Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1. Neuroanatomia e Neurofisiologia, 9 2. ABC e Manuseio Básico do Paciente Neurológico, 17 3. Abordagem do Paciente em Coma e com Desordens da Consciência, 29 4. Monitoração Geral do Paciente Neurológico Grave, 37 5. Monitorização Neurológica Multimodal (MNM), 47 6. Hipertensão Intracraniana: Conceitos e Condutas, 63 7. Derivação Ventricular Externa, 71 8. Analgesia, Sedação e Delirium no Paciente Neurocrítico, 79 9. Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico, 91 10. Acidente Vascular Cerebral Isquêmico, 97 11. Hemorragia Subaracnóidea Espontânea, 115 12. Estado de Mal Epilético, 123 13. Traumatismo Cranioencefálico, 129 14. Traumatismo Raquimedular, 139 15. Pós-Operatório de Neurocirurgia, 147 16. Infecções do Sistema Nervoso Central, 155 17. Morte Encefálica, 161 18. Manutenção do Potencial Doador de Órgãos, 167 19. Doenças Neuromusculares na Unidade de Terapia Intensiva, 173 20. EncefalopatiasTóxico-Metabólicas, 183 DIRETORIA EXECUTIVA BIÊNIO 2020/2021 Presidente Suzana Margareth Ajeje Lobo (SP) Vice-Presidente Ricardo Maria Nobre Othon Sidou (CE) Secretário Geral Antonio Luis Eiras Falcão (SP) Tesoureiro Wilson de Oliveira Filho (AM) Diretor Científico Hugo Correa de Andrade Urbano (MG) Presidente-Futuro Marcelo de Oliveira Maia (DF) Presidente-Passado Ciro Leite Mendes (PB) AMIB Associação de Medicina Intensiva Brasileira Rua Arminda, 93 - 7º andar Vila Olímpia CEP 04545-100 - São Paulo - SP (11) 5089-2642 www.amib.org.br 5 Neuroanatomia e Neurofisiologia COORDENADORES NACIONAIS CITIN – Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica: Salomón Soriano Ordinola Rojas COMIN – Comitê de Medicina Intensiva Neurológica: Rogério Ribeiro da Silveira BOARD CONSULTIVO Álvaro Réa Neto • Professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) • Chefe da Unidade de Terapia Intensiva Adulto do Hospital de Clínicas da UFPR • Diretor do Centro de Estudos e Pesquisa em Tera- pia Intensiva (CEPETI) Antonio Luis Eiras Falcão • Neurologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) • Mestrado e Doutorado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-UNICAMP) • Pós-Doutorado pela Melbourne University • Especialista Terapia Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Disciplina de Fisiologia e Metabologia Cirúrgica da FCM-UNICAMP Cássia Righy Shinotsuka • Médica da Rotina do Instituto Estadual do Cérebro • Pesquisadora do Laboratório de Medicina Intensi- va - Instituto Nacional de Infecgologia - Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) • Especialista em Medicina Intensiva pela Associa- ção de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Mestrado em Clínica Médica-Medicina Intensiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) • Doutorado em Pesquisa Clínica pela Fiocruz • Pós-Doutorado pelo Institut Pasteur – Paris Gilberto Paulo Pereira Franco • Residência em Clínica Médica pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-UNICAMP) • Especialista em Medicina Intensiva pela Associa- ção de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Mestre em Epidemiologia pela Universidade Fede- ral de Mato Grosso (UFMT) • Professor de Semiologia e Habilidades Médicas da Universidade de Cuiabá (UNIC) • Médico Diarista da Unidade de Terapia Intensiva de Adultos do Complexo Hospitalar de Cuiabá • Médico-Assistente da Unidade de Terapia Intensi- va de Adultos do Hospital Universitário Julio Müller (HUJM) da UFMT • Instrutor de FCCS e CITIN Hugo Urbano • Residência de Clínica Médica no Hospital das Clí- nicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) • Especialista em Medicina Intensiva pela Associa- ção de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Coordenador da Unidade de Terapia Intensiva Adulto do Hospital Vila da Serra (Nova Lima- MG) Odin Barbosa • Especialista em Medicina Intensiva pela Associa- ção Médica Brasileira/Associação de Medicina In- tensiva Brasileira (AMB/AMIB) • Coordenador do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Santa Joana (Recife-PE) • Preceptor da Residência de Clínica Médica do Hospital da Restauração (Recife-PE) • Coordenador da Pós-Graduação em Medicina In- tensiva da AMIB/Redentor em Pernambuco Rogério Ribeiro da Silveira • Especialista em Terapia Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Especialista em Neurologia pela Academia Brasi- leira de Neurologia (ABN) • Mestrado em Neurologia pela Universidade Fede- ral Fluminense (UFF) • Coordenador da UTI do Trauma do Hospital Esta- dual Alberto Torres • Membro do Comitê de Neurointensivismo da AMIB Viviane Cordeiro Veiga • Coordenadora de UTI - Hospital BP - A Beneficên- cia Portuguesa de SP • Mestrado e Doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) • Título de Especialista em UTI pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Membro do board do CITIN - AMIB • Membro do board do CDME - AMIB • Presidente do Comitê de Neurointensivismo da AMIB • Membro da Diretoria da Sociedade Paulista de Te- rapia Intensiva (SOPATI) – Gestão 2018/2019 6 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN INSTRUTORES Alberto José de Barros Neto • Especialista em Medicina Intensiva Adulto pela As- sociação Médica Brasileira/Associação de Medici- na Intensiva Brasileira (AMB/AMIB) • Coordenador Técnico da Unidade de Terapia In- tensiva Hospital Jayme da Fonte (PE) • Médico Intensivista Diarista do Centro de Terapia Intensiva Geral/Adulto do Hospital Barão de Luce- na (Recife-PE) • Membro do Conselho Consultivo e Fiscal da So- ciedade de Terapia Intensiva de Pernambuco (SO- TIPE) Cláudia Camargos Carneiro • Título em Terapia Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Instrutora do CITIN • Coordenadora adjunta da UTI-1 do Hospital Madre Teresa (Belo Horizonte-MG) Cláudio Piras • Médico Intensivista Titulado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Médico Acreditado pela Federacion Panamericana e Iberica de Sociedades de Medicina Critica y Terapia Intensiva • Médico Cirurgião Titulado pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) • Mestre em Morfologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) • Doutor em Cirurgia pela UFMG • Professor Titular do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) • Médico Rotina da Unidade de Terapia Intensiva do Vitória Apart Hospital • Coordenador da Residência em Medicina Intensi- va do Vitória Apart Hospital COLABORADORES Amanda Ayako Minemura Ordinola • Graduada em Medicina pela Universidade de Santo Amaro (UNISA) • Residente da Terapia Intensiva do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo Fabiane Neiva Backes • Médica intensivista nos Hospitais Clínicas, Moi- nhos de Vento, Mãe de Deus e Grupo Hospitalar Conceição (Porto Alegre-RS) • Mestre em Ciências Médicas pela Universidde Fe- deral do Rio Grande do Sul (UFRGS) • Especialista em Neurointensivismo pelo Hospital Sí- rio-Libanês (HSL), Neurologia Vascular pelo Hospi- tal Moinhos de Vento e Doppler Transcraniano pela Academia Brasileira de Neurologia (ABN) Gustavo Trindade Henriques Filho • Especialista em Medicina Intensiva Adulto pela As- sociação Médica Brasileira/Associação de Medici- na Intensiva Brasileira (AMB/AMIB) • Mestre em Medicina Interna pela Universidade Fe- deral de Pernambuco (UFPE) • Médico Intensivista Diarista do Centro de Terapia Intensiva Adulto do Hospital Santa Joana Reci- fe (CTI-HSJR) (Recife-PE) • Membro da Câmara Técnica de Medicina Intensiva do Conselho Regional de Medicina de Pernambu- co (CREMEPE) • Superintendente do Complexo Hospitalar da Uni- versidade de Pernambuco (UPE) Hugo Urbano • Residência de Clínica Médica no Hospital das Clí- nicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) • Especialista em Medicina Intensiva pela Associa- ção de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Coordenador da Unidade de TerapiaIntensiva Adulto do Hospital Vila da Serra (Nova Lima-MG) Carolina Rounet Cavalcante Alburquerque • Neurologista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) • Neurologista Vascular pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) • Médica do Serviço de Neurologia da UFRJ • Doutoranda pela UNIFESP 7 Neuroanatomia e Neurofisiologia Juliana Caldas • Médica Especialista em Clínica Médica e Medicina Intensiva na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (SCMSP) • Titulada na Associação de Medicina Intensiva Bra- sileira (AMIB) • Doutorado em Ciência pela Faculdade de Medici- na da Universidade de São Paulo (FMUSP) • Pós-Graduação em Neurossonologia, Doppler transcraniano e Cuidados do Paciente Neurocríti- co pela FMUSP • Fellowship research na Universidade de Leicester (Reino Unido) • Professora Adjunta da Escola Bahiana de Medici- na e Médica Diarista da UTI Neurológica do Hospi- tal São Rafael (Salvador-BA) Jorge Luiz Paranhos (MG) • Especialista em Neurocirurgia pela Sociedade Bra- sileira de Neurologia (SBN) • Especialista em Terapia Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Membro do Comitê de Terapia Intensiva do Depar- tamento de Trauma da SBN e Instrutor do FCCS • Chefe da Unidade de Terapia Intensiva da Santa Casa da Misericórdia de São João del Rei (MG) José Arthur Santos Brasil • Médico Intensivista Titulado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Coordenador da UTI Neurológica do Instituto de Neurologia de Curitiba (INC) • Membro do Centro de Estudos e Pesquisas em Te- rapia Intensiva (CEPETI) • Professor da Disciplina de Urgência e Emergência do Curso de Medicina da Universidade Positivo Marcelo Kern • Internista • Especialista em Medicina Intensiva pela Associa- ção de Medicina Brasileira (AMIB) • Médico da UTI de Trauma do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (RS) • Médico Preceptor do Serviço de Medicina Interna do Hospital Moinhos de Vento (Porto Alegre-RS) Marcio Duarte