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Conteudista: Prof.ª Esp. Débora Cabrera Novaes Revisão Textual: Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro Objetivos da Unidade: Observar as transformações educacionais ocorridas na modernidade; Estudar diversas linhas educacionais e seus embasamentos epistemológicos; Analisar os pontos de contato e diferença entre as múltiplas formas de compreensão pedagógicas. Contextualização Material Teórico Material Complementar Referências Perspectivas da Educação na Modernidade Por tratar de temas que estruturaram e continuam estruturando linhas de pensamento pedagógico, esta disciplina é de suma importância para que bases re�exivas sejam assentadas com o objetivo de dar suporte para as mais variadas práticas educacionais atuais. 1 / 4 Contextualização A Educação Positivista Positivismo é um conceito utópico com distintos signi�cados: engloba tanto perspectivas �losó�cas e cientí�cas do século XIX quanto outras do século XX. O positivismo baseia-se em fatos e na experiência, não admitindo dúvida. O iniciador da corrente positivista foi August Comte, para quem o positivismo surgiu das crises social e moral do �m da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial – processos que tiveram como grande marco a Revolução Francesa (1789-1799). Comte analisa os fenômenos humanos como fatos tanto da natureza quanto das ciências humanas, afastando o preconceito. Segundo ele, as leis da educação passam por três etapas: 1 – infância: educação informal, livre de uma realidade imaginária; 2 – adolescência: fase de estudo sistemático da ciência; 3 – idade madura. A crítica que se faz é que, na realidade, a educação não seria tão positiva, pois as crianças não imaginariam forças divinas para explicar o mundo e nem os jovens se mostravam muito habituados a abstrações metafísicas. Herbert Spencer (1820-1903) Foi um �lósofo inglês e um dos representantes do positivismo e da pedagogia individualista. No campo pedagógico, Spencer fez campanha pelo ensino da ciência, combateu a interferência do Estado na educação e a�rmou que o principal objetivo da escola era a construção do caráter. Spencer escreveu a obra A educação intelectual moral e física, mostrando que o ensino das ciências, como centro da educação, é in�uenciado pelo naturalismo de Rousseau. John Stuart Mill (1806-1873) 2 / 4 Material Teórico Foi um �lósofo e economista inglês e um dos pensadores liberais mais in�uentes do século XIX. Devido aos seus trabalhos abordando diversos tópicos, John Stuart Mill tornou-se contribuinte in�uente do que logo se transformou, formalmente, na nova ciência da psicologia. Ele combatia a visão mecanicista de seu pai, James Mill, ou seja, a visão de que a mente é passiva e reage mediante o estímulo externo. Para John Stuart Mill, a mente exerce um papel ativo na associação de ideias. A educação positivista é caracterizada pela maturidade do espírito humano, pela luta contra o ensino leigo e contra o tradicionalismo da religião. O Pensamento Socialista Passando por um momento de di�culdades, a sociedade vê surgirem do caos algumas organizações de trabalhadores, criadas para defender seus interesses. Nasce, nesse momento, a teoria marxista ou o materialismo histórico-dialético. Esse período da história tratará a pedagogia de um ponto de vista político, defendendo a visão da educação universal e politécnica. Figura 1 – Comuna de Paris Fonte: Wikimedia Commons Principais Pedagogos: Pestalozzi, Fröebel e Herbart Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) Foi um pedagogo suíço e educador. Pioneiro da reforma educacional, conheceu de perto o preconceito social e teve de lutar muito para se tornar conhecido numa sociedade dividida entre nobres e plebeus e entre ricos e pobres. Após a leitura de Emílio, obra de Rousseau, Pestalozzi foi in�uenciado pelo movimento naturalista e tornou-se um revolucionário, juntando-se aos que criticavam a situação política do país. Como se tornou discípulo de Rousseau, também tinha convicção na bondade e na inocência humanas. Para ele, é tarefa do mestre desenvolver e estimular a espontaneidade do aluno, compreendendo a infância. Em 1891, Pestalozzi concentrou suas ideias sobre educação num livro intitulado Como Gertrudes ensina suas crianças. Pestalozzi foi um dos pioneiros da pedagogia moderna, in�uenciando profundamente todas as correntes educacionais, e longe está de deixar de ser uma referência. Fundou escolas e buscava cativar a todos para a causa de uma educação capaz de atingir o povo, num tempo em que o ensino era privilégio exclusivo da elite. Em sua escola expunha seu método pedagógico, que preconizava partir do mais fácil e simples para se chegar ao mais difícil e complexo, e continuar daí, medindo, pintando, escrevendo e contando, e assim por diante. Seu interesse sempre foi pela educação das crianças pobres, recolhendo das ruas órfãos, mendigos e pequenos ladrões. Sua concepção de educação aliava a formação para o trabalho pro�ssional. Esse sonho durou apenas 5 anos, pois ele não conseguiu