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Júlia Figueirêdo – PINESC VII VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV): O HIV é um retrovírus que apresenta dois grandes grupos (HIV-1 e HIV-2), determinados de acordo com características genéticas específicas, tendo como alvo principal os linfócitos TCD4. Uma particularidade desse vírus é a presença da transcriptase reversa, uma enzima capaz de converter as fitas de RNA viral em segmentos de DNA. As principais fontes de infecção para o HIV são o contato com sangue, secreções sexuais e com o leite materno, definido assim as transmissões sexual, sanguínea, vertical e ocupacional. No Brasil, o HIV apresenta taxa de incidência de 14,1:100 mil habitantes, principalmente entre indivíduos de 25 a 49 anos. A taxa de mortalidade, por sua vez, é de 4,1:100 mil, principalmente naqueles indivíduos não diagnosticados e não aderentes ao tratamento. A transmissão vertical representa menos de 1% dos casos atualmente, valor atingido a partir de medidas de detecção durante o pré-natal. ASPECTOS VIROLÓGICOS NO HIV: O núcleo viral é formado pelas proteínas p24 (de fácil detecção, utilizada com alvo no diagnóstico da infecção), p7/p9, o material genético já descrito, e por três enzimas virais de suma importância (protease, transcriptase reversa e integrase). Englobando essa estrutura encontra-se uma matriz de proteína p17. Por fim, o envelope do vírus é formado, dentre outras estruturas, por glicoproteínas gp120 e gp41, cruciais para a entrada celular. No genoma proviral do HIV é possível observar os genes gag, env e pol, responsáveis pela codificação de proteínas do vírus (os dois primeiros associados à estrutura viral, e o último, às enzimas). Seus produtos devem ser clivados pela protease viral de forma a compor estruturas ativas e maduras. Alguns outros genes importantes são: Tat (transativador): seus produtos intensificam a capacidade de proliferação viral; Nef: age estimulando a quinase intracelular, impedindo a ativação de células imunes, sendo fundamental para a continuidade da infecção; Vpr: é responsável por estimular a expressão de proteínas virais e a migração nuclear do vírus, que promove a interrupção do ciclo celular em G2 (intensifica a transcrição); Vpu: é uma fosfoproteína específica do HIV que favorece a degradação de linfócitos TCD4 recém-sintetizados e estimula a liberação de novos vírions pelas células parasitadas. Representação esquemática do HIV MECANISMOS DE ENTRADA E REPLICAÇÃO VIRAL: O início da infecção pelo HIV ocorre a partir da aderência entre a estrutura viral à membrana plasmática do linfócito T CD4 Júlia Figueirêdo – PINESC VII por meio da gp120, e pela sucessiva penetração no citoplasma a partir da interação da gp41 com receptores de citocinas (CCR4 e CXCR5). Células dendríticas não são infectadas pelo HIV, mas representam o seu principal reservatório extracelular, favorecendo o contato com células T. Após essa ligação inicial, a membrana de ambas estruturas se fusiona, promovendo a liberação do material genético e das proteínas virais. Mecanismo de adesão e penetração celular pelo HIV A transcrição reversa é iniciada no citoplasma com a presença de um primer, dando origem ao cDNA (DNA compleentar), que se mantém latente em linfócitos T CD4 em repouso e, naquelas estruturas em fase proliferativa, se funde ao núcleo do hospedeiro pela ação da integrase. Com o sequestro celular, se inicia a expressão de genes patogênicos, mediada tanto em organelas específicas quanto no próprio citoplasma. Inicialmente, a transcrição do mRNA viral é lenta, priorizando reguladores do ciclo viral, porém, essa velocidade se eleva gradualmente. Mecanismos regulatórios da transcrição gênica e de tradução de proteínas do HIV Após a produção segmentada dos diversos componentes do vírus, a fase final da replicação, com a formação de gp120 e gp41 no complexo de