Viçoso Barcellos • Especialista em Medicina Intensiva pela Associa- ção de Medicina Brasileira (AMIB) • MBA em Gestão de Saúde pela Universidade Es- tácio de Sá • Coordenador da UTI do Hospital NotreCare Rio Paulo César Sadala Ferreira • Médico Especialista em Cardiologia pela Socieda- de Brasileira de Cardiologia (SBC) • Médico Especialista em Terapia Intensiva pela As- sociação de Medicina Intensiva Brasileira • Médico Assitente do Serviço de Cardiologia e Terapia Intensiva da Santa Casa de Ribeirão Preto • Médico Coordenador da Residência de Clínica Médica da Santa Casa de Ribeirão Preto Pedro Kurtz • Supervisor Médico da Unidade de Terapia Inten- siva Neurológica do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer (IECPN) • Supervisor Médico da Unidade Neurointensiva do Hospital Copa Star (RDSL) • Coordenador do Curso de Aperfeiçoamento em Neurointensivismo do Instituto Dor de Pesquisa e Ensino • Título de Especialista em Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Mestre em Ciências em Bioestatística e Pesquisa Clínica pela Maillman School of Public Health, Uni- versidade de Columbia, Nova York • Research Scientist em Neurocritical Care pelo New York Presbyterian Hospital, Columbia University Medical Center • Doutorado em Pesquisa Clínica pelo Instituto Na- cional de Infectologia Renata da Cunha Andrade Cirne de Azevedo • Neurologista e Mestre em Neurologia pela Univer- sidade Federal de Pernambuco (UFPE) • Especialista em Medicina Intensiva pela Associa- ção de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Coordenadora da UTI para Pacientes Neurológi- cos no Real Hospital Português de Beneficência em Pernambuco • Coordenadora da Neurologia no Hospital Santa Joana Recife Ricardo Turon • Título de Especialista pela Associação de Medici- na Intensiva Brasileira (AMIB) • Médico Rotina do Centro de Terapia Intensiva do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer (IECPN) • Médico Rotina da Unidade Neurointensiva do Complexo Hospitalar de Niterói • Fellow de Terapia Intensiva do Western General Hospital, Edimburgo, Reino Unido 8 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN Rosa G. Alheira • Especialista em Clínica Médica • Especialista em Medicina Intensiva pela Associa- ção de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Diarista Supervisora da Unidade de Terapia Inten- siva Adulto e Unidade Semi-Intensiva do Hospital Samaritano • Professora Convidada da Pós-Graduação lato sensu em Medicina Intensiva da AMIB • Instrutora do Curso FCCS • Coordenadora Adjunta da UTI Adulto do Hospital Regional de São Jose dos Campos (SP) Salomón Soriano Ordinola Rojas • Coordenador de UTI do Hospital BP - A Beneficên- cia Portuguesa de SP • Mestrado pela Universidade Estadual de Campi- nas (UNICAMP) • Doutorado pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) • Título de Especialista em UTI pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) • Professor do Curso de Medicina da Universidade Cidade de São Paulo • Pesquisador Colaborador da Faculdade de Medici- na da Universidade de São Paulo (FMUSP) • Instrutor do CITIN (AMIB) Neuroanatomia e Neurofisiologia Introdução O cérebro humano possui elevada demanda me- tabólica e depende quase que exclusivamente de oferta constante de oxigênio e glicose para a manutenção de suas funções e, para isso, mecanismos de autorregula- ção são utilizados. As lesões cerebrais agudas (primárias), de forma geral, produzem alterações desses mecanismos regula- dores levando à manutenção do insulto ao sistema ner- voso central (lesões secundárias). O pilar do tratamento de pacientes neurocríticos é a prevenção de tais lesões, que só é possível a partir dos conhecimentos fisiopa- tológicos aqui descritos. O domínio desses conceitos é imprescindível para a melhor prática clínica diária do Neurointensivismo. dIvIsões do sIstema nervoso Central A divisão do sistema nervoso central (SNC), ha- bitualmente empregada na prática médica, encontra-se descrita na Figura 1.1. O SNC está contido no interior do esqueleto axial (cavidade craniana e canal vertebral), protegido pelas meninges (dura-máter, aracnoides e pia-máter) e pelo líquido cefalorraquidiano (LCR). (Figura 1.2). Já o siste- ma nervoso periférico encontra-se fora desse esqueleto. Apesar de prática e difundida, essa divisão não é a mais adequada pois, como sabemos, alguns nervos, seus nú- cleos e as raízes nervosas também podem penetrar essa estrutura. O encéfalo é a estrutura que se localizada dentro do crânio, sendo formado por cérebro, cerebe- lo e tronco encefálico. A ponte divide o mesencélafo 1 SNC Encéfalo Medula espinhal Cérebro Cerebelo Tronco encefálico Mesencéfalo Ponte Bulbo Figura 1.1: Divisão do SNC habitualmente empregada na prática médica. Figura 1.2: Meninges. 10 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN (mais cranial) do bulbo (mais caudal). Dorsalmente à ponte e ao bulbo, localiza-se o cerebelo. (Figura 1.3) Cérebro O cérebro possui diversos sulcos que delimitam os giros. A presença dessas estruturas possibilitou ao homem um considerável aumento da superfície cere- bral sem necessidade de grande aumento de volume. Muitos sulcos são inconstantes ou variam de posição e não recebem qualquer denominação. Outros, porém, mais constantes, nos auxiliam na distinção dos lobos e algumas áreas cerebrais. Em cada hemisfério cerebral os dois sulcos mais importantes são: Sulco Lateral (de Sylvius), que separa o lobo temporal, situado abaixo, dos lobos frontal e parietal, situados acima; e o Sulco Central (de Rolando), que separa os lobos frontal e parietal e é la- deado por dois giros paralelos, o giro pré-central e o giro pós-central, os quais se relacionam com a motricidade e sensibilidade, respectivamente. (Figura 1.4) tronCo enCefálICo Como já mencionado anteriormente, é formado pelo mesencéfalo, ponte e bulbo. Na sua constituição en- tram corpos de neurôniosque se agrupam em núcleos e fibras nervosas que, por sua vez, se agrupam em fei- xes denominados tratos, fascículos ou lemniscos. Muitos desses núcleos do tronco encefálico recebem ou emi- tem fibras nervosas que entram na formação dos nervos cranianos. (Figura 1.5) Figura 1.3: Divisão do SNC. Figura 1.4: Lobos cerebrais. Figura 1.5: Tronco cerebral e nervos cranianos. 11 Neuroanatomia e Neurofisiologia sIstema ventrICular O sistema ventricular é composto pelos ventrícu- los laterais, os quais se comunicam com o terceiro ventrí- culo através dos forames interventriculares (de Monro). O terceiro e quarto ventrículo comunicam-se entre si atra- vés do aqueduto sylviano. Já o quarto ventrículo possui três aberturas: dois forames laterais (de Luschka) e um forame mediano (de Magendie), os quais se comunicam com os ângulos ponto-cerebelares e a cisterna magna, respectivamente. No interior dos ventrículos laterais, no terceiro e quarto ventrículos, encontramos os ple- xos coroides, estruturas responsáveis pela formação de LCR (Figura 1.6). O líquido flui dos ventrículos através dos forames laterais e medial, preenchendo as super- fícies cerebrais e espinhais dentro deste espaço. Sua reabsorção se dá nas granulações aracnoides, predo- minantemente ao longo do seio sagital superior. Não é simplesmente um ultrafiltrado do soro: é produzido por filtração através dos capilares coroides e subsequente secreção e transporte ativo bidirecional de substâncias pelas células epiteliais coroides. O LCR atua no suprimento de nutrientes e remo- ção de resíduos metabólicos do tecido nervoso. É pro- duzido a uma taxa aproximada de 20 mL por hora pelos plexos coroides. Seu volume total é de 6 a 60 mL em recém-nascidos, e 140 a 170 mL no adulto. CompartImentalIzação do sIstema nervoso Central Dentro da caixa craniana, as estruturas do SNC ocupam compartimentos que, basicamente, dividimos em superior (ou supratentorial) e inferior (ou infraten- torial), separados pela tenda do cerebelo (Figura 1.7). O compartimento supratentorial também pode ser di- vido em direito e esquerdo (que contém os hemisférios cerebrais direito e esquerdo), separados pela fissura inter-hemisférica. A passagem de tecido cerebral pelas estruturas que separam tais compartimentos é chamada de hér- nia. As herniações representam uma alteração impor- tante da capacidade de acomodação e colocam em risco a homeostase do SNC (Figura 1.8). Figura 1.8: Hérnias cerebrais. Figura 1.7: Compartimentos do SNC. Figura 1.6: Esquematização dos ventrículos cerebrais. 