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Código Logístico 59729 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6722-0 9 7 8 8 5 3 8 7 6 7 2 2 0 RELA Ç Õ ES SO C IA IS E C O N FLITO S N A ESC O LA A LESSA N D RA A PA REC ID A PEREIRA C H A V ES Relações sociais e conflitos na escola Alessandra Aparecida Pereira Chaves IESDE BRASIL 2021 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2021 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Irenaphoto/Photographer Owl/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C438r Chaves, Alessandra Aparecida Pereira Relações sociais e con litos na escola / Alessandra Aparecida Pereira Chaves. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2021. 102 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6722-0 1. Educação - Aspectos sociais. 2. Administração de conflitos. 3. Media- ção. 4. Ambiente escolar. I. Título. 20-67084 CDD: 371.4 CDU: 37.064 Alessandra Aparecida Pereira Chaves Doutora em Tecnologia e Sociedade e mestra em Tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Bacharela e licenciada em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário Campos de Andrade (Uniandrade). Pedagoga da Rede Municipal de Ensino de Curitiba. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Relações sociais e conflitos 9 1.1 Conflitos humanos ao longo da história 9 1.2 Organizações sociais na mediação das relações humanas 14 1.3 Relações de poder e conflitos latentes 18 2 Desenvolvimento biopsicossocial humano 27 2.1 Fases do desenvolvimento humano 27 2.2 Influências socioambientais na formação humana 33 2.3 Transtornos, relacionamentos e negligências 36 3 A escola do século XXI 44 3.1 Popularização e inclusão no ensino formal 44 3.2 Escola do século XXI, estrutura do século XX 49 3.3 Legislações, direitos, deveres e responsabilidades 53 4 Escola: espaço de aprendizagem e socialização 60 4.1 Ensinar conteúdos ou educar para a vida? 61 4.2 Tecnologias, redes sociais e novos modos de relacionamentos 66 4.3 Identificação e avaliação de conflitos 70 5 Ambiente escolar e respeito 77 5.1 Construção coletiva de regras de convivência 77 5.2 Prevenção de conflitos escolares 82 5.3 Construindo a cultura de paz 87 Gabarito 94 Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! Os conflitos escolares têm sido objeto de estudo e debate na busca pela compreensão desse fenômeno que assola profissionais da educação em todo o mundo. Embora situações de conflitos façam parte das relações humanas, ainda é insipiente o entendimento sobre suas causas e consequências. Neste livro procuramos instigar a reflexão sobre os conflitos humanos, suas prováveis causas, consequências, desdobramentos e possíveis encaminhamentos para a busca por soluções. Não há um caminho único para resolver os conflitos, mas existem caminhos trilháveis que possibilitam chegar a consensos que respeitem e considerem os envolvidos. De início, traçamos uma síntese sobre os conflitos que ocorreram ao longo da história por disputa de poder, de território ou por hegemonia política. Desses acontecimentos foram criadas instituições importantes como a ONU, com o objetivo de mediar conflitos entre os povos e estabelecer a paz mundial. Nem sempre essas instituições obtêm sucesso, pois, por vezes, prevalecem as relações de poder e os interesses econômicos em detrimento dos direitos humanos. Compreender os conflitos como algo que faz parte das relações humanas e que necessita ser trabalhado no cotidiano das instituições escolares é um passo importante para a instauração da cultura de paz. Para tanto, abordamos na sequência as fases do desenvolvimento humano e como as pessoas tendem a se comportar em cada uma delas, considerando as influências socioambientais que podem se interpor nos modos de comportamento. Além disso, é importante considerar que os seres humanos são plurais e carregam suas trajetórias, culturas e vivências, podendo também serem acometidos por negligências e acidentes no percurso de suas vidas. Além disso, refletimos sobre a escola do século XXI que precisa lidar com essa diversidade diariamente, necessitando atualizar-se para que a construção do conhecimento ocorra em um ambiente em que todos possam se manifestar de acordo com suas APRESENTAÇÃOVídeo 8 Relações sociais e conflitos na escola vivências, mas respeitando-se mutuamente. Os processos de inclusão escolar, de todos os modos, colaboram para que os estudantes possam vivenciar, na realidade, a variedade de possibilidades sociais, ultrapassando preconceitos estruturais. Embora existam normas e legislações que estabeleçam deveres, direitos e responsabilidades, as mudanças nos comportamentos precisam ser reforçadas diariamente, por meio do exemplo e do estabelecimento de ações de cooperação, acolhimento, colaboração, empatia e alteridade. Em seguida, propomos uma reflexão sobre a importância de os conteúdos escolares serem trabalhados conectados à realidade vivida pelos estudantes de modo a suscitar o interesse pela aprendizagem de qualidade. Os novos modelos de relacionamentos sociais que se dão pelo uso das tecnologias atuais também estão presentes nas instituições escolares e influenciam as relações entre estudantes e entre eles e os profissionais da educação. Esses modelos aproximam mais as pessoas, mas, se não forem bem trabalhados, estabelecendo-se limites, podem gerar conflitos que, se não mediados, podem se agravar. É importante que os profissionais da educação saibam identificar e avaliar os conflitos, seus disparadores e suas consequências para o clima da instituição. Finalizamos o livro abordando a construção coletiva de regras de convivência como uma possibilidade para reduzir as ocorrências de indisciplina e conflitos escolares. O envolvimento do coletivo nas tomadas de decisões e no estabelecimento de regras permite que todos possam se manifestar e ser ouvidos. Dessa forma, há uma tendência maior ao cumprimento das normas que devem estar em consonância com a missão e os objetivos da instituição. Além disso, é importante atuar na prevenção dos conflitos, identificando seus disparadores, os envolvidos e como pequenas alterações no ambiente escolar podem influenciar na mudança de comportamento, de modo a colaborar para a construção da cultura de paz. Essa cultura deve ser vivenciada no cotidiano escolar, não se restringindo a eventos ou ações esporádicas, e possibilitando que todos se sintam partícipes das mudanças que tornam o ambiente melhor para todos. O livro busca estabelecer o diálogo entre todos que convivem no ambiente escolar para que reflitam sobre suas ações e possam agir respeitando as regras de convivência. É preciso que haja colaboração de cada um para conviver em um ambiente mais harmonioso e saudável, que respeite as diferenças e considere a pluralidade social.Relações sociais e conflitos 9 1 Relações sociais e conflitos Devido à grande circulação de informações, na atualidade, pode-se entender que as situações violentas estão ocorrendo mais do que em outros tempos, mas, infelizmente, elas fazem parte da história do ser humano e trazem consequências que podem durar por gerações e mudar culturas, dizimar comu- nidades, perpetuar rancores e alterar fronteiras. É da nature- za humana refletir, discutir, reivindicar, discordar e persistir. Ocorre que há comportamentos que podem desencadear con- flitos e guerras, pois a concordância e a tolerância nem sempre prevalecem. Neste capítulo abordaremos os principais conflitos mun- diais, os motivos que os desencadearam e suas consequências. Desses conflitos, ou guerras, surgiram entidades e movimen- tos que buscaram a paz mundial, o acordo entre líderes po- líticos e a tolerância religiosa e cultural. Além disso, também será abordado o papel fundamental de personalidades que se dedicaram a lutar pela paz e pela igualdade de direitos. 1.1 Conflitos humanos ao longo da história Vídeo Ao longo da história da humanidade muitos impérios conquis- taram povos e territórios por meio da guerra e lançaram mão de vários motivos para entrar em confrontos: religiosos, territoriais, étnicos e econômicos. “Há confronto não somente entre nações/ estados em guerra, mas também entre classes sociais, entre os homens e a natureza, e no próprio indivíduo, que não consegue resolver seus conflitos internos, psicoemocionais” (D’AMBROSIO , 2010, p. 47). 