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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Veterinária Departamento de Patologia Clínica Veterinária Disciplina de Bioquímica e Hematologia Clínica (VET03121) http://www6.ufrgs.br/bioquimica Relatório de Caso Clínico IDENTIFICAÇÃO Caso: 2012/2/07 Procedência: HCV-UFRGS No da ficha original: 77212 Espécie: canina Raça: Boxer Idade: 5 anos Sexo: fêmea Peso: 18 kg Alunos(as): Bárbara Wartchow, Daiane P. Oliveira, Mariana Soares, Thaís T. Santin Ano/semestre: 2012/2 Residentes/Plantonistas: Médico(a) Veterinário(a) responsável: Daniel Gerardi ANAMNESE A cadela chegou ao Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCV/UFRGS) no dia 27 de novembro de 2012. O proprietário relatou que, na semana do dia 19 de setembro do mesmo ano, a paciente apresentava poliúria (urinava a cada duas horas) e polidipsia. Havia sido levada a outra clínica veterinária, na qual foi diagnosticado distúrbio hepático/renal. Em seguida, foi realizada fluidoterapia, oferecida ração, a base de ingredientes que auxiliam no metabolismo hepático, durante 10 dias, e o animal piorou novamente. Apresentava náusea, vômito e dispnéia. Foi realizada sorologia para Leptospirose, cujo resultado foi negativo. O exame ultrassonográfico realizado na época diagnosticou cistite e aumento dos linfonodos abdominais. A urocultura executada apontou, então, o agente de tal cistite como sendo Klebsiella sp.. O veterinário responsável, então, encaminhou o animal ao HCV/UFRGS, com a suspeita de linfoma. Anteriormente às alterações clínicas, urinava, defecava, bebia água e alimentava-se normalmente, além de não ter adoecido e nem recebido tratamento previamente às suas primeiras consultas na clínica anterior. Desde aquela data, emagreceu 12 kg progressivamente. Exames anteriores à chegada ao HCV/UFRGS: Data: 16/10/2012 Bioquímicos: Níveis séricos de ureia (107,93 mg/dL) e creatinina (2,79 mg/dL) elevados, além de plasma ictérico. Valores de Referência: uréia (21 - 60 mg/dL); creatinina (0,5 - 1,5 mg/dL). Data: 18/10/2012 Eritrograma: Sem alterações. Leucograma: Leucocitose (33200 x103/µL) neutrofílica (neutrófilos segmentados: 28884 x103/µL), monocitose (3320 x103/µL) e linfopenia (446 x103/µL). Obs.: Soro discretamente ictérico e hemolisado. Valores de Referência: leucócitos (6000 - 17000 x103/µL); neutrófilos segmentados (3000 - 11500 x10³/µL); monócitos (150 - 1350 x10³/µL); linfócitos (1000 - 4800 x10³/µL). Data: 24/10/2012 Eritrograma: sem alterações. Leucograma: Leucocitose (17800 x103/µL) neutrofílica (neutrófilos segmentados: 14952 x103/µL) e monocitose (1424 x103/µL). Obs.: Policromasia discreta; Presença de 1 eritroblasto a cada 100 leucócitos. Bioquímico: Níveis séricos de alanina aminotranferase (ALT) (130 U/L), creatinina (2,57 mg/dL), fosfatase alcalina (FA) (2331 U/L) e ureia (72,51 mg/dL) elevados, além de plasma ictérico. Valores de Referência: leucócitos (6000 - 17000 x103/µL); neutrófilos segmentados (3000 - 11500 x10³/µL); monócitos (150 - 1350 x10³/µL); ureia (10 - 60 mg/dL); creatinina (0,5 - 1,6 mg/dL); ALT (21 - 102 U/L); FA (20 - 156 U/L). Data: 08/11/2012 Eritrograma: sem alterações. Leucograma: Linfopenia (635 x103/µL). Valores de referência: linfócitos (1000 - 4800 x103/µL) Data: 19/11/2012 Ultrassonografia: Observou-se aumento de linfonodos mesentéricos, pancreático-duodenal, esplênico e ilíacos, com aspecto hipoecogênico heterogênico e contornos lisos. Imagem compatível