Golgi, e de proteínas percussoras gag e gag-pol em ribossomos livres, sendo rediecionados por quimiotaxia à membrana plasmática, de onde são liberados para o meio extracelular. Fora dos linfócitos T CD4, os vírus sofrem maturação, na qual proteases clivam proteínas percussoras em suas formas ativas, remodelando assim a estrutura do HIV, que se torna infectante. A replicação viral exagerada é responsável por iniciar um processo progressio de disfunção de linfócitos T CD4, mecanismo a partir do qual se instalam a maior parte das complicações observadas na AIDS. Nota-se, no entanto, que esse é um processo lento, não havendo alterações súbitas na concentração celular. Dessa forma, percebe-se que a destruição celular imune também se dá por outros processos, como a citotoxicidade mediada por anticorpos, a autoimunidade e a formação de aglomerados sinciciais de células por apoptose. Além disso, o HIV inativa a Bcl-2, proteína antiapoptótica, enquanto Júlia Figueirêdo – PINESC VII incentiva a expressão de substâncias lesivas tanto na célula- alvo quanto em suas vizinhas. Destruição linfocitária mediada pelo HIV A produção de novos linfócitos T CD4 é reduzida, uma vez que a infecção alcança a medula óssea, de forma que a proteína tat iniba os processos de divisão celular. Além de todos os impactos à formação linfocitária, a função dessas células também é afetada, com diminuição da produção de IL-2 e menor diferenciação celular, com tendência para o fenótipo Th0. Patogênese do HIV de acordo com o estágio da infecção Por sua vez, os linfócitos T CD8, citotóxicos, são afetados por meio de lesões diretas, por apoptose, mediada pela interação com as células T CD4, ou pela ação viral em receptores específicos. Por sua ampla dispersão no organismo, os macrófagos também representam alvos importantes para o HIV e, quando infectadas, sofrem com depleção da ação fagocitária, que interfere na capacidade de lise antigênica, e desregulação na produção de citocinas. Esse processo também contribui para o desenvolvimento de infecções oportunistas no futuro do acometimento viral. Capacidade da resposta imune por fração leucocitária na cronologia da infecção por HIV Por fim, os linfócitos B também são afetados, havendo uma resposta de hipergamaglobulinemia frente à infecção por HIV. No entanto, esses anticorpos são pouco eficazes, fazendo com que plasmócitos sejam intensamente recrutados, porém de modo não-direcionado. Júlia Figueirêdo – PINESC VII Principais alterações imunológicas associadas à infecção por HIV MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS: A infecção por HIV apresenta caráter crônico, com um período sintomático agudo e inespecífico, e outro, após 10 a 15 anos do primeiro contato, marcado por doenças opoortunistas, típicas da imunossupressão (AIDS). Curva típica das “fases do HIV” (carga viral e concentração linfocitária) Os sintomas iniciais surgem depois de 4 semanas da infecção, podendo assumir a forma de uma síndrome gripal ou manifestações semelhantes à mononucleose. Nesse primeiro momento, a viremia é elevada. Outras apresentações menos frequentes são a síndrome de Guilain-Barré e a meningoencefalite. Principais sintomas associados ao HIV em sua fase aguda Com a instalação da imunossupressão franca (concentração de células TCD4 < 200/mm), o paciente passa a apresentar manifestações típicas da AIDS, como o sarcoma de Kaposi, e as infecções oportunistas. São exemplos: Esofagite por Candida; Agrupamentos fúngicos tipicos na esofagite decorrente da Candida Histoplasmose; Pneumocistose (pneumonia fúngica); Radiografia com opacidades intersticiais difusas e bilaterais, com formação de cistos em paciente soropositivo com pneumocistose Júlia Figueirêdo – PINESC VII Tuberculose; Herpes-Zóster; Micobacteriose atípica. Lesões por sarcoma de Kaposi em paciente com AIDS DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DO