10 Relações sociais e conflitos na escola Figura 1 Estátuas de Platão e Sócrates, em Atenas Ki ril l S ko ro bo ga tk o/ Sh ut te rs to ck Os confrontos podem ser traumáticos para quem os vivencia, mas as gerações posteriorestambém são afetadas pelos conflitos que, muitas vezes, permeiam o imaginário social, como o caso da Guerra de Troia. São muitos os mistérios que rondam essa guerra, ocorrida entre os povos que habitavam a Grécia Antiga e o território da atual Tur- quia. Estima-se que o conflito, que ocorreu entre 1300 e 1200 a. C., tenha durado 10 anos. O fato que o teria desencadeado foi o rapto da princesa Helena de Troia, esposa do rei Menelau, por Páris – o qual teria ido em missão diplomática a Esparta e apaixonou-se por Helena. O rei Menelau teria enviado mais de mil navios para Troia. A guerra só terminou quando Odisseu presenteou os troianos com um cavalo de madeira, o famoso Cavalo de Troia, com a falsa promessa de selar a paz. Dentro do enorme cavalo havia centenas de soldados gregos que atacaram a cidade de Troia e a destruíram. Há historiadores que acreditam que a guerra de fato ocorreu, mas seu verdadeiro motivo seria as rotas comerciais e não uma história de amor. De acordo com a lenda amplamente divulgada, o descobri- dor da verdadeira Troia foi Heinrich Schliemann. E, depois de tantas considerações, estudos e investigação, sozinho, conse- guiu achar a cidade, outrora um mito, de Troia, em Hisarlik, Turquia. Seu interesse nos sítios e eventos da Ilíada criaram uma crença bem difundida na real existência física desse lugar. (AMBONI, 2016) Os conflitos podem se dar também no campo das ideias, como o caso de Sócrates (399 a. C), que foi condenado por não recuar de suas convicções. “Sócrates foi julgado, acusado de não acreditar nos deuses e de corromper os jovens da cida- de. […] Foi considerado culpado e condenado a morrer toman- do cicuta, uma erva tóxi- ca que paralisa o sistema nervoso” (FURTADO, 2009, p. 49). O pensador foi um dos responsáveis pelo de- senvolvimento da filosofia O filme Tróia conta a história da famosa guerra entre os Aqueus das ci- dades-estados da Grécia contra Tróia. Uma batalha sangrenta que durou mais de uma década. Direção: Wolfgang Petersen. EUA, Warner Bros, 2004. Filme https://www.google.com/search?rlz=1C1GCEA_enBR796BR796&q=Wolfgang+Petersen&stick=H4sIAAAAAAAAAOPgE-LUz9U3MCwrt8hW4gAxLYxK4rXEspOt9NMyc3LBhFVKZlFqckl-0SJWwfD8nLT0xLx0hYDUktSi4tS8HayMAHE4C-ZGAAAA&sa=X&ved=2ahUKEwjqtrbV1d_rAhXLDrkGHfFqDNcQmxMoATAjegQIERAD Relações sociais e conflitos 11 ocidental. Platão, seu discípulo, deu continuidade aos seus debates, materializando-os na obra Diálogos. Conflitos e desavenças podem ocorrer por motivos religiosos, contrapondo-se à paz e sabedoria pregadas em muitos livros sagra- dos. Pode-se citar como exemplo as Cruzadas. A primeira Cruzada ocorreu por volta de 1095 e teve como motivação a reconquista da cidade de Jerusalém, que estava sob o comando dos muçulmanos. Os integrantes dessa empreitada carregavam cruzes vermelhas para indicar a motivação religiosa. As Cruzadas possibilitaram melhorar a navegação no Mediterrâneo, além da modernização das relações comerciais de sua época. Se por um lado aprofundaram a hostilidade entre o cristianismo e o Islã, por outro estimularam os contatos econômicos e cultu- rais para benefício permanente da civilização europeia. O comér- cio entre a Europa e a Ásia Menor aumentou consideravelmente e a Europa conheceu novos produtos, em especial, o açúcar e o algodão. Os contatos culturais que se estabeleceram entre a Europa e o Oriente tiveram um efeito estimulante no conheci- mento ocidental e, até certo ponto, prepararam o caminho para o Renascimento (AS CRUZADAS, 2020). Não foram somente os cristãos que entraram em combates, mas também os muçulmanos que, no ano de 661, se dividiram entre sunitas e xiitas. Devido à expansão do califado 2 , o dinheiro arrecadado nos territórios não estava sendo dividido igualmente entre seus membros. “Para muitos muçulmanos, a mensagem do islamismo estava sendo esquecida enquanto árabes brigavam pelos despojos do império” (FURTADO, 2009, p. 127). Os maiores e mais conhecidos conflitos humanos foram a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. A Primeira Grande Guerra ocorreu na Eu- ropa, entre os anos de 1914 e 1918, e foi desencadeada pelo assassina- to do príncipe do império austro-húngaro, Francisco Ferdinando. Nesse período havia forte concorrência comercial e armamentista entre os países da Europa, e foram utilizadas novas tecnologias da época, como os tanques de guerra e os aviões. O fim dessa guerra, que gerou cerca de 10 milhões de mortos, foi marcado pela entrada dos Estados Unidos da América no conflito. O mundo mal havia se recuperado das consequências da Primeira Guerra, quando em 1939 teve início a Segunda Guerra Mundial, envol- O Renascimento é considerado o movimento que deflagrou a transição da Idade Média para a Moderna e trouxe mudanças fundamentais para a arte, a cultura e a ciência. Saiba mais A palavra califado tem origem árabe e significa sucessão em um regime em que um sucessor é “legitimado por diferentes meios para governar os muçulmanos após a morte do Profeta Muhammad, pois este nunca criou um ‘estado’ ou meio de ascensão ao poder por assim dizer. A autoridade máxima dentro de um califado é a do califa, que possui poderes seculares legislativos, porém não teocráticos” (O QUE..., 2020). 2 A Cruzada conta a história do ferreiro Bailan, que perdera o gosto pela vida após a morte de sua es- posa e filho. Porém, tudo muda ao reencontrar seu pai. Quando, então, Bailan se junta a ele em sua sagrada missão. O ferreiro torna-se um ca- valeiro e continua a saga de seu pai em busca da paz entre judeus, cristãos e muçulmanos na cidade. Direção: Ridley Scott. EUA, Reino Unido, Espanha e Alemanha, Fox Film do Brasil., 2005. Filme http://www.adorocinema.com/personalidades/personalidade-258/ 12 Relações sociais e conflitos na escola vendo 72 nações e deixando mais de 52 milhões de mortos. A Primeira Guerra deveria ter se constituído em ensinamentos para a humanidade – que sofreu seus efeitos devastadores –, no entanto, não foi suficiente para promover a cultura de paz pautada no diálogo e na compreensão. Outro conflito mundial foi a Guerra Fria que iniciou logo após a Se- gunda Guerra, em 1945, e envolveu os EstadosUnidos e a União So- viética, que disputavam a hegemonia política e econômica e o domínio militar. As duas potências mundiais tinham visões políticas e econômi- cas diferentes e possuíam armas nucleares. A União Soviética queria implantar o socialismo, sob o pretexto de expandir a igualdade social e um partido único. Os Estados Unidos defendiam o sistema capitalista, a economia de mercado, a propriedade privada e o sistema democrático. A guerra só terminou quando 22 países europeus firmaram o Tratado de Forças Convencionais. Com o objetivo de minimizar os impactos da Guerra Fria e im- pedir que as nações envolvidas utilizassem armas nucleares em um possível confronto, foi criado o grupo Pugwash Conferences on Science and World Affairs 3 . O grupo reúne “cientistas, estudiosos e figuras públicas influentes que visam à redução do risco de conflitos armados e à cooperação e à busca de soluções para problemas glo- bais” (D’AMBROSIO, 2010, p. 46). Desde o início da era nuclear, muitos cientistas envolvidos nas descobertas que conduziram ao conhecimento atômico perce- beram o potencial destrutivo advindo destas extraordinárias conquistas científicas. […] O período que se seguiu ao fim da Se- gunda Guerra Mundial – Guerra Fria – assistiu a uma intensa e perigosa competição armamentista entre dois blocos antagôni- cos liderados por Estados Unidos e União Soviética. O acirramen- to das disputas geopolíticas e ideológicas conduziu, na década de 1950, ao aumento do risco de uso das armas de poder destrutivo cada vez maior. (HISTÓRIA..., 2019) O grupo Pugwash, desde 1957, promove seminários, encontros e deba- tes para discutir os perigos das armas de destruição em massa (químicas, nucleares, biológicas) para a humanidade. Seu grande objetivo é reduzir a ameaça de conflitos armados e buscar soluções para a segurança global. Em 11 de setembro de 2001 ocorreu um dos acontecimentos mais marcantes da vida moderna. A Al-Qaeda organizou ataques às torres gêmeas do World Trade Center e ao Pentágono, nos Estados Unidos. Terroristas sequestraram aviões e os arremessaram contra os edifícios. Conferências Pugwash sobre Ciência e Negócios Mundiais. 