, ou pelo menos naqueles genuinamente democráticos, é o princípio basilar de organização de um Estado. A nossa atual Constituição Federal em seu artigo segundo caracteriza a separação de poderes como “independentes e harmônicos entre si”. Deste modo, cada função estatal estrutura-se de forma independente, isto é, sem a interferência profunda de outros poderes. Ressalta-se, na oportunidade, trazer as considerações feitas por José Cretella Júnior (1997, p. 153) a respeito da independência dos poderes. “Logo, a independência é relativa, porque cada Poder, na medida em que o poder constituinte o determina, serve de freio e contrapeso a outro Poder”. Montesquieu dizia, ainda, que um poder deve ser limitado por outro poder, sob pena de expandir-se, em prejuízo da liberdade. De acordo com Montesquieu, a unidade da soberania do Estado não significa unidade do poder do Estado. Dessa forma, o poder do Estado deve ser repartido em órgãos e funções diferentes entre si, porém harmonizáveis. Desde então a ideia de controle tem acompanhado a evolução do Estado. José Afonso da Silva (2003, p. 111), sobre isso, sustenta que: “(...) os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa nem domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que aliás integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos.” (SILVA, 2003, p. 111) O conceito do sistema de freios e contrapesos vem ao encontro do tema referente ao controle judicial dos atos administrativos, uma vez que a concepção de controle exercido pelo Estado é intrínseca ao próprio conceito de Estado Democrático de Direito. Desse modo, por mais que determinados atos administrativos sejam de motivação discricionária da administração pública, isso não quer dizer que o administrador pode se utilizar de tal atributo para praticar atos que sejam contrários ao interesse público. A administração pública, em sua função executiva, tem como finalidade primordial atender e buscar o interesse público, realizando, dessa forma, atividades como: fomento, prestação de serviços públicos e a organização da máquina administrativa. Esse conceito é expresso através de dois princípios corolários do direito administrativo, princípio da indisponibilidade do interesse público e supremacia do interesse público sobre o particular. De acordo com a melhor doutrina, existem duas formas de sistemas de controle da administração, o sistema Francês, também conhecido como sistema do Contencioso Administrativo e o sistema Inglês, conhecido também por Jurisdição Única. Segundo o sistema Francês, no momento que o administrador pratica um ato administrativo, esse ato vai ser revisto ou controlado pela própria administração. Excepcionalmente, o Poder Judiciário poderá exercer tal controle. A professora Fernanda Marinela cita alguns exemplos: Questões concernentes a atividades públicas de caráter privado, ao Estado e à capacidade das pessoas, à propriedade privada e concernente à repressão penal. Já pelo sistema da Jurisdição única, adotado no Brasil, quem dá a última palavra é o Poder Judiciário; nada impede, entretanto, que a Administração edite e controle seus próprios atos. Assim, é possível o controle pela Administração, mas caberá ao Judiciário exercer o controle em última instância. Esse é o regime historicamente adotado pelo Brasil. A Emenda Constitucional nº 07/77 tentou introduzir o contencioso administrativo, mas acabou não sendo aplicado. Nessa esteira, Maria Silvia Zanela di Pietro (2009, p. 748). “O fundamento constitucional do sistema da unidade de jurisdição é o artigo 5º, inciso XXXV, da constituição Federal, que proíbe a lei de excluir da apreciação do Poder Judiciária lesão ou ameaça a direito. Qualquer que seja o autor da lesão, mesmo o poder público, poderá o prejudicado ir às vias judiciais.” (DI PIETRO 2009, p. 748) 3 - CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO: Antes de qualquer abordagem, faz-se necessário apresentar o conceito de ato administrativo, ressalta-se que não existe no ordenamento jurídico brasileiro um conceito legal de ato administrativo, em razão disso, cada doutrinador traz um conceito diferente. Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles (2006, p.149) define ato administrativo: “Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pú- blica que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, trans- ferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou imporobrigações aos administrados ou a si próprias”. (Meirelles 2006, p.149). No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (07-2006, p.368) define ato administrativo como: "Declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes - como, por exemplo, um concessionário de serviço público) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional". (Mello (07-2006, p.368) Através dos conceitos aduzidos acima, entende-se por ato administrativo como sendo uma manifestação de vontade da Administração Pública que deverá conter elementos e atributos específicos, visando à criação, extinção ou modificação de direitos, buscando a satisfação dos interesses coletivos. Lembrando que, ao administrador público só é licito fazer o que é determinado em Lei. Como já exposto, o conceito de ato administrativo varia de acordo com cada doutrinador, mas na essência os conceitos se assemelham. Esclarece-se que, embora os atos administrativos sejam típicos do Poder Executivo no exercício de suas funções específicas, tanto o Poder Judiciário quanto o poder Legislativo também podem editar atos administrativos, sobretudo relacionados ao exercício de suas atividades de gestão interna (ex.: realização de concurso público, licitação etc.). Os atos administrativos não se confundem com os contratos administrativos, uma vez que estes são bilaterais e aqueles são atos unilaterais, e também não se confundem com atos da administração, para que este seja caracterizado como ato administrativo, o agente público precisa agir em posição de superioridade ao particular. Dessa forma, quer dizer que todo ato administrativo é ato da administração, mas nem todo ato da administração é ato administrati- vo. 3.1-ELEMENTOS OU REQUISITOS DE VALIDADE De acordo com a lei que regulamenta a ação Popular, o ato administrativo é formado por cinco elementos, quais sejam: competência, forma, finalidade, motivo e objeto. Esses ele- mentos são denominados pela doutrina como requisitos de validade, haja vista que a prática em desacordo com o estabelecido é causa de nulidade do ato. No caso de vício nos elementos competência ou forma, poder-se-á ter atos apenas anuláveis, ou seja, passíveis de convalidação. Competência é o poder outorgado em lei a um agente para a prática de um ato admi- nistrativo. A respeito do tema, aduz Dirley da Cunha Júnior (2004, p. 97) que “para a expe- dição do ato administrativo é necessário um agente público competente. Isto é, não basta a presença da Administração Pública, precisando haver também um agente público que detenha competência jurídica para tanto”. Noutro giro, Maria Sylvia Zanella Di Pietro sustenta que “sujeito é aquele a quem a lei atribui competência para a prática de um ato” (2001 p. 188). Esse elemento será sempre vinculado, uma vez que não cabe ao administrador deci- dir quem praticará determinado ato, ficando restrito, quanto a este aspecto, ao que estabelece a lei. A Competência possui algumas características, quais sejam: é de exercício obrigatório, ir- renunciável, Não admite transação, imodificável, improrrogável e imprescritível. A finalidade é outro elemento que será sempre vinculado e pode ser visto de duas formas, a primeira é através do sentido amplo, sendo comum a todo ato administrativo que é a satisfação do interesse público. A outra forma é o sentido estrito, sob este aspecto é o atendimento do fim específico previsto em lei para a prática do ato. Assim, um ato que determina a construção de um hospital, por exemplo, tem em sentido amplo a finalidade de satisfazer o interesse público; em sentido estrito, visa à melhoria da saúde da população da região. Para Hely Lopes Meirelles: “A finalidade do ato administrativo é definida em lei, assim não há liberdade de decisão do administrador público em determinar a finalidade do ato”. (MEIRELLES, 2001, Pág. 144) O elemento finalidade decorre do princípio da impessoalidade, dessa forma, sua desobediência gera uma espécie de abuso de poder, podendo ocorrer através do excesso de poder e desvio de finalidade, que será explicado posteriormente. A forma é maneira pela qual o ato administrativo é exteriorizado. Em regra o ato administrativo é solene, exige-se uma forma estabelecida em lei para a sua prática. Para José dos Santos Carvalho Filho (2008. Pág 106) “A forma é o meio pelo qual se exterioriza a vontade. À vontade, tomada de modo isolado, reside na mente como caráter meramente psíquico, interno. Quando se projeta, é necessário que o faça através da forma.” O desrespeito à forma invalida a prática do ato. Segundo a doutrina tradicional, a forma, assim como os dois requisitos anteriores, é elemento que será sempre vinculado, não podendo o administrador escolher forma diversa da prevista para a sua prática. O elemento Motivo é composto por