apoio para manter �nanceiramente sua escola. Para Pestalozzi a educação não se restringe à formação do homem-gentil, pois ela tem uma função social. Conforme Pestalozzi, a vida educa, mas a vida que educa não é uma questão de palavras, e sim de ação. Friedrich Fröebel (1782-1852) Era protestante e religioso convicto. Para ele o educando tem de ser tratado de acordo com sua dignidade de �lho de Deus, com compreensão e liberdade. O educador é obrigado a respeitar o discípulo em toda sua integridade; deve manifestar-se como um guia experimentado e amigo �el que, com mão �exível, mas �rme, exige e orienta. Não é somente um guia, mas também sujeito ativo da educação: dá e recebe; orienta, mas deixa em liberdade; é �rme, mas concede. O educador deve conhecer os diversos graus de desenvolvimento do homem para realizar sua tarefa com êxito. Segundo ele, as cinco etapas de desenvolvimento vão desde que o homem nasce até sua adolescência. Para Fröebel, o desenvolvimento ocorre segundo as seguintes etapas: a infância; a meninice; a puberdade; a mocidade e a maturidade. Todas estas fases eram igualmente importantes. Observava, portanto, a gradação e a continuidade do desenvolvimento, bem como a unidade das fases de crescimento. De acordo com sua pedagogia, a educação da infância se realiza através de três tipos de operações: a ação, o jogo e o trabalho. Seguidor de Pestalozzi, sua principal contribuição pedagógica está na atenção às crianças na fase anterior ao ensino elementar (jardim da infância). Em 1873, Fröebel abriu o primeiro jardim de infância, no qual as crianças eram consideradas como plantinhas de um jardim cujo jardineiro seria o professor. Fröebel foi o primeiro educador a enfatizar o brinquedo, a atividade lúdica e o signi�cado da família nas relações humanas. Observou que, por meio dos jogos e do brinquedo, a criança estimula seu desenvolvimento sensório-motor e inventa métodos, aperfeiçoando suas habilidades. Desenvolveu uma série de materiais, de acordo com cada fase da criança, para que elas se expressassem. Esses materiais tinham o objetivo de despertar a representação da forma, da cor, do movimento e da matéria. Exemplo: a bola. O segundo: a bola, o cubo e o cilindro. O terceiro: formado pela divisão dos cubos desmontáveis. Sua concepção de educação se baseia nos seguintes preceitos: A criança não deve ser iniciada em nenhum novo assunto enquanto não estiver madura para ele. O verdadeiro desenvolvimento advém de atividades espontâneas; Johann F. Herbart (1776-1841) Filósofo e psicólogo alemão, foi fundador da pedagogia como uma disciplina acadêmica, como ciência. Foi precursor de uma psicologia experimental aplicada à pedagogia, com base numa visão social. Compreendia a educação como construção e defendia a �nalidade de formar o caráter por meio do estabelecimento e da educação da vontade. Sua visão se sustenta em três bases: governo (pais e mestres); instrução (desenvolvimento dos interesses); e disciplina (autodeterminação). Para Herbart, a conduta pedagógica passa por esses três procedimentos básicos. Na educação inicial da criança, o brinquedo é um elemento essencial; Os currículos das escolas devem basear-se nas atividades e interesses de cada fase da vida da criança; A grande tarefa da educação consiste em ajudar o homem a conhecer a si próprio, a viver em paz com a natureza e em união com Deus. É o que ele chamou de educação integral. Sua concepção de ser humano era profundamente religiosa; Priorizava também a dobradura, o recorte, o canto e a poesia para facilitar a educação moral e religiosa; Acreditava que os primeiros anos de vida são básicos para a formação do homem. Governo: controle pela família, depois pelos mestres com o intuito de submeter a crianças às regras do mundo adulto, combinando autoridade e amor, além de manter a criança sempre ocupada; Instrução: o desenvolvimento de interesses, pois estes são um poder ativo que determina quais ideias e experiências receberão atenção; a instrução é concebida como construção, e não há separação entre a instrução moral e a intelectual; Disciplina: supõe a autodeterminação, característica do amadurecimento moral, que leva à formação do caráter. Herbart, ao observar o insucesso do ensino nas escolas quanto à assimilação, aplicação de métodos, etc., propôs cinco passos para reverter a situação: Podemos observar que os cinco passos formalizam o ensino expositivo e a avaliação da escola tradicional. Para Herbart, o conhecimento é oferecido pelo mestre ao aluno, que só posteriormente o aplica à experiência vivida. O controle excessivo passa pelo governo e, consequentemente, para a disciplina, permeando a instrução. Construtivismo A teoria construtivista recusa a tradicional concepção metafísica de uma natureza humana universal, essencial e estática. O ser humano se faz pela interação social, por suas relações com outros seres humanos e por sua ação sobre o mundo. É um ser histórico-social e, por isso, a aprendizagem da realidade é um processo dinâmico que se expressa de formas diferentes no tempo. A