3 Relações sociais e conflitos 13 As investigações apontaram que o líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden teria sido um dos responsáveis por arquitetar os ataques. O mo- tivo seria a presença de tropas militares dos Estados Unidos no Oriente Médio. O governo norte-americano reagiu e determinou a invasão do Afeganistão com o objetivo de derrubar o governo Talibã, o qual havia apoiado a Al-Qaeda. Embora seu governo tenha sido derrubado, ainda hoje, o grupo Talibã tenta recuperar seu poder. Outro evento que desencadeou atos violentos foi o conflito cha- mado Primavera Árabe. Constituiu-se de várias revoltas populares que ocorreram em países árabes do Oriente Médio e do norte da África, tendo início na Tunísia. Os motivos disparadores dos acontecimentos foram o desemprego, condições precárias de vida das populações mais pobres, corrupção e regimes totalitários de governo. O estopim do movimento, até então limitado à Tunísia, ocorreu quando o comerciante local Mohammed Bouazizi ateou fogo no próprio corpo após ser ultrajado pela polícia. Responsável por uma família de oito pessoas, havia colocado à venda seu carri- nho de mão. Membros do governo pediram propina para que vendesse seu instrumento de trabalho e Mohammed se negou. Foi colocado em um carro, agredido e todos os seus produtos foram roubados. Após o suicídio do comerciante, a população da Tunísia se revoltou contra a corrupção e políticas repressivas do governo de Ali. O então presidente foi forçado a deixar o país em 14 de janeiro de 2011, o que inspirou revoltas similares em países próximos. (LUZ, 2017) Com os protestos, algumas nações promoveram mudanças e avan- çaram na garantia dos direitos humanos, reduziram a corrupção e estão sendo mais tolerantes com a liberdade de expressão, contudo ainda predominam hábitos e culturas ditatoriais, instabilidades políti- cas e desigualdades socioeconômicas. Como podemos observar, nos mais diversos espaços sociais ocorrem discordâncias e conflitos, pois cada parte busca prevalecer em suas opi- niões e sobra pouco espaço para o equilíbrio, o acordo, o argumento e, por vezes, o respeito. Contudo, o conflito não pode ser sinônimo de vio- lência, guerra e intolerância. Em todo o mundo, personalidades se desta- caram por ações, muitas vezes solitárias, na busca pela paz, pelo respeito às suas crenças e culturas e pela igualdade social. Algumas dessas pes- soas foram perseguidas, perderam seus direitos políticos, tiveram seus O texto da BBC News Brasil Primavera Árabe: dez consequências que ninguém conseguiu prever, mostra que, após os protestos que ficaram conhecidos como Prima- vera Árabe, há situações sociais que não sofreram mudanças. Muitos regimes de governos autoritários continuam e a população mais pobre continua sofrendo de vulnerabilidade social. Disponível em: https:// www.bbc.com/portuguese/ noticias/2013/12/131213_ primavera_ arabe_10consequencias_dg. Acesso em: 15 out. 2020. Leitura http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/12/111217_bouazizi_primavera_arabe_bg https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131213_primavera_arabe_10consequencias_dg https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131213_primavera_arabe_10consequencias_dg https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131213_primavera_arabe_10consequencias_dg https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131213_primavera_arabe_10consequencias_dg https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/12/131213_primavera_arabe_10consequencias_dg 14 Relações sociais e conflitos na escola bens confiscados e sofreram atentados ou foram assassinadas, mas con- seguiram deixar grandes legados para a humanidade. 1.2 Organizações sociais na mediação das relações humanas Vídeo No fim da Segunda Guerra, em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), como sucessora da Liga das Nações. A criação da ONU teve como objetivo instaurar a cultura de paz entre os povos da Terra, promover a segurança internacional e empregar mecanismos para alcançar o progresso socioeconômico. As propostas iniciais foram aceitas pelos 50 países que assinaram a Carta das Nações Unidas. Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gera- ções vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a rea- firmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a esta- belecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. (ONU, 2020) A carta é considerada o documento mais importante da ONU e foi assinada em 26 de junho de 1945, na cidade de São Francisco. A primeira Assembleia Geral da ONU contou com a presença de 224 delegados e 51 países representados. Em 1949, a ONU passou a ter uma sede em Nova York. “Para que a Organização pudesse atender seus múltiplos manda- tos, a Carta da ONU estabeleceu seis órgãos principais: a Assembleia Ge- ral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado” (ONU, 2020). Com o objetivo de encorajar o desenvolvimento de relações amisto- sas entre os países de todo o mundo e salvaguardar a paz e os direitos dos seres humanos, fora escrita a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que evidenciou o respeito universal, o direito à educação e à igualdade de direitos entre homens e mulheres. Na declaração está estabelecido que todos têm direito à liberdade de crença, de voto, de participação em grupos sociais e que compete às nações “promovero reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a https://nacoesunidas.org/carta/ Relações sociais e conflitos 15 fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática” (ONU, 1948). A referida declaração englobou direitos civis, políticos, econômicos e sociais, endossando a interdependência e a inter-relação desses di- reitos, compreendendo o ser humano como um ser integral e enfati- zando a universalidade e indivisibilidade dos direitos. Essa declaração é um marco para o direito internacional, pois a partir dela surgem vários tratados internacionais para a proteção cidadã. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) foi fundada em 1945, em Paris, e tem como missão a construção da paz e da segurança por meio da cooperação entre as na- ções. No preâmbulo de sua constituição consta que “como as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é na mente dos homens que as de- fesas da paz devem ser construídas” (NOLETO, 2010, p. 11). A educação, a ciência e a cultura são os pilares para a promoção “do respeito univer- sal à justiça, ao estado de direito e aos direitos humanos e liberdades fundamentais” (NOLETO, 2010, p. 11), pautadas na solidariedade moral e intelectual da humanidade. Em 1993, foi divulgada a Declaração de Viena, que buscou enfatizar o direito ao desenvolvimento como um direito universal e inalienável, reconhecendo a interdependência entre democracia, desenvolvimento e direitos humanos. Na referida declaração consta que: 15. O respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem distinções de qualquer espécie, é uma norma fundamental do direito internacional na área dos direitos humanos. A elimi- nação rápida e abrangente de todas as formas de racismo, de discriminação racial, de xenofobia e de intolerância associadas a esses comportamentos deve ser uma tarefa prioritária para a comunidade internacional. Os Governos devem tomar me- didas eficazes para preveni-las e combatê-las. Grupos, institui- ções, organizações intergovernamentais e não-governamentais e indivíduos de modo geral devem intensificar seus esforços de cooperação e coordenação de atividades contra esses males. (DECLARAÇÃO..., 1993) Em 1997, a ONU proclamou o ano 2000 como o Ano Internacional da Cultura de Paz, com o objetivo de mobilizar o mundo para transfor- mar os princípios que norteiam a cultura de paz em ações concretas. Essas ações visam a instaurar uma cultura de respeito aos direitos indi- 16 Relações sociais e conflitos na escola viduais, assegurando liberdade de expressão e prevenção de conflitos. Além disso, entram em pauta as ameaças para a segurança, exclusão, pobreza e degradação. A resolução dos conflitos deve ocorrer por meio do diálogo e da mediação. Na atualidade, continuamos com inúmeros conflitos armados e lutas civis, que sacrificam vidas humanas em mais de 40 paí- ses. Outras fontes de tensão têm sua origem na deterioração do meio ambiente, no excesso de população, na competição por recursos de água doce, cada vez mais escassos, na desnutrição e na flagrante desigualdade econômica e social não só entre os países, como também internamente a estes, devido a modelos de desenvolvimento concentradores de renda e excludentes. Substituir a secular cultura de guerra por uma cultura de paz requer um esforço educativo prolongado para modificar as rea- ções à adversidade e construir um modelo de desenvolvimento que possa suprimir as causas de conflito. (NOLETO, 2010, p. 12) A cultura de paz exige que os valores essenciais para a vida demo- crática, como igualdade de direitos, respeito aos direitos humanos fundamentais e à dignidade humana, diversidade cultural, justiça, liber- dade, tolerância, capacidade de diálogo, solidariedade e justiça social, possam permear as aspirações de prosperidade de todos os povos. O autor indiano Sen (2010), ao escrever sobre o desenvolvimento como liberdade, observa que as principais fontes de