12 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN vasCularIzação básICa do sIstema nervoso Central Em torno de 90% de todo o suprimento sanguí- neo do SNC provém das artérias carótidas, enquanto o restante é fornecido pelo sistema vertebrobasilar. Na base do crânio, ao redor do mesencéfalo, os dois sis- temas se unem através do Polígono de Willis. É a partir dessa rede vascular principal bem, como de diversos outros ramos perfurantes, que é feita a irrigação dos di- versos territórios do SNC. (Figuras 1.9 e 1.10) Já as veias do SNC, geralmente, não acompa- nham as artérias, drenam para grandes seios venosos na dura-máter que convergem para as veias jugulares internas. (Figura 1.11) Figura 1.9: Principais artérias do SNC e o polígono de Willis. Figura 1.10: Esquematização dos territórios vasculares cerebrais (circulação anterior). Figura 1.11: Sistema de drenagem do SNC. 13 Neuroanatomia e Neurofisiologia fIsIologIa e metabolIsmo Cerebral O cérebro humano tem uma atividade metabó- lica alta que necessita de um abastecimento constante, já que os substratos para a produção de energia (basica- mente oxigênio e glicose) não podem ser por ele armaze- nados. Por exemplo, o cérebro de um adulto em repouso normalmente recebe 15% de todo o débito cardíaco, consome algo em torno de 35% de todo o oxigênio dis- tribuído e aproximadamente 15% da glicose corpórea. Toda essa demanda do cérebro por energia é su- prida pela adenosina trifosfato (ATP), por meio da via gli- colítica, do ciclo do ácido cítrico e da cadeia respiratória. Não existe no SNC nenhuma forma de armazenamento de oxigênio e as fontes de fosfato de alta energia (gli- cose e glicogênio) são mínimas, o que, por sua vez, cria uma alta dependência de uma demanda constante de todas essas fontes de energia através dos mecanismos de autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral (FSC). A autorregulação cerebral consiste em respostas fisiológicas do organismo que visam a manutenção de um fluxo sanguíneo constante para o SNC. A manuten- ção do FSC depende de um equilíbrio entre a pressão intracraniana (PIC) e a pressão arterial média (PAM) e, portanto, está diretamente relacionada à pressão de perfusão cerebral (PPC). PPC = PAM - PIC Assim, quando a PAM diminui ou se eleva de maneira importante, alguns mecanismos fisiológicos atuam organizadamente de modo a evitar a isquemia ou o hiperfluxo cerebral, respectivamente. A PPC normal é de cerca de 80 mmHg e uma que- da para níveis próximos a 50 mmHg já demonstra sinais de isquemia e atividade elétrica reduzida. O Gráfico 1.1 representa o resultado de um estudo onde foram avaliados os impactos da hipotensão e da hipoxemia em pacientes com traumatismo cranioencefálico (TCE) na mortalidade. Quadro 1.1: Alterações provocadas pela redução do FSC. 17% 28% 50% 58% Sem hipotensão ou hipoxemia Hipoxemia Hipotensão Hipotensão + Hipoxemia Chesnut RM, et al. J Trauma 1993;34(2):216-22. Chesnut RM et al. Acta Neurochir Suppl (Wien) 1993;59:121-5. Gráfico 1.1: Relação entre hipotensão com ou sem hipóxia e mortalidade no TCE. No Quadro 1.1, estão representadas as altera- ções do FSC, manifestações clínicas bem como as alte- rações celulares. O FSC pode ser analisado através da Lei de Poiseuille, que relaciona o fluxo fisiológico com as variá- veis do sistema cerebrovascular: Q = ΔP.π.r4 / 8.λ.η FSC = PPC.π.(raio dos vasos)4 / 8.(comprimento dos vasos).(hematócrito) 14 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN Dessa forma o FSC é diretamente proporcional à PPC (ΔP) e à quarta potência do raio dos vasos de re- sistência (r), e inversamente proporcional ao compri- mento da árvore vascular (λ) e ao hematócrito (η). Em pacientes com lesão intracraniana são observados, es- sencialmente, três padrões de fluxo: normal, oligoemia (redução do fluxo e risco de isquemia) e hiperemia (ele- vação do fluxo com risco de edema e sangramento). pressão IntraCranIana O crânio dos adultos é uma estrutura rígida que contém três componentes: o tecido cerebral, o sangue (arterial e venoso) e o LCR. A pressão intracraniana (PIC), habitualmente, situa-se entre 5 e 15 mmHg e ela é man- tida através de um equilíbrio dinâmico entre os três componentes da caixa craniana. Segundo a Doutrina de Monro-Kellie (Figura 1.12), esse equilíbrio é obtido através da expulsão de volume de um dos três compo- nentes para que a PIC não se eleve de forma prejudicial a todo o SNC. Se o encéfalo aumenta de volume (p. ex. tumor, hematoma, edema, etc.), alguma quantidade de líquor ou sangue deve “escapar” de dentro do crânio para que a pressão não se eleve. A capacidade que a caixa crania- na tem de se adaptar a essas alterações volumétricas é chamada de complacência. Quando a complacência é adequada, um aumento do volume no interior do crâ- nio não produz inicialmente elevação da PIC. Já quan- do a complacência é diminuída, mesmo um pequeno aumento no volume de qualquer componente intracra- niano é suficiente para causar grande elevação na PIC. (Figura 1.13). É interessante notar que essa curva clássica repre- senta as alterações de pressão quando um único com- partimento dentro do crânio varia, nesse caso o LCR. Na prática, quando o aumento do volume cerebral se dá por hematomas ou tumores, gradientes de pressão se formam dentro da substância cerebral e, dependendo da complacência, da compressibilidade dasestruturas adjacentes e do desenvolvimento de hérnias cerebrais a elevação da curva se torna menos íngreme. Pr es sã o in tr ac ra ni an a (m m H g) Volume intracraniano (unidades arbitrárias) Alta conformidade Baixa conformidade Sem conformidade DV DP DV DP DP DV 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 110 120 130 Figura 1.13: Curva de Langfit (pressão × volume). Figura 1.12: Esquematização da doutrina de Monro-Kellie. 15 Neuroanatomia e Neurofisiologia prInCIpaIs meCanIsmo de autorregulação Acoplamento neurovascular Como já mencionado anteriormente, o sistema vascular cerebral é dotado de grande capacidade reati- va frente às alterações do FSC. Dentro de uma faixa entre 60 e 140 mmHg de PAM, as pequena artérias e arterío- las, através de vasoconstrição e vasodilatação, garan- tem adequada PPC. Portanto, frente a um episódio de hipotensão acentuada, os vasos cerebrais se dilatam e mantém fluxo sanguíneo adequado. Já perante um epi- sódio hipertensivo acentuado, ocorre vasoconstrição e normalização do fluxo. Tais ajustes são regulados pela inervação simpática e parassimpática, pela concentra- ção de substâncias como adenosina e óxido nítrico, pela pressão parcial de oxigênio e dióxido de carbono (PaO2 e PaCO2) e pela demanda metabólica. Pacientes hipertensos crônicos possuem limiares maiores tanto para hipotensão quanto para hiperten- são. Já paciente com injúria cerebral ou em uso de vaso- dilatadores (p. ex. anestésicos voláteis e nitroprussiato de sódio), apresentam redução ou até mesmo ausência do mecanismo de autorregulação, fazendo com que o FSC seja totalmente dependente da PAM. (Gráfico 1.2) Vasorreatividade ao O2 e ao CO2 A hipoxemia, além de estar diretamente ligada à baixa oferta de O2 ao tecido cerebral, também é uma importante causa de vasodilatação. Frente à hipóxia (PaO2 < 60 mmHg), há uma elevação importante do FSC (hiperemia), o que predispõe à formação de edema ce- rebral, o qual, por sua vez, pode elevar a PIC e reduzir de forma importante a PPC. Apena a presença de uma hi- peróxia importante (PaO2 > 200 mmHg) está implicada no desenvolvimento de vasoconstrição. A elevação ou redução do dióxido de carbono no organismo é um importante causador de vasodilatação 0 50 100 150 200 FS C Hipóxia cerebral Banda auto-regulatória Ruptura da BHC Edema PAM (mmHg) Fluxo Normal Hipertensão arterial crônica PAM Injúria cerebral grave Fluxo Normal PAM Gráfico 1.2: Mecanismo de acoplamento neurovascular. e vasoconstrição, respectivamente. A presença de hi- percapnia (PaCO2 > 45 mmHg) proporciona aumento do FSC, hiperemia e edema cerebral, mantendo em um cérebro lesado a PIC elevada. O inverso ocorre com a hipocapnia (PaCO2 < 35 mmHg), na qual o FSC encon- tra-se reduzido, ocasionando oligoemia e risco de is- quemia cerebral. (Gráfico 1.3) O FSC é diretamente proporcional à concen- tração de arterial de CO2 em uma faixa entre 20 e 80 mmHg. Dentro desse limite, uma elevação ou redução de 1 mmHg na PaCO2 é capaz de alterar o FSC em até 3%. Na prática diária observa-se, por exemplo, que uma redução na PaCO2 de 40 para 20 mmHg irá reduzir o FSC pela metade. A indução de hipocapnia através da hiper- ventilação é uma conduta comum frente à Síndrome de Hipertensão Intracraniana (discutida mais adiante), que visa de forma transitória um controle da PIC através da redução do FSC. Acoplamento metabólico O acoplamento metabólico refere-se ao equilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio e glicose no cé- rebro. Normalmente, essas funções estão intimamente relacionadas e se alteram proporcionalmente. Durante a ativação cortical ou situações de alto consumo (febre, FS C 100 50 0 0 20 40 60 80 mmHg PaCO2 PaO2 Gráfico 1.3: Relação entre FSC, oxigênio e dióxido de carbono. 16 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN agitação, dor, convulsão, etc.), o aumento de consumo é compensado com um aumento de FSC. Já durante a sedação, anestesia e hipotermia, o contrário ocorre e o FSC é reduzido. (Gráfico 1.4) referênCIas bIblIográfICas 1. Terzi R, Falcão A, Videtta W. Cuidados Neurointensivos. São Paulo: Atheneu; 2013. 2. Stávale A. Hemodinâmica Encefálica. São Paulo: Santos; 2013. 3. Rojas S, Veiga V. Manual de Neurointensivismo da Beneficência Portuguesa. São Paulo: Atheneu; 2018. 4. Martins C, Pereira C. Neuro Emergência e Neuro UTI, São Paulo: Lemar; 2019. 5. Lee, K. Neurointensivismo Neuro ICU Book. São Paulo: Di Livros; 2019. (mL.100g min)–1 Consumo de oxigênio Temperatura °C Fl ux o sa ng uí ne o ce re br al Sedação Acordado Convulsão 6,8 5,1 3,4 1,7 27 37 47 Co ns um o de o xi gê ni o Gráfico 1.4: Relação entre FSC e atividade cerebral. ABC e Manuseio Básico do Paciente Neurológico Introdução O paciente portador de lesão neurológica grave requer um tratamento minucioso. O resultado positivo depende de uma série de detalhes. A antecipação e o diagnóstico precoce constituem medidas fundamen- tais e devem nortear a atitude dos médicos envolvidos no tratamento desse grupo de pacientes. A extrema dependência da atenção e dos cuidados externos torna este paciente vulnerável a várias complicações clínicas. A equipe envolvida no tratamento deve se antecipar e instituir medidas de profilaxia, mantendo um monitora- mento constante para o diagnóstico precoce das com- plicações mais prováveis. Podemos afirmar que os cuidados básicos com o paciente neurológico constituem parte fundamental do tratamento. A prescrição médica de um paciente com quadro grave comprova essa afirmação. Pelo menos um terço dos itens está voltado para orientações posturais e cuidados básicos. A equipe de atendimento deve es- tar preparada para receber o paciente portador de lesão neurológica. As diretrizes devem ser de conhecimento de todos e implantadas após discussão ampla. Os cuidados básicos começam no atendimento inicial, com a adoção das diretrizes e recomendações do Suporte Avançado de Vida no