HIV: O diagnóstico da infecção por HIV se dá por meio da detecção laboratorial de anticorpos específicos anti-HIV, por sorologia, ou pela identificação direta viral, seja por meio de hemocultura ou amplificação molecular, sendo o primeiro método o mais indicado. Curva de detecção de marcadores diagnósticos para o HIV ao longo das primeiras 16 semanas O teste de Western-Blot é um modelo imunoenzimático capaz de detectar anticoorpos específicos por meio da análise da aglutinação entre o alvo da pesquisa e uma base de nitrocelulose impregnada pelo antígeno. Para a detecção do HIV, os possíveis resultados são: Amostra reagente: presença de ao menosduas bandas coradas de gp160, gp120, gp41 e p24; Amostra não reagente: ausência total de bandas; Amostra indeterminada: padrões alheios aos mencionados anteriormente, requerindo a realização de outro teste. Representação do processo de realização do teste de Western-Blot Considerando a possibilidade de soroconversão recente, é indicado que uma nova amostra seja coletada após 30 dias do primeiro teste, utilizando o mesmo método ou outra forma de detecção. A detecção de anticorpos anti-HIV em crianças < 18 meses não significa infecção, uma vez que pode ocorrer a transferência de antiorpos maternos pela placenta. Nesse grupo, só é possível confirmar o diagnóstico com a presença de RNA viral. Testes rápidos são usados como método de triagem em pacientes com suspeita de infecção por HIV, uma vez que sua sensibilidade e especificidade são elevadas. Mesmo assim, resultados positivos devem ser confirmados sorologicamenre. O uso de testes rápidos é útil principalmente em situações cuja resposta imediata seja necessária para a implementação de medidas Júlia Figueirêdo – PINESC VII profiláticas urgentes (ex.: acidentes ocupacionais ou durante o parto).. Protocolo para o diagnóstico de infecções por HIV TERAPIA ANTIRRETROVIRAL: O tratamento de pacientes com infecção por HIV/AIDS é baseado no uso de antirretrovirais, que têm como objetivos a supressão sustentada da replicação viral, a redução da morbimortalidade e a extensão da sobrevida do portador. Espera-se que a carga viral esteja abaixo dos limites de detecção em até 12-24 semanas após o início do regime medicamentoso. Recomenda-se o tratamento com antirretrovirais para todos os pacientes HIV-positivos, sintomáticos ou assintomáticos, com contagem de linfócitos T CD4 <350/mm³. Atualmente, podem ser encontradas seis classes de antirretrovirais, a saber: Inibidores nucleosídeos/nucleotídeos da transcriptase reversa (INTR) – Abacavir, Didanosina, Estavudina, Lamivudina, Tenofovir e Zidovudina: São a base da terapia antirretroviral, sendo utilizados junto a outras diversas classes de medicamentos, normalmente em pares formulados conjuntamente, reduzindo assim a carga diária de comprimidos para o paciente. O mecanismo de ação desses fármacos consiste na inibição competitiva da transcriptase reversa viral, com a inserção do medicamento na cadeia de DNA suprimindo os sítios de ligação dessa enzima. Como efeitos colaterais, destacam-se a toxicidade mitocondrial, a acidose lática e o comprometimento à função hepática. Inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (INNTR) – Efavirenz: Esses fármacos se ligam diretamente à transcriptase reversa do HIV, inibindo a atividade da DNA-polimerase viral sem que seja necessária a interação do medicamento com a cadeia de material genético. Os efeitos colaterais associados a esses compostos são exantemas cutâneos e distúrbios gastrintestinais, bem como possíveis interações medicamentosas decorrentes da competitividade pelo citocromo P450, onde ocorre seu metabolismo. Inibidores de protease (IP) – Atazanavir: São responsáveis por impedir a conversão das formas ativas de gag e pol, mantendo o HIV em estado não-infectante. De forma geral, os efeitos colaterais correspondem a náuseas leves/moderadas e