privação de liber- dade são a “pobreza, tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e into- lerância ou interferência excessiva de Estados repressivos” (SEN, 2010, p. 16-17). Para o autor, quando os direitos fundamentais dos cidadãos não são garantidos, as pessoas estão perdendo mais do que acesso e fruição dos direitos, estão perdendo sua liberdade. Para alcançar a paz não se pode esperar homogeneidade nas re- lações, pois o ser humano é dotado de pluralismo de culturas, reli- giões, crenças e experiências, mas a tolerância deve ser comum a toda e qualquer cultura. Há organizações não governamentais (ONGs), associações e entidades que buscam desenvolver culturas de paz. Elas agem de acordo com as culturas locais e planejam e executam estraté- gias respeitando suas realidades. Essas organizações, para promover ações de cultura de paz, necessitam de recursos humanos e financei- ros. Quanto mais integrados forem os movimentos e as organizações, maior a chance de obtenção de sucesso. Relações sociais e conflitos 17 Em cada país, em cada cidade e em cada bairro, a cultura de paz pode ser instituída de diferentes maneiras, trabalhando para erradicar as profundas causas culturais da violência e da guerra, tais como a pobreza, a exclusão, a ignorância ou a exploração. Os diversos grupos e organizações sociais, ao trabalharem no nível local e em domínios específicos (como a proteção ambiental ou a promoção da diversidade cultural), nem sempre têm consciência de que estão ajudando a estabelecer a cultura de paz em escala global. Tomando parte no movimento mundial pela cultura de paz, estes evitam o isolamento e ganham maior reconhecimento de suas ações, o que estimula outros indivíduos a se juntarem a eles. (NOLETO, 2010, p. 16) No Brasil existem diversas iniciativas de mobilizações pela paz, e o Instituto Sou da Paz se destaca por suas ações pelo desarmamento e pela mobilização da sociedade para o debate sobre a violência. Outra entidade é o Viva Rio, que desenvolve ações que têm por objetivo in- cluir socialmente os jovens que se encontram em vulnerabilidade so- cial. Ainda no Rio de Janeiro, a Central Única das Favelas (Cufa) busca possibilitar aos jovens inclusão social por meio de atividades esporti- vas, lazer e cultura. Em Porto Alegre, o projeto Justiça para o Século XXI, da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul, está trabalhando para mediar os conflitos gerados por adolescentes em conflito com a lei, por meio da justiça restaurativa. O Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do Ministério da Justiça, desde seu início buscou articular políticas de segurança e ações sociais, valorizando os profissionais da segurança pública e apontando novas perspectivas para os jovens bra- sileiros que já estiveram em conflito com a lei. No ano de 1999, a ONU deu início ao Programa de Ação para uma cultura de paz, apresentando eixos e objetivos para estabelecer a paz. O documento oficial do programa afirma que a cultura de paz se constitui de “valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida” (ONU, 1999), que devem ser a base para o diálogo, respeito à vida e a cooperação. Durante a celebração do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi divulgado o Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e Não Violência, com o objetivo de estabelecer um compromisso entre os cidadãos do mundo para que assumissem seis princípios: “1) respeitar a vida; 2) rejeitar a violência; 3) ser generoso; 4) ouvir para 18 Relações sociais e conflitos na escola compreender; 5) preservar o planeta e 6) redescobrir a solidariedade” (NOLETO, 2010, p. 17). A ONU proclamou os anos de 2001 a 2010 como a “Década Interna- cional para a Promoção de uma Cultura de Paz e Não Violência em be- nefício para as Crianças do Mundo”, sob responsabilidade da Unesco, buscando desenvolver ações para apaz, envolvendo os mais diferentes segmentos da sociedade e seus agentes sociais e lideranças comuni- tárias, com o objetivo de capacitar os voluntários para desenvolverem ações referentes à cultura de paz em seus espaços de atuação. A cultura de paz deve ser considerada nas políticas públicas e nos acordos internacionais, levando em consideração a situação política e econômica, além dos aspectos sociais e culturais de cada região ou país. É importante destacar que a cultura de paz deve ser aprendida e vivenciada, ultrapassando as fronteiras do discurso. A paz não deve ser compreendida somente como ausência de guerra ou de conflitos. Ela passa pela democracia, pelo acesso à educação, tecnologias e à saúde, liberdades política, religiosa e cultural, tolerância, solidariedade e res- peito às diferentes formas de viver. 1.3 Relações de poder e conflitos latentes Vídeo As relações de poder podem se estabelecer por meio da utilização da força, do dinheiro, do saber ou conhecimento, das diferenças entre homens e mulheres e da política. Outro fator pode ser a religião em nações em que se mesclam Estado com religião, em que não há Estado laico, levando a adoção de dogmas e morais incontestáveis e, assim, inviabilizando o pluralismo e a democracia. As diferenças sociais e econômicas também estabelecem relações de superioridade e poder. Em todo o mundo existe uma parcela míni- ma da população que concentra a maioria da renda mundial, enquanto os mais pobres fazem manobras para sobreviver com poucos recursos. Essas assimetrias sociais desencadeiam grandes diferenças socioeco- nômicas e podem colocar as pessoas mais desfavorecidas em relação de submissão e passividade frente à ganância e perversidade huma- nas, aprofundando a pobreza e a exclusão social e, consequentemente, aumentar o poder daqueles que o detêm. Relações sociais e conflitos 19 Nas relações de poder que são estabelecidas, principalmente, pela superioridade econômica, há pessoas que têm sua força de trabalho explorada de forma análoga à escravidão; ocorrem mais tensões sociais; a violência acaba se naturalizando; e há pouco es- paço para vivenciar a democracia. A fim de reinstaurar a ordem, os detentores do poder criam mecanismos para disciplinar os cidadãos. Por vezes, esses mecanismos não são percebidos por grande parte da população. Eles podem estar presentes em legislações, no crédito facilitado e na expansão do consumo, no lazer, na cultura de massa, nas relações de trabalho mais flexíveis e no acesso à tecnologia. Além disso, esses mecanismos mantêm os conflitos sob latência, aguardando algum fato desencadeador que pode escapar do controle, como o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, traduzido do inglês). Embora o movimento tenha inicia- do em 2013, o estopim, em 2020, foi a morte, causada por policiais, de um homem negro norte-americano, George Floyd. O movimento teve desdobramentos em todo o mundo e a população foi às ruas se manifestar e pedir o fim das mortes violentas contra a popula- ção negra. Esses movimentos se tornam obstáculos para aqueles que bus- cam manter uma pseudo ordem, pois ameaçam o controle pensa- do aos moldes da penitenciária idealizada por Jeremy Bentham, na qual um único policial poderia controlar toda a prisão. O denomi- nado panóptico é transposto por Foucault (1999) para analisar a sociedade moderna em que a disciplina e o controle do comporta- mento ocorrem por meio da vigilância Foucault (1999) compreende que os detentores do poder desen- volvem mecanismos para enquadrar a existência dos indivíduos, de modo a parecer que a ação é harmoniosa, mas que na verdade está vigiando o cotidiano das pessoas em todas as suas atividades, seus gestos, corpos e até mesmo suas formas de agir diante das mais diferentes situações. Esse novo modelo de relação de poder que, muitas vezes, dispensa o uso da força, das armas e da guerra pode resultar em decisões arbitrárias, negligentes e em desrespei- to aos direitos humanos fundamentais. Leia a matéria intitulada Campanha lança manifes- to ‘Vidas Negras Importam’ e propõe 10 metas para reduzir impacto do racismo, publicada pelo G1, e conheça ações que podem possibilitar à po- pulação negra melhores condições de acesso à educação e renda, além do combate ao precon- ceito e à discriminação. Disponível em: https:// g1.globo.com/sp/sao-paulo/ noticia/2020/06/30/ campanha-lanca-manifesto-vidas- negras-importam-e-propoe-10- metas-para-reduzir-impacto- do-racismo.ghtml. Acesso em: 15 out. 2020. Leitura https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/30/campanha-lanca-manifesto-vidas- negras-importam-e-propoe-10-metas-para-reduzir-impacto-do-racismo.ghtml https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/30/campanha-lanca-manifesto-vidas- negras-importam-e-propoe-10-metas-para-reduzir-impacto-do-racismo.ghtml