Trauma (Advanced Trauma Life Support − ATLS) e Fundamental Critical Care Support (FCCS), prosseguindo durante o transporte e atendimento na unidade de emergência. Não podem ocorrer rupturas no tratamento e os cuidados básicos devem continuar na unidade de Terapia Intensiva (UTI). Os critérios e cuidados observados no transporte do pa- ciente dentro do hospital e no preparo do leito na UTI devem estar padronizados. A imobilização, a ventilação mecânica (VM) prolongada, as alterações nutricionais, as infecções e a presença de diferentes cateteres, co- mumente presentes no paciente grave, são os maiores responsáveis pelas diversas complicações clínicas. Desse modo, devemos agir de maneira vigorosa na pro- filaxia de certas condições, como: � Trombose venosa profunda (TVP). � Úlceras por pressão. � Hemorragia digestiva por úlcera gástrica ou duodenal por estresse. � Sondas e cateteres. � Desidratação, hipovolemia e hipotensão. � Desnutrição. � Distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos. As diretrizes do atendimento inicial visam man- ter a perfusão e oxigenação adequadas e evitar as le- sões secundárias. O conhecimento das técnicas e ações é fundamental. A seguir, descrevemos sucintamente as medidas de atendimento inicial, já que elas são mais amplamente discutidas em protocolos básicos, como ATLS e FCCS. atendImento InICIal O atendimento inicial segue as diretrizes do ATLS e FCCS, segundo as quais devem ser realizadas a ava- liação do paciente e a imediata correção de qualquer alteração identificada, sempre com o objetivo de esta- bilização e prevenção de lesão neurológica secundária. O atendimento inicial consiste em: � Exame primário (ABCDE). � Repetir o ABCDE. � Monitorar. � Exame secundário. � Exames complementares. 218 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN A (Airway) = manutenção das vias aéreas Frequentemente, pacientes neurológicos graves necessitam de um acesso artificial às vias aéreas. As cau- sas mais comuns de intubação num paciente neurológi- co são: necessidade de proteção das vias aéreas (escala de coma de Glasgow < 9), perda do drive ventilatório, fraqueza da musculatura respiratória ou ineficiência na troca gasosa. As técnicas e dificuldades do processo de intu- bação não são o objetivo primário deste curso, mas os médicos que trabalham em serviços de emergência e de UTI devem estar familiarizados tanto com técnicas habituais de acesso às vias aéreas, quanto às técnicas al- ternativas em caso de via aérea difícil. Diferentes formas de acesso podem ser utilizadas, como tubo orotraqueal, nasotraqueal (contraindicada na suspeita de fratura de base de crânio), cricotireoidotomia e traqueostomia. A escolha da via a ser utilizada depende de vários fa- tores, como urgência do procedimento, material dis- ponível, experiência profissional e o tempo disponível para o estabelecimento de uma via aérea segura. Como orientação geral, a via orotraqueal deve ser a preferida na emergência, exceto se houver lesão de face ou em vias aéreas superiores que impeça sua utilização. Nesse caso, a escolha mais viável é a cricotireoidotomia. Sempre considerar qualquer paciente neuro- lógico grave inconsciente como portador de lesão de coluna cervical até prova em contrário. Nesse caso, a intubação traqueal, quando realizada por apenas um socorrista, deverá ser feita sem a retirada do colar cer- vical. O ideal é a presença de um segundo profissional, que permitiria a retirada da porção anterior do colar cervical, mantendo-se a coluna imóvel durante a intu- bação traqueal. A intubação nasotraqueal é mais usada com o paciente respirando e colaborando e, como citado aci- ma, não deve ser realizada na suspeita de fratura de base de crânio. A traqueostomia não costuma ser um procedi- mento de urgência, mas uma via definitiva sequencial a um acesso emergencial anterior. No paciente neuro- lógico, quando se prevê o uso uma via aérea artificial por período maior que 10 a 14 dias, deve ser discutida a realização de uma traqueostomia eletiva o mais preco- ce possível. No paciente neurocrítico o acesso à via aérea de- finitiva deve ser sempre precedido de adequada anal- gesia e sedação, mesmo que ele esteja com Escala de Coma de Glasgow igual a 3. Isso se deve ao fato de que os últimos reflexos de tronco a serem perdidos são os de tosse e náusea e, como a laringoscopia pode de- sencadeá-los, eles devem ser evitados com a sedação, para que não sejam fator precipitante de hipertensão intracraniana. B (Breathing) = respiração (ventilação e oxigenação) O objetivo é manter o paciente bem oxigena- do (saturação de oxigênio no sangue arterial − SaO2 > 94%) e ventilado (pressão parcial arterial de oxigênio − PaCO2 = 35 a 40 mmHg). Para isso, deve-se observar se o paciente respira e expande o tórax adequada- mente, bem como ofertar oxigênio por um sistema de alto fluxo e alta concentração de oxigênio, que inclui a Venturi ou a ventilação com AMBU. Nos pacientes que não conseguem respirar adequadamente ou que não têm nível de consciência para proteção das vias aéreas (Glasgow < 9) a intubação, seguida de ventilação mecâ- nica (VM), está indicada. Não temos como objetivo neste curso abordar a VM, mas apenas ressaltar alguns pontos importan- tes em relação à ventilação do paciente neurocrítico. Existem basicamente duas situações: a primeira relacio- nada aos pacientes em pós-operatório de neurocirurgia eletiva, que geralmente são ventilados por curtos perío- dos de tempo, sendo rapidamente retirados da prótese ventilatória e extubados. Em segundo lugar está o ma- nejo ventilatório do paciente mais grave, devendo ser dada atenção especial às peculiaridades da ventilação no paciente neurológico. É fundamental atentar para o fato de que a VM interfere de modo direto na pressão intracraniana (PIC) com reflexo na pressão de perfusão cerebral (PPC), pois a PaCO2 e, consequentemente, o pH extracelular interferem no controle do fluxo sanguíneo cerebral. A acidose decorrente da hipercapnia acarreta hiperfluxo cerebral, levando à hipertensão intracraniana, enquan- to que a alcalose respiratória, produzida pela hipocap- nia, acarreta a vasoconstrição cerebral. A fisiopatologia dessas alterações de fluxo envolve as variações do pH intra e perivascular. Assim, a recomendação é de manter a PaCO2 entre 35 e 40 mmHg, pois o hipofluxo cerebral acarretado pela hipocapnia pode levar à isquemia cere- bral. A hiperventilação mantida, rotineira ou profilática, objetivando hipocapnia, está contraindicada pelo risco de isquemia. Após cerca de 12 horas, ocorre reequilí- brio do pH perivascular, apesar da hipocapnia, e con- sequentemente sua ação sobre a vasculatura cerebral perde importância. Existe apenas um momento em que a hiperventilação se faz necessária: quando há sinais de hipertensão intracraniana aguda, com síndrome de herniação cerebral, enquanto se aguarda o tratamento definitivo, provavelmente cirúrgico. Nessa situação, a hi- perventilação com manutenção da PaCO2 em torno de 30 mmHg ou até um pouco mais baixa pode ser utiliza- da emergencialmente, sendo corrigida gradativamente assim que possível. Portanto, não se objetiva reduções da PIC às custas de diminuição exagerada do FSC, hipo- fluxo e piora da perfusão cerebral. 19 ABC e Manuseio Básico do Paciente Neurológico É também importante atentar para as lesões derivadas da VM e Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA). Como princípios básicos, devemos seguir as se- guintes recomendações: � O modo ventilatório deve ser controlado nos pacientes sem drive, e assistido ou assistido- -controlado nos pacientes com drive ventila- tório. Não há superioridade em se ventilar em VCV ou PCV. � Volume corrente inicial em torno de 6 a 8 mL/kg. � Ventilar com pressão de plateau < 30 cmH2O. � Fração inspirada de oxigênio (FiO2) inicialmen- te de 100% e baixar para o mínimo necessário para manter a saturação periférica de oxigênio (SpO2 > 94%). � Limitar a pressão de distensão em 15 cmH2O. � Manter a PaCO2 entre 35 e 40 mmHg. Hiperventilação profilática ou rotineira não deve ser instituída, principalmente nas primei- ras 24 horas após traumatismo cranioencefáli- co (TCE) devido à redução do FSC consequente à agressão primária. � Cuidado especial em pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico, pois a hi- perventilação pode agravar o sofrimento cere- bral nas áreas mais afetadas. � Fazer hiperventilação leve a moderada (PaCO2 em torno de 30 mmHg), associada à osmotera- pia, nas situações emergenciais de hipertensão intracraniana (HIC) com sinais de herniação, até abordagem definitiva do quadro. � Fazer ajustes na ventilação sob monitoração da saturação de oxigênio do sangue venoso jugular (SvjO2) e extração cerebral de oxigê- nio (ECO2) ou da tensão cerebral do oxigênio do tecido (PtiO2), quando houver HIC refratária com hiperemia cerebral ou associada à osmo- terapia, quando houver HIC refratária com SjO2 e ECO2 normais. Nesses casos a possibilidade de isquemia cerebral deve estar lembrada e a monitoração da SvjO2 e ECO2 deve ser sequen- cial para melhor confiabilidade da condução terapêutica. � Quando for utilizada a hiperventilação, a sus- pensão deve ser realizada gradativamente, no decorrer de 4 a 6 horas, a fim de evitar um efeito rebote com vasodilatação e aumento do FSC. � Utilizar PEEP fisiológica. Valores mais elevados apenas em situações de real necessidade e sob monitoração da PIC. A PEEP além de dificultar o retorno venoso jugular pode, em pacientes hipovolêmicos, causar hipotensão arterial e reduzir a PPC. � Lembrar que a maioria dos pacientes neuro- críticos tem um pulmão saudável e podem fa- cilmente ser induzidos a uma hiperventilação,quase sempre indesejável. É importante evitar assincronia com o venti- lador, que pode causar elevações abruptas da PIC, fazendo uso da sedação, de acordo com protocolos pré-determinados; a