dislipidemia, Júlia Figueirêdo – PINESC VII decorrente de alterações no padrão de distribuição de gordura corporal. Há também possibilidade de perturbações na função cardíaca, evidentes ao ECG. Inibidores de entrada e fusão - Enfuvirtida, Maraviroque: Tais medicamentos permitem a inibição do acoplamento e penetração celular do vírus em diversas etapas, como a modulação da conformação de gp120 (fixação à membrana), e a expressão de gp41 (fusão das membranas plasmáticas). Seus principais efeitos colaterais são náuseas, cefaleia e tonturas. Inibidores da integrase de transferência de filamento (INTF) - Dolutegravir, Raltegravir: Atuam a partir da inibição da etapa final de integração entre o DNA viral ao núcleo da célula do hospedeiro. A tolerância normalmente é elevada, com efeitos colaterais comuns sendo representados por cefaleia, náusea e, de forma branda e menos frequente, alterações neuropsiquiátricas. Pontos de ação dos antirretrovirais no ciclo de vida do HIV O tratamento antirretroviral (TARV) tem taxa de sucesso mais elevada quando implementado em esquemas simples, com menor incidência de efeitos adversos, de forma a potencializar a adesão terapêutica. Assim, a primeira prescrição fornecida a pacientes não-tratados consiste em lamivudina (3TC), tenofovir (TDF), e dolutegravir (DTG). Os principais efeitos colaterais associados a essa combinação de medicamentos estão associados à função renal do indivíduo. Principais esquemas típicos de TARV empregados atualmente A monoterapia com medicamentos dessa classe é contraindicada, pois eles estão associados à sensibilização genômica. Júlia Figueirêdo – PINESC VII O dolutegravir (DTG) apresenta alta potência, barreira genética contra mutações, administração diária única e poucos efeitos adversos, o que garante uma terapia segura. No entanto, seu uso é contraindicado durante a gestação ou se há suspeita de gravidez, pois pode intensificar o risco de malformações fetais. Assim, mães vivendo com HIV podem fazer uso de efavirenz (EFV) como substituto do DTG, com baixo risco de toxicidade e posologia favorável com dose única diária. Como desvantagens inserem-se risco para resistência em tratamentos primários e a incapacidade de resistir a variações no código genético viral. Terapêuticas antirretrovirais alternativas em adultos Ainda que a falta de adesão seja o principal motivo associado à falha terapêutica, esta também pode ocorrer pela resistência viral aos medicamentos, por disfunções na absorção intestinal, interações com outros fármacos ou estado avançado da doença. A genotipagem do HIV detecta mutações nos genomas do vírus que o torna resistente a alguns antirretrovirais, facilitando a ocorrência de falhas terapêuticas. Além disso, esse teste pode ser indicado, de forma prévia ao tratamento, para: Infecções por parceiro em uso de TARV (detecção de mutações iniciais); Gestantes HIV-positivo; Crianças infectadas por HIV; Coinfecção entre tuberculose e HIV. PROFILAXIA TERAPÊUTICA CONTRA O HIV: Antirretrovirais podem ser administrados como forma de profilaxia pré e pós- exposição (PEP e PrEP) para o HIV, impedindo a consolidação da infecção, porém não protegendo contra outras ISTs. A profilaxia pré-exposição tem como associação recomendada tenofovir e entricitabina, em uso contínuo por via oral, com um comprimido por dia. Observa-se que a elevação da concentração celular dos medicamentos só atinge níveis satisfatórios após 7 a 20 dias (para relações anais e vaginais, respectivamente). Grupos populacionais aos quais aPrEP pode ser recomendada Na profilaxia pós-exposição, por sua vez, o esquema preferencial se assemelha à terapia inicial, com uma associação entre lamivudina, tenofovir e dolutegravir, graças à boa resposta clínica e menor volume de efeitos adversos. Júlia Figueirêdo – PINESC VII Algoritmo de indicação ao PEP
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