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ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA | 1 | MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS Centro Hospitalar do Baixo Vouga Centro Hospitalar de Leiria Centro Hospitalar de Tondela - Viseu Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra 2016 EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO 1ª Edição Coimbra, Abril de 2016 Design e paginação: Nuno Beirão Impressão: Pantone 4 Tiragem: 200 exemplares | 3 | SUMÁRIO Colaboradores ................................................................................. 4 Agradecimentos .............................................................................. 8 Prefácio ........................................................................................... 9 Lista de siglas, acrónimos e abreviaturas ................................... 10 PARTE 1 ................................................................................... 13 Aspetos organizacionais de uma UCPA ...................................... 14 PARTE 2 ................................................................................... 23 1. Complicações respiratórias no pós-operatório ..................... 24 2. Edema agudo do pulmão por pressão negativa ..................... 37 3. Pneumonite de aspiração.......................................................... 40 4. Ventilação não invasiva pós-operatória ................................. 43 5. Dor torácica após cirurgia não torácica ................................. 49 6. Hipertensão arterial pós-operatória ........................................ 61 7. Hipotensão arterial pós-operatória .......................................... 68 8. Hipotermia pós-operatória ....................................................... 73 9. Bloqueio neuromuscular residual ............................................ 82 10. Estado confusional/alteração do estado de consciência pós-operatório ............................................... 88 11. Complicações pós-transfusionais ........................................... 96 12. Anafilaxia ................................................................................. 112 13. Dor pós-operatória .................................................................. 120 14. Complicações de anestesia locorregional do neuroeixo ....... 132 15. Pós-operatório do doente em sépsis ...................................... 144 16. Pós-operatório do doente com doença renal crónica ......... 157 PARTE 3 ................................................................................... 171 Tabelas de perfusão de fármacos ................................................. 173 Protocolos de analgesia pós-operatória ...................................... 197 | 4 | COLABORADORES Adelina Sampaio, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Ana Luísa Almeida, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Ana Bernardino, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Ana Cristina Campos, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Leiria Ana Raimundo, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Anabela Marques, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Andreia Moura, MD Interna de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra António Augusto Martins, MD Assistente Graduado de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Carla Silva, MD Interna de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Carlos Noversa, MD Interno de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Catarina Dourado, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Cláudia Carreira, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra | 5 | Cláudia Pereira, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Tondela - Viseu Celine Ferreira, MD Interna de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Clarinda Loureiro, MD Assistente Graduada Sénior de Anestesiologia, Diretora de Serviço Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Daniel Madeira, MD Interno de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Daniela Chaló, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar Baixo Vouga Diana Chieira, MD Interna de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Dora Catré, MD, PhD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Tondela - Viseu Elena Segura, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Tondela - Viseu Elisabete Pereira, MD Interno de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Eunice Silva, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Leiria Filipa Madeira, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia / Assistente Hospitalar de Psiquiatria Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Filipe Pinheiro, MD Interno de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Helena Donato, MLS Diretora de Serviço Serviço de Documentação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra | 6 | Isabel Tourais, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Joana Carvalhas, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Joana Cortesão, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Joana Jesus, MD Interna de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Joana Lavado, MD Interno de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Leiria Joana Gonçalves, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra João Tomé, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Joaquim Moita, MD Assistente Graduado de Pneumologia Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Joaquim Viana, MD, PhD Assistente Graduado Sénior de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra José Pedro Assunção, MD Assistente Graduado Sénior de Anestesiologia, Diretor de Serviço Serviço de Anestesiologista do Centro Hospitalar de Tondela-Viseu Lúcia Quadros, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Luciane Pereira, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Margarida Marques, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra | 7 | Margarida Gil Pereira, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Nuno Fernandes, MD Assistente Hospitalarde Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar Baixo Vouga Piedade Gomes, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Pedro Godinho, MD Interno de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Leiria Raquel Cabral, MD Interna de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Raquel Inácio, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Rita Borges, MD Interno de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Rosário Orfão, MD Assistente Graduada Sénior de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Sílvia Vaz Serra, MD Assistente Graduada de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Tânia Ralha, MD Interna de Formação Específica em Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Teresa Lapa, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Teresa Paiva, MD Assistente Graduada Sénior de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra Vitor Pinho Oliveira, MD Assistente Hospitalar de Anestesiologia Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Tondela - Viseu | 8 | AGRADECIMENTOS A equipa de edição gostaria de reconhecer e agradecer a todos os colegas que colaboraram na realização deste manual. Por todo o seu precioso tempo dispensado, “expertise” na área e por- que o seu maior objetivo é trabalhar de forma competente, altruísta e solidária, em prol do bem estar e saúde dos nossos doentes: O NOSSO MUITO OBRIGADO! A equipa de edição | 9 | PREFÁCIO A Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos é uma escola constante, para médicos, enfermeiros e alunos. A Anestesiologia é a especialidade médica que se dedica e é perita na abordagem peri-operatória do doente. É na UCPA que damos continuidade e otimizamos os nossos cuidados anestésicos, em prol do bem estar e saúde do doente. Este manual não tem a ambição de ser um compêndio, mas sim um livro de bolso útil, prático e de consulta rápida, onde tentámos siste- matizar alguns temas clínicos que achámos relevantes para a prática clínica de cuidados pós-anestésicos. Não estão incluídos, nesta edição, temas de cuidados pós-anestésicos em contexto de ambulatório. Pretendemos dar continuação a este trabalho porque a medicina pós-anestésica é uma área muito extensa, complexa e em constante atualização. Já estamos a trabalhar em mais temas de cuidados pós-anestésicos específicos de determinadas áreas cirúrgicas ou pro- cedimentos médicos invasivos, com particularidades muito próprias, a incluir numa próxima edição. Esta primeira edição tenta abordar alguns temas mais gerais e fre- quentes que encontramos no nosso dia-a-dia e sistematizar a sua abordagem. Procurámos organizar e estruturar o conteúdo deste manual de um modo uniforme e homogéneo para facilitar a consulta e o acesso à informação. Espero que gostem! Contamos com sugestões, comentários e quiçá com a vossa futura colaboração neste trabalho, porque gostamos de alargar horizontes e partilhar conhecimentos. Este é um projeto NOSSO, De NÓS para NÓS | 10 | LISTA DE SIGLAS, ACRÓNIMOS E ABREVIATURAS A AAS Ácido acetilsalicílico AB Antibiótico ACAAI American College of Allergy, Asthma and Immunology AINE Anti-inflamatório não esteróide AL Anestésico local ANZAAG Australian and New Zealand Anaesthetic Allergy Group Ao Aórtico AP Auscultação pulmonar