intensidade da sedação deve ser avaliada, regularmente, de acordo com escalas de sedação. Tanto sedação em bolus quanto infusão con- tínua podem ser utilizadas, com interrupção ou dimi- nuição da intensidade da sedação diária para avaliação neurológica e, se necessário, nova titulação da dose. A suspensão diária da sedação está contraindicada na presença de hipertensão intracraniana ou na vigência de hipoxemia refratária. O bloqueio neuromuscular deve ser evitado, mas, quando necessário, seu uso intermitente deve ser preferido. É importante lembrar que, em situações de agitação psicomotora, deve-se identificar e tratar a cau- sa básica da agitação, evitando sedar o paciente em de- masia, pois isso dificulta o exame neurológico. Lembrar que o delirium é um fator muito presente em pacientes na terapia intensiva e protocolos para sua profilaxia e abordagem devem ser implementados. Uma vez que se obtenha a estabilização do pa- ciente deve-se manter o trabalho da musculatura res- piratória utilizando os modos espontâneos, como a ventilação com pressão de suporte (PSV), pois tanto a utilização de VM prolongada associada a bloqueio mus- cular, quanto o catabolismo celular elevado levam à atrofia muscular precoce, dificultando o desmame ven- tilatório, perpetuando o suporte ventilatório e aumen- tando o risco de infecções. No momento da retirada do suporte ventilatório, certificar-se de que as condições que levaram à utiliza- ção da VM estejam resolvidas e de que existe adequado nível de consciência para a extubação: boa força mus- cular, ausência de distúrbios hidroeletrolíticos, estabi- lidade hemodinâmica e estado nutricional satisfatório. Realizar o desmame gradativamente, sempre atentan- do para sinais de fadiga do paciente. C (Circulation) = circulação (acesso venoso e hidratação) A estabilização da circulação consiste em obter dois acessos venosos periféricos de bom calibre em membros superiores para rápida reposição volêmica com solução salina isotônica, objetivando deixar o pa- ciente euvolêmico. Devem ser coletadas amostras de sangue para exames iniciais (hemograma, glicose, ureia, 20 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN creatinina, eletrólitos, coagulograma, beta-HCG em mu- lheres em idade fértil e classificação com reserva san- guínea se trauma). Também faz parte desse contexto a compressão de locais com sangramento. Os pacientes neurocríticos caracteristicamente permanecem muitos dias internados, apresentam com frequência instabilidade hemodinâmica que leva ao uso de vasopressores e drogas inotrópicas, hidratação vigorosa e monitoração da volemia (objetivo = normo- volemia). Assim, o acesso venoso profundo é a linha de infusão preferencial nesses casos e deve ser instalado quando da chegada à UTI. A inserção pode ser realizada através de três sítios: veia subclávia, veia jugular interna e veia femoral. As principais contraindicações de punção de veia central são: intenção de administrar trombolítico, distúrbios de coagulação, durante a reanimação car- diorrespiratória, infecção ou queimadura no local de punção e recusa do paciente. As complicações gerais de uma punção venosa central mais frequentes são: punção arterial inadvertida, sangramento no local de punção, pneumotórax, perfuração de traqueia, punção acidental do ducto torácico, embolia gasosa, mau posi- cionamento do cateter, formação de trombos e infecção do cateter. O pneumotórax é mais frequente na catete- rização da veia subclávia, sendo as técnicas supraclavi- cular e posterior menos relacionadas a complicações. A ultrassonografia minimiza a incidência de complicações relacionadas à inserção pela veia jugular e deve ser uti- lizada quando disponível. A ultrassonografia também pode ser utilizada na inserção pelos outros sítios. A escolha do local de punção depende da expe- riência do operador. Como contraindicações relativas ao uso da veia jugular devemos lembrar o risco de difi- culdade no retorno venoso cerebral consequente a uma punção inadvertida da artéria carótida e formação de grande hematoma cervical, além da possibilidade de fu- turo uso da veia jugular para monitoração da SjO2 e da necessidade do uso de colar cervical. O acesso femoral está relacionado a um maior risco de infecção e deve ser a última opção. D (Disability) = exame neurológico rápido Deve-se proceder à avaliação neurológica rápida e prática, chamada neurocheck. O neurocheck consiste em quatro pontos: escala de coma de Glasgow, pupilas (simetria e reflexo foto- motor), padrão respiratório e resposta motora. A execu- ção do nerocheck será abordada posteriormente. E (Exposure) = exposição Nesse momento deve-se expor todo o paciente para um exame rápido da cabeça aos pés com o objetivo de identificar e tratar lesões com alto risco de morte e lesão secundária. O ATLS classicamente orienta que se deve evitar hipotermia, mas no paciente neurológico grave a hipertermia é um dos fatores desencadeantes ou de agravo da lesão neurológica secundária, devendo ser evitada a todo custo. Ao final do exame primário, repete-se e revisa-se o ABCDE, e, depois, instala-se a monitoração necessária, a qual é tratada em outro capítulo. exame seCundárIo Nesse momento, faz-se o exame clínico mais detalhado do paciente, enquanto algum membro da equipe conversa com familiares, obtendo informações relevantes ao entendimento do quadro clínico atual, tais como tempo de instalação, sintomas apresentados, diagnósticos prévios, drogas utilizadas etc. exames Complementares Devem ser solicitados exames laboratoriais adi- cionais e de imagem, necessários ao diagnóstico e à monitoração do paciente. Dentre eles, destaca-se a tomografia computadorizada de crânio sem contraste, exame básico para avaliação e monitoração dos pacien- tes neurocríticos. Cada transferência de unidade a que o paciente é submetido demanda a repetição de toda a sequência de avaliação acima citada, de forma a garantir que fato- res indutores de lesão neurológica secundária estejam ausentes. Toda a equipe deve estar envolvida, com cui- dados multiprofissionais bem definidos. Controle de sangramento O paciente portador de doença cerebrovascular aguda apresenta frequentemente distúrbios de coa- gulação, chegando a 10% dos casos de hemorragia intracraniana. Alguns aspectos podem ser ressaltados, no que tange ao controle e prevenção de sangramentos, levan- do-se em conta a gravidade do doente em questão. Quando houver história de uso de agente anti- coagulante em menos de duas horas da ocorrência do evento a lavagem gástrica com carvão ativado pode ser utilizada, sempre levando-se em conta o risco de seu emprego. Correção de distúrbios da coagulação e efeito cumarínico Os distúrbios da coagulação em pacientes com evento cerebral hemorrágico demandam reversão 21 ABC e Manuseio Básico do Paciente Neurológico imediata da anticoagulação se INR > 1,4. Quando há suspeita de que a hemorragia intracraniana seja devi- da a trombose venosa central sugere-se a não reversão, embora seja uma recomendação com qualidade de evi- dência baixa. Em relação ao traumatismo crânio ence- fálico e ao pós-operatório neurocirúrgico, demandam reversão sempre que INR > 1,4. No AVC isquêmico, o INR > 1,7 contraindica a trombólise. A reversão do efeito cumarínico pode ser feita com a administração de vitamina K 10 mg por via prefe- rencialmente endovenosa, podendo ser repetida após 24 horas. Sua maior limitação se deve ao tempo neces- sário para a correção do efeito cumarínico (cerca de 24 horas para reduzir o INR abaixo de 1,4) e, portanto, so- mente deverá ser utilizada isoladamente em situações menos graves. Sua ação é mais lenta, porém mais du- radoura, devendo sempre ser utilizada mesmo quando se utiliza o plasmafresco congelado ou o concentrado protrombínico para uma correção mais rápida. O con- centrado de complexo protrombínico (preferencial- mente de quatro fatores) tem, em relação ao plasma fresco congelado, um efeito mais imediato, empregan- do-se um menor volume, a despeito de um custo mais elevado. O plasma fresco congelado, além de necessitar um volume elevado para atingir o efeito desejado, tem risco de sobrecarga volume e de reações transfusionais. Recomendações para a utilização de plasma fresco congelado � Reversão urgente dos efeitos cumarínicos (efeito inferior ao complexo protrombíninico). � Administração de 15 a 20 mL/kg. � Apresenta risco de reações transfusionais e/ou sobrecarga volêmica. Recomendações para a utilização de concentrado de complexo protrombínico � Reversão de INR alargado para correção rápida e aguda. � Indicado em situações de sangramento ativo. � Necessidade de reversão rápida para realiza- ção de procedimentos cirúrgicos. � A dose preconizada deve ser ajustada de acor- do com o INR do paciente e a necessidade de realização de procedimento invasivo. A dose a ser administrada varia de 25 a 50 UI/kg. � O complexo protrombínico (em relação ao plasma fresco congelado) tem efeito mais ime- diato, requer menor volume de administração, embora com um custo mais elevado. A formu- lação com quatro fatores tem ação superior. Recomendações para a reversão dos efeitos da heparina e derivados fracionados As heparinas não fracionadas (HNF) podem ter seu efeito revertido com protamina por via endoveno- sa, sendo que 1 mg reverte 100 UI de heparina, devendo esta dose ser calculada em relação ao total de heparina administrada nas últimas 2-3 horas. A velocidade de in- fusão está limitada a 20 mg/min, não devendo ser ad- ministrada dose maior que 50 mg/10 min. Não há uma dose estabelecida para a reversão dos efeitos da hepa- rina não fracionada quando administrada como profila- xia por via subcutânea. As heparinas de baixo peso molecular (HBPM) não são facilmente antagonizadas com protamina por via endovenosa. A dose para reversão da enoxaparina é de 1 mg de protamina para cada 1 mg