pressuposto de direito e de fato e serve de fundamento para a prática do ato. Pressuposto de direito é a base legal em que o ato se fundamenta; já pressuposto de fato é a situação que, encaixando-se na previsão legal, leva a administração à prática do ato. Este elemento poderá ser vinculado ou discricionário, conceitos esses que serão abordados no decorrer do artigo. Conforme Fernanda Marinela (2005, p. 82-183) motivo é: “É a situação de fato e de direito que gera a vontade do agente, quando da prática do ato administrativo. Pode ser dividido em: pressuposto de fato, enquanto conjunto de circunstâncias fáticas que levam à prática do ato, e pressuposto de direito que é a norma do ordenamento jurídico e que vem a justificar a prática do ato.” (MARINELA 2005, p. 82-183). Dessa maneira, entende-se por motivo algo que antecede a prática de determinado ato, é o que legitima ou não o agente a exercer o ato administrativo, ou seja, é o elemento de justificativa e pode ser compreendido como a situação fática, ou a norma legal, nas quais um agente administrativo se funda para expedir um ato administrativo, a fim de cumprir o seu papel de atender ao bem comum. O elemento objeto é o conteúdo propriamente dito do ato administrativo, o efeito jurídico imediato que a Administração busca alcançar. Esse elemento é a criação, modificação ou a efetivação de situações jurídicas concernentes aos administrados ou à Administração Pública. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 224) ensina que: “o objeto deve ser lícito (conforme a lei), possível (realizável no mundo real e juridicamente), certo (definidos quanto aos destinatários, efeitos, tempo e lugar), e moral (em consonância com os padrões de comportamento aceitos pela sociedade)”. (DI PIETRO 2010, p. 224) Esse elemento poderá ser vinculado nos casos em que a lei o determinar expressamente ou discricionário quando a lei deixar margem de escolha a critério do administrador, que o escolherá entre as alternativas possíveis levando em consideração o caso em concreto. 4 – ATRIBUTOS DOS ATOS ADMINISTRATIVOS Conforme assevera a melhor doutrina, os atos administrativos possuem alguns atributos que os diferenciam dos demais atos privados. Da mesma forma do tópico anterior, não existe consenso doutrinário sobre quais são esses atributos. Entretanto, de acordo com a maioria dos doutrinadores, os principais atributos são: presunção de legitimidade, autoexecutoriedade, imperatividade e tipicidade, segue abaixo apenas uma sucinta explicação de cada um. Presunção de legitimidade é a característica do ato administrativo que decorre do princípio da legalidade. Com base nisso os atos administrativos são presumidamente verdadeiros, isto é, desde a sua prática, o ato é considerado como legítimo e produzirá efeitos até que se prove o contrário. Verifica-se, por conseguinte, tratar-sede presunção relativa- jure et de jure. Autoexecutoriedade é um importante atributo do ato administrativo que garante a possibilidade de a administração praticar determinado ato sem necessitar de recorrer ao poder judiciário, cabendo, em determinados casos, o uso da força, se necessário. Por outro lado conforme do atributo da imperatividade a administração possui a prerrogativa de impor de forma unilateral a sua vontade desde que pautada em lei. A imposição perante o particular independe de que este repute o ato como válido ou não. A doutrinadora Maria Silvia Zanella di Pietro preceitua, ainda, que o ato administrativo é dotado do atributo da tipicidade. O presente atributo deixa de ser visto como uma prerrogativa e passa a ser uma sujeição, uma vez que impede que a administração pública pratique atos que não estejam previstos em lei. 5 - CONCEITO DE ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO E DISCRICIONÁRIO Ato vinculado é ato em que o administrador não tem liberdade de escolha, não exerce juízo de valor e não existe o atributo da conveniência e oportunidade para a prática do ato ad- ministrativo. Todos os seus elementos estão definidos em lei como essencial para a validade do ato. Preenchidos os requisitos legais, o administrador tem o dever de praticar determinado ato. Ex: licença para construir; licença para dirigir. Diogenes Gasparini (2003, p. 76) dispõe que: “São vinculados os praticados pela Administração Pública sem a menor margem de liberdade. A Administração Pública edita-os sem qualquer avaliação subjetiva. A lei, nesses casos, encarrega-se, em tese, de prescrever, com detalhes, se, quando e como a Administração Pública deve agir.” (GASPARINI 2003, p. 76). Ato discricionário é o ato em que