APTEM Aprotinin thromboelastometry aPTT Activated partial thromboplastin time ARDS Acute respiratory distress syndrome (síndrome de dificuldade respiratória aguda) AVC Acidente vascular cerebral B BCRE BCSH British Committee for Standards in Haematology BFO Broncofibroscopia BiPAP Bilevel positive airway pressure BJH British Journal of Haematology Bloq NP Bloqueio de nervos periféricos BNE Bloqueio do neuroeixo BNP B-type natriuretic peptide BRE Bloqueio de ramo esquerdo BZD Benzodiazepinas C CAM Cuidados anestésicos monitorizados Clear. Clearance COX 2 Ciclo-oxigenase 2 CPAP Continuous positive airway pressure CRPO Complicações respiratórias pós-operatórias CV Cardiovascular CVC Cateter venoso central Cx Cirurgia D DAT Direct antiglobulin test (Coombs) DAPO Dor aguda pós-operatória DEVH-PT Doença do enxerto versus hospedeiro pós-transfusional DLE Decúbito lateral esquerdo DM Diabetes mellitus DPO Delirium pós-operatório DPOC Doença pulmonar obstrutiva crónica DRC Doença renal crónica DRGE Doença de refluxo gastro-esofágico E EAACI European Academy of Allergy and Clinical Immunology EAM Enfarte agudo do miocárdio EAMcSST Enfarte agudo do miocárdio sem supradesnivelamento ST EAMsSST Enfarte agudo do miocárdio sem supradesnivelamento ST EAP Edema agudo do pulmão EAP-PN Edema agudo do pulmão por pressão negativa ECD Exame(s) complementar(es) de diagnóstico ECG Eletrocardiograma | 11 | EDTA Ethylenediaminetetraacetic acid EPAP Expiratory positive airway pressure ESA European Society of Anaesthesiology ESC European Society of Cardiology EV Endovenoso EVA Escala visual analógica EXTEM Extrinsic Thromboelastrometry F FR Frequência respiratória FRI Fatores de risco individuais G GSA Gasometria arterial H HD Hemodinâmico(a) Ht Hematócrito HTA Hipertensão arterial HTA PO Hipertensão arterial pós-operatória HTP Hipertensão pulmonar I IAH Índice apneia hipopneia IBP Inibidores bombas de protões IC(C) Insuficiência cardíaca (congestiva) ICP Intervenção coronária percutânea ICT Índice cardiotorácico IECA Inibidor da enzima de conversão da angiotensina IgE Imunoglobulina E IHN International Haemovigilance Network Ins RA Insuficiência respiratória aguda INTEM Intrinsic Thromboelastrometry IM Intramuscular IOT Intubação orotraqueal IPAP Inspiratory positive airway pressure ISBT International Society for Blood Transfusion IT Intubação traqueal L LDH Lactate dehydrogenase LMA Laryngeal mask airway M MDI Metered dose inhaler MV Murmúrio Vesicular N NEB Nebulização P PA Pressão arterial PA Pressão arterial média PCA Patient controlled analgesia PCR Paragem cardio-respiratória PCV Pressure controled ventilation PEEP Positive end-expiratory pressure PIA Pressão intra-abdominal PIC Pressão intracraniana PO Pós-operatório PPT Púrpura pós-transfusional | 12 | PSV Pressure support ventilation PT Prothrombin Time PVC Pressão venosa central R RM Ressonância Magnética RNM Relaxante(s) neuromusculare(s) ROTEM Rotational thromboelastometry RTA Reações transfusionais agudas Rx Radiografia S SAMS Staphylococcus aureus meticilina sensíveis SAMR Staphylococcus aureus meticilina resistente SAOS Sindrome de apneia obstrutiva do sono Sat O2 Saturação de oxigénio SAV Suporte avançado de vida SBV Suporte básico de vida SF Soro fisiológico SHOT Serious hazards of transfusion SL Sublingual SNG Sonda nasogástrica SNS Sistema Nervoso Simpático Sp O2 Saturação periférica de oxigénio T TA Tensão arterial TC Tomografia computorizada TACO Tranfusion associated circulatory overload TAD Tensão arterial diastólica TADys Transfusion associated dyspnea TAS Tensão arterial sistólica TOT Tubo orotraqueal TRALI Tranfusion-related acute lung injury TCE Traumatismo craneo-encefálico TENS Transcutaneous electrical nerve estimulation TEP Tromboembolia pulmonar Ti Tempo inspiratório TNF Tumor necrosis factor U UCPA Unidade de cuidados pós-anestésicos UCI Unidade de cuidados intensivos UDA Unidade de dor aguda V VA Via aérea VAS Via(s) aérea(s) superior(es) VC Volume corrente VE Ventrículo esquerdo V/QRelação ventilação/perfusão VM Volume minuto VMec Ventilação Mecânica VNI Ventilação não invasiva W WAO World Allergy Organization 1 MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 14 | ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA Adelina Sampaio Introdução Apesar da anestesia ter surgido há mais de 150 anos e cedo se ter re- conhecido a necessidade de locais adequados à prestação de cuidados pós-operatórios, as UCPAs só se expandiram nos últimos 50 anos. Nas décadas de 20 e 30 várias unidades foram surgindo, mas devido a escassez de enfermeiros o seu número só aumentou significativamente depois da II Guerra Mundial. Em 1942 abre a 1ª sala de recobro na clínica Mayo e em 1949 ter uma UCPA passou a ser considerado um standard na prestação de cuidados aos doentes submetidos a cirurgia. Nos anos 80, a falta de UCPAs foi relacionada com a alta incidência de complicações anestésicas em França. Estes dados foram usados como forte justificação para a comunidade anestésico-cirúrgica trabalhar em conjunto para a viabilidade destas unidades.1 No sentido de melhorar a qualidade dos serviços prestados e a segu- rança destes doentes, as sociedades científicas tem vindo a publicar guidelines2,4 e standards3, revistos frequentemente para se adaptarem às necessidades atuais. Assim, é recomendado que todos os doentes submetidos a intervenção anestésica (anestesia geral, do neuro-eixo ou a cuidados de monito- rização), sejam admitidos numa UCPA. Aqui, uma equipa treinada e especializada na interpretação e resposta aos eventos de um breve mas intenso período que se segue a procedimentos requerendo um ato anestésico, presta cuidados e monitorização apertada, quase equivalentes a uma Unidade de Cuidados Intensivos (UCI). São ex- ceção: doentes submetidos a open-heart surgery; cirurgia major com necessidade de ventilação prolongada, ou com instabilidade hemodi- nâmica; doentes submetidos a administração de grandes quantidades de fluídos; doentes com disfunções orgânicas significativas. ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA | 15 | Localização e estrutura A UCPA deve estar localizada na área do bloco operatório, permitindo fácil acesso a partir das suítes operatórias, de onde provêm a quase totalidade dos doentes1, perto da UCI e em local de fácil evacuação em caso de emergência. Deve ter circuitos separados para doentes, material e pessoas em geral. A saída de um doente não deve impedir a entrada rápida de outro que desenvolveu alguma complicação durante o transporte, daí a necessidade de duas portas largas de acesso em locais opostos da sala.1 A estrutura deve ser em open-space, sem obstáculos obstruindo a visão e, com uma configuração que permita manter as vias de cir- culação o mais curtas possíveis, facilitando a comunicação do staff. O número de espaços de cama onde será colocado o doente depende do número de suítes operatórias e do fluxo esperado de doentes. Assim, atendendo à complexidade das cirurgias e ao tempo médio de permanência destes doentes na UCPA, recomenda-se atualmente um ratio não inferior a 2 camas por suíte operatória. Cerca de ¼ destas unidades deve ter uma área de 26 m2 e as restantes 13,5 m2. O espaço deve permitir a livre circulação de equipamento de Rx, ventiladores, carros de emergência e staff. Devem ser todas idênticas, possuindo o mesmo equipamento colocado nos mesmos lugares facilitando, deste modo, a prestação de cuidados especialmente em situações de emergência. Cada uma deve ser visível de qualquer ponto da sala.4 A existência de um espaço fechado, reservado a doentes que necessi- tem de isolamento para o controlo de infeção, ou doentes gravemente imunodeprimidos, com ventilação que permita comutação de pressão negativa para positiva, é cada vez mais premente. Cada unidade deve possuir 12 tomadas elétricas (o maior número possível ligado ao circuito de emergência, para ventilador e seringas perfusoras com fármacos vasoativos), 6 de cada lado da cama, 2 rampas de oxigénio (uma terá sempre conectado um debitómetro de O2), 1 de ar comprimido e 2 de vácuo (uma terá sempre um aspirador de secreções conectado); uma luz ajustável para observação do doen- te; monitores de funções vitais com sistema de gravação de dados. The Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations tem vindo a chamar a atenção, nos últimos anos, para o direito à dignidade e privacidade dos doentes, sendo por isso desejável a existência de cortinas, com uma malha de rede a nível dos olhos que permita a comunicação quando estas se encontrarem fechadas.1 Contudo, as condições de segurança sobrepõem-se ao seu uso em MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 16 | situações de emergência e, se outros doentes estiverem presentes, as cortinas serão fechadas em torno dos doentes acordados.4 A UCPA deve ter uma área de emergência com desfibrilhador e carro de emergência com os fármacos e os materiais necessários para a resolução de uma paragem cardiorrespiratória ou outra emergência (choque anafilático, hipertermia maligna). Necessita, também, de alguns espaços adequado para fins especí- ficos: preparação de fármacos, mini laboratório (para a realização de gasometrias e determinação de hemoglobina capilar), um cofre para narcóticos, espaço para armazenamento de material (1m3 por cada espaço de cama, dentro da unidade e 3m3 fora, o mais próximo possível desta). A existência de uma área de descanso adjacente é uma necessidade.1 Outros espaços incluem: área de sujos, lavatórios e gabinetes. O chão deve ser antiderrapante, de cor neutra (permitindo visuali- zação rápida de uma agulha caída), e de fácil lavagem. A existência de janelas é aconselhável. A iluminação do teto deve ser suave e permitir a observação do doente quando adormecido, e a presença de um candeeiro portátil é necessária para facilitar a execução de determinados procedimentos. A temperatura deve oscilar entre os 21°C e 24°C, a humidade relativa entre os 40% e 60% e ter, pelo menos, 12 renovações de ar por hora. ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA | 17 | Recursos Humanos A UCPA faz parte do Serviço de Anestesia, e o anestesista é, sempre, o responsável pelas decisões médicas na unidade, pela gestão de vagas, bem como pela alta do doente. Os enfermeiros devem ter treino em suporte básico de vida (SBV) e nas necessidades especiais dos doentes emergindo da anestesia. Devem estar aptos a cuidar das feridas cirúr- gicas e dos variados drenos. Devem, também, estar presentes em cada turno, enfermeiros com formação em suporte avançado de vida (SAV). A preservação dos padrões de qualidade requer uma atualização con- tinua (SAV e abordagem da VA), assim, treino de equipa em cenário de emergência deve ser efetuado de forma programada. Após a entrada do doente na UCPA, o enfermeiro deve cuidar exclu- sivamente deste, até que se encontre consciente, estável e capaz de comunicar, e só depois poderá cuidar de outros doentes em simultâ- neo. Esta recomendação é soberana e deve ser seguida, mesmo que isso implique o atraso na recepção de outros doentes. Todas as UCPAs devem ter staff de enfermeiros que permita esta prática4. O ratio enfermeiro/doente depende, principalmente, do tipo de cirur- gia efetuada, das comorbilidades apresentadas e da idade do doente. Assim, se o doente se encontra instável ou é previsível que tal venha a acontecer, a relação 1/1 será necessária; se o doente está estável e sem complicações graves, a relação 1/3 é adequada; em doentes crí- ticos, instáveis, com complicações graves, a relação 2/1 é a indicada. MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 18 | Transferência para a UCPA O transporte e a entrega/passagem do doente é um período de risco elevado. Cabe ao anestesista decidir o momento e a monitorização adequados à sua realização. O doente deve encontrar-se estável à saída do bloco operatório e o tipo de monitorização vai depender da proximidade da UCPA, do nível de consciência e do status cardio- vascular e respiratório. Se a UCPAnão é próxima e/ou o estado do doente assim o exigir, deve ser monitorizada a oximetria de pulso, TA não invasiva, ECG e capnografia (nos doentes intubados). A administração suplementar de O2 deve ser feita sempre que ne- cessário e os acessos venosos devem ser adequadamente limpos, permeabilizados, seguros e protegidos.4,6 O doente será acompanhado por um anestesista que conheça o seu es- tado clínico e proceda à sua avaliação contínua e tratamento.2 À che- gada deve reavaliar o doente e transmitir, à equipa que o vai receber (anestesista e enfermeiro), as informações adequadas: identificação, estado clínico pré-operatório, anestesia e cirurgia realizadas, todos os fármacos e fluídos administrados e as intercorrências surgidas. O anestesista que acompanha o doente só abandonará a unidade, quando a equipa que o recebe aceitar a sua transferência.1,3 ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA | 19 | Monitorização, equipamento e fármacos Uma vigilância e monitorização adequadas devem ser mantidas continuamente até que o doente reúna critérios de alta.3 Assim, é preconizada a monitorização das funções respiratória, cardiovascular, neuromuscular, neurológica, temperatura, dor, náuseas e vómitos, administração de fluídos, débito urinário e capacidade de micção, estado dos drenos e hemorragia.2 A função respiratória deve ser avaliada através da determinação da permeabilidade da via aérea, frequência respiratória e da saturação de oxigénio. Se o doente se encontra intubado ou com dispositivo supraglótico é mandatório o uso de capnografia. A função cardiovascular é monitorizada pela medição da frequência cardíaca, pressão arterial (invasiva sempre que justificada) e ECG. A função neurológica, a temperatura, a dor, as náuseas e vómitos devem ser, também, avaliados periodicamente. A função neuromuscular deverá ser avaliada no doente a quem foi administrado relaxante muscular não despolarizante ou com doença neuromuscular conhecida. A monitorização da administração de fluídos deve ser especialmente criteriosa nos doentes que sofreram grandes perdas de sangue e/ou de fluídos. A determinação do débito urinário ou da capacidade de micção deverá ser efetuada sempre que necessário. Devem, também, ser vigiados os drenos e a hemorragia quando justificado. Além do carro de emergência que inclua material de pace externo, deve existir equipamento de via aérea difícil, ventiladores, monitores (débito cardíaco, oximetria cerebral, profundidade anestésica), apare- lho de gasometria, neuroestimulador, sistemas para aquecimento de doentes e fluídos, sistema para administração rápida de fluídos, dosea- dores de hemoglobina e glicémia capilar, seringas perfusoras e bombas infusoras, caixas cirúrgicas (traqueotomia e toracotomia), lanternas. Na parede, junto à cabeceira do doente, deve estar disponível o ma- terial essencial para a prestação de cuidados de enfermagem (luvas, cateteres, sondas de aspiração, etc.). Devem estar disponíveis, todos os fármacos, equipamento e fluídos necessários para o manuseamento das complicações anestésicas/ cirúrgicas que possam surgir. MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 20 | Alta da UCPA Não está definido um tempo mínimo de permanência nestas unidades. O doente deve manter-se na UCPA, até que os riscos de depressão do sistema nervoso central e cardiorrespiratório sejam mínimos.2 Todas as UCPAs devem definir protocolos que expressem os critérios mínimos para a alta dos doentes. Várias escalas têm sido publicadas e cada serviço deve adotar aquela que sinta ser a mais segura e proporcione maior conforto ao doente5. A escala de recuperação utilizada na nossa unidade monitoriza os seguintes parâmetros: nível de consciência, estabilidade hemodinâ- mica, estabilidade respiratória, sat O2, dor pós-operatória, náuseas e vómitos e atividade física. Cada um deles é valorizado de 0 a 2 e o doente terá alta quando apresentar um score igual ou superior a 12. Um doente com transferência para uma UCI não requer um score mínimo. Para além dos parâmetros referidos, outras regras devem ser obser- vadas: · o O2 deve ser descontinuado 30 min antes da alta, em doentes sub- metidos a anestesia geral (pode ser necessário O2 suplementar para atingir os valores pré-operatórios); · a última dose de fármacos depressores respiratórios deve ter sido administrada há mais de 15 min (ev, epidural ou intratecal), ou 30 min se i.m.; · nas perfusões contínuas de opióides (ev ou epidurais) o doente deve ter, pelo menos, 1 no parâmetro da consciência e 2 no respiratório; · se foram administrados fármacos antagonistas (dos RM, opióides ou sedativos), devem manter-se monitorizados até 30 min depois da última administração; · a temperatura deve ser ≥ 35,5ºC e ≤ 38,5ºC, ou encontrar-se nos valores pré-operatórios; · a dor deve ser avaliada usando a escala apropriada ao status do doen- te (deve ser inferior à apresentada à entrada e/ou retornar ao nível pré-anestésico, ou o doente apresentar-se confortável em repouso); · doentes submetidos a bloqueios do neuro-eixo devem ser capazes de mobilizar os membros (risco de hematomas epidurais); · todos os drenos, pensos das feridas cirúrgicas e cateteres devem ser verificados; · os registos devem estar completos e as notas médicas terem sido efetuadas: · todos os parâmetros monitorizados devem ser registados, prefe- rencialmente de forma automática; · devem, também, ficar registados todos os fármacos e fluídos administrados, drenagens cirúrgicas, débito urinário e outros. ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA | 21 | · The National Patient Safety Agency recomenda, ainda, o registo da data e hora de admissão, tempo decorrente até à alta, hora de alta e destino do doente; · a transferência para a enfermaria deve ser efetuada por 2 pessoas (1 deles enfermeiro), o enfermeiro da UCPA deve assegurar-se que todos os pormenores são transmitidos ao colega da enfermaria, com particular enfase para os problemas em curso. A alta do doente é da responsabilidade do anestesista. Considerações finais A implementação de protocolos e guidelines é de fundamental importância. Estes devem incidir sobre o maior número possível de situações, impedindo a improvisação. Enquanto os primeiros ajudam a evitar os erros, pois são regras para serem cumpridas, os segundos são sugestões que auxiliam na resolução de situações mais complexas. Os protocolos para serem efetivos devem ser objetivos, curtos e explícitos. São necessários para: verificação de equipamento e fármacos, transferência de doentes, critérios de alta, procedimentos de urgência, documentação. Devem também ser criadas estruturas formais para o registo de eventos adversos e quase eventos. As auditorias são importantes numa UCPA pois, para além de faze- rem parte do controlo de qualidade, são úteis para encontrar riscos potenciais e melhorar a prática e os cuidados aos doentes. Devem ser efetuadas com regularidade.5 O envelhecimento da população conduz a um aumento das comor- bilidades e a uma necessidade acrescida de cuidados de saúde mais diferenciados e mais prolongados. Assim, o número de camas nas UCIs, cuidados intermédios e em algumas enfermarias, tornou-se insuficiente levando à permanência dos doentes, por um período excessivamente longo, nas UCPAs enquanto aguardam uma cama disponível nas referidas unidades. Mas, as UCPAs não estão nem estruturadas, nem equipadas, e também não possuem staff suficien- te para funcionarem como UCIs. Por outro lado, estes doentes são, frequentemente, excluídos das visitas médicas diárias efetuadas pelo cirurgião responsável pela sua cirurgia. E, devido a sua localização e ao tempo de permanência expectável dos doentes, estas unidades não estão vocacionadas para poderem receber visitas de familiares, embora estas tenham de ser equacionadas nos doentes com permanência mais MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 22 | alargada. De referir também que, ocasionalmente, doentes em fim devida são aqui admitidos. Devem ser isolados, de forma a que os outros doentes não se apercebam da situação, pois a presença de um doente moribundo e da família enlutada tem uma influência negativa nos outros doentes bem como nas suas famílias. O equacionamento destas questões e o fluxo elevado de doentes são um desafio constante para quem presta serviço nestas unidades. Referências 1. Haret D, Kneeland M, Edmund, Operating Room Design Manual, Postanestesia care units, 2012, chapter 14: 57-70 2. Practice guidelines for postanesthetic care: an update report by American Society of Anesthesiologists Task Force on Postanesthetic Care. Society of Anesthesiologists Task Force on Postanesthetic Care, Anesthesiology. 2013;118: 291-307 3. Standards for postanesthesia care – Committee of Origin: Standards and Practice Parameters (Approved by the ASA House of Delegates on October 27, 2004, and last amended on October 15, 2014) 4. Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Immediate Post- -anaesthesia Recovery 2013. Anaesthesia 2013; 68: 288-97. 5. Arthea Hatfield, The Complete Recovery Room Book, 5th ed.oxford: Oxford university press; 2014 6. Ziser A, Alkobi M, Markovits R, Rozenberg B. The postanaesthesia care unit as a temporary admission location due to intensive care and ward overflow. Br J Anesth. 2002; 88: 577-9 2 MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 24 | 1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO Ana Luísa Almeida e Filipa Madeira DEFINIÇÃO Não existe ainda uma definição consensual, mas a maioria da lite- ratura, assume que as complicações respiratórias no pós-operatório (CRPO) incluem várias entidades.1,2 No período pós-operatório, os doentes estão sujeitos a hipoventilação secundária a depressão respiratória (↓volume minuto (VM) - por ↓frequência respiratória (FR) ou por ↓volume corrente (VC)) e/ou incapacidade de manter a via aérea permeável).1 A incidência destas complicações varia entre 5-80%, dependendo dos critérios usados para definir estas situações. A frequência das CRPO e das complicações cardíacas pós-operatórias (em cirurgia não cardíaca) são semelhantes. De salientar o impacto importante que as CRPO têm sobre o aumento da morbilidade, dias de internamento, custos hospitalares e mortalidade.3 ETIOLOGIA Deve-se essencialmente a duas causas: 1. Hipoventilação: efeito residual de anestésicos gerais, opioides, benzodiazepinas, relaxantes neuromusculares; dor; obstrução da via área (secreções/↓tónus muscular); laringospasmo/broncospas- mo; distensão abdominal. 2. Alteração da relação ventilação/perfusão (V/Q): atelectasias; inibição da vasoconstrição hipóxica pulmonar; edema pulmonar; pneumonite; shunt; pneumotórax; tromboembolia pulmonar.4,5,6 Existem fatores de risco relacionados com: 1. Doente: Idade superior a 65 anos; Doença pulmonar pré-existente (doença pulmonar obstrutiva crónica - DPOC, asma, síndrome apneia obstrutiva sono - SAOS); tabagismo; insuficiência cardíaca (IC); hipoalbuminémia (<3g/dl); dependência funcional.7,8 2. Cirurgia: abdominal alta, torácica aberta, aórtica, cirurgia de cabeça e pescoço e neurocirurgia; cirurgia > 3h; cirurgia de emergência.5,7 3. Anestesia: anestesia geral, hipotermia, sobrecarga de fluidos.4,5,7 APRESENTAÇÃO CLÍNICA Muito variável, dependendo muitas vezes da etiologia. Sinais iniciais são: dispneia e taquipneia, podendo ser confundidos com ansiedade, e não hipóxia, podendo progredir posteriormente para confusão mental e até coma. Estes sintomas acompanham-se de taquicardia e hipertensão (HTA), arritmia e uso de músculos acessórios respiratórios. Pode, em casos extremos, progredir para bradicardia e bradipneia, podendo culminar em paragem cardio-respiratória (PCR).9 | 25 | 1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO As principais causas de hipóxia no PO são: depressão respiratória secundária a fármacos, atelectasias, broncospasmo, pneumonia, agra- vamento de doença respiratória crónica, edema pulmonar e ARDS. Pela especificidade de cada uma destas patologias, irão ser abordadas separadamente as suas abordagens.6 ABORDAGEM 1. DEPRESSÃO RESPIRATÓRIA SECUNDÁRIA A FÁRMACOS A hipoventilação secundária a efeito de fármacos pode ter manifes- tações específicas: 1. Anestésicos gerais - ↑/↓FR, com ↓VC, pausas inspiratórias, ↑PaCO2, HTA, sonolência; 2. Opióides - ↑ VC com ↓ FR, ↑ PaCO2, sonolência; 3. Curarização residual - apresentação variável; doente muitas vezes ansioso e agitado, HTA; 4. Obstrução via aérea - ruídos respiratórios, movimentos não sín- cronos entre a ventilação abdominal e torácica. Se ausência de ruído → sinal de gravidade. Utilização dos músculos acessórios da respiração. O quadro pode também ser secundário a secreções, laringospasmo ou queda da língua.6 ABORDAGEM (abordagem inicial: igual para qualquer quadro de dificuldade respiratória) 1º Avaliar clínica: estado consciência, auscultação pulmonar (AP), sinais de dificuldade respiratória; 2º Monitorizar - PA, ECG, FR, SatO2; 3º Rever antecedentes pessoais e ficha anestésica do doente; 4º Aumentar a FiO2; 5º Manobras de expansão pulmonar: - posicionar o doente (cabeceira levantada a 45º); - incentivar a espirometria e cinesiterapia respiratória; - gasometria arterial (GSA): avaliar trocas gasosas, pH, relação PO2/FiO2. 6º Identificar a causa: - ação farmacológica - tentar reverter, se possível! Opióides Naloxona (diluir 400 mcg até 10 cc de soro fisiológico) Bólus: 1 mcg/kg; repetir até efeito desejado Benzodiazepinas (BZD) Flumazenil Bólus inicial: 200 mcg; Bólus seguintes: 100 mcg Relaxantes neuro-musculares (RNM) Rocurónio/Vecurónio --> Sugamadex Outros RMN --> Neostigmina + Atropina Sugamadex: 2-4 mg/kg; Neostigmina (0,05 mg/kg, máx. 5 mg) + Atropina (0,01 mg/kg) MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 26 | Se obstrução da via aérea: posicionar a cabeça, hiperextensão cervical, subluxação da mandíbula, ponderar aspiração (se secreções); se neces- sário colocar dispositivos orofaríngeos para manter a permeabilidade. 2. ATELECTASIAS Uma das CRPO mais comuns, principalmente após cirurgia abdominal e torácica. Trata-se de uma das causas de hipoxémia a partir do 2º dia de PO.3 Causas: ↓ compliance, retenção de secreções, alterações V/Q, dor pós- -operatória (principalmente em cirurgia torácica e abdominal alta).3 Clínica: Grande variabilidade de apresentação, podendo mesmo o doente estar assintomático. Habitualmente, manifesta-se por produção de secreções, ausência do murmúrio vesicular (MV) à AP, agitação, eventualmente respiração paradoxal/abdominal; hipoxémia (com início, sobretudo, na 2ª noite de PO). Abordagem: Doentes não conseguem expelir secreções que ocluem as vias aéreas baixas → proceder à aspiração frequente das secre- ções e incentivar a espirometria; ponderar cinesiterapia respiratória e broncofibroscopia (BFO). Se secreções escassas, ponderar CPAP/ BiPAP. Em casos extremos, pode haver necessidade de suporte ven- tilatório invasivo.3,7 ABORDAGEM ATELECTASIAS ABUNDANTES BFO ASPIRAÇÃO FREQUENTE CINESITERAPIA RESPIRATÓRIA ESCASSAS CPAP/BiPAP HIPOXÉMIA E/OU ESFORÇO RESPIRATÓRIO DOENTE TEM SECREÇÕES RESPIRATÓRIAS? Figura 1 – Abordagem de atelectasias | 27 | 1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO 3. BRONCOSPASMO A audição de pieira indica irritação, inflamação ou edema dos bron- quíolos. Na UCPA, pieira audível e a agravar é sempre potencialmente grave. Considerar que qualquer pieira que ocorre até uma hora após um potencial estímulo agressor deve ser considerado como reação anafilática, até prova em contrário.3 (ver capítulo 12) Causas: Aspiração; libertação de histamina em resposta a fármacos (ex: opióides); alergia a fármacos; exacerbação de doença pulmonar crónica (asma, DPOC); constrição reflexa do músculo liso bronquiolar em resposta a secreções/ aspiração de secreções/entubação orotra- queal/ estímulo cirúrgico - geralmente manifesta-se após cessação do efeito broncodilatador de anestésicoshalogenados.3 Clínica: dispneia, taquipneia, pieira, sensação de aperto referido ao tó- rax; AP - sibilos; aumento do tempo expiratório; GSA - hipercapnia.3,10 ABORDAGEM BRONCOSPASMO GRAVE GRAVIDADE? RISCO IMEDIATOVIDAMODERADA - 02 PARA STO2 94-98% - AGONISTA b2 20/20 MIN OU CONTÍNUO NA 1ª HORA (INALATÓRIO) - CORTICÓIDE PER OS - IOT, VM, FIO2 100% - AGONISTA b2 DOSE