com hiperplasia Caso clínico 2012/2/07 página 2 reativa inflamatória/neoplasia. Rins com contornos irregulares, arquitetura interna e junção cortico-medular mal definida, corticais hiperecogênicas. O estudo com Doppler de amplitude evidenciou a presença de vascularização intrarrenal diminuída em ambos os rins, porém mais evidente no rim direito (nefropatia). Presença de cisto de 2,74 cm de diâmetro no pólo renal direito. Hepatomegalia com contornos lisos, contorno hipoecogênico com ecotextura grosseira (hepatopatia/congestão). Estômago e segmentos intestinais sem conteúdo, camadas e peristaltismo preservados, paredes espessadas (0,61 cm e 0,65 cm, respectivamente), compatível com edema/gastrenterite. EXAME CLÍNICO Exame Físico: - Temperatura retal (TR): 40,2 ºC; Valores de Referência: 37,5 - 39,2 ºC. - Secreção nasal unilateral e ocular bilateral; - Linfonodos periféricos aumentados de tamanho; - Caquexia; - Mucosas hipocoradas; - Alças intestinais espessas à palpação; - Frequência cardíaca (FC): 100bpm; Valores de Referência: 60 – 160 bpm. - Frequência respiratória (FR): 60 rpm (Taquipneia); Valores de Referência: 18 – 16 rpm. Terapêutica aplicada durante a consulta: - 9,2 ml de Dipirona por via intra-venosa (IV); - Fluidoterapia com Solução Fisiológica 0,9% de Cloreto de Sódio (NaCl); - Oxigenoterapia de suporte; EXAMES COMPLEMENTARES Citológico / Biópsia Aspirativa com Agulha Fina (BAAF) de Linfonodos Descrição Citológica: Abundante quantidade de linfócitos neoplásicos com características linfoblásticas e moderado pleomorfismo. Diagnóstico: Linfoma Linfoblástico. URINÁLISE Método de coleta: cateterização Obs.: Volume: 30 ml Exame físico cor consistência odor aspecto densidade específica (1,015-1,045) Amarela Fluida - Discretamente turvo 1,015 Exame químico pH (5,5-7,5) corpos cetônicos glicose pigmentos biliares proteína hemoglobina sangue nitritos 6,5 - - n.d. ++ n.d. +++ n.d. Sedimento urinário (no médio de elementos por campo de 400 x) Células epiteliais: 2 Tipo: Escamosas Hemácias: 5 Cilindros: 0 Tipo: Leucócitos: 100 Outros: 1 Tipo: Células epiteliais de transição Bacteriúria: severa n.d.: não determinado BIOQUÍMICA SANGUÍNEA Tipo de amostra: soro Anticoagulante: Hemólise da amostra: ausente Proteínas totais: -0,0 g/L (54-71) Glicose: mg/dL (65-118) FA: 248 U/L (0-156) Albumina: 24,3 g/L (26-33) Colesterol total: mg/dL (135-270) ALT: 116 U/L (0-102) Globulinas: g/L (27-44) Uréia: 227 mg/dL (21-60) CPK: U/L (0-121) BT: mg/dL (0,1-0,5) Creatinina: 3,4 mg/dL (0,5-1,5) : ( ) BL: mg/dL (0,01-0,49) Cálcio: 17,8 mg/dL (9,0-11,3) : ( ) BC: mg/dL (0,06-0,12) Fósforo: mg/dL (2,6-6,2) : ( ) BT: bilirrubina total BL: bilirrubina livre (indireta) BC: bilirrubina conjugada (direta) Caso clínico 2012/2/07 página 3 HEMOGRAMA Leucócitos Eritrócitos Quantidade: 19.400/L (6.000-17.000) Quantidade: 6,11 milhões/L (5,5-8,5) Tipo Quantidade/L % Hematócrito: 43,0 % (37-55) Mielócitos 0 (0) 0 (0) Hemoglobina: 14,4 g/dL (12-18) Metamielócitos 0 (0) 0 (0) VCM (Vol. Corpuscular Médio): 70 fL (60-77) Bastonetes 0 (0-300) 0 (0-3) CHCM (Conc. Hb Corp. Média): 33,5 % (32-36) Segmentados 16.684 (3.000-11.500) 36 (60-77) RDW (Red Cell Distribution Width): 14 % (14-17) Basófilos 0 (0) 0 (0) Eosinófilos 0 (100-1.250) 0 (2-10) Monócitos 2.134 (150-1.350) 11 (3-10) Linfócitos 582 (1.000-4.800) 3 (12-30) Observações: Plasma levemente ictérico Plaquetas Quantidade: /L (200.000-500.000) Observações: Monócitos ativados Observações: TRATAMENTO E EVOLUÇÃO Terapêutica e observações durante período de internamento: Data: 27/11/2012 – Internação no HCV - TR: 37,3 °C; Valores de Referência: 37,5 - 39,2 ºC. - Não apresentou vômitos; - Necessário alterar decúbito do animal; - Fornecido alimento (40 ml)via sonda; - Administrado: 1,8 ml de Cerenia[1] por via subcutânea (SC); 1,4 ml de Ranitidina[2] por via SC; - Fluidoterapia (1 gota / 4 s); Data: 28/11/2012 - TR: 37,8 °C (manhã); 37,9 °C (tarde); Valores de Referência: 37,5 - 39,2 ºC. - Não apresentou vômitos durante todo o dia; - Necessário alterar decúbito; - Fornecido alimento (60 ml) via sonda; - Administrado: 1,8 ml de Cerenia[1] por via SC; 1,4 ml de Ranitidina[2] por via SC; 1 comprimido de Hepatovet[3] por via Oral (VO) - a cada 12 h (BID); 1 comprimido de Norfloxacina 400 mg[4] por VO - a cada 24 h (SID); 1 ml de Tramal[5] por via SC - SID; 1,5 comprimido de Prednisona[6] 20 mg por VO – SID; 1.500 ml de Soro Fisiológico + KCL (6 ml) por IV; Data: 29/11/2012 - TR: 28,4 °C (manhã); 38,7 °C (tarde); Valores de Referência: 37,5 - 39,2 ºC. - Não apresentou vômitos durante todo o dia; - Necessário alterar decúbito e levantá-lo para urinar; - Fornecido alimento com glicose via sonda - a cada 6 h (TID); - Administrado o mesmo tratamento do dia anterior; Evolução: Após ter sido encaminhada à Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do HCV/UFRGS devido ao seu estado de debilidade, foi administrado tratamento de suporte e estabilizado o quadro clínico da paciente. Durante os dias seguintes, continuava estável, porém ainda em estado de caráter crítico. No terceiro dia de internação, foi realizada a primeira sessão de quimioterapia[7]. Na madrugada do quarto dia, o animal não resistiu e veio ao óbito. [1] Cerenia: Citrato de Maropitant, indicado para prevenção e tratamento do vômito agudo em cães. Dose: 1 mg/kg15. Caso clínico 2012/2/07 página 4 [2] Cloridrato de Ranitidina: Histaminérgico do tipo H2. Possuem a ação de inibir totalmente a secreção e ácido clorídrico induzido por histamina ou gastrina. Dose: 2 mg/kg15. [3] Hepatovet: Composto de aminoácidos e vitaminas que auxiliam no metabolismo hepático. Tais nutrientes nobres agem sinergicamente para a melhor função dos hepatócitos, favorecendo seus processos fisiológicos. Contribui para o aumento dos níveis celulares de glutationa, fundamental na manutenção do fígado saudável. Dose: 1 cp/10kg15. [4] Norafloxacina: Antibacteriano, da classe das quinolonas de segunda geração. Atua inibindo as topoisomerases bacterianas tipo II. As topoisomerases são enzimas que catalisam a direção e extensão do espiralamento das cadeias de DNA. Dose: 5 a 10 mg/kg15. [5] Cloridrato de Tramadol: Medicamento alternativo aos opióides puros e é empregado em pacientes que requerem tratamento para dores de leves a moderadas. Dose: 10 mg/kg15. [6] Glicocorticóide Antibiótico, utilizado neste caso para reduzir as manifestações das síndromes paraneoplasicas15. [7] Quimioterapia: Prednisona associada à Vincristina[8]. [8] A vincristina é um alcaloide cujo mecanismo de ação celular é a despolimerização dos microtúbulos, interrompendo, assim, a mitose na fase da anáfase e, dessa forma, controla a proliferação exacerbada das células neoplásicas15. NECRÓPSIA (e histopatologia) Patologista responsável: Luciana Sonne Exame Macroscópico: Mucosas conjuntivais e oral pálidas. Linfonodos aumentados de volume, principalmente os da cavidade abdominal, com perda de distinção