de enoxaparina administrada nas últimas 8 horas. A velocidade de infu- são também está limitada a 20 mg/min, não devendo ser administrada dose maior que 50 mg/10 min. Recomendações para a reversão dos efeitos dos novos anticoagulantes orais Em relação aos novos anticoagulantes orais, o ida- rucizumab neutraliza o efeito do dabigatran e deve ser administrado na dose total de 5g por via endovenosa lenta (5min), dividida em 2 administrações de 2,5 g no intervalo de máximo de 15 min. Na indisponibilidade do idarucizumab e na presença de hemorragia intracrania- na, o concentrado de complexo protrombínico (quatro fatores) pode ser administrado na dose de 50 UI/kg. Na reversão dos inibidores do fator Xa, a opção é a administração de concentrado de complexo protrom- bínico na dose de 25 a 50 UI/kg. O andexanet alpha é uma droga promissora recentemente liberada pela Food and Drug Administration. Recomendações para terapia com concentrado de plaquetas A transfusão de plaquetas está associada a sé- rios riscos de reações transfusionais, incluindo TRALI (transfusion-related acute lung injury), trombose, coagu- lação intravascular disseminada, dentre outras. Devido à falta de evidências de seu benefício, a transfusão de plaquetas somente estará indicada na hemorragia in- tracraniana associada ao uso de agentes antiplaquetá- rios (disfunção plaquetária), que tenham indicação de intervenção neurocirúrgica. A administração de des- mopressina (DDAVP) na dose de 0,4 mcg/kg por via en- dovenosa, devido ao seu efeito na adesão plaquetária, pode ser administrada isoladamente ou em associação à transfusão plaquetária. 22 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN Em relação à transfusão profilática de concentra- do de plaquetas, na vigência de trombocitopenia, em- bora não haja um valor bem definido, pode ser realizada quando a trombocitometria < 5.000-10.000/mm3, mes- mo sem sangramento, pelo risco de sangramento es- pontâneo do sistema nervoso central (se < 20.000/mm3, considerar a transfusão se houver lesão com risco de san- gramento); se trombocitometria < 50.000-100.000/mm3, transfundir apenas se houver sangramento ativo ou se houver algum procedimento cirúrgico a ser realizado. Objetivar um mínimo de 50.000/mm3 para procedimen- to de pequeno risco de sangramento e 100.000/mm3 para procedimento de alto risco de sangramento ou neurocirurgia. A transfusão de concentrado de plaquetas está contraindicada no paciente sem sangramento com púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), tromboci- topenia induzida pela heparina (TIH) e púrpura trombo- citopênica idiopática (PTI). trombose venosa profunda A trombose venosa profunda (TVP) acomete cerca de 1 a 2 milhões de americanos/ano, sendo res- ponsável por cerca de 600 mil internações/ano. Cerca de 75% dos pacientes cirúrgicos e 60% dos pacientes clínicos (especialmente cardíacos e neurológicos) hos- pitalizados sem profilaxia desenvolvem TVP. As principais complicações da TVP são trom- boembolismo pulmonar (TEP) e a síndrome pós-TVP, na qual a recanalização incompleta do trombo junto ao plano valvar do sistema venoso profundo causa estase venosa e insuficiência valvar. Estima-se que o TEP seja responsável pela morte de 50 a 100 mil pacientes por ano, o que representa 5% a 10% das mortes hospitala- res norte-americanas. São vários os fatores de risco para os pacientes desenvolverem TVP, tais como: mobilidade reduzida, idade (a partir de 40 anos há um aumento progressivo do risco), história prévia de tromboembolismo venoso (TEV), varizes, insuficiência venosa crônica, obesidade, trombofilias, uso de contraceptivo oral, neoplasias, qui- mioterapia e doença inflamatória intestinal. Em pacientes neurológicos graves, nos quais que a mobilidade reduzida pode ocorrer tanto no início do quadro quanto com o prolongar da internação (em que concorrem outras comorbidades) o risco de ter TEV é real, o que certamente aumenta a morbimortalidade. Diante dessas condições e da pior evolução dos pacientes neurocríticos após um evento tromboembó- lico, bem como a dificuldade de tratamento, a preven- ção de TEV é a melhor conduta a ser tomada. A profilaxia da TEV, quando adequada, reduz o risco de TVP e TEP em 70% a 80% dos casos, sendo raras as complicações hemorrágicas. Pode ser realizada por medidas não farmacológicas, farmacológicas ou ambas. Profilaxia não farmacológica Meias elásticas de compressão gradual (MECG) aumentam em 36% a velocidade de fluxo da veia fe- moral. É a primeira medida a ser adotada, além de deambulação precoce. Já a compressão pneumática intermitente (CPI) dos membros inferiores, com a in- suflação sequencial de cuffs do tornozelo à coxa, au- menta em 240% a velocidade de fluxo na veia femoral e também a atividade fibrinolítica endógena, sendo o método não farmacológico preferível pela maioria dos autores. Filtro de veia cava inferior é indicado como mé- todo profilático de TEP quando o paciente é portador de TVP em membros inferiores (MMII) e não pode ser anticoagulado, seja por ter sangramento ativo, seja por trombocitopenia ou por ter alguma condição que contraindique esse tratamento, como AVCH, TCE ou neurocirurgia recentes. Complicações associadas são migração do filtro, estase venosa crônica e TEP por meio de vasos colaterais, porém são incomuns. Filtros espe- ciais para uso temporário (duração de até 14 dias), com retirada após comprovação de ausência de trombo, são outra opção profilática. Profilaxia farmacológica Nos pacientes neurocríticos, deve ser feita com heparina não fracionada (HNF) ou heparina de baixo peso molecular (HBPM), tendo essas últimas uma maior biodisponibilidade e meia-vida plasmáticas, além de determinarem menor incidência de trombocitopenia, sendo a droga de preferência. A HNF é de escolha nos pacientescom insuficiência renal. A HNF utilizada é a heparina subcutânea com 5.000 UI em 0,25 mL, administrados duas a três vezes ao dia, a depender do risco do paciente. Quanto à HBPM, podem-se utilizar tanto a enoxaparina (40 mg subcutâ- nea uma vez ao dia) quanto a dalteparina (2.500 UI sub- cutânea duas vezes ao dia). Recomendações As recomendações em pacientes neurológicos com condições clínicas e cirúrgicas são feitas de forma diferente, conforme descrito a seguir. Pacientes neurológicos clínicos Devem ser avaliados com base no mesmo pro- tocolo que pacientes clínicos gerais, sendo levado em conta a presença de fatores de risco associados. 23 ABC e Manuseio Básico do Paciente Neurológico Pacientes com AVCI devem ser submetidos, o mais precocemente à profilaxia farmacológica, prefe- rencialmente associada à CPI. Pacientes com AVCH não cirúrgico devem ser submetidos à profilaxia não farmacológica na fase ini- cial − de preferência CPI. A profilaxia farmacológica pode ser iniciada em até 48 horas nos pacientes com hematomas estáveis e sem coagulopatia. Pacientes com HSA por rotura de aneurisma devem ser submetidos a profilaxia não farmacológica (CPI) precocemente, devendo a profilaxia farmacológi- ca ser iniciada pelo menos 24 horas após o tratamento do aneurisma. Nos pacientes com TCE não cirúrgico, mas com presença de hemorragia, a associação de profilaxia far- macológica e não farmacológica está indicada, poden- do a profilaxia farmacológica ser iniciada em até 24 a 48 horas, embora seja recomendação fraca com baixa qualidade de evidência. No TRM não cirúrgico, a associação também está indicada e deve ser iniciada precocemente (em até 72 horas). No paciente portador de doença neuromuscular a profilaxia farmacológica está indicada precocemente associada ou não à profilaxia mecânica. Pacientes neurocirúrgicos A indicação da profilaxia depende da cirurgia a ser realizada, conforme descrito a seguir. Destaca-se que o início da profilaxia não farmacológica com CPI deve ser realizado no pré-operatório e esta deve ser mantida nos períodos trans e pós-operatório. Em craniotomias em geral e cirurgia espinhal, su- gere-se que a CPI seja preferida precocemente e a pro- filaxia medicamentosa iniciada conjuntamente ou em até 24 a 48 horas, de acordo com risco de sangramento e/ou de TEV associado à condição de base. Em cranioto- mias de alto risco de TEV (por doença maligna) e cirur- gia espinhal de alto risco de TEV (por doença maligna e cirurgias com acesso combinado via anterior e poste- rior) está indicada a associação de CPI e droga, devendo ser iniciada o mais precocemente possível após redução do risco de sangramento. Em pacientes neurocirúrgicos, vítimas de trau- ma, quando houver alto risco de TEV, ou seja, quando houver TCE ou lesão da medula espinhal, ou cirurgia espinhal por trauma, a profilaxia também deve ser combinada (CPI e droga). O início da profilaxia far- macológica deve ocorrer precocemente (após 24 ho- ras), exceto na presença de risco de sangramento ou de outra contraindicação para uso de HNF ou HBPM, quando seu início deverá ocorrer assim que tal situaçã for superada. ÚlCeras por pressão Pacientes que não conseguem se movimentar ou que ficam acamados ou sentados por muito tempo na mesma posição podem apresentar úlceras por pres- são. Essas feridas podem ocorrer em qualquer parte do corpo em que houver saliência óssea, mas são mais co- muns na região glútea, calcâneos e nas regiões trocan- téricas. Se o paciente não tem controle dos esfíncteres urinário e fecal e apresenta, associadamente, diferentes graus de desnutrição, o problema pode se agravar. Por isso, é fundamental a adoção de cuidados de assistên- cia, tais como proteção de proeminências ósseas, uso de substâncias hidratantes, colchões especiais, variação de decúbito (nos pacientes com a PIC estável). É tam- bém fundamental a manutenção de um estado nutri- cional adequado. HemorragIa dIgestIva alta por ÚlCera de stress Os pacientes que se encontram em UTI apre- sentam elevado risco de sangramento gastrintestinal, principalmente