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Gestão Estratégica de Pessoas e Psicologia Organizacional e do Trabalho Edward Goulart Junior Dinael Corrêa de Campos (Organizadores) Edward Goulart Junior Dinael Corrêa de Campos (Organizadores) Araraquara Letraria 2021 339 A carreira paralela nas organizações: algumas considerações sobre a carreira Y Aline Agreste Cardoso Rose Marli Hess Coelho de Paula e Silva Introdução Este capítulo tem por objetivo apresentar modelos de estrutura de carreira para as organizações com ênfase nas carreiras paralelas, e como as pessoas e as organizações através delas podem criar novas possibilidades de desenho de carreira que possam absorver pessoas com grande capacidade técnica em suas áreas, porém sem ambição ou perfil de gestão. A carreira paralela mais comum é a carreira em Y, que as empresas podem utilizar esse modelo para desenvolver e reter profissionais com habilidades técnico-funcionais e que não possuem interesse ou aptidão para gestão. Também é uma forma de as empresas não inflarem suas estruturas hierárquicas de “gestores”, abrindo a possibilidade de criação da figura do especialista, tendo também para este nível a possibilidade de evolução salarial. Este modelo, embora seja muito comum nas empresas brasileiras, quando não bem estruturado, pode causar mais problemas do que soluções. Conceito de carreira O termo carreira tem origem do latim e por definição significa “caminho para carros”. Trazendo para o contexto atual, podemos dizer que, de forma estruturada, a carreira define um objetivo profissional a ser seguido, um caminho a ser trilhado profissionalmente. De um modo geral, o termo carreira remete ao sucesso profissional, à ascensão do indivíduo na organização. De acordo com Dutra (2019, p. 32), “a ideia de plano de carreira associa-se a uma estrada plana, asfaltada e bem conservada que, se bem trilhada, conduzirá ao sucesso, à riqueza e à satisfação profissional”. Para o autor, ao olharmos a realidade das empresas, verifica-se que a carreira é uma sucessão de acontecimentos inesperados, ou seja, as pessoas têm diante de si um caminho tortuoso com várias alternativas e repleto de incertezas. Ainda segundo o autor, a carreira deve ser pensada como uma estrada em permanente construção que pessoas e empresas constroem juntas. 340 Para Silva (2012), a carreira pode ser usada para determinar a posição de um profissional em uma organização (associada à passagem por diversos cargos hierárquicos), à trajetória de um empreendedor ou ainda a um roteiro pessoal para a realização dos próprios projetos. Considerando as incertezas que podemos enfrentar ao longo de nossa trajetória profissional, o indivíduo deve ter em mente que precisa estruturar sua carreira, traçando objetivos, metas e estratégias para alcançar os objetivos traçados. Para traçar uma melhor estratégia de carreira, quanto melhor o indivíduo se conhecer, mais chances de sucesso terá ao traçar seus objetivos. Uma das ferramentas que pode utilizar são as Âncoras de Carreira, que permitem conhecer seu perfil e estruturar sus objetivos, aumentando suas chances de êxito. Âncoras de carreira: definição Edgar Schein (1996) desenvolveu o conceito de Âncora de carreira em 1970 e, segundo ele, as Âncoras são os pilares que norteiam as decisões das carreiras profissionais. Podemos através delas compreender melhor a evolução das carreiras dos indivíduos, explicar determinados comportamentos e a aderência dos valores na organização. Segundo a teoria de Schein, as Âncoras de carreira influenciam a tomada de decisão e direcionamento das carreiras das pessoas. Podemos entender como a soma de fatores ao longo da vida do indivíduo, experiências sociais, familiares e profissionais são os valores das pessoas construídos ao longo de sua vida. Desta forma, sendo um somatório de fatores, as pessoas podem apresentar várias Âncoras que direcionam suas decisões e atitudes profissionais e pessoais. Esse conceito de mais de uma Âncora de carreira por indivíduo foi defendido por Feldiman e Bolino (1996 citado por FARO et al., 2010) que propõem que os indivíduos possuem âncoras de carreira primárias e secundárias, desenvolvendo uma hierarquia de valores. Tipos de âncoras de carreira Âncora de competência técnica: o indivíduo com predominância dessa Âncora valoriza suas competências técnicas, valoriza o aprendizado e o aprofundamento teórico, considerando sucesso ser expert em algum assunto. Normalmente buscam cargos de especialistas. Âncora da competência gerencial: nessa âncora, a motivação do indivíduo está na possibilidade de liderar, gerenciar, comandar e tomar decisões, considerando sucesso atingir posições elevadas na hierarquia organizacional. 