https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/30/campanha-lanca-manifesto-vidas- negras-importam-e-propoe-10-metas-para-reduzir-impacto-do-racismo.ghtml https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/30/campanha-lanca-manifesto-vidas- negras-importam-e-propoe-10-metas-para-reduzir-impacto-do-racismo.ghtml https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/30/campanha-lanca-manifesto-vidas- negras-importam-e-propoe-10-metas-para-reduzir-impacto-do-racismo.ghtml https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/30/campanha-lanca-manifesto-vidas- negras-importam-e-propoe-10-metas-para-reduzir-impacto-do-racismo.ghtml https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/30/campanha-lanca-manifesto-vidas- negras-importam-e-propoe-10-metas-para-reduzir-impacto-do-racismo.ghtml 20 Relações sociais e conflitos na escola Figura 2 Mahatma Gandhi Elliot & Fry/Wikimedia COmmons Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comporta- mento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar. (FOUCAULT, 1999, p. 169) Desse modo, as pessoas vão sendo disciplinadas e novos indivíduos vão se constituindo. “A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica es- pecífica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício da soberania ou aos grandes aparelhos do Estado” (FOUCAULT, 1999, p. 195). Essa discipli- na adquire sucesso pelo uso de instrumentos simples, como o olhar hierárquico e a sanção normalizadora. Podemos dizer que esses mecanismos são utilizados em todo o mundo. Há sociedades mais esclarecidas que conseguem romper mais facilmente com essas estratégias, devido a seu poder aquisitivo e nível de escolaridade. Contudo, há regimes de governos totalitários que se perpetuam no poder e fazem prevalecer a exploração e submissão de seus cidadãos. Algumas personalidades mundiais se destacaram por não aceitar os despotismos de alguns governos que insistiam em man- ter desigualdades sociais, de gênero, escravidão, exploração e arbitra- riedades. Muitos foram considerados rebeldes ou dissidentes, porém foram perseverantes em suas lutas e alguns, inclusive, morreram ou foram assassinados por não se curvarem a determinadas pressões. Mahatma Gandhi (1869-1943) foi um líder pacifista indiano que lutou pela independência da Índia, ficando conhecido pela política de desobediência civil e pelo projeto de não vio- lência. Gandhi em suas peregrinações pela paz disse “não quero que minha casa seja cercada de muros por todos os lados e que minhas janelas estejam tapadas. Quero que a cultura de todos os povos ande pela minha casa com o máximo de liberdade possível” (GANDHI apud FARIA; INO- JOSA, 2010, p. 73). Gandhi acreditava na resolução pacífica dos conflitos pautando-se na força do amor e na força da alma. “A força do homem – a força espiritual – não pode, por si mesma, opor-se de forma eficaz à força da injustiça que mata oshomens. […] A verdade não seria coerciva àquele que fecha Relações sociais e conflitos 21 sua inteligência para dar liberdade de ação a seu desejo de violência” (MULLER, 2010, p. 80). O termo não violência foi cunhado por Gandhi, em 1920, quando ele traduziu a palavra sânscrita ahimsa para a língua inglesa. A não vio- lência é um princípio que pode ser compreendido como atitudes be- nevolentes e bondosas dirigidas aos seres humanos. “A não violência perfeita é a total ausência de animosidade em relação a tudo que vive” (GANDHI apud MULLER, 2010, p. 80). Outra personalidade que lutou por direitos foi Martin Luther King Jr. (1929-1968). Suas lutas se concentravam em atos não violentos para chamar a atenção para a discriminação racial que ocorria nos Estados Unidos. As manifestações lideradas por ele chegaram a atrair mais de 250 mil manifestantes à Washington, DC, local em que ele pronunciou o seu famoso discurso “Eu tenho um sonho”. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estare- mos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não puderem ter hospedagem nos motéis das estra- das e hotéis das cidades. Nós não estaremos satisfeitos enquan- to um Negro não puder votar no Mississipi e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem abaixo como águas de uma po- derosa correnteza. […] Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais. (KING, 1963) Seus ideais perpassavam pela igualdade de direitos para todas as pessoas, independentemente da cor de sua pele, e resultaram na cria- ção da Lei de Direitos Civis (1964) e da Lei de Direitos Eleitorais (1965), nos Estados Unidos. Em 1964, Martin recebeu o Prêmio Nobel da Paz por sua luta antirracista. Nelson Mandela (1918-2013) foi um dos líderes políticos mais im- portantes do século XX. Na África do Sul lutou contra o sistema de apar- theid – um regime de segregação racial no qual a minoria de pessoas brancas controlava o poder. Ele ficou preso entre as décadas de 1960 Eu Tenho um Sonho é o nome popular dado ao histórico discurso público feito pelo ativista político americano, o pastor Mar- tin Luther King, no qual falava da necessidade de união e coexistência har- moniosa entre negros e brancos no futuro. Veja o vídeo Eu tenho um sonho: discurso de Martin Luther King legendado, publicado pelo canal O Tempo, que mostra cenas originais do discurso do líder norte-a- mericano e as reações de seus apoiadores. Disponível em: https://youtu. be/aWlhPFHOl-Y. Acesso em: 15 out. 2020. Vídeo Figura 3 Martin Luther King, Jr. No be l F ou nd at io n/ W ik im ed ia C om m on s https://youtu.be/aWlhPFHOl-Y https://youtu.be/aWlhPFHOl-Y 22 Relações sociais e conflitos na escola Figura 4 Nelson Mandela Alessia Pierdomenico/Shutterstock e 1990 e, após sua libertação, em 1993, recebeu o Prêmio Nobel da Paz por sua luta pelo fim da segregação racial, tornando-se o primeiro presidente negro da África do Sul. Mandela era formado em direito e fez parte do Congresso Nacional Africano. Em seu processo de julgamento, no qual foi sentenciado à pri- são perpétua, Mandela declarou: lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Eu nutri o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com opor- tunidades iguais. É um ideal que eu espero viver para alcançar. Mas, se for preciso, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer. (DEFENSORES..., 2020) Após décadas preso, Mandela ganhou liberdade e intensificou sua luta, sendo eleito presidente da África do Sul, coordenando a transição do governo de minorias para um regime mais democrático e inclusivo. Outro nome de destaque é o da ativista paquistanesa Malala Yousafzai (1997-), que se tornou conhecida por lutar pelo direito das meninas terem acesso à educação no Paquistão, em uma região dominada pelo Talibã. Em 2012, quando voltava da escola, Malala foi vítima de um ataque, baleada na cabeça, aos 15 anos de idade. Meses após sua recuperação, a jovem se manifestou e chamou a atenção do mundo para permitir que as crianças tenham acesso à educação. Em 2008, o líder talibã local emitiu uma determinação exigin- do que todas as escolas interrompessem as aulas dadas às meninas por um mês. Na época, ela tinha 11 anos. Seu pai, que era dono da escola onde ela estudava, e sempre incenti- vou sua educação, pediu ajuda aos militares locais para per- manecer dando aulas às meninas. Entretanto, a situação era tensa. Naquela época, um jornalista local da BBC perguntou ao pai de Malala se alguns jovens estariam dispostos a falar sobre sua visão do problema. Foi quando a menina começou a escrever um blog, “Diário de uma Estudante Paquistanesa”, no qual falava sobre sua paixão pelos estudos e as dificuldades enfrentadas no Paquistão sob domínio do talibã. […] Ela deu entrevistas a diversos canais de TV e jornais, participou de um documentário e foi indicada ao Prêmio Internacional da Paz da Infância em 2011 (SAIBA..., 2014). Relações sociais e conflitos 23 Aos 17 anos, Malala foi a pessoa mais jovem a ganhar o Nobel da Paz, em 2014. Em 2020, ela se formou em Filosofia, Política e Econo- mia na Universidade de Oxford, na Inglaterra. A jovem é considera- da uma das pessoas mais influentes do mundo e suas opiniões sobre educação e direitos das meninas e mulheres são muito respeitadas. O Fundo Malala desenvolve ações nos países em desenvolvimento e “defende - em nível local, nacional e inter- nacional - recursos e mudanças nas políticas que melhorem o acesso à educação para meninas” (MALALA FUND, 2020). Além disso, o Fundo Malala apoia, no Brasil, as ações da ativista dos direitos humanos Denise Carreira, que coordena a organiza- ção Ação Educativa, a qual atua pela garantia de direitos sobre igualdade de gênero e educação, além do fortale- cimento dos coletivos juvenis (CONHEÇA..., 2018). Na concepção de Sen (2010), a educação é condição