aqueles com patologias encefálicas. A profilaxia dessas lesões do trato digestivo alto pode ser não farmacológica (dieta oral precoce, nutrição en- teral) e farmacológica (bloqueadores H2 e inibidores da bomba de prótons). As indicações de profilaxia far- macológica são: ventilação mecânica por insuficiência respiratória, HIC, instabilidade hemodinâmica, distúr- bios da coagulação e história pregressa de hemorragia digestiva alta. Alguns autores mostraram, em estudo de meta-análise, que a profilaxia com inibidores de bomba de prótons está relacionada a um menor risco de sangramento digestivo, quando comparada ao uso de bloqueadores H2, sem diferença na mortalidade. A utilização de profilaxia medicamentosa pode estar im- plicada no aumento da incidência de pneumonia noso- comial e de infecção por Clostridium difficile. HIdratação e nutrIção O paciente neurocrítico deve ser mantido sempre com a volemia ideal, isso é, devemos evitar tanto a hipo- volemia, que propicia hipoperfusão cerebral, aumento do risco de isquemia em determinadas situações, além de outras complicações sistêmicas, quanto a hipervole- mia que propicia a o aumento da pré-carga e seus efei- tos deletérios. O exame clínico tem uma baixa acurácia na determinação do estado volêmico, sendo necessária a utilização de variáveis laboratoriais, hemodinâmicas e ecográficas conforme a disponibilidade. A reposição volêmica do paciente neurocrítico deve começar imediatamente, utilizando solução sali- na isotônica 30 mL/kg, não havendo necessidade de se 24 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN aguardar a internação na UTI. Pode-se utilizar aminas simpaticomiméticas enquanto não se atinge a restau- ração hemodinâmica. O lactato sérico, especialmente seu clareamento (resposta a reposição volêmica), é um ótimo indicador de monitoração da perfusão tecidual em pacientes normotensos. A não obtenção de parâ- metros satisfatórios com a reposição volêmica inicial implicará na necessidade de utilização de métodos adicionais de monitorização (ultrassonografia, cateter de Swan-Ganz, etc.) Os objetivos a serem alcançados com a reposição volêmica devem ser imediatos: � Pressão venosa central (PVC) entre 8 e 12 mmHg e entre 10 e 15 mmHg para pacientes sob VM. � Pressão arterial média (PAM) ≥ 80 mmHg. � Débito urinário ≥ 0,5 mL/kg/h. � Saturação venosa central de oxigênio (SvcO2 ≥ 70% – da veia cava superior) ou saturação venosa mista (SvO2 ≥ 65% na mistura venosa da artéria pulmonar). � Lactato reduzido em 10% do valor inicial se elevado. Costuma haver um catabolismo muito grande em pacientes neurológicos graves. A nutrição deve ser iniciada logo após a estabilização hemodinâmica, pre- ferencialmente no 2o ou 3o dia de internação, atingindo o valor calórico total dentro de 1 semana. Como esse paciente geralmente apresenta-se com o sensório di- minuído, dá-se preferência pela via nasoenteral, que tende a diminuir o risco de translocação bacteriana e a possibilidade de infecção. Deve ser iniciada em posição gástrica, passando para o duodeno ou jejuno, quando houver regurgitação ou vômitos. Em relação ao tipo de dieta utilizada, a recomen- dação é que se evite o uso de carboidratos em demasia, pois isso acarreta uma produção elevada de CO2, inter- ferindo grandemente no fluxo cerebral e no pH intra- vascular. Não há uma recomendação específica quanto à formulação da dieta, devendo ser ajustada a formu- lação caso alguma condição preexistente ou adquirida a justifique. dIstÚrbIos aCIdobásICos e HIdroeletrolítICos Os distúrbios acidobásicos são importantes no paciente neurocrítico, porque modulam uma das pro- priedades próprias da vasculatura cerebral, a vasorrea- tividade à PaCO2. Desse modo, é muito importante que o pH seja mantido em seus valores normais e a PaCO2 entre 35 e 40 mmHg. Durante a condução e aevolução do paciente neurocrítico, o aparecimento de distúrbios hidroeletro- líticos é frequente, e sua interpretação e manuseio são de grande importância. Especial ênfase é dada ao papel do sódio, embora variações nos níveis séricos de cálcio, fósforo, magnésio e potássio estejam implicadas em di- versas alterações neurológicas, musculares, cardíacas e do sistema de condução. Sódio O sódio (Na) é o íon mais importante e funda- mental na manutenção do volume intravascular. Seus valores normais estão situados entre 135 e 145 mEq/L. Quanto ao aspecto temporal, suas alterações estão di- vididas em agudas (< 48 horas) e crônicas a partir de então. Suas variações influenciam grandemente no funcionamento do sistema nervoso central e no con- trole da água e de volumes encefálicos. A hiponatremia é o distúrbio mais comum, sendo a hipernatremia me- nos frequente. Hiponatremia A hiponatremia dilucional é a forma mais co- mum desse distúrbio, geralmente causada por dimi- nuição da excreção de água ou excesso de infusão de volume. Suas manifestações iniciais são inespecíficas, podendo passar despercebidas por serem discretas, como delirium, confusão, sonolência e cefaleia. Com a progressão, ocorrem náusea, vômitos e, de acordo com a diminuição do nível sérico, pode-se evoluir para insu- ficiência respiratória, convulsão, coma e até morte por herniação cerebral. Os sinais e sintomas aparecem com a redução rápida do Na sérico para valores abaixo de 125 mEq/L e, quanto mais rápida a queda dos valores, maior a sintomatologia, devido à instalação de edema cerebral. Quando a instalação da hiponatremia é crôni- ca, ela é melhor tolerada, e apresenta sintomas somente quando os valores atingem valores abaixo de 110 a 115 mEq/L. Cada perda de 1 mEq/L de Na equivale a uma queda de 1,7 mmHg na pressão arterial intravascular. Outras causas importantes de hiponatremia no paciente neurocrítico são a secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIADH) e a síndrome cerebral perdedora de sal (SCPS). A explicação mais tradicional para a hiponatremia após lesões encefálicas é a SIADH, embora não seja tão frequente. A SCPS é comum no pa- ciente neurocrítico e pouco diagnosticada; a redução do volume intravascular por ela provocada estimula a secreção secundária de ADH e, portanto, o seu diagnós- tico muitas vezes se torna difícil se uma alteração do es- tado volêmico do paciente não estiver bem evidente. A diferenciação é importante porque o tratamento difere, exceto na hiponatremia sintomática grave, em que a re- posição com solução salina é o tratamento emergencial em ambas as condições. 25 ABC e Manuseio Básico do Paciente Neurológico A SIADH foi descrita por Schwartz et al. em 1957, quando foi entendido que o hormônio antidiurético (ADH) é um peptídeo liberado pelo hipotálamo em resposta às alterações da osmolaridade: se a osmolari- dade sérica aumenta, aumentam a secreção de ADH e a absorção de água pelo rim; ao contrário, se diminui a osmolaridade sérica, diminuem a secreção de ADH e a absorção de água pelo rim. Assim, a liberação exces- siva de ADH nessa síndrome produz hiponatremia di- lucional. A lesão encefálica nos pacientes neurocríticos causaria, então, um reajuste (downregulation) dos os- morreceptores, levando à liberação de ADH com níveis mais baixos de osmolaridade. A SCPS foi descrita por Peters, em 1950. Ela é uma explicação menos tradicional para a hiponatremia do paciente com lesão encefálica, mas ocorre princi- palmente nas hiponatremias mais tardias, ao final da primeira semana e durante a segunda semana após a agressão ao sistema nervoso central. O peptídeo natriu- rético cerebral (BNP) e/ou o peptídeo natriurético atrial (ANP) aumentam sua concentração e levam primaria- mente a um aumento na excreção renal de Na, causan- do hiponatremia e depleção do fluido extracelular. O BNP e o ANP são hormônios primariamente excretados pela parede ventricular e atrial, mas também podem ser secretados pelo cérebro. Em condições normais, sua se- creção é estimulada pelo aumento do volume e/ou da pressão das câmaras cardíacas e eles têm propriedades natriuréticas, vasodilatadoras e de inibição da aldoste- rona. O mecanismo fisiopatológico exato da SCPS não está bem estabelecido, embora fatores natriuréticos ve- nham sendo associados ao seu desenvolvimento. De acordo com a avaliação clínica e para fins de abordagem terapêutica, a hiponatremia é classificada em hipo, hiper ou normovolêmica. O tratamento é feito de acordo com a instalação do distúrbio: se é agudo e grave, com sintomatologia importante, deve-se repor imediatamente com solução salina 3%; se a instalação é crônica ou com sintomatologia frustra, a reposição deve ser mais lenta e guiada pela melhora dos sintomas. O importante é que a reposição não deve ultrapassar 8 a 10 mEq/L/dia e o aumento no valor de Na sérico não deve ultrapassar 10 a 12 mEq/L em 24 horas, pelo risco de mielinólise pontina. O tratamento não emergencial da SIADH requer restrição volêmica (com cautela na HSA em função do risco de precipitar isquemia), poden- do ser adicionado diurético de alça em dose baixa (nor- malmente furosemida 20-40 mg/dia). Já o tratamento não emergencial da SPS requer normalmente a restau- ração do volume intravascular com solução salina. Hipernatremia A hipernatremia apresenta grande correlação com o nível de desidratação. As causas mais comuns são desidratação e diabetes insipidus (DI). Além de hi- povolêmicos, os pacientes encontram-se sonolentos, agitados, confusos e com tremores. Em casos mais gra- ves, pode haver crises convulsivas, e o coma pode advir quando a osmolaridade sérica passa de 350 mOsm/L. Na vigência de hipernatremia grave (> 160 mEq/L), a mortalidade se eleva. No SNC, a redução do volume celular é capaz de provocar estiramento vascular e predispor à ruptura dos vasos meníngeos com consequente sangramen- to parenquimatoso ou subaracnóideo. O diagnóstico de DI requer a presença de hipernatremia (Na > 145 mEq/L) e hiperosmolalidade (osmolalidade plasmática > 295 mOsm/L), associadas à urina inapropriadamente diluída (osmolaridade urinária < 150 mOsm/L), indica- tivo de comprometimento do mecanismo de concen- tração urinária. O tratamento da hipernatremia, se houver com- prometimento hemodinâmico, deve ser iniciado com a administração de solução salina isotônica ou solução balanceada. Após garantir a adequação de estado vo- lêmico, deve ser iniciada a correção da natremia com administração de água livre, solução glicosada a 5% ou solução salina 0,45% (essa, bem menos eficaz), ob- jetivando a diminuição gradativa do Na. A correção do sódio, nos casos agudos (menos de 24 horas), deve ser realizada a uma taxa de 1 mEq/L/hora por 10 a 12 horas, sendo reduzida nas 24-48 horas subsequentes. Quando a hipernatremia se instala mais lentamente ou não se pode determinar esse tempo, a taxa de correção não deve ultrapassar 0,5 mEq/L/h. Nos casos comprovados de DI, a vasopressina deve ser utilizada. A desmopressina (DDAVP), análo- go sintético da vasopressina, está disponível em solu- ção de uso nasal ou injetável. A via intranasal, bastante prática, deve ser administrada na dose de 10 mg (1 puff) a cada 6 a 12 horas, com duração do efeito de 12 a 24 horas. A formulação injetável é de 1 mL, contendo 4 mg, com dose usual de 1 a 2 mg a cada 8-24 horas por via subcutânea ou intravenosa. Outra opção é a adminis- tração da arginina-vasopressina em ampolas de 10 mL com 20 U/mL. sondas e Cateteres O paciente neurocrítico, devido à sua gravidade e complexidade, permanece na UTI por tempo prolonga- do, necessitando de monitoração completa: sonda vesi- cal de demora, cateter venoso central, cateter de pressão arterial invasiva, cateter de Swan Ganz, tubo traqueal para VM, cateter de bulbo da jugular (SjO2), dreno ven- tricular externo, sensor de PIC e temperatura intracere- bral, entre outros. Como se pode observar, esse grande número de cateterese sondas é instalado no paciente com o objetivo de monitorá-lo. Porém, com a presença deles, o risco de infecção aumenta muito. É fundamen- tal a atenção em sua instalação, manipulação e, assim que possível, a retirada precoce deve ser estimulada. 26 Curso de Imersão em Terapia Intensiva Neurológica – CITIN Obviamente, a infecção, assim como as tromboses e is- quemias, também relacionadas ao uso de sondas e ca- teteres, pioram o prognóstico do paciente neurocrítico. alterações CardIovasCulares Lesões cerebrais graves podem acarretar impor- tantes alterações secundárias no sistema cardiovascu- lar, inclusive naqueles pacientes sem cardiopatia prévia. A explicação para esses eventos pode estar no aumento do tônus simpático ou na hiperatividade simpática pa- roxística decorrentes do dano cerebral. Resumimos as alterações em arritmias, isquemia miocárdica, hiperten- são arterial e edema pulmonar neurogênico. Várias arritmias são descritas em associação com lesão cerebral aguda, como taquiarritmias, fibrilação e flutter atrial, além de extrassístoles ventriculares e atriais. Comumente, observamos distúrbios inespecíficos de repolarização, como desnivelamentos do segmento ST, inversão ou achatamento de onda T, QT longo, ondas U, entre outras alterações. A presença de arritmias parece piorar o prognóstico dos pacientes neurológicos, pro- vavelmente por levarem a baixo fluxo cerebral. Porém, aparentemente, quanto pior o quadro neurológico, pior a arritmia. Esse fenômeno se dá, provavelmente, pelo aumento do tônus simpático. A hemorragia subaracnói- dea (HSA) é a patologia dos pacientes neurocríticos que apresenta maior correlação com as arritmias. A isquemia miocárdica, manifestada por meio de alterações eletrocardiográficas, pode aparecer em até 70% dos casos de HSA, podendo ou não vir acompanha- da de alterações enzimáticas. Essas alterações tendem a se normalizar em duas semanas, pois a maioria dos pa- cientes com evento neurológico não apresenta lesão em artérias coronárias. O motivo do aparecimento dessas alterações é a grande liberação de catecolaminas como resposta metabólica ao trauma neurológico ocorrido. O edema pulmonar neurogênico é outra alte- ração relativamente frequente e de difícil diagnóstico, devido à sua grande semelhança com outras doen- ças, como edema pulmonar cardiogênico, TEP, SARA e pneumonia aspirativa. A provável explicação para essa complicação é a descarga de catecolaminas levando ao aumento da pós-carga de VE, associado ao aumento da pressão hidrostática pulmonar e da permeabilidade ca- pilar pulmonar durante o trauma neurológico. O edema pulmonar neurogênico costuma ser observado pouco após a lesão do sistema nervoso central (em minutos), mas também pode ocorrer mais tardiamente. Por último, citamos a hipertensão arterial, que decorre dos mesmos mecanismos relacionados ante- riormente. Salvo nas elevações extremas da pressão arterial, geralmente o que ocorre é uma tentativa do organismo de manter boa perfusão cerebral. Em situa- ções críticas, condições que cursam com hipertensão intracraniana são associadas à elevação da pressão ar- terial e bradicardia (reflexo de Cushing). A hipertensão tende a desaparecer em cerca de duas semanas, com a pressão arterial voltando a seus patamares prévios. É de grande importância que tenhamos em mente que quando ocorrer sangramento cerebral ainda não trata- do (aneurisma não clipado, por exemplo) deve-se evi- tar grandes elevações pressóricas, pois estas podem levar a novo sangramento. Nesses casos, mantém-se a PAM < 100 mmHg, com a pressão sistólica < 160 mmHg. No AVCI pode-se permitir uma pressão arterial de até 220 × 120 mmHg, desde que não haja indicação de trombólise. Para se iniciar a trombólise é necessá- rio manter a pressão arterial < 185 × 110 mmHg. Na presença de condição clínica proibitiva a tais níveis pressóricos (insuficiência ventricular esquerda, dis- secção aórtica. Isquemia miocárdica) deve-se atuar na sua redução. No AVCH deve-se manter a pressão arterial sistólica entre 160 e 140 mmHg. Nos casos de TCE, especialmente naqueles que cursam com hiper- tensão intracraniana, deve-se visar pressão arterial que garanta PPC entre 60 e 70 mmHg. O tratamento deve ser realizado com drogas de meia vida curta e de fácil manuseio, como o nitroprussiato de sódio ou com betabloqueador intravenoso (demais drogas preconi- zadas não estão disponíveis no Brasil). Ressalta-se que, em todos os casos acima, hipotensão arterial deve ser prevenida e rapidamente corrigida. 27 ABC e Manuseio Básico do Paciente Neurológico referênCIas bIblIográfICas 1. Irwin RS, Rippe JM. Irwin and Rippe’s Intensive Care Medicine. 7. ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2011. 2. Joseph E, et al. Critical care medicine: principles of diagnosis and management in the adult. 4. ed. Philadelphia: Elsevier; 2014. 3. Mizumoto N. Regulação do fluxo sanguíneo cerebral. In: Stávale MA. Bases da terapia intensiva neurológica. São Paulo: Santos; 1996. p. 1-12. 4. Power I, Kam P. Physiology of the nervous system. In: Power I, Kam P. Principles of physiology for the anaesthetist. London: Arnold Publishers; 2001. p. 33-62. 5. Prough DS, Rogers AT. Physiology and pharmacology of cerebral blood flow and metabolism. Crit Care Clin. 1989;5(4):713-28. 6. Rojas S, Veiga V. Manual de Neurointensivismo da Beneficência Portuguesa. São Paulo: Atheneu; 2018. 7. Rossberg MI, et al. Principles of cerebroprotection. In: Murray MJ, et al. Critical care medicine: perioperative management. 2. ed. Philadelphia: Lippincott: Williams & Wilkins; 2002. p. 225-35. 8. Terzi RGG, et al. Cuidados neurointensivos. São Paulo: Atheneu; 2013. 9. ATLS® Advanced Trauma Life Support® Student Course Manual. Tenth Edition. Library of Congress Control Number: 2017907997 ISBN 78-0-9968262-3-5 Copyright© 2018 American College of Surgeons 10. Knobel, E. Condutas no paciente grave. 4ª ed. São Paulo: Atheneu, 2016. 11. Fundamental Critical Care Support. Sixty Edition. Society of Critical Care Medicine 2016. Nyquist P, Bautista C, Jichici D, Burns J, Chhangani S, DeFilippis M, Goldenberg FD, Kim X, Liu-DeRyke X, Mack W, Myer K. 12. Prophylaxis of Venous Thrombosis in Neurocritical Care Patients: An Evidence-Based Guideline: A Statement for Healthcare Professionals from the Neurocritical Care Society. Neurocrit Care (2016) 24:47-60. 13. Darsie ME, Moheet AM. The Pocket Guide to Neurocritical Care: A concise reference for the evaluation and management of neurologic emergencies. Published by Neurocritical Care Society, 2017. 14. Brophy GM, Human T. Pharmacotherapy Pearls for Emergency Neurological Life Support. Neurocrit Care. DOI 10.1007/s12028-017-0456-x. 15. Hemphill III JC, Lam A. Emergency Neurological Life Support: Intracerebral Hemorrhage. Neurocrit Care. DOI 10.1007/s12028-017-0453-0. 16. Frontera JÁ, Lewin III JJ, Rabinstein AA, Aisiku IP, Alexandrov AW, et al. Guideline for Reversal of Antithrombotics in Intracranial Hemorrhage. A Statement for Healthcare Professionals from the Neurocritical Care Society and Society of Critical Care Medicine. Neurocrit Care (2016) 24:6-46. 17. Sembill JÁ, Huttner HB, Kuramatsu JB. Impact of Recent Studies for the Treatment of Intracerebral Hemorrhage. Current Neurology and Neuroscience Reports (2018) 18: 71 https://doi.org/10.1007/s11910-018-0872-0. 18. Steven G. Achinger, MD, FASN; Juan Carlos Ayus, MD, FACP, FASN. Treatment of Hyponatremic Encephalopathy in the Critically Ill. Crit Care Med October 2017, Volume 45, Number 10. 19. Oddo M, Poole D, Helbok R, Meyfroidt G, Stocchetti N, Bouzat P, et al. Fluid therapy in neurointensive care patients: ESICM consensus and clinical practice recommendations. Intensive Care Med (2018) 44:449-63. Procure sempre por diretrizes ou recomendações atualizadas (nacionais ou internacionais). Estaremos sempre nos cursos do CITIN orientando ou informando sobre novas sugestões ou recomendações de diagnós- ticos ou terapêuticas.
Compartilhar