341 Âncora da autonomia e independência: valoriza as experiências profissionais de realização de forma autônoma; normalmente os indivíduos com essa âncora são avessos às regras e normas, atribuindo ao sucesso profissional autonomia para o trabalho e independência. Considera importante ter flexibilidade no trabalho. Âncora da segurança e estabilidade: o indivíduo movido por essa âncora procura experiências profissionais que remetam à segurança, valorizando a estabilidade no trabalho e recompensas previsíveis e estáveis. Âncora da criatividade empreendedora: valorizam a possibilidade de estabelecer, criar e estruturar o negócio, organização, departamento, atividades, entre outras. Sentem-se valorizados quando deixam sua marca na organização. Âncora da vontade de servir ou dedicar-se a uma causa: remete ao indivíduo que busca experiências profissionais que estejam alinhadas aos seus valores pessoais. Frequentemente se sentem bem-sucedidos quando conseguem influenciar o meio em que estão inseridos com seus valores. Sentem-se recompensados quando seus colegas e organizações compartilham de seus ideais. Âncora de puro desafio: o indivíduo movido por essa âncora valoriza a competição e experiências profissionais desafiadoras. Sentem-se realizados quando vencem desafios e adversários. Tem uma linha tênue entre a âncora da criatividade, se diferenciando pelo apelo forte à competitividade. Âncora do estilo de vida: os indivíduos agrupados nessa âncora valorizam o equilíbrio entre o profissional e o pessoal, valorizam a flexibilidade no trabalho de forma a poderem se dedicar aos demais aspectos da vida. O trabalho não é o centro de existência do indivíduo. Carreiras em linha É a estrutura de carreira mais comum nas organizações. Separada por degraus ou steps, cada um deles é definido por um conjunto de habilidades e responsabilidades. Essas responsabilidades podem estar voltadas para o trabalho ou para as pessoas, dependendo do foco da organização. Ela é mais simples de se configurar e administrar, por essa razão é a mais comum, porém apresenta várias limitações, conforme Dutra (1996): “Dentro da carreira não tem opção para outras trajetórias, devendo subordinar-se às determinações da empresa". O topo desse tipo de carreira geralmente é configurado com posições gerenciais, não oferecendo alternativas para as pessoas que preferem fixar-se numa carreira mais técnica. As estruturas de carreira em linha, por estarem muito atreladas a áreas funcionais e possuírem 342 características de pouca flexibilidade, são pouco adequadas a empresas que necessitam de mobilidade para realocação de pessoas ou para reconfiguração de suas estruturas organizacionais. O quadro I representa a carreira em linha. Quadro 1 - Exemplo de estrutura em linha Nível Cargo 5 Gerente de Sistemas 4 Coordenador de Grupo 3 Analista de Sistemas Sênior 2 Analista de Sistemas Pleno 1 Analista de Sistemas Junior Fonte: DUTRA, J. S. Administração de Carreiras: uma proposta para repensar a gestão de pessoas. São Paulo: Atlas, 1996, p. 82. Carreiras em rede Caracteriza-se por apresentar várias opções a cada posição da empresa, permitindo que o profissional estabeleça sua trajetória profissional, através da hierarquia definida pela empresa. Como a carreiraem linha, também é definida em degraus e critérios de acesso, porém oferece aos profissionais várias possibilidades dentro da organização, respeitando os critérios preestabelecidos. De acordo com Dutra (1996), apresenta algumas limitações, ou seja, “para as pessoas, as escolhas são restritas e com trajetórias limitadas e o crescimento é preestabelecido pela empresa. Já para as empresas, há pouca mobilidade para reconfigurar a estrutura e dificuldade de adequar as expectativas das pessoas às necessidades da empresa. A figura 1 representa a carreira em rede.”