o administrador tem liberdade, podendo exercer um juízo de valor, analisando a conveniência e a oportunidade de realizar determinado ato ad- ministrativo, mas sempre nos limites da lei, sob pena de ser arbitrário ou ilegal. Mesmo nos atos administrativos os elementos competência, forma e finalidade serão sempre vinculados, de forma que a discricionariedade poderá ser realizada somente dentro dos elementos motivo e objeto. Dispõe (Di Pietro,2001,p.197) nesse sentido: “a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito” (DI PIETRO,2001,p.197) Não se pode confundir discricionariedade com arbitrariedade. Quando o agente público age com arbitrariedade ele está agredindo a ordem jurídica, uma vez que se comportou fora do que é permitido por lei. Seu ato, em consequência, é ilícito e por isso é cabível correção judicial. Fernanda Marinela diz que: “(...) nestes atos, o motivo e o objeto são discricionários. É na análise desses elementos que o administrador deve avaliar a conveniência e a oportunidade, realizando um juízo de valor, sem desrespeitar os limites previstos pela lei. (...) A soma do motivo e do objeto denomina-se mérito do ato administrativo, que consiste na análise da conveniência do ato. Sendo assim, pode-se concluir que a discricionariedade do ato discricionário está no mérito do ato administrativo” (MARINELA 2005, p. 196). Depreende-se dos conceitos que o mérito administrativo é, portanto, a liberdade garantida em lei para que o administrador faça uma ponderação de valores, sempre se utilizando dos princípios administrativos e dos princípios gerais do direito, de forma que possa escolher e valorar qual ato é mais adequado para o alcance do interesse público. 6-CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS DISCRICIONÁRIOS Não há dúvidas a respeito da possibilidade do controle sobre os atos administrativos discricionários quanto aos elementos competência, forma e finalidade, esses elementos serão sempre vinculados e em qualquer caso o poder judiciário terá competência para a apreciação desses elementos. O poder judiciário não realiza, em regra, controle sobre os elementos motivo e objeto dos atos administrativos discricionários, tal prerrogativa é de competência da própria administração. A diferença entre os atos discricionários e vinculados tem grande importância e é nesse sentido que reside o grau de interferência do poder judiciário. Os grandes questionamentos a respeito da discricionariedade do ato administrativo são: quais os limites da administração ao produzir tais atos e qual o controle que o judiciário poderá exercer sobre esse tipo de ato. Nos atos administrativos vinculados, como todos os elementos estão previstos na lei, o poder judiciário poderá examinar o ato em todos os seus aspectos. Já com relação aos atos discricionários, o controle é possível, entretanto, deverá respeitar a discricionariedade administrativa, ou seja, o juízo de conveniência e oportunidade. Cabe ressaltar que a administração pública não pode praticar atos administrativos que são contrários ao interesse público, muito menos invocar a prerrogativa do exercício da discricionariedade para disfarçar a ilegalidade com o manto da discricionariedade do ato. Com base nisso, algumas teorias foram elaboradas de modo a ampliar a possibilidade do controle exercido pelo poder judiciário sob os atos administrativos discricionários: Uma das teorias é referente ao desvio de poder também denominado de desvio de finalidade, tal fenômeno ocorre quando o administrador pratica determinado ato com finalidade diversa da prevista em lei. Aparentemente o ato é legal, o sujeito é competente, o instituto é válido, entretanto existe divergência entre o motivo alegado e a real intenção do agente público que pratica o respectivo ato. O grande exemplo utilizado pela doutrina é da utilização do instituto remoção por interesse público, quando utilizada como forma de punição ao servidor removido. No mesmo sentido, a teoria dos motivos determinantes preceitua que os motivos alegados para a prática do ato administrativo vinculam a sua validade, ou seja, mesmo quando a administração pública estiver diante de atos discricionários, o motivo, uma vez invocado, deverá ser verdadeiro, sob pena de invalidade do ato. Ex: o ato administrativo de exoneração de cargo em comissão, ad nutum, não necessita de motivação. Caso o administrador decida motivar o ato, dizendo que a exoneração é para conter gastos públicos, e posteriormente nomeie outra pessoa para exercer o cargo, esse motivo não correspondeu com a realidade, o ato será anulado, e o servidor