ALTA + BROMETO IPRATRÓPIO (INALATÓRIO) - CORTICÓIDE EV - CONSIDERAR TX ADJUVANTE ADMINISTRAR O2 · OBJECTIVO: SPO2 94-98% AGONISTA b2 ACÇÃO RÁPIDA INALATÓRIO (NEBULIZAÇÃO/MDI + CÂMARA EXPANSORA) DIMINUIR ANSIEDADE (MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS) O2 PARA SPO2 94-98% AGONISTA b2 DOSE ALTA + BROMETO IPRATRÓPIO 20/20 MIN OU CONTÍNUO NA 1ª HORA (INALATÓRIO) SULFATO MAGNÉSIO EV Figura 2 – Abordagem de broncospasmo MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 28 | Fármacos para tratamento do broncospasmo Agonista b2 acção rápida via inalatório: Dose habitual: MDI - 4 a 8 puffs/dose; NEB - 2.5 mg/dose Dose alta: MDI - 8 a 10 puffs/dose; NEB - 5 mg/dose ou 10 mg/h Agonista b2 via ev (salbutamol): 250 mcg/ev lento + Perfusão contínua 3-20 mcg/min Brometo de ipratrópio: Dose habitual: MDI - 4 puffs/dose; NEB - 0.25 mg/dose Dose alta: MDI - 8 puffs/dose; NEB - 0.5 mg/dose Sulfato de magnésio: 2g/iv em 20 min Nas nebulizações em substituição do SF Adrenalina: Nebulização: 5ml (adrenalina 1:1000) IV: 10 mcg podendo aumentar para 100 mcg (adrenalina 1:10 000) Ketamina: 0.5-1mg/kg seguido perfusão 0.5-2mg/kg/h IV: 10mcg podendo aumentar para 100 mcg (adrenalina 1:10 000) Corticoides: Dose inicial: P 40-60 mg/po; H 200 mg/ev; MP 125 mg/ev Dose habitual: H 200 mg/dia; MP 40-60 mg/dia ou q12 Dose internados UCI: H 300-400 mg/dia /dose; MP 60-80 mg q6/q12 Tratamento crise Tratamento ajuvante Tratamento off-label H - hidrocortisona; MDI - metered-dose inhaler (inalador pressurizado doseável); MP - metilprednisolona; NEB - nebulização; P - prednisolona; SF - soro fisiológico; UCI - unidade cuidados intensivos. Figura 2 – Abordagem de broncospasmo (cont.) | 29 | 1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO 4. LARINGOSPASMO O laringospasmo condiciona uma oclusão parcial ou total da via aérea ao nível das cordas vocais. Mais frequente em crianças, em doentes com patologia reativa das vias aéreas e nas cirurgias do foro otorrinolaringológico. Causas: pode dever-se a estímulo cirúrgico em planos anestésicos mais superficiais, presença de secreções, hiperreatividade da via aérea e anestésicos pungentes. A manipulação da via aérea destes doentes de risco deve ser realizada sempre em planos anestésicos mais profundos e a extubação num plano profundo ou superficial. Clínica: estridor que pode progredir para ausência total de ruído, aumento do esforço respiratório com movimentos paradoxais. Pode acompanhar-se de hipoxémia e/ou bradicardia.11,12 ABORDAGEM Figura 3 – Abordagem de laringospasmo Laringospasmo Remoção estímulo precipitante CPAP (FiO2 100%) Propofol (0.5-1mg/kg) Succinilocolina (1mg/kg) Aspiração de secreções/conteúdo gástrico Remoção de componente causal da obstrução supraglótica Profilaxia (grupos de risco) Sulfato de magnésio (15 mg/kg) Lidocaína (1.5 mg/kg) NÃO RESOLVE NÃO RESOLVE MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 30 | 5. PNEUMONIA Ocorre geralmente nos primeiros 5 dias após cirurgia. Ponderar, nos doentes de risco, vaga em Unidade de Cuidados Intermédios. Clínica: Febre, aumento secreções respiratórias, dispneia/polipneia; hipoxémia (com aumento das necessidades de oxigénio suplementar) e, mais tarde, hipercapnia. Diagnóstico: suspeitar em qualquer doente que desenvolve sinais de infecção respiratória e infiltrado, de novo, no Rx Torax. Diagnóstico diferencial: Atelectasias, embolia pulmonar, ARDS (acute respiratory distress syndrome) Causas: As pneumonias PO costumam ser causadas por mais do que um microorganismo, sendo a combinação mais comum Enterobac- teriaceae + S. aureus/S. pneumoniae. ABORDAGEM a) Colheita de hemoculturas (2 periféricas - locais diferentes + 1 cateter se CVC há >48hrs); b) Aspirado bronco-alveolar/colheita de expectoração e pesquisa de antigenúria para Legionella e Pneumococcus; c) Introdução de esquema antimicrobiano empírico e reavaliação às 72hrs; d) De-escalação terapêutica logo que resultados da microbiologia disponíveis; duração do tratamento: 7-10 dias. Esquema empírico sem suspeita de SAMR Piperacilina - Tazobactam (4,5 g ev 6/6h) + Ciprofloxacina (400 mg 8/8h) ou Piperacilina - Tazobactam + Amicacina (20 mg/kg, a perfundir em 30 min) Se suspeita de SAMR Adicionar ao esquema anterior Vancomicina (15-20 mg/kg q8h ou q12h, adaptado à função renal; alvo: 15-25 mg/L, em perfusão con- tínua) ou Linezolide (600 mg q12h). Breves notas sobre antibióticos 1. A dose inicial deve ser máxima e não ajustada para a função renal do doente; doses seguintes devem ser ajustadas à função renal. 2. Aminoglicosídeos: Menor toxicidade se toma única elevada do que em múltiplas tomas; Pedir doseamentos: Pico (30 min após infusão endovenosa - informa sobre eficácia) e Vale (antes da administra- ção seguinte - informa sobre o intervalo que deve mediar entre administrações); a duração do tratamento com aminoglicosídeos deve ser de 3-5 dias. 3. Vancomicina: pedir doseamentos em pico e em vale (alvo: 15- 20 mg/kg); em doentes gravemente doentes fazer uma dose de carga inicial de 25-30 mg/kg.3 | 31 | 1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO 6. EXACERBAÇÃO DE DOENÇA RESPIRATÓRIA CRÓNICA - SÍNDROME DE APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO (SAOS) A SAOS é uma patologia respiratória caracterizada por episódios repe- tidos de apneia/hipopneia devido ao colapso das vias aéreas superiores (VAS), durante o sono. O colapso repetido leva a múltiplos despertares, dessaturação e hipercapnia. Mais comum em homens, obesos e idosos. Associa-se a HTA, arritmias, ICC, doença isquémica coronária e AVC. Fatores que podem contribuir para a exacerbação da SAOS no PO: a. Utilização de fármacos que promovem o relaxamento dos músculos faríngeos (sedativos, opioides, agentes anestésicos); b. Utilização de fármacos que promovem uma atenuação da resposta dos centros respiratórios a estímulos como a hipercapnia; c. Posição supina. Clínica: A exacerbação de SAOS no pós-operatório caracteriza-se pelo aparecimento de episódios de dessaturação durante o sono que, tipicamente, são mais severos, mais prolongados e mais frequentes. Estes episódios ocorrem, geralmente, nas primeiras 24-48 horas após a cirurgia. A predisposição para desenvolver hipoxémia e/ou hipercapnia no PO aumenta a probabilidade de re-intubação, isquémia miocárdio, arritmias, encefalopatia hipóxica ou morte.3,13,14,15 Score de gravidade: A gravidade da SAOS baseia-se no índice de apneia/hipopneia (IAH) - ver tabela. As guidelines da ASA propõem um sistema de classificação que permite estimar a probabilidade da ocorrência de CRPO em doentes com SAOS. O score de risco periope- ratório obtém-se somando A+B/C (considerar o valor que for mais elevado) e um score ≥ 4 equivale a um risco perioperatório aumentado para exacerbação de SAOS. MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 32 | Tabela 1 – Score de gravidade da SAOS (ASA) pontos A. Gravidade SAOS (estudo polissonográfico) Sem (IAH 0-5) Ligeiro (IAH 6-20) Moderado (IAH 21-40) Grave (IAH>40) 0 1 2 3 B. Cirurgia/Anestesia Cirurgia superficial + BNP/AL Cirurgia superficial + AG/Sedação moderada Cirurgia periférica + BNE Cirurgia periférica + AG Cirurgia VA + Sedação moderada Cirurgia major + AG Cirurgia VA + AG 0 1 1 2 2 3 3 C. Necessidade de opioides no PO Sem Dose baixa Dose alta (IV/neuroaxial) 0 1 3 Resultado A + B/C (considerar o valor mais elevado) AG - Anestesia Geral; AHI - Apneia/Hipopneia índice; AL - Anestesia Local; BNE - Bloqueio neuro-eixo; BNP - Bloqueio de Nervo Periférico; VA - Via Aérea. ABORDAGEM SAOS Controlo da dor: Minimizar opioide no PO Não associar sedativos a opioides Preferir AINEs, ALR (sem opioides)Oxigenação: SAOS dessatura rapidamente ➝ Manter StO2 ≥ 90% (vigília e sono) O2 Suplementar até manutenção de StO2 ≥ 90%, em ar ambiente Monitorização: Monitorizar 3h mais que doentes sem SAOS CPAP/BiPAP durante sono Iniciar com parâmetros do doente ou se desconhecidos: CPAP: Iniciar com 8-10 cmH2O (5 em doentes naives) e subir 2 a 2 cmH2O BiPAP: IPAP 16-20, EPAP 8-10, Timáx: 1, FR 15-20 (PCV), FiO2 para SpO290% Titular até redução/desaparecimento de dessaturação, apneias, ressonar Posição: Lateral/Semi-sentado MEDIDAS ESPECÍFICAS Figura 4 – Abordagem de SAOS na UCPA | 33 | 1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO 7. EXACERBAÇÃO DE DOENÇA RESPIRATÓRIA CRÓNICA – DPOC 70-80% das exacerbações de DPOC são devidas a infeções respi- ratórias; outras causas: ICC, enfarte agudo do miocárdio (EAM), tromboembolia pulmonar (TEP). Causas: Idade avançada, tosse produtiva, duração da DPOC, história de terapia com antibióticos, hospitalizações prévias, terapêutica com teofilina, comorbilidades (doença cardíaca isquémica, IC crónica, DM, doença refluxo gastro-esofágico). Clínica: Dispneia, alteração estado mental, agravamento da hipoxémia e hipercapnia; acidose respiratória (GSA), Comorbilidades de alto risco (pneumonia, ICC, arritmia, DM, insuficiência renal /hepática).3,13,14,15 ABORDAGEM VNI: BiPAP: IPAP 16-20 cmH2O; EPAP 5-7 cmH2O; Timáx 0.8; FR 15-20 Ponderar IOT e VM se não houver melhoria com introdução de VNI 2. Suporte à Ventilação - ver esquema seguinte 3. Tratamento farmacológico Agonistas b adrenérgicos: Salbutamol 5 mg 3x 1ª hora e depois 60/60 min Brometo ipratrópio: 250 mcg 3x 1ª hora e depois 60/60 min Corticóides: P 40 mg/po id ou 50 mg/iv id Iniciar AB se alteração da expectoração: avaliar Doentes não medicados com metilxantinas: aminofilina 240 