. 343 Figura 1 - Exemplo de carreira em rede Fonte: DUTRA, J. S. Administração de Carreiras: uma proposta para repensar a gestão de pessoas. São Paulo: Atlas, 1996, p. 84. Carreiras paralelas ou carreira em Y As empresas têm adotado a carreira em Y para minimizar uma situação problema enfrentada pelas organizações. Muitas organizações têm excelentes profissionais, que não possuem perfil de liderança e, claramente falando, não há tanto espaço assim para criar tanta liderança. Desta forma, as empresas adotam as carreiras em Y, para minimizar essa situação problema, ter um excelente profissional sem prospecção de crescimento no braço gerencial da carreira, seja por falta de aptidão ou por falta de posição na empresa. Na carreira Y, a base de desenvolvimento do profissional é a mesma da gerencial, ou seja, chegando em uma fase da vida profissional onde o profissional terá que definir se pretende continuar se especializando tecnicamente ou voltar-se para uma área mais gerencial. De um modo geral, esse profissional mais técnico acaba se especializando na sua área de atuação, tornando a especialização a palavra-chave de sua carreira. A Carreira paralela em Y passou a ser estudada no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, tendo suas pesquisas realizadas pela ANPEI (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais). Inicialmente, as carreiras paralelas tinham o foco em organizações voltadas à tecnologia. Na década de 2000, cresceu a demanda por trabalhos funcionais e 344 técnicos em quase todos os setores, abrindo espaço para desenhos nas organizações desse tipo de carreiras. Podemos considerar essa estrutura como a mais abrangente e flexível, criando a possibilidade de encarreiramento alternativo àquele ligado diretamente à estrutura organizacional da empresa. Pode ser definida como sendo a sequência de posições que uma pessoa pode assumir no interior de uma organização, orientada em duas direções: natureza profissional ou natureza gerencial. É preciso considerar que carreira paralela é diferente de carreiras complementares. Nas carreiras complementares, o indivíduo possui uma carreira principal que lhe define como profissional e outra que complementa. Como exemplo podemos citar um Engenheiro que, após sua jornada na empresa convencional, complementa sua jornada com aulas na Universidade. Devemos entender que o que define o profissional é sua carreira principal. A carreira paralela, é a forma como o profissional irá se posicionar dentro da organização. De acordo com Dutra (1996, p. 86), “A carreira paralela permite à empresa direcionar o estímulo do desenvolvimento e da ascensão profissional no sentido de aperfeiçoamento técnico e do gerencial, em função das vocações e expectativas individuais, eliminando os riscos do rebaixamento dos níveis de atuação, tanto dos técnicos quanto dos gerenciais, e propiciando uma transição mais tranquila, de técnico para gerente, àqueles que assim o desejarem.”. No Brasil, adota-se a carreira em Y pelos seguintes motivos: • A base é comum tanto para a carreira gerencial quanto para a técnica; • A base possui características técnicas, permitindo que o profissional amadureça tecnicamente antes de definir pela carreira técnica ou gerencial; • O formato em Y dá conhecimento técnico àqueles que optam pelas carreiras gerenciais, facilitando sua posição de gerenciar aqueles que optam pela carreira técnica. A carreira em Y possui a base como as demais carreiras e é formada pelo início da carreira do profissional; a forma como o profissional irá se desenvolver depende não apenas dele, mas também da organização que pode direcionar o profissional. Um grande desafio para a organização é deixar o braço técnico da carreira em Y atrativo já que usualmente os cargos gerenciais, além do status, também costumam oferecer remunerações mais atrativas, criando a ilusão de que, para ser bem-sucedido ou ter sucesso na carreira, é necessário alcançar um patamar gerencial. Assim, as empresas precisam despertar o interesse dos profissionais para esse braço técnico, tão importante quanto o gerencial, oferecendo