entre cortical e medular ao corte e, nos linfonodos maiores, porção central avermelhada e amolecida. Estômago: foco, com cerca de 0,5 cm, discretamente elevado na mucosa da região cárdica. Intestino delgado: evidenciação de algumas Placas de Peyer. Rins: moderado aumento de volume, superfície discretamente irregular com grande quantidade de focos brancacentos distribuídos na cortical e estriações brancacentas radiais na junção corticomedular. Fígado: discreto aumento de volume, discretamente pálido e com evidenciação do padrão lobular. Vesícula biliar repleta, com nodulações com cerca de 0,1 cm de diâmetro na mucosa. Cavidade torácica: vasos sanguíneos ingurgitados, massa na região tímica, com cerca de 4 cm de diâmetro, de porção central amolecida ao corte. Pulmões: discretamente avermelhados, área em formato de cunha, vermelha-escura, na extremidade ventral do lobo médio. Exame Microscópico: Linfonodos: proliferação neoplásica de linfócitos. As células são arredondadas, com citoplasma escasso, cromatina condensada e nucléolo indistinto. Há raras figuras de mitose. Há ainda trombose, congestão e hemorragia multifocal discreta. Medula óssea: hemociderose discreta. Fígado: trombose, infiltrado de linfócitos neoplásicos periportal multifocal moderado e áreas de hemorragia. Baço: hemociderose moderada. Rim: mineralização acentuada de túbulos renais e discreta mineralização de glomérulos. Bexiga: edema de submucosa. Pulmão: mineralização dos septos alveolares, edema e congestão moderada. Coração: necrose de cardiomiócitos, infiltrado de macrófagos e infiltrado de gordura, além de proliferação vascular. Medula espinhal: mineralização da parede dos vasos. Cérebro, cerebelo, tireoide, paratireoide, estômago, intestino delgado e intestino grosso sem alterações microscópicas. Diagnóstico: Linfoma. DISCUSSÃO O Linfoma é o tumor hematopoiético mais comum em cães, representando 80-90% dos tumores desse tipo, e 5-7% dentre todas as neoplasias caninas. A maioria dos casos ocorre entre 5-9 anos de idade, sendo as raças Scottish Terrier, Boxer, Basset Hound, Buldogue, Labrador as mais suscetíveis. Pode ser classificado como Multicêntrico (linfoadenopatia generalizada, envolvimento de baço, fígado, medula óssea - MO - ), Mediastinal (linfoadenopatia mediastínica, com ou sem infiltração da MO), Alimentar (infiltração focal, difusa ou multifocal do trato gastrointestinal, com ou sem linfoadenopatia intrabdominal) e Extranodal (afetando qualquer órgão ou tecido); e ainda ser dividido em estágios I (envolvimento de linfonodo isolado), II (envolvimento de mais linfonodos, porém craniais ou caudais), III (envolvimento generalizado de linfonodos), IV (III + hepatomegalia ou esplenomegalia) e V (qualquer dos anteriores + envolvimento de MO ou extranodal)17. A presente paciente foi diagnosticada com Linfoma Multicêntrico de nível IV. O Linfoma Multicêntrico (LMC) apresenta como sintomatologia clínica a linfoadenomegalia superficial generalizada, perda de peso acentuada, letargia, anorexia, poliúria/polidipsia, episódios de febre, vômito, diarreia, e dispneia17. O animal apresentava todos os sinais clínicos característicos de LMC. Leucocitose, anemia e trombocitopenia são achados comuns nos cães com linfoma4,7,11. As alterações hematológicas em pacientes com câncer podem ser tanto decorrentes da ação direta do tumor nos órgãos envolvidos, principalmente MO, como da sua ação indireta, através das Síndromes Paraneoplásticas (SP)10. Estas