mg/100cc SF, 20 min Se indicado suporte HD/ ventilatório Máscara de Venturi/cânula nasal Titular SPO2 88-92%; PaO2 ≥ 60 mmHg 1. Suplementação O2 Figura 5 – Abordagem de exacerbação de DPOC MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 34 | Manter O2 Repetir GSA dentro de 1-2h Anamnese + Exame físico: GSA INICIAR O2 - ajustar FiO2 para StO2 88-92% Hipercapnia PaCO2 > 50 mmHg pH < 7.35? (para PaO2 > 60 mmHg VM: VNI/IOT Hipercapnia PaCO2 > 50 mmHg SIMNÃO NÃO SIM SIM Figura 6 – Suporte ventilatório na exacerbação de DPOC Adaptado do Manual do Curso de Evidência na Emergência, 2011. Tabela 2 – Antibioterapia na exacerbação de DPOC Definição Microorganismos Antibiótico (oral) Exacerbação ligeira H. influenza S. pneumonia M. catarrhalis C. pneumonia Vírus Se indicado: b lactâmico - Amoxi+Clavo Alternativa: Cefalosporina 2ª/3ª geração Macrólido Exacerbação moderada - Os do grupo anterior + microorganismos resistentes - Enterobactereáceae (K. pneumoniae, Enterobacter, Proteus, E. coli) Se indicado: b lactâmico - Amoxi+Clavo Alternativa: Levofloxacina/Moxifloxacina Exacerbação grave com factores de risco para P. aeruginosa Grupo anterior + P aeruginosa Ciprofloxacina/Levofloxacina (doses altas) 8. EDEMA AGUDO PULMÃO (EAP) Pode ser cardiogénico/não cardiogénico/misto: · Cardiogénico: Nas primeiras 36 horas PO (retenção fluidos >67 cc/kg). · Não cardiogénico: Edema pulmonar de pressão negativa, edema pulmonar neurogénico, edema pulmonar secundário a sobrecarga de fluidos. Clínica: Dispneia, dessaturação, expetoração rosácea, crepitações à auscultação pulmonar. | 35 | 1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO a) Edema pulmonar cardiogénico no PO O mais frequente no PO sobretudo em doentes com patologia car- díaca prévia. Causas: EAM, arritmias cardíacas, ICC. Factores de risco (EAM): Resposta de stress associada à intubação/ extubação ou cirurgia major visceral. b) Edema pulmonar de pressão negativa (EAP-PN) no PO (tema mais desenvolvido no capítulo 2) O EAP-PN pode ser tipo I (jovens saudáveis e atléticos) ou tipo II (quan- do existe obstrução crónica da VA, sobretudo em idosos/crianças). Causas: Laringospasmo ou outras formas de obstrução das VAS após extubação. Fisiopatologia: Inspiração forçada contra glote fechada --> aumento da pressão negativa intratorácica --> aumento do afluxo de sangue ao coração direito --> dilatação do leito vascular pulmonar/pressão do líquido intersticial em torno dos capilares mais negativa --> saída de fluido para espaço intersticial --> disfunção das trocas gasosas --> activação de cascata com hipoxémia, libertação de catecolaminas, hipertensão sistémica e pulmonar. Clínica: Sinais de obstrução aguda da VAS --> alívio da obstrução --> EAP; o aparecimento de EAP pode ocorrer em minutos ou algumas horas (até 30h) após alívio da obstrução. Factores de risco para obstrução da VAS: Pescoço curto, SAOS, acromegália, cirurgia otorrinolaringológica (ORL) prévia. Evolução: Favorável sem sequelas. c) Edema pulmonar por sobrecarga de fluidos Causas: reposição excessiva em quadros de perdas hemorrágicas intra-operatórias importantes, status pós-PCR, sépsis, sequestração para o 3º espaço. Pode ainda ser secundário a Insuficiência Renal Aguda no PO, excessiva ingestão de fluidos. Fisiopatologia: a sobrecarga de fluidos (fluid overload) foi definida como o EAP que pode ocorrer nas primeiras 36 horas de PO quando a retenção de fluidos é superior a 67 cc/kg/dia, na ausência de pato- logia médica associada, com um ganho em fluido em cerca de 20% superior ao conteúdo total de água corporal. d) Edema pulmonar neurogénico Disfunção autonómica com hiperativação do sistema nervoso sim- pático, com aumento da pressão capilar pulmonar e extravasamento de fluido para o espaço intersticial Causas: TCE, encefalopatia hiponatrémica PO3,13,14,15 MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 36 | ABORDAGEM (do doente com EAP) CPAP: Iniciar com 10cmH2O; BiPAP: IPAP 16-20cmH2O; EPAP 8-10cmH2O; Timáx 1; FR 15-20 Ponderar IOT e VM se não houver melhoria com introdução de VNI B - Suporte à Ventilação Diminuição pre-load: Mononitrato de isossorbido: 5mg/sl de 5/5 min Dinitrato de isossorbido: inicar perfusão iv com 10-20mcg/min Usar com precaução: hipoTA, Estenose Ao, Htpulmonar Morfina: 2mg iv/dose Diuréticos: Furosemide 1-1,5 mg/kg/dose ev C - Circulação DPOC SPO2 88-92%; Sem DPOC SPO2 94-98% A - Suplementação O2 Figura 7 – Abordagem de EAP Referências 1. 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EDEMA AGUDO DO PULMÃO POR PRESSÃO NEGATIVA Carla Silva e Raquel Inácio DEFINIÇÃO O edema agudo do pulmão por pressão negativa (EAP-PN), também designado por edema pulmonar pós-obstrutivo, é uma forma de edema pulmonar não cardiogénico, que surge na sequência de episódio de pressão intra-torácica negativa, gerada como resposta a uma obstru- ção aguda da via aérea superior.1 INCIDÊNCIA Estima-se que em adultos saudáveis submetidos a anestesia geral, a incidência seja de 0,05-0,1%, embora muitos episódios possam não ser diagnosticados.2,3 Em doentes que desenvolvem obstrução aguda da via aérea superior a incidência é de cerca de 12%.1 Ocorre mais frequentemente em jovens do sexo masculino, com boa condição física, capazes de gerar uma pressão intra-torácica muito negativa. A mortalidade de evento não reconhecido, pode rondar os 40%. ETIOLOGIA/ CLASSIFICAÇÃO Tipo I – Ocorre no contexto de manipulação cirúrgica ou obstrução aguda da via aérea (VA) superior de qualquer etiologia, embora a causa mais frequente no adulto seja o laringospasmo após extubação traqueal. Algumas das condições predisponentes são: intubação tra- queal difícil, hematoma da VA, obstrução do tubo oro-traqueal (TOT) por secreções ou mordedura, obstrução de máscara laríngea (LMA), aspiração do TOT, extubação precoce com doente pouco profundo, paralisia pós-operatória das cordas vocais, esforço respiratório pro- vocado por assincronia doente-ventilador, infeção recente do trato respiratório superior, secreções orofaríngeas espessas, entre outras.3,4 Na população pediátrica as causas mais frequentes são a epiglotite, o croup e laringotraqueobronquite.5 Tipo II – Surge após alívio de obstrução crónica da via aérea superior (ex.: grandes amígdalas, adenoides hipertróficas, estenose das coanas, úvula redundante). FISIOPATOLOGIA O EAP-PN tipo I tem início imediatamente após um esforço inspi- ratório forçado contra uma obstrução significativa da via aérea superior ou glote encerrada (manobra de Muller). Este esforço gera uma pressão intrapleural muito negativa (até – 140 cm H2O), que resulta no aumento do retorno venoso à aurícula direita, aumento do fluxo sanguíneo e das pressões arterial e capilar pulmonar, o que origina um elevado gradiente de pressão hidrostática que favorece o movimento de fluidos dos capilares para o interstício e consequente transudação para o espaço alveolar. MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 38 | O aumento da pressão transmural e da tensão na parede do ventrículo esquerdo (VE), provocados pelo aumento da pressão intrapleural negativa, aumentam o afterload do VE, com consequente diminuição do débito cardíaco. O resultante aumento da pressão diastólica final do VE e a baixa compliance, refletem-se num aumento da pressão na microcirculação pulmonar, o que contribui adicionalmente para a formação de edema. Para além dos mecanismos já referidos, a hipoxémia resultante diminui a contratilidade miocárdica e a ejeção do VE e favorece um estado hiperadrenérgico com aumento da resistência arterial pulmonar, vasoconstrição periférica e redistribuição de sangue para a circulação pulmonar. O EAP-PN tipo II surge devido à expiração contra uma via aérea parcialmente obstruída de forma crónica, o que vai criando uma pressão alveolar positiva no final da expiração (auto-PEEP). Quando a obstrução é removida, ocorre uma diminuição súbita nas pressões da VA e aumento no retorno venoso. Se o VE não for capaz de gerar o débito necessário para o aumento de pré-carga, ocorre uma eleva- ção da pressão hidrostática pulmonar e transudação de fluidos para o interstício e alvéolos. APRESENTAÇÃO CLÍNICA Os sintomas têm início mais frequente imediatamente após a extu- bação, podendo ter uma apresentação mais tardia (algumas horas depois) e consistem nos seguintes: - Manifestações de obstrução aguda da via aérea (estridor, retração supraesternal e supra-clavicular, uso de músculos acessórios da respiração, taquipneia); - Dificuldade respiratória; - Hipoxémia; - Ralas/ pieira; - Secreções espumosas, rosadas/ hemoptises; - Aumento do tempo expiratório. DIAGNÓSTICO - Clínico: história de incidente precipitante e apresentação clínica sugestiva; - Radiografia do tórax: infiltrado intersticial e alveolar bilateral difuso, de predomínio central; - TC toráxica: Padrão de vidro fosco nas regiões centrais e não-dependentes. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL - Outras causas de edema agudo do pulmão - Pneumonite de aspiração - Anafilaxia - Embolia gorda - Embolia gasosa | 39 | 2. EDEMA AGUDO DO PULMÃO POR PRESSÃO NEGATIVA ABORDAGEM1-6 - Manobras de permeabilização da via aérea - Avaliar a necessidade de intubação traqueal - Ponderar indução anestésica e a administração de relaxante muscular (ex: succinilcolina 0,1 – 0,2 mg/kg para aliviar o larin- gospasmo ou para relaxamento em doente que morde o TOT)2,3 - Correção da hipoxémia - Aplicação de pressão positiva na via aérea - Ventilação não invasiva – BiPAP ou CPAP3 (o que promove o recru- tamento alveolar, diminuição do gradiente de pressão hidrostática alveolar, diminuição do trabalho respiratório e do afterload do VE) - Ventilação mecânica invasiva – reservar para doentes que não respondam a VNI1; utilização de PEEP entre 5 e 10 cm H2O - Restrição de fluidos - Diuréticos – utilização controversa1. Utilizar principalmente se se verificou utilização de fluidoterapia intra-operatória agressiva. Evitar se existir evidência de hipovolémia e hipoperfusão. - Esteroides – utilização controversa. Possível papel na minimização da lesão alveolar e capilar. - Prolongar período de vigilância em UCPA (até 12H). - Ponderar admissão em UCI. EVOLUÇÃO Na maior parte dos casos, com a instituição de terapêutica adequada, a resolução ocorre até às 24h sem sequelas. Há relatos de casos fatais por evolução com ARDS ou falência multiorgânica. Prevenção - Evição de irritação laríngea/ laringospasmo - Aplicação de lidocaína tópica no TET ou dispositivo supraglótico ou administração endovenosa antes da intubação ou extubação traqueal em doentes com fatores de risco2,6; - Intubação fibroscópica (ou outros métodos alternativos) em caso de via aérea previsivelmente difícil; - Realização de tamponamento da orofaringe quando adequado; - Aspiração cuidadosa e suave da orofaringe; - Extubação traqueal com o doente profundo ou bem acordado; - Evitar dessincronia entre o doente e o ventilador (adequação do modo ventilatório, adequada profundidade anestésica). Referências 1. Lemyze M, Mallat J, Understanding negative pressure pulmonar edema, Intensive Care Med. 2014; 40:1140–1143 2. Bhaskar B, Frase JF, Negative pressure pulmonary edema revisited: Patho- physiology and review of management, Saudi J Anaesth. 2011; 5: 308–313 3. Kapoor M, Negative pressure pulmonary oedema, Indian J Anaesth. 2011; 55: 10–1. 4. Ghofaily LA, Simmons C, Chen L, Liu R, Negative Pressure Pulmonary Edema after Laryngospasm: A Revisit with a Case Report. J Anesth Clin Res 2012, 3:10 5. Udeshi A, Postobstructive pulmonary edema, J Crit Care. 2010; 25, 508. e1–508.e5 6. Kesimci E, Aslan B, Gümüs T, Kanbak O, Management Of Unpredıcted Pos- toperatıve Negatıve Pressure Pulmonary Edema: A Report Of Two Cases. The Internet Journal of Anesthesiology. 2006; 12: 1. MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 40 | 3. PNEUMONITE DE ASPIRAÇÃO Ana Almeida e Filipa Madeira DEFINIÇÃO Também conhecida como síndrome de Mendelson, define-se como uma lesão química causada pela inalação de conteúdo gástrico esté- ril.1 Inicialmente ocorre uma descamação do epitélio brônquico com aumento da permeabilidade alveolar, levando a edema intersticial, diminuição da compliance pulmonar e alteração da relação ventila- ção/perfusão(V/Q). Inicia-se uma resposta inflamatória aguda, com a libertação de citocinas, TNF alfa e produtos reativos de oxigénio. Pode evoluir para pneumonia, caso o material aspirado esteja infec- tado, ou secundariamente, à pneumonite.2,3 ETIOLOGIA A pneumonite de aspiração pode ocorrer quando o conteúdo gástrico ultrapassa as cordas vocais. Existem fatores de risco para a aspiração: 1. Dependentes do doente: aumento do conteúdo gástrico, ausência de jejum, atraso do esvaziamento gástrico (diabetes, gravidez, insuficiência renal crónica), incompetência do esfíncter esofágico inferior, diminuição dos reflexos laríngeos, aumento da pressão intra-abdominal (obesidade, ascite). 2. Dependentes da cirurgia: emergente, laparoscópica e posição de litotomia; 3. Dependentes da anestesia: intubação difícil, profundidade anes- tésica inadequada.2-4 PREVENÇÃO DA ASPIRAÇÃO · Jejum adequado - líquidos sem resíduos 2h, leite materno 4h, refeições ligeiras 6h; · Redução da acidez gástrica - antagonistas H2 (pelo menos 2h antes) e inibidores da bomba de protões -IBP (12h antes), citrato de sódio, metoclopramida (gastrocinéticos); · Entubação de sequência rápida – pré-oxigenação, administração de indutor anestésico e relaxante neuro-muscular (RMN) de acção rápida; evitar a ventilação manual; apesar de controverso, continua a recomendar-se a pressão na cricóide. · Colocação de sonda nasogástrica (SNG) em doentes com história de oclusão intestinal. · Extubação: deve ser realizada com os reflexos da via aérea presentes, em decúbito lateral.2,3,4 APRESENTAÇÃO CLÍNICA Pode inicialmente ser assintomática. Apresenta-se habitualmente com taquipneia, broncospasmo, sibilância, tosse, cianose e insuficiência respiratória. Pode acompanhar-se de febre, devido à resposta infla- matória sendo, por vezes, difícil distinguir pneumonite de pneumonia. | 41 | 3. PNEUMONITE DE ASPIRAÇÃO Se forem aspiradas partículas grandes, pode ocorrer obstrução das grandes ou pequenas vias aéreas, tendo a hipoxemia uma progressão rápida e letal. Nestes casos deve-se ponderar fazer fibroscopia para aspirar as partículas.4-6 ABORDAGEM IMEDIATA Vómito/Conteúdo gástrico na via aérea Aspiração após indução anestésica · Trendelenburg e DLE, se possível · Aspiração de secreções · FiO2 100% · Proteger a via aérea com TOT · Aspirar TOT antes de ventilar · VM com PEEP de, pelo menos, 5cmH20 · Considerar broncoscopia · Tratar broncospasmo, se presente Extubar: Se estável, manter em vigilância pelo menos durante 2h Antes da indução Cx Urgente? Cx Urgente? Discutir com cirurgião adiar a cirurgia Se dispneia, sat O2 , broncospasmo de novo UCI Antes indução Ponderar Anestesia loco-regional ou adiar Figura 1 – Abordagem de pneumonite de aspiração Antibioterapia não deve ser administrada de forma profilática, mas ter em atenção que a pneumonia ocorre em cerca de 20 a 30% dos casos. Agentes mais frequentes são os bacilos Gram negativos. O uso de AB numa fase precoce pode estar associado a aumento da resistência aos mesmos, com agentes patogénicos mais resistentes. A antibioterapia deve ser sempre dirigida e ter como base o antibio- grama, devendo ser realizada colheita de culturas de expectoração quando há alteração do quadro. Corticoterapia também não deve ser administrada de forma pro- filática na fase aguda. O uso de corticóides no doente crítico está associado a pior outcome.4-6 ABORDAGEM SUBSEQUENTE · Realizar Rx tórax – pode apresentar consolidação lobar (lobo mé- dio direito é o mais típico). Pode evoluir para cavitação e abcesso, necessitando de controlo apertado. · Realizar gasometrias seriadas. · Se desenvolverem quadro de insuficiência respiratória deve man- ter-se estes doentes sob vigilância apertada, uma vez que podem necessitar de suporte ventilatório. · Se usado suporte ventilatório devem ser usadas técnicas protectoras do pulmão com VC baixos (6-8 ml/kg) e limitar as pressões plateau (<30 cmH2O), PEEP de 5 a 7 cmH2O, evitando uma grande distensão alveolar, assim como o seu colapso no final da expiração.4-6 MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 42 | Referências 1. Marik P. Aspiration Pneumonitis and Aspiration Pneumonia. N Engl J Med 2001, 344: 665-71 2. 2.Robinson M, Davidson A. Aspiration under anaesthesia: risk assessment and decision-making. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain 2014, 14: 171-5 3. 3.Wallace C, McGuire B. Rapid sequence induction: its place in modern anaesthesia. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain 2014, 14: 130-5 4. Kluger MT, Visvanathan T, Myburgh JA, Westhorpe RN. Crisis management during anaesthesia: regurgitation,vomiting, and aspiration. Qual Saf Health Care. 14:e4 5. King W. Pulmonary aspiration of gastric contents. Anaesthesia tutorial of the week 192. 2010 6. Raghavendran K, Nemzek J, Napolitano LM, Knight PR. Aspiration-Induced lung injury. Crit Care Med. 2011, 39: 818-26 7. Beck-Schimmer B, Bonvini JM. Bronchoaspiration: incidence, consequences and management. Eur J Anaesthesiol. 2011, 28:78-84. | 43 | 4. VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA PÓS-OPERATÓRIA 4. VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA PÓS-OPERATÓRIA Ana Luísa Almeida, Filipa Madeira e Teresa Lapa DEFINIÇÃO A ventilação não invasiva (VNI) refere-se a qualquer forma de su- porte ventilatório através das vias aéreas superiores, sem recurso à entubação traqueal (ET), utilizando uma máscara ou similares, com objetivos clínicos (alívio de sintomas e redução do trabalho respira- tório) e fisiológicos (melhoria das trocas gasosas). A VNI está associada à diminuição da necessidade de ET reduzindo assim a incidência de complicações pulmonares pós-operatórias, tempo de internamento em Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) e de internamento hospitalar. APLICAÇÃO CLÍNICA Múltiplos fatores anestésico-cirúrgicos podem contribuir para o agra- vamento da insuficiência respiratória crónica ou desenvolvimento de insuficiência respiratória aguda (Ins RA) de novo, principalmente nas primeiras horas do pós-operatório (PO).2 Os fatores de risco para IRA no pós-operatório são:> 60 anos, tabagis- mo, DPOC, ASA≥2, obesidade, insuficiência cardíaca congestiva (ICC), dependência funcional para atividades da vida diária e procedimentos cirúrgicos abdominais ou torácicos. Os estudos existentes, ainda não permitem um nível de evidência A para a utilização de VNI no período pós-operatório (PO). No entanto, de acordo com os resultados de múltiplos trabalhos publicados e a opinião de alguns peritos, a VNI deve ser utilizada em contexto PO em doentes e cirurgias específicas.3 A experiência da equipa de cuidados