condições salariais e benefícios que fomentem o desejo nesses 345 profissionais de enveredar para esse caminho, lembrando que não basta apenas que o profissional tenha conhecimento técnico, ele também precisa ser capaz de gerar resultados para a empresa, justificando todo esse investimento. O braço gerencial da carreira Y deve ser compatível com os espaços gerenciais, as posições precisam ser compatíveis com as demais posições da organização no tocante à remuneração e benefícios e ter seus níveis bem definidos. Também de acordo com Dutra (1996), a carreira paralela apresenta limitações e não pode ser considerada como uma solução milagrosa para os problemas das organizações e sim ser utilizada como um instrumento para alcançar os objetivos. Ainda de acordo com Dutra (1996), dentre os fatores que podemos considerar para o sucesso das carreiras paralelas estão: • Equidade entre os braços técnicos e gerenciais, de forma a não gerar sentimento de perda; • O braço técnico precisa ter projeção de crescimento para se tornar atrativo ao profissional; • Os critérios de ascensão devem ser bem estabelecidos e transparentes; • O profissional precisa ser estimulado a refletir sobre a carreira e seu desenvolvimento; • Os profissionais precisam ter liberdade para escolher seus próprios projetos.”. A figura 2 representa um modelo de carreira em Y. Figura 2 - Modelo de carreira em Y Fonte: DUTRA, J. S. Administração de Carreiras: uma proposta para repensar a gestão de pessoas. São Paulo: Atlas, 1996. p. 88. 346 Considerações finais Levando em consideração as possibilidades de carreira apresentadas, podemos dizer que a carreira em Y é um grande avanço para os profissionais e para a organização, pois dá a possibilidade de profissionais com grande bagagem técnica, porém sem aptidão para gestão, vislumbrarem crescimento profissional na organização. Em nossa sociedade atual, a pressão para que o indivíduo seja bem-sucedido é constante, vinda dos pais, colegas, professores, companheiros e do próprio indivíduo, fazendo com que o indivíduo empreenda uma jornada exaustiva de criar e se preparar para ser bem-sucedido aos olhos da “sociedade”. Muitas vezes a escolha da carreira leva em consideração a opinião das pessoas ao seu redor em detrimento das motivações do indivíduo. Para uma escolha mais assertiva seria recomendado o indivíduo fazer uma autoanálise, elencando as qualidades, forças e motivações para o trabalho (Âncoras). Além da autoavaliação, é importante também avaliar a organização e a carreira que pretende trilhar, se vão de acordo com seus valores, crenças e conhecimentos. Conhecendo as possibilidades de carreira, seus fatores motivacionais, a empresa e suas métricas, possivelmente o profissional fará melhores escolhas, diminuindo frustrações, estresses e demissões. Referências CARVALHO, I. M. V. et al. Cargos, Carreiras e remuneração. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011. CUSTODIO, L. S. O desafio da carreira em Y na administração pública: uma proposta viável. Seminário em Administração, outubro de 2012. DUTRA, J. S. Administração de Carreiras: uma proposta para repensar a gestão de pessoas: São Paulo: Editora Atlas, 1996. DUTRA, J. Gestão de carreira: a pessoa, a organização e as oportunidades. 2. ed. SãoPaulo: Atlas, 2019. FARO, E. S. C. et al. Âncoras de carreira e transformações no modelo de administração: estudo de caso do Tribunal de contas da União (TCU). Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 8, n. 4, artigo 9, dez. 2010. 347 FILHO, J. F. B. Planejamento de Carreiras: segure firme o timão de sua carreira: São Paulo: Editora Arvore da Terra, 2009. NUCIO, D. de.; HABIMORAD, M.; ESTEVES, S. Sua carreira: como avançar pra valer no mercado de trabalho e construir a trajetória dos seus sonhos Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014. SCHEIN, E. H. Identidade profissional: como ajustar suas inclinações a suas opções de trabalho. Tradução Margarida D. Black. São Paulo: Nobel, 1996. SILVA, D.; SILVA, K. M. Carreira: novas ou tradicionais: um estudo com profissionais brasileiros. RECAPE – Revista de Carreiras e pessoas, São Paulo, v. 2, n. 1, jan./abr. 2012.
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