primeira para a participação coletiva nas tomadas de decisões. A educação requer conhecimentos e um grau de instrução bási- co, negar a oportunidade da educação escolar a qualquer grupo – por exemplo, às meninas – é imediatamente contrário às condi- ções fundamentais de liberdade participativa. (SEN, 2010, p. 51) Por fim, outra ativista de destaque é a sueca Greta Thunberg (2003- ), que ganhou notoriedade no cenário mundial por apresentar uma queixa formal à ONU exigindo que as nações desenvolvam ações para proteção das crianças dos efeitos das mudanças climáticas. Em 2018, aos 15 anos, ela passou a faltar às aulas para protestar, em frente ao Parlamento Sueco, sobre as mudanças climáticas que assolam o mun- do. Outros jovens foram se unindo a ela e o movimento ganhou noto- riedade. A jovem foi convidada para proferir discursos “no encontro do clima das Nações Unidas, realizado na Polônia, e no Fórum Mundial Econômico, em Davos. Sua fala forte chamou ainda mais atenção das lideranças globais. [...] Em 2019, Greta Thunberg foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz” (GRETA..., 2020). Outras personalidades podem ser reconhecidas como defenso- ras dos direitos humanos e da não violência. Aqui, buscou-se apenas exemplificar apresentando pessoas que sofreram algum tipo de violên- cia ou injustiça por defender direitos fundamentais dos seres huma- nos. Suas causas e lutas mostram o quão longo é o caminho para que a humanidade possa vivenciar a cultura de paz. Esse processo passa pela Eu sou Malala:o livro conta a história de Malala Yousafzai, que sofreu um atentado terrorista por defender a educação para as meninas em uma região dominada pelo regime Talibã. A jovem fala sobre suas dificuldades e suas lutas após o ataque e o exílio com sua família no Reino Unido, onde se tratou e se fortaleceu para dar continuidade à sua luta pelo direito à educação para as meninas YOUSAFZAI, M. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. Livro Figura 5 Malala Yousafzai Simon Davis/DFID | Agência Brasil 24 Relações sociais e conflitos na escola educação, em especial, das gerações mais jovens, as quais possuem maiores condições para construir relações mais harmoniosas e tole- rantes entre as pessoas, ultrapassando as barreiras da perpetuação de regimes totalitários de poder, além dos conflitos latentes na sociedade que precisam ser superados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Constatamos, neste capítulo, que o conflito faz parte da história da humanidade. Contudo, nem todos foram solucionados pacificamente. Muitos se tornaram guerras e atingiram drasticamente a vida de milhões de pessoas. Todavia, compreende-se, ao analisar os fatos históricos, que os acontecimentos mais violentos da história dos seres humanos provo- caram grandes consequências, mas não o suficiente para a implantação de uma cultura de paz. Aqueles que se rebelaram contra injustiças, intolerâncias, desrespeito aos direitos humanos fundamentais e regimes totalitários de governos, sofreram atentados, foram perseguidos, exilados e até mesmo assassina- dos. Muitos desses acontecimentos não causaram impactos substancial- mente importantes ao ponto de a sociedade se mobilizar para a mudança. O caminho para a consolidação de uma sociedade mais justa, equita- tiva e não violenta é longo e requer esforços de todos os segmentos da sociedade. Para alcançar a tão almejada cultura de paz, é necessária uma nova mentalidade social, menos gananciosa, prepotente e egoísta, abrin- do espaço para o altruísmo, a coletividade e a solidariedade. ATIVIDADES 1. Na atualidade são muitos os conflitos que acontecem em todo o mundo. Eles podem ocorrer em forma de guerras, crime organizado, ataques terroristas e invasões. De acordo com o texto, como esses conflitos poderiam ser minimizados ou erradicados? 2. Há entidades e organizações que buscam garantir a paz mundial e o respeito e cumprimento dos direitos humanos universais. De acordo com o texto, como as nações de todo o mundo estão se organizando para discutir temas que são comuns a todas, como a paz mundial? 3. Algumas pessoas se destacam por suas ações, que refletem em mudanças para a humanidade. Como ativistas têm se destacado pela busca da garantia do bem comum? Relações sociais e conflitos 25 REFERÊNCIAS AMBONI, E. Heinrich Schliemann e a descoberta de Troia. 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Acesso em: 15 out. 2020. SAIBA quem é Malala Yousafzai, a paquistanesa que desafiou os talibãs. G1, São Paulo, 10 out. 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/10/saiba-quem-e- malala-yousafzai-paquistanesa-que-ganhou-nobel.html. Acesso em: 15 out. 2020. SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. 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Para que fosse possível chegarmos ao nível de evolução e moder- nidade no qual nos encontramos, foram necessárias pesquisas, tentativas, acertos e erros, além do exercício constante da nossa capacidade de socialização. O processo de socialização humana perdura durante toda a vida e o sujeito carrega referências de comportamentos adquiridos tanto na estrutura familiar quanto na sociedade. Essas referências podem se manifestar por meio de atitudes, costumes, crenças, ideias, valores e concepções de mundo. Além disso, cada fase do desenvolvimento humano tem características peculiares que po- dem se manifestar de modos diferentes a depender do meio, da cultura e dos estímulos recebidos. Neste capítulo, abordaremos características das fases do de- senvolvimento humano, fatores socioambientais que influenciam seus comportamentos e atitudes, bem como alguns dos possíveis transtornos mentais que podem acometer as pessoas, em especial, crianças e adolescentes. Reconhecer esses aspectos pode colaborar para a compreensão de determinadas atitudes e comportamentos e, assim, estabelecer convívios mais harmoniosos entre as pessoas. 2.1 Fases do desenvolvimento humano Cada ser humano é diferente e age de maneira distinta perante os acontecimentos do cotidiano. Os modos como reagimos diante de qualquer ameaça estão diretamente ligados à maneira com que fomos educados, pelos desafios que nos foram colocados, o que nos foi per- mitido fazer e os recursos que tínhamos. Vídeo 28 Relações sociais e conflitos na escola O fato é que nascemos, crescemos e construímos nossas identida- des de acordo com nossas relações sociais e experiências de vida. Há fatores intrínsecos (genéticos) e extrínsecos (ambientais), como alimen- tação, saúde, higiene, moradia e cultura, que influenciam o desenvol- vimento humano e colaboram para a composição daquilo que cada ser se torna. Os psicólogos Santos, Neto e Koller (2014, p. 17) trazem a seguinte composição para as fases do ciclo vital humano: “infância (período gestacional, primeira infância, segunda infância); adolescên- cia (puberdade, adolescência média e final); adultez (jovem, maduro e final) e velhice”. Essa composição permite compreender os desafios teórico-práticos sobre as fases que cada indivíduo está vivendo. No século XX, o biólogo Jean Piaget (1896-1980) desenvolveu uma teoria denominada epistemologia genética, na qual buscou compreen- der o desenvolvimento humano. Em sua teoria, integrou o materialismo mecanicista e o idealismo com a finalidade de entender como a pessoa se constitui como sujeito cognitivo, ou seja, como aprende, desde o nas- cimento até o falecimento. Sua teoria interacionista considera que o conhecimento é construído pelos sujeitos com base em suas interações com o meio social, no qual aprendem regras, leis que regem a socieda- de, como funcionam os sistemas sociais, seus valores e suas morais. Pode-se dizer que o “sujeito epistêmico” protagoniza o papel central do modelo piagetiano, pois a grande preocupação da teoria é desvendar os mecanismos processuais do pensamento do homem, desde o início da sua vida até a idade adulta. Nesse sentido, a compreensão dos mecanismos de constituição do co- nhecimento, na concepção de Piaget, equivale à compreensão dos mecanismos envolvidos na formação do pensamento lógico, matemático. (TERRA, 2020) Nas teorias de Piaget, os sujeitos aprendem com a interação com o meio físico e social. Nesse sentido, é no meio em que o sujeito vive que ele aprende a se comunicar, a se mover, a se alimentar e a reagir diante dos acontecimentos da vida. Aqui é importante destacar que há uma linha da filosofia que defende que existem conhecimentos que nascem com as pessoas, denominada apriorismo 1 . Para Kant (2005), há conhecimentos que se iniciam na experiência, contudo, se originam a priori. Podemos citar os exemplos de um bebê recém-nascido que, ao ser colocado no seio de sua mãe começa a mamar, ou uma criança que engatinha em linha reta para alcançar mais rapidamente um objeto. Essas ações precedem à experiência. Apriorismo é a “doutrina ou prin- cípio que atribui papel central” àquilo que acontece a priori, ou seja, “que é logicamente anterior à experiência e dela independe” (JAPIASSU; MARCONDES, 2008, p. 15). 