pós-anestésicos em VNI é fun- damental no sucesso da técnica. INDICAÇÕES CLÍNICAS PARA VNI NO PERÍODO PÓS-OPERATÓRIO A ventilação não-invasiva em cuidados pós-operatórios tem várias indicações, devendo ser usada na prevenção e tratamento de hipo- xemia ou insuficiência respiratória aguda pós-operatórias. O quadro que se segue indica as principais indicações de VNI no período PO. Doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), síndrome apneia obstrutiva do sono (SAOS) e síndrome de hipoventilação devem manter VNI no pré e no pós-operatório.4 Cirurgia torácica: o uso de VNI no pré e pós-operatório está associado a uma diminuição da disfunção pulmonar após ressecção pulmonar e a menor tempo de internamento, apesar do receio do aumento das fugas pelo local da cirurgia - no entanto, os estudos não demonstram aumento das complicações.5,6 MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 44 | Cirurgia abdominal alta: o uso de CPAP está associado a melhor outcome na cirurgia bariátrica e abdominal alta, se aplicado nas primeiras 24 horas. Cirurgia gástrica: durante muito tempo a VNI esteve contra-indicada; atualmente, considera-se o uso de CPAP; se for usado BiPAP, deve manter-se IPAP de 6 a 8 cmH2O. Cirurgia vascular abdominal: melhoria da oxigenação e menor inci- dência de eventos adversos. A VNI após a extubação nos doentes com Doença Respiratória Crónica, reduz o trabalho respiratório, melhoraa dispneia e os valores da gasimetria do sangue arterial. Tabela 1 – Indicações para VNI na UCPA Prevenção Tratamento Obstrução da via aérea - Síndrome da Apneia obstrutiva do sono (SAOS) - Traqueomalácia Hipoxemia pós-operatória - Atelectasias Complicações pulmonares PO em cirurgias de elevado risco - Cirurgia bariátrica - Cirurgia torácica - Cirurgia cardíaca - Cirurgia abdominal alta - Cirurgia vascular abdominal - Transplante de órgãos sólidos (rim, pulmão e fígado) Hipercapnia/dificuldade respiratória no pós-operatório - Bloqueio neuromuscular residual - Fraqueza diafragmática - Atraso na emergência da anestesia - Paralisia do nervo frénico (ex: após bloqueio do plexo braquial via interescalénica) - Bloqueio neuro-axial alto Complicações pulmonares PO em doentes com elevado risco - Obesos - DPOC - Doenças neuromusculares Edema pulmonar - cardiogénico - por pressão negativa | 45 | 4. VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA PÓS-OPERATÓRIA MODOS VENTILATÓRIOS EM VNI O tipo de ventilador a usar pode ser pressurimétrico ou volumétrico. Por norma, os doentes acordados toleram melhor a pressão assistida/CPAP. Tabela 2 – Modos ventilatórios em VNI Modos ventilatórios Descrição Dados a definir Observações Ventilação espontânea (ciclagem pelo doente) CPAP Continuous Positive Airways Pressure Pressão positiva contínua na inspiração e expiração Pressão Prevenção da IRA logo após extubação em doentes de risco EAP cardiogénico PSV Pressure Support ventilation Associa-se a uma PEEP, uma pressão de suporte IPAP EPAP/PEEP Trigger insp. e exp. Tempo de subida de pressão FR de segurança (mínima) Alarmes Reduz trabalho respiratório Ventilação assistida- controlada (ciclagem pelo ventilador) PCV (Pressure Controled Ventilation) IPAP EPAP/PEEP Trigger insp. Tempo de subida de pressão Tempo inspiratório/ Relação I:E FR Alarmes Doenças neuromusculares Hipoventilação central Hipercapnia grave Os modos PSV e PCV são designados BiPAP (Bilevel Positive Airways Pressure). CONTRA-INDICAÇÕES ABSOLUTAS PARA VNI8 1. Paragem cardio-respiratória 2. Disfunção multi-orgânica 3. Coma devido a doença neurológica 4. Secreções abundantes/ incapacidade de mobilizar secreções/vó- mitos incontroláveis 5. Impossibilidade de proteger a via aérea 6. Trauma facial extenso ou obstrução da via aérea superior (VAS) 7. Instabilidade hemodinâmica (necessidade de aminas vasopressoras) MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 46 | COMPLICAÇÕES DA VNI8 1. Intolerância 2. Agitação 3. Hiperinsuflação pulmonar 4. Aumento da pressão intratorácica resultando em redução do retorno venoso 5. Hipotensão 6. Distensão gástrica 7. Lesão facial (eritema/úlcera) INTERFACES PARA VNI Máscara nasal, máscara facial, máscara facial total e helmet. DISPOSITIVOS PARA VNI NA UCPA · Máscara facial com válvula expiratória e sistema de alto fluxo (apenas CPAP) · Sistema de Boussignac (apenas CPAP) · Dispositivo de BiPAP domiciliário · Ventilador específico de VNI hospitalar (ex. Vision) - têm múltiplas vantagens para ser utilizado na UCPA nomeadamente, melhor correção de fugas, permite elevados fluxos de O2 inspirado e se necessário ventilação mandatória · Ventilador de cuidados intensivos, no modo NIV (non-invasive ventilation). ORIENTAÇÕES GENÉRICAS9 1º Tranquilizar o doente e explicar o procedimento (o doente deve estar semi-sentado no leito com cabeceira a 45º); 2º Escolher uma máscara adequada (nas situações de insuficiência respiratória aguda é preferível a máscara facial); Nota: verificar se existe válvula expiratória ou se a máscara selecionada possui saída expiratória (no caso de ventiladores de circuito único). 3º Conectar o oxigénio num orifício da máscara ou em T no cir- cuito; o débito deve ser o necessário para assegurar saturações periféricas ≥ 90%. 4º Se optar por CPAP: usar pressões entre 7 a 10 cmH2O; Se optar por BiPAP iniciar com: · Trigger inspiratório: -1 a -2 cmH2O; · Trigger expiratório - entre 35% a 40% do pico de fluxo; · Tempo inspiratório (Ti) de 1s; · EPAP/PEEP de 4 cmH2O (DPOC e doentes neuromusculares podem beneficiar de EPAP mais elevados - até 8 cmH2O); · IPAP: 10 a 15 cmH2O - ajustar monitorizando a FR, saturação periférica, GSA, tolerância/conforto do doente; aumentar de 2-5 cmH2O até se atingirem os objectivos; se o aumento de IPAP não é suficiente para controlar valores de PaCO2, ponderar | 47 | 4. VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA PÓS-OPERATÓRIA aumento de FR ou alterar para PCV. Não deve exceder a pressão inspiratória total (PSV+PEEP) de 25 cmH2O; · Frequência respiratória (FR) · se selecionar PSV, a FR de backup inicial deve ser de 10 ciclos/min · se selecionar PCV, a FR inicial deve ser de 12 a 16 ciclos/min (é aconselhável começar com FR elevadas no doente taquipneico), 5º Conectar o circuito ao ventilador, ligar o ventilador e verificar se funciona antes de adaptar o doente. 6º Monitorizar as trocas gasosas com gasometrias seriadas (início e após 1h). 7º Se assincronia doente/ventilador: · Reduzir ligeiramente a pressão máxima ( IPAP ou EPAP) para diminuir a fuga; · Baixar sensibilidade do trigger expiratório (> 30-40% da taxa de pico de fluxo; · Passar a PCV (tempo inspiratório ≤ 1 segundo) VNI Tranquilizar o doente Explicar procedimento Posicional: semi-sentado (45°) Seleccionar máscara Verificar se existe saída expiratória Conectar O2 Monitorizar: O2 para StO2 ≥90% GSA seriadas (início e ss h/h) Tolerância/Conforto doente Fugas Trigger insp: -1 a -2 cmH2O Ti 1 seg EPAP 4 cmH2O IPAP 10-15 cmH2O FR: PSV (10/backup); PCV (12-16) 7-10 cmH2O BiPAP MODO VENTILATÓRIO CPAP Figura 1 – Algoritmo do uso de VNI Doentes com sonda nasogástrica têm maior fuga pelo que deve ser colocado tubo de drenagem conectado ao saco; se se observar grande drenagem de ar, diminuir as pressões da VNI. MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS | 48 | DESMAME DA VNI Não está definido um desmame formal da VNI. Habitualmente inter- rompe-se a VNI para ministrar os cuidados de higiene, alimentação e nebulizações; nesses momentos, procede-se à avaliação da tolerabili- dade do doente à ventilação não assistida. Se o doente tolerar, começa a interromper-se a VNI por períodos cada vez maiores. CONSIDERAÇÕES FINAIS A VNI está associada a uma taxa de insucesso que varia de estudo para estudo, podendo chegar aos 40%. O insucesso pode dever-se a vários fatores sendo os principais a má adaptação do doente à técnica e o agravamento da patologia de base. A experiência da equipa é fundamental para o sucesso da técnica sendo importante uma boa e criteriosa seleção dos doentes. Geralmente, quando os doentes respondem à VNI, verifica-se uma melhoria clínica ao fim de 15-20 minutos. Se após 15-20 minutos a frequência respiratória do doente continua elevada (> 30 ciclos/min), SpO2 <90% ou se doente fica comatoso ou hipotenso, está indicado proceder a EOT e ventilação invasiva. O atraso na decisão de mano- bras mais invasivas está associado a pior prognóstico. Referências 1. Pompei L, Della Rocca G.The postoperative airway: unique challenges? Curr Opin Crit Care. 2013;19: 359-63. 2. Artime CA, Hagberg CA. Tracheal extubation. Respir Care. 2014;59: 991-1002. 3. Jaber S, Antonelli M. Preventive or curative postoperative noninvasive ventilation after thoracic surgery: still a grey zone? Intensive Care Med. 2014;40: 280-3 4. Neligan PJ. Postoperative noninvasive ventilation. Anesthesiol Clin. 2012;30:495-511. 5. Ambrosino N, Guarracino F. Unusual applications of noninvasive ventilation. Eur Respir J. 2011;38:440-9. 6. Landoni G, Zangrillo A, Cabrini L. Noninvasive ventilation after cardiac and thoracic surgery in adult patients: a review. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2012; 26:917-22. 7. Cabrini L, Pasin L. Non-invasive ventilation in surgical patients: Definitely yes, but wisely please. Rev Esp Anestesiol Reanim. 2015; 62:485-6 8. Gregoretti C, Pisani L , Cortegiani A , Ranieri M. Noninvasive Ventilation
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