primitivo não poderá ser exonerado naquela oportunidade. Cabe aqui trazer uma mitigação à teoria dos motivos determinantes. Nos casos de desapropriação, no momento em que a administração pública expede o decreto expropriatório dizendo que determinado imóvel será desapropriado para a construção de um hospital, por exemplo, é necessário para o ato ser válido que esse motivo seja verdadeiro e que o administrador realmente tenha a intenção de realizar a construção do hospital. Entretanto, se por algum motivo não for possível a construção do hospital ou se posteriormente a administração entender que a construção de uma escola seria mais adequada ao momento, nesse caso a Administração pode se utilizar do instituto da tresdestinação. Veja o que diz sobre o tema o professor Alexandre Mazza: Existem casos raros em que a própria ordem jurídica autoriza a válida substituição da finalidade que inicialmente motivou a prática do ato administrativo. São casos de tresdestinação autorizada pela ordem jurídica. A hipótese mais importante está prevista no art. 519 do Código Civil: “Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada em obras ouserviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço atual da coisa”.(MAZZA, 2013, P.101) Pelas palavras do ilustre professor, observa-se que tresdestinação é uma forma de aproveitar o ato que foi praticado com vício do elemento finalidade desde que a nova destinação do imóvel também atinja o interesse público. Sua aplicação é restrita ao uso da desapropriação. Outros aspectos que poderão ser analisados sobre o crivo do poder judiciário são os princípios da razoabilidade e proporcionalidade das decisões, ou seja, os atos administrativos não são um fim em si mesmo, deve haver uma proporção entre o meio empregado e a finalidade do ato. Dessa forma, observa-se que não é dado ao poder judiciário o poder de substituir o juízo de conveniência e oportunidade do agente público pelo seu, a análise deve ser pautar se ato administrativo foi ou não executado nos estritos termos dispostos nas normas e princípios jurídicos. Afinal, até mesmo os atos administrativos discricionários têm seus limites previamente dispostos no ordenamento jurídico. Veja o que diz Fernanda Marinela: “Quanto à possibilidade de controle do mérito dos atos administrativos pelo Judiciário, encontram-se inúmeras orientações doutrinárias e jurisprudenciais. Entretanto, segue-se, aqui, a orientação de que este controle não é possível. Na verdade, ao Poder Judiciário cabe o controle da legalidade, devendo esta ser compreendida, em seu sentido amplo, incluindo-se a análise de obediência à lei propriamente dita, como também à Constituição e todos os seus princípios. (...) Desta forma, o Poder Judiciário poderá, inclusive, analisar a conveniência e a oportunidade do ato administrativo discricionário, mas tão-somente quando esta for incompatível com o ordenamento vigente, portanto, quando for ilegal (MARINELA, 2005, p.197).” Essa tendência doutrinária de aumentar o alcance do poder judiciário sob os atos administrativos discricionários não implica invasão na discricionariedade administrativa, o objetivo é colocar essa discricionariedade, que se manifesta muitas vezes por noções imprecisas e abertas, em seus devidos limites. 7- EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL Analisando os poucos julgados referentes ao assunto da discricionariedade dos atos administrativos, verifica-se uma evolução do posicionamento dos tribunais superiores a res- peito da interferência do poder judiciário nos atos administrativos discricionários. Primeiramente tinha-se a ideia da impossibilidade da interferência judicial sobre os atos discricionários, uma vez que o juízo de conveniência e oportunidade impedia tal controle. Segue abaixo o entendimento do Superior tribunal de Justiça no julgamento do man- dado de segurança STJ, MS 12629 / DF, Relator: Ministro Felix Fischer, Órgão Julgador: Terceira Seção, Data do Julgamento: 22/08/2007, Data da Publicação: DJ 24/09/2007 p. 244 "MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR. ATO DE REDISTRIBUIÇÃO. DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA. I - O ato de redistribuição de ser- vidor público é instrumento de política de pessoal da Administração, que deve ser realizada no estrito interesse do serviço, levando em conta a conveniência e oportu- nidade da transferência do servidor para as novas atividades. II - O controle judicial dos atos administrativos discricionários deve-se limitar ao exame de sua legalidade, eximindo-se o Judiciário de adentrar na análise de mérito do ato impugnado. Prece- dentes. Segurança denegada".154 Entretanto, com o passar do tempo, o STJ foi aos poucos posicionamento a respeito do assunto, veja o que diz o julgamento do recurso especial STJ, REsp 778648 / PE, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data do Julgamento: 06/11/2008, Data da Publicação: DJe 01/12/2008 "[...] 