1 Desenvolvimento biopsicossocial humano 29 Por conhecimento a priori entenderemos não os que ocorrem de modo independente desta ou daquela experiência, mas abso- lutamente independente de toda a experiência. A eles são con- trapostos ou aqueles que são possíveis apenas a posteriori, isto é, por experiência. Dos conhecimentos a priori denominam-se puros aqueles aos quais nada de empírico está mesclado. (KANT, 2005, p. 54) Na concepção de Piaget, o ser humano tem uma estrutura biológica que permite desenvolver a cognição, mas que necessita da interação com outros sujeitos e com os objetos de conhecimento. Para o biólo- go, existe uma conjuntura de relações que são interdependentes e que ocorre entre o sujeito conhecedor e o objeto a ser conhecido. Esses fatores se complementam e “envolvem mecanismos bastante comple- xos e intrincados que englobam o entrelaçamento de fatores que são complementares, tais como: o processo de maturação do organismo, a experiência com objetos, a vivência social e, sobretudo, a equilibração 2 do organismo ao meio” (TERRA, 2020). Para Piaget, os sujeitos se adaptam (processo dinâmico e contínuo) e se organizam (após a adaptação) por meio de invariantes funcionais, ou seja, que estão presentes no funcionamento cognitivohumano. Se- gundo o biólogo, as pessoas nascem com estruturas biológicas – sen- soriais e neurológicas –, que permitirão o surgimento de estruturas mentais. Logo, é por meio da interação com o meio que o sujeito cons- trói sua inteligência. Entretanto, nesse processo de interação com o meio e com outros sujeitos, podem ocorrer desequilíbrios que exigirão mais esforços para a adaptação. Assim, nesse processo de adaptação, dois mecanismos distintos e fundamentais são colocados em funciona- mento: a assimilação e a acomodação. O artigo Jean Piaget e os estudos sobre o desenvolvimento humano, da autora Maria Angela B. Carneiro, aborda as fases dos desenvolvimento humano na perspectiva de Piaget, dando ênfase aos tipos de estruturas que caracteri- zam os jogos infantis: o exercício, o símbolo e a regra. É uma boa leitura para ampliar os conhecimentos sobre as teorias de Jean Piaget e compreender, sob sua ótica, como o ser humano se desenvolve e desenvolve sua raciona- lidade. Acesso em: 28 out. 2020. http://www4.pucsp.br/educacao/brinquedoteca/downloads/artigo-jean-piaget-e-os-estudos.pdf Artigo Fenômeno de caráter universal, que ocorre “para todos os indi- víduos da espécie humana, mas que pode sofrer variações em função de conteúdos culturais do meio em que o indivíduo está inserido” (TERRA, 2020). 2 30 Relações sociais e conflitos na escola No processo de assimilação ocorre a incorporação do objeto aos esquemas que o sujeito já construiu. A assimilação permite a interpre- tação e a compreensão da realidade, contudo, depende de esquemas práticos e conceituais que o sujeito já experimentou. Na acomodação acontece um processo lento de ajuste do sujeito ao objeto novo que determina o avanço do conhecimento. Isso se dá por toda a vida dos sujeitos, mas Piaget divide os modos de o ser humano se relacionar com a realidade em quatro períodos ou estágios. 1º período: sensório-motor (0 a 2 anos). 2º período: pré-operatório (2 a 7 anos). 3º período: operações concretas (7 a 11 ou 12 anos). 4º período: operações formais (11 ou 12 anos em diante). Em cada fase, o ser humano age diferente frente à realidade que se apresenta. O início, o término e os modos como cada um vive- rá cada um viverá essas fases dependem da estrutura biológica de cada um e dos estímulos que cada um receberá em seu meio, a de- pender de seu contexto. No período sensório-motor (0 a 2 anos), a criança aprende com aquilo que a circunda imediatamente, por meio da percepção e dos movimentos. Com o passar do tempo, ela vai aperfeiçoando os mo- vimentos e adquire novas habilidades. Nessa fase, a criança ainda não tem noções de limites, regras e normas, pois estas vão sendo construídas por meio da interação com o meio em que ela vive. Nesse período, é importante que os adultos responsáveis pelo cui- dado e educação da criança organizem o espaço que ela explorará, ti- rando objetos perigosos de seu alcance e colocando estímulos para que ela tenha interesse em engatinhar e até mesmo andar, por exemplo. As primeiras regras devem ser transmitidas carinhosamente, permitindo à criança se sentir mais segura em suas conquistas do cotidiano. Quan- do o espaço é adaptado para a educação da criança, o processo de cui- dar e educar se torna mais prazeroso para os adultos e para a criança, pois evitam-se sustos, gritos e movimentos bruscos para tirar algo de suas mãos, por exemplo. Desenvolvimento biopsicossocial humano 31 No período pré-operatório (2 a 7 anos), surge a função simbólica e a linguagem é considerada condição necessária para o desenvolvi- mento. Nesse período, o desenvolvimento da linguagem depende do desenvolvimento da inteligência. A linguagem permite interações inte- rindividuais, possibilitando atribuir significados à realidade. Essa é ain- da uma fase de egocentrismo, em que a criança se vê como o centro do universo e isso explica o motivo pelo qual ela quer o brinquedo só para si, ou por que a brincadeira deve ser como ela imaginou. Além disso, a criança não aceita ser contrariada diante daquilo que deseja. Nessa fase, o diálogo e a introdução de regras e limites vão se tor- nando mais maduros conforme o crescimento da criança. Se, inicial- mente, os adultos tendem a contar uma história para explicar o motivo pelo qual não se deve tomar determinada atitude, com o passar dos anos a linguagem pode ser mais madura e a criança vai adquirindo condições de compreender as consequências de seus atos. No período das operações concretas (7 a 12 anos), a criança ainda apresenta incapacidade de se colocar no lugar do outro, mas isso vai dando lugar a possibilidades de pontos de vistas diferentes. Outro as- pecto dessa fase é a capacidade de começar a realizar operações men- talmente, não necessitando mais de objetos físicos. Nessa fase acontece a diminuição do egocentrismo, a criança ini- cia o desenvolvimento da autonomia e consegue trabalhar em grupos, harmonizando seu ponto de vista com os demais participantes. É um período em que é mais fácil compreender normas, regras e senso de justiça; também é comum que quando ocorra algum conflito entre as crianças, elas lutem para mostrar que foram injustiçadas diante de al- guma situação. Esse pode ser um bom momento para conversar sobre regras que já foram impostas e sobre a criação de regras das quais ela pode participar ativamente. É comum nessa fase aparecer o sociocentrismo – quando a criança, agora já adolescente, se sente o centro das atenções, podendo agir autori- tariamente, o que pode atrapalhar novas possibilidades de pensar e agir. No período das operações formais (a partir dos 12 anos), o adoles- cente já é capaz de raciocinar por meio de hipóteses e adquire capacida- de de criticar acontecimentos sociais, propor mudanças, discutir valores morais, bem como adquire mais autonomia. Terra (2020) observa que, para Piaget, o desenvolvimento da moral acontece por etapas e consis- 32 Relações sociais e conflitos na escola te em um “sistema de regras e a essência de toda moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por estas regras”. A moral necessita de inteligência e “implica pensar o racional, em 3 dimensões: a) regras: que são formulações verbais concretas, explíci- tas, b) princípios: que representam o espírito das regras; c) valores: que dão respostas aos deveres e aos sentidos da vida” (TERRA, 2020). Essas dimensões permitem entender os princípios das regras já consolidadas na sociedade e que devem ser seguidas. La Taille (1999), ao discorrer sobre a moral, observa que a moral heterônoma baseia-se no respeito unilateral, ou seja, as regras não correspondem a um acordo firmado entre as partes interessadas, mas é algo imposto e imutável. Já na moral autônoma é necessário respeito mútuo, é preciso respeitar e ser respeitado. O que Piaget descobriu é que a criança entra no mundo da moral através da heteronomia, e não da autonomia. Suas pesquisas, e várias outras, mostram que crianças de 4 a 7 anos sempre inter- pretam a moral em referência ao prestígio e à autoridade dos mais velhos, notadamente dos pais e demais educadores. […] por um lado, a criança tende a ver os adultos como superiores, oniscientes e dotados de poderes