se referem a um conjunto de efeitos metabólicos, endócrinos e hematológicos de diversos tipos, que antecedem ou ocorrem concomitantemente à presença tumoral e excreção de seus produtos, e que não são Caso clínico 2012/2/07 página 5 relacionados diretamente com invasão, obstrução ou ações metastáticas do tumor. As SP normalmente surgem como o primeiro sinal de malignidade da doença, muitas vezes apresentando características próprias de cada tumor. Caso não seja realizada uma abordagem terapêutica adequada destas complicações, as mesmas podem gerar consequências graves ao animal, comprometendo seu prognóstico1. Hemograma Embora a anemia seja uma das alterações mais frequentes e significativas nos casos de linfoma multicêntrico - presente em cerca de 38% dos casos1 -, com o eritrograma não foi demonstrado tal sintoma na paciente em questão, assim como não foram evidenciadas nenhuma outra alteração nos demais parâmetros avaliados no exame. Quando presente, a anemia nestes animais costuma ser não regenerativa, normocítica e normocrômica, eesta se deve, assim como a trombocitopenia, à invasão da MO por células neoplásicas12,17 Como o exame histopatológico demonstrou ausência de células neoplásicas invadindo a MO do animal, justifica-se a ausência de alterações no eritrograma. Já no leucograma, foi constatado que o animal apresentava leucocitose neutrofílica. Estas podem tanto ocorrer por invasão da MO pelas células neoplásicas, como ser decorrentes de infecções secundarias. De modo geral, para se determinar a origem dessas alterações é necessário realizar um mielograma. No presente caso, porém, o exame não pôde ser avaliado, pois a amostra foi considerada inadequada. Entretanto, a avaliação histopatológica posteriormente demonstrou MO sem a presença de células tumorais, descartando esta como causa da leucocitose e da neutrofilia apresentadas. A leucocitose, assim, poderia ser decorrente da liberação de citocinas pelas células tumorais, as quais ativariam a proliferação desses leucócitos de forma não invasiva, caracterizando uma SP, ou de uma infecção secundária, como cistite6,3. A neutrofilia provavelmente reflete uma condição inflamatória decorrente do tumor14. Esta pode ocorrer em 25 a 40% dos cães com linfoma17 e possui pouco significado clínico2. Ainda no leucograma, a paciente também apresentava monocitose e linfopenia. A monocitose pode ser provocada pela produção local ou sistêmica de substâncias bioativas pelas células tumorais. As causas da linfopenia no LMC incluem lise geral dos linfócitos, destruição dos linfócitos neoplásicos, supressão da maturação dos linfócitos ou alterações nos padrões circulatórios8. Acredita-se que, devido à presença de monócitos ativados e ao aumento generalizado de linfonodos, as causas de linfopenia no caso apresentado tenham sido a destruição dos linfócitos neoplásicos e as possíveis alterações dos processos circulatórios por obstrução de vasos, respectivamente. Exames Bioquímicos Nos exames bioquímicos, o animal apresentou aumento das enzimas ALT e FA. O aumento sérico de enzimas hepáticas em cães com linfoma pode estar relacionado com o envolvimento da neoplasia no fígado (Linfoma de estágio IV)6,3 e, no caso da ALT, sugere injúria hepatocelular com consequente extravasamento enzimático16. Porém, níveis aumentados de ALT também podem ocorrer por doença hepática primária concomitante à neoplasia, e a essa diferenciação só pode ser realizada mediante exame histopatológico