2. Hoje em dia, parte da doutrina e da jurisprudência já admite que o Poder Ju- diciário possa controlar o mérito do ato administrativo (conveniência e oportunida- de) sempre que, no uso da discricionariedade admitida legalmente, a Administração Pública agir contrariamente ao princípio da razoabilidade. Lições doutrinárias. 3. Isso se dá porque, ao extrapolar os limites da razoabilidade, a Administração acaba violando a própria legalidade, que, por sua vez, deve pautar a atuação do Poder Pú- blico, segundo ditames constitucionais (notadamente do art. 37, caput) [...]".156 O Supremo Tribunal Federal também se pronunciou de forma favorável ao controle dos atos administrativos discricionários, considerando a aplicação do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV da CF, consoante se extraí do se- guinte julgado, STF, RE-AgR 505439 / MA, Relator: Ministro Eros Grau, Órgão Julgador: Segunda Turma, Data do Julgamento: 12/08/2008, Data da Publicação: DJe-162 DIVULG 28- 08-2008 PUBLIC 29-08-2008 "AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ATO ADMI- NISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBI- LIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SÚMULA 279 DO STF. 1. É le- gítima a verificação, pelo Poder Judiciário, de regularidade do ato discricionário quanto às suas causas, motivos e finalidade. 2. A hipótese dos autos impõe o reexa- me de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do STF. Agravos regimentais aos quais se nega provimento". Noutras Palavras, não se admite, em regra, a invasão da discricionariedade adminis- trativa pelo Poder Judiciário, mas indispensável é a análise dos limites desta discricionarieda- de, uma vez que tais limites correspondem não ao mérito, mas sim à legalidade administrati- va. 8- CONSIDERAÇÕES FINAIS Através de todos os conceitos apresentados, conclui-se que, embora alguns doutrina- dores e entendimentos jurisprudenciais entenderem de forma contrária, o poder Judiciário po- derá, de forma moderada, apreciar os limites do mérito administrativo, ou seja, apenas será possível analisá-lo, com o fim de se verificar a sua conformidade ao ordenamento jurídico de forma sistêmica. Pelo aduzido, tem-se que compete ao Poder Judiciário verificar se o ato administrati- vo foi realizado de acordo com o ordenamento jurídico, se foi praticado com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade vigentes na sociedade, em determinado momento histórico, se a atuação do agente público foi proporcional ao objetivo esperado com a prática do ato, isto é, razão entre meios e fins. Por fim, se o ato administrativo, nos termos em que foi realizado, teve o condão de satisfazer ao interesse público e à sua finalidade específica. Verificou-se, dessarte, que no conflito entre os princípios constitucionais da inafasta- bilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal da República Fede- rativa do Brasil de 1988, e o da separação e independência dos poderes da República, previsto no artigo 2º, aquele deverá prevalecer, sempre que a Administração Pública atuar contra o in- teresse público. BIBLIOGRAFIA: GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.13 .ed. São Paulo: Atlas, 2001 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo . 21 . ed. São Paulo: Malheiros, 07 – 2006 Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32º edição, editora. Malheiros Editores, 2006 Di Pietro. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24º edição, ed., Atlas, 2010 (Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26º edição, ed. Malheiros Editores. (Filho, José Dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 20º edição. Ed. Lúmen, 2008. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo . 22 . ed. São Paulo: Malheiros, 2003 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 1 ªed. vol I. Salvador: Jus PODIUM, 2005. CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Direito Administrativo.3. ed. Salvador: JusPODIUM, 2004. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 3. ed., vol I. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997. MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 1a. ed. vol I. Salvador: Jus PODIUM, 2005.
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