ainda inatingíveis para ela, e, por outro, está submetida a suas ordens, a suas vontades, a suas punições. Essa mistura de admiração, dependência e medo, decorrentes da re- lação assimétrica que a liga aos pais, explica o surgimento de um novo sentimento, o respeito. (LA TAILLE, 1999, p. 92) O respeito é algo almejado pelos adultos que estão envolvidos com o cuidado e com a educação da criança. Para muitos deles, o descum- primento de regras demonstra falta de respeito com aqueles que as impuseram ou que são responsáveis pelas crianças. Por outro lado, aquele que descumpre as regras nem sempre se reconhece como al- guém desobediente ou desrespeitoso. Por vezes, as regras não são compreendidas ou não fazem sentido para quem deve obedecê-las. Nesse embatepodem surgir conflitos e ambas as partes precisam ser mediadas pelo diálogo e pela compreensão. Para melhor dialogar, é necessário entender as fases do desenvolvimento que foram apre- sentadas aqui, reconhecer suas características e compreender que há comportamentos típicos de cada idade. Esse processo de reconheci- mento e compreensão das fases do desenvolvimento humano possibi- lita relações sociais mais harmoniosas e saudáveis. A heteronomia refere-se à “condição de um indivíduo ou de um grupo social que recebe de fora, de um outro, a lei à qual obedece” . Enquanto a “moral diz respeito aos costumes, valores e normas de conduta específicos de uma sociedade ou cultura” (JAPIASSÚ; MARCONDES, p. 131; 193). Na moral heterônoma as ações são governadas por leis externas aos sujeitos, impostas por outras pessoas ou sistemas. Enquanto o sujeito não desenvolve a moral autônoma, ele segue as regras impostas por outros por medo das possíveis punições ou das perdas que podem ocorrer. Saiba mais Desenvolvimento biopsicossocial humano 33 2.2 Influências socioambientais na formação humana A expectativa de vida das pessoas vem aumentando e po- de-se afirmar que há vários fatores que estão contribuindo para esse processo como as mudanças nos modos de trabalho, maior conforto e facilidade para desenvolver atividades do co- tidiano, acesso a remédios e vacinas e maior esclarecimento quanto aos cuidados com a saúde. Essas alterações de hábitos têm influenciado no modo com a infância e a adolescência são compreendidas e vividas. Mesmo com essas mudanças, a in- fância e a adolescência são fases importantes do desenvolvi- mento humano que exigem uma interação de qualidade com o meio para o aprimoramento do desenvolvimento intelectual, que acontece de maneira contínua. A ciência tem permitido aumentar a expectativa de vida das pessoas e isso vem mudando os modos com que as crianças são educadas. Se antes as crianças eram vistas como minia- dultos; na atualidade, há famílias que buscam estender esse período mantendo as crianças mais tempo sob sua tutela, o mesmo verifica-se com a adolescência. Muitos adultos da atualidade lembram de sua adolescência vivida em um tempo no qual os jovens começavam a trabalhar bem cedo para com- prar objetos de desejo ou até mesmo para colaborar para o sustento da família; outros, precisavam cuidar dos irmãos mais novos para que os pais pudessem trabalhar. Isso exigia mais responsabilidades dos jovens e um amadurecimento precoce. Esses modos diferentes de viver cada fase da vida de- pendem do contexto em que a pessoa está inserida e de fatores que podem influenciar seu desenvolvimento, como a hereditariedade definida pela carga genética; o cresci- mento orgânico, que está atrelado aos aspectos físicos; a maturação neurofisiológica, que permite certos padrões de comportamento; e o meio que irá promover influências e estímulos ambientais. Contudo, de acordo com o tempo histórico em que vi- vemos nossa infância e adolescência, sofremos influências O vídeo Fases de mudança e aprendizado, publicado no site da Holiste, apre- senta possibilidades para pais e professores se utili- zarem da arte para ajudar crianças e adolescentes a superarem dificuldades das transformações que ocorrem durante seu crescimento ou para aqueles que sofrem com algum tipo de transtorno. Disponível em: https://www. holiste.com.br/saude-mental- infancia-adolescencia-video/. Acesso em: 25 set. 2020. Vídeo Vídeo https://www.holiste.com.br/saude-mental-infancia-adolescencia-video/ https://www.holiste.com.br/saude-mental-infancia-adolescencia-video/ https://www.holiste.com.br/saude-mental-infancia-adolescencia-video/ 34 Relações sociais e conflitos na escola da família, da economia, dos meios de comunicação de massa, do consumo, da tecnologia, dos amigos, da escola, da igreja, enfim, de tudo que nos circunda, direta ou indiretamente. Isso permite com- preender que o ser humano pertence a diversos grupos: familiar, do condomínio, da rua e do bairro em que mora, da escola, do trabalho, da igreja, entre tantos outros. Nesses grupos, as pessoas interagem, influenciam e são influenciadas por eles. Todos esses processos sucedem durante toda a vida do indiví- duo, por meio de interações com o meio em que vive, colaborando para seu desenvolvimento afetivo, cognitivo, social e físico. O contexto cultural no qual a pessoa está inserida influencia seu desenvolvimento, pois ela participa de regras sociais e hábitos de pessoas próximas a ela, além disso, os elementos naturais, os não naturais e os ideológicos também influenciam o desenvolvimento humano. Outra influência possível é o atendimento às expectativas que as pessoas colocam umas sobre as outras. Há pessoas que são mais suscetíveis às opiniões alheias e àquilo que esperam delas. A sociedade estabelece as categorias que classificam as pessoas segundo padrões de normalidade e de estranheza. Nas interações cotidianas existe certa expectativa em rela- ção ao “outro” com quem estabelecemos uma interlocução. Associamos as pessoas ao ambiente no qual interagimos, assi- milamos algumas impressões iniciais que partem de nossas projeções e então criamos, rapidamente, uma espécie de mo- delo do que seria a conduta daquele tipo de indivíduo naquele tipo de situação. (SANTIBANEZ, 2013, p. 89-90) Dessa forma, aquele que destoa do que foi pensado como nor- mal, pode ser estigmatizado. Isso pode verificar-se em diversos contextos, como na escola. Estudantes que se recusam a usar o uniforme ou que acrescentam adereços a eles podem ser estig- matizados como transgressores de regras e desobedientes. San- tibanez (2013) apresenta estudos sobre o que leva à transgressão de regras. Segundo o autor, quanto mais complexa for uma so- ciedade, mais regras e mais detalhamentos haverá. Nesse caso, há possibilidades maiores de se burlar as regras, uma vez que quanto mais diversos forem os grupos sociais, mais as regras de- sagradam à diversidade de compreensão da realidade. A imposição de regras envolve um conjunto complexo de situa- ções. Não são premissas dadas naturalmente que determinam Desenvolvimento biopsicossocial humano 35 a existência de regras na sociedade. As normas são construí- das socialmente, são provocadas; isso, a partir de relações so- ciais concretas. Parte geralmente da iniciativa de um grupo ou até mesmo de um indivíduo, com intenções pessoais ou inte- resses coletivos, a fim de padronizar e estabelecer como legí- tima uma determinada conduta. (SANTIBANEZ, 2013, p. 86-87) As regras podem emergir para atender a interesses de grupos específicos, e aqueles que querem participar de determinado gru- po devem, necessariamente, respeitar suas regras. Regras podem ser construídas e impostas em qualquer situação, como nos lares, para manter um mínimo de organização e harmonia familiar; no trabalho, a fim de garantir respeito e produtividade; nos espaços públicos, objetivando estabelecer a ordem social; na escola, com a finalidade de garantir um convívio saudável entre os estudantes e a aprendizagem; e para situações específicas, como uma reu- nião, um culto religioso e até mesmo uma brincadeira infantil. A construção de regras leva em consideração valores éticos, culturais, legais, religiosos, institucionais, além de objetivos a se- rem atingidos. Ao colaborar para o desenvolvimento de regras, a pessoa também está participando da construção de uma nova cultura, pois, à medida que participa, toma decisões e promove novas interpretações da realidade. Nesse processo de construção e reconstrução da realidade acon- tecem conflitos, visto que as pessoas já habituadas aos processos arraigados na sociedade têm dificuldades para lidar com o novo. Disso depreendem-se conflitos geracionais, religiosos, sociais, polí- ticos, entre professor e aluno, entre patrão e empregado, entre pais e filhos, de gênero etc. Nem sempre o conflito se dá por desobe- diência, mas, em muitos casos,
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