do órgão em questão3. Como tal exame evidenciou infiltrado de linfócitos neoplásicos periportal multifocal moderado e áreas de hemorragia, diagnosticou-se esta como a principal causa das alterações dos níveis enzimáticos. Em relação à FA, pode-se relacionar seu aumento a uma desmineralização óssea, visto que há isoenzimas presentes no tecido ósseo9. Ainda se pode desconsiderar a hipótese de que o pronunciado aumento dos níveis séricos de FA em exames anteriores tenha sido decorrente da produção de uma isoenzima induzida pro corticosteroides, já que o uso destes não foi registrado. Outra alteração observada no exame foi o aumento dos níveis séricos de Cálcio. A causa mais comum de hipercalcemia em cães é o linfoma18, e a observação ocorre em 20-40% dos casos de linfoma canino. Esta hipercalcemia é considerada uma SP resultante tanto da ruptura física de ossos trabeculares pela invasão neoplásica da MO como da produção de substâncias tumorais. A principal dessas substâncias é uma proteína (PTH-rP) semelhante ao paratormônio (PTH), a qual o mimetiza e, assim, estimula a reabsorção renal do cálcio e a desmineralização óssea. Assim, a secessão excessiva dessa proteína desempenha um papel central na patogênese da hipercalcemia, embora citocinas como interleucina-1 (IL-1) ou o fator de necrose tumoral funcionem em sinergia com PTH-rp para induzir esta hipercalcemia5. De forma geral, a evidenciação de hipercalcemia nos cães com linfoma leva à consideração de um pior prognóstico para o caso. Em relação a este animal, a hipercalcemia resultou em mineralização dos rins e pulmões, conforme demonstrado pela histopatologia. Esta mineralização provavelmente influenciou no fato da paciente ter vindo ao óbito, por decorrência das injúrias renal e pulmonar consequentes e, assim, comprovando o prognóstico ruim destes casos. As elevações dos valores da creatinina e da ureia no referido exame bioquímico sugerem disfunção renal. Essas alterações podem ser decorrentes de infiltração neoplásica nos rins, depósitos de cálcio ou Caso clínico 2012/2/07 página 6 doença renal concomitante ao linfoma. No caso dos linfomas renais, os resultados dos testes de funcionalidade dos rins indicam destruição parenquimatosa severa decorrente da infiltração neoplásica. O exame histopatológico confirmou o acúmulo de cálcio, mineralização acentuada de túbulos renais e discreta mineralização de glomérulos. Ademais, o aumento da creatinina sérica pode ter origem pré-renal e ocorrer em animais com câncer que estejam debilitados10, e/ou com sinais clínicos de vômitos e diarreia6, sinais estes observados na paciente. A redução dos níveis esperados da proteína albumina pode ser explicada pela dependência desta do funcionamento hepático e da disponibilidade de proteínas na dieta. Assim sendo, o fato do animal não ter se alimentado de forma regular nos dias anteriores ao exame pode ter contribuído para a hipoalbuninemia apresentada, pois faltariam aminoácidos para a sua síntese adequada. Um déficit energético também pode levar a um consequente catabolismo aumentado da proteína em questão, pois este estimula a mobilização de aminoácidos na para entrarem na via gliconeogênica. A hipoalbuninemia com níveis de ureia normais ou elevados, e ainda acompanhada de níveis de enzimas altos, porém, são indicadores de falha hepática9. Urinálise A densidade da urina reflete seu grau de concentração e, portanto, a capacidade dos túbulos renais de concentrar urina, sendo um indicador da função renal. A densidade do filtrado glomerular, sem entrar nos túbulos, é de 1,008 a 1,012, sendo densidades dentro desse intervalo consideradas isostenúria e associadas à insuficiência renal. Valores entre 1,012 e o limite inferior do intervalo de referência da espécie (cão: 1,030- 1,035) são difíceis de interpretar e, portanto, recomenda-se basear tal avaliação em medições seriadas. Como esta seriação não foi realizada, pode-se apenas sugerir que a densidade de 1,015 apresentada no exame seja representativa de hipostenúria, sem comprovada associação com insuficiência renal. Esta alteração pode tornar-se um pouco mais sugestiva ao se considerar a proteinúria constatada no exame químico, concomitante à qual se esperariam densidades maiores. Tal proteinúria, no animal em questão, poderia ser classificada como sendo renal, por uma alteração na filtração glomerular ou na reabsorção, ou como sendo pós-renal, em casos de inflamação do trato urinário inferior, com presença de imunoglobulinas. Esta última suspeita se confirma como a causal pelos outros indicadores de inflamação evidenciados no exame. A urina coletada apresentava-se discretamente turva, e tal turbidez pode sugerir, dentre outras alterações, uma possível inflamação. As evidenciações de leucocitúria, bacteriúria, presença de células epiteliais escamosas e de transição, e hematúria na amostra do animal compõem o restante do esperado em uma urinálise de inflamação do trato urinário inferior. Para uma melhor avaliação da função renal em si, seria necessário, portanto, repetir o exame após tratamento da inflamação9. Em todos os exames que envolveram a coleta de sangue o animal apresentou plasma ictérico. Esta icterícia pode ser explicada pelo envolvimento hepático na neoplasia. Isso porque há diminuição na captação, conjugação ou secreção de bilirrubina pelos hepatócitos, que ocorre como consequência de doença hepática difusa grave, aguda oucrônica13. Assim, caso os níveis de bilirrubina tivessem sido aferidos na bioquímica sanguínea, muito provavelmente tanto os da bilirrubina livre quanto os da conjugada estariam aumentados. CONCLUSÕES Através do resultado obtido pelo exame citológico, diagnostica-se Linfoma linfoblástico. Os resultados dos exames clínico, ultrassonográfico, hematológico, bioquímico, urinário e de necrópsia permitem classificar tal linfoma como sendo multicêntrico e de estágio IV, com envolvimento hepático e renal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BERGMAN, P.J. Paraneoplastic Syndromes. In: WITHROW, S.J; MACEWEN, E.G. Small Animal Clinical Oncology. 3. ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 2001. p. 35-53. 2. BERGMAN, P.J. Paraneoplastic Syndromes. In: WITHROW, S.J; VAIL, D.M. Withrow & MacEwen´s Small Animal Clinical Oncology. 4. ed. St. Louis: Saunders Elsevier, 2007. p. 77-94. 3. CARDOSO, M.J.L. et al. Linfoma canino – Achados clínicos-patológicos. 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(© 2012 Luciana Sonne) Caso clínico 2012/2/07 página 8 Figura 3. Sistema Hepático. Sistema hepático retirado durante a necrópsia. Figado aumentado de tamanho, discretamente pálido e com evidenciação do padrão lobular. Linfonodos regionais aumentados. (© 2012 Luciana Sonne) Figura 4. Sistema Renal. Sistema renal retirado durante a necrópsia. Rins com estriações e áreas brancacentas. (© 2012 Luciana Sonne) IDENTIFICAÇÃO Quantidade/(L
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