história é entendida como experiência do indivíduo ou do grupo a que ele pertence: sempre que surgem fatores novos, as antigas estruturas lógicas se desfazem, sendo necessárias outras formas de equilibração. Preparação: recapitulação do que já foi visto, orientada pelo mestre; Apresentação: o conhecimento novo partindo do concreto; Assimilação: comparação entre o conhecimento já adquirido e o novo, percebendo semelhanças e diferenças; Generalização: passo mais signi�cativo na adolescência, pois o aluno deve ser capaz de abstrair, chegando a concepções gerais; Aplicação: exercícios por meio dos quais o aluno mostra o que aprendeu; só assim, segundo Herbart, a massa de ideias adquire sentido vital, deixando de ser mera acumulação inútil de informação. Jean Piaget (1896-1980) Nasceu em Genebra, na Suíça, e foi considerado o maior expoente do estudo do desenvolvimento cognitivo. Estudou inicialmente biologia, na Suíça, e, posteriormente, dedicou-se às áreas da psicologia e educação. Foi professor de psicologia na Universidade de Genebra, tornando-se mundialmente reconhecido pela sua revolução epistemológica. Durante sua vida, Piaget escreveu mais de cinquenta livros. Durante seu trabalho, ao analisar os resultados dos testes que aplicava, Piaget percebeu regularidades nas respostas erradas das crianças de mesma faixa etária. Esses dados permitiram o lançamento da hipótese de que o pensamento infantil é qualitativamente diferente do pensamento adulto. Assim sendo, propôs o ensino em estágios (sensório-motor, intuitivo, das operações concretas e das operações abstratas), que representam o desenvolvimento mental da criança (inteligência e afetividade). A extensão desses estágios e períodos é determinada pela idade cronológica: estágio sensório-motor (de 0 a aproximadamente 2 anos); estágio objetivo- simbólico (aproximadamente de 2 a 6 ou 7 anos); estágio operacional concreto (aproximadamente de 7 a 11 ou 12 anos) e estágio operacional-abstrato ou formal (de 11 ou 12 anos a 14 ou 15 anos). O interesse central de Piaget era a problemática epistemológica, ou seja, como se passa de um estado menor de conhecimento para um estado maior de conhecimento? Uma das contribuições de Piaget para a pedagogia foi indicar conteúdos adequados a cada estágio do desenvolvimento infantil, sem desrespeitar as reais possibilidades mentais da criança, ou seja, considerando o seu desenvolvimento intelectual e afetivo. Emilia Ferreiro Nasceu na Argentina, em 1936. É psicóloga e pedagoga, de nacionalidade argentina, mas radicada no México, e doutora pela Universidade de Genebra, sob a orientação de Jean Piaget. Em seus estudos de linguística pôde observar a construção da linguagem escrita e sua natureza. Descobriu que as garatujas indicam um processo inicial de construção do sistema representativo da escrita. Além disso, distinguiu os níveis de alfabetização: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. A partir dela, a criança passa a ser vista como sujeito que interage com a escrita como objeto de conhecimento. As teorias de Emilia Ferreiro foram desenvolvidas em conjunto com Ana Teberosky (pedagoga de Barcelona). Graças a elas, hoje podemos superar as di�culdades enfrentadas por crianças com problemas de aprendizagem. Lev Vygotsky (1896-1934) Lev Semenovitch Vygotsky nasceu na Rússia. Foi um psicólogo e pensador importante, pioneiro ao estabelecer a noção de que o desenvolvimento intelectual das crianças ocorre em função das interações sociais e condições de vida. Foi descoberto pelos meios acadêmicos ocidentais muitos anos após a sua morte, que ocorreu em 1934, por tuberculose, aos 37 anos. Seus estudos focalizam a linha interacionista; a família e a escola; a internalização das atividades; o papel da escola; as zonas de desenvolvimento real e proximal. Para Vygotsky, o aprendizado da criança começa muito antes de ela frequentar a escola, seu aprendizado e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de sua vida. O nível de desenvolvimento real é caracterizado como o nível de desenvolvimento que já está completo: a criança já internalizou determinada função, como, por exemplo, amarrar os sapatos sozinha. Um dos conceitos mais importantes desenvolvidos por Vygotsky é o de zona de desenvolvimento proximal, que se refere à diferença entre o que a criança consegue realizar sozinha (desenvolvimento real) e aquilo que, embora não consiga realizar sozinha, é capaz de aprender e fazer com a ajuda de uma pessoa mais experiente, um adulto ou uma criança mais velha ou que tenha maior facilidade de aprendizado (desenvolvimento potencial). Aproveitando o mesmo exemplo, digamos que a criança ainda não saiba amarrar os sapatos sozinha, mas aprende a fazê-lo com a ajuda de um adulto ou de outra criança, ou ainda com algum tipo de explicação. A zona de desenvolvimento proximal é, portanto, tudo o que a criança pode adquirir em termos intelectuais, quando lhe é dado o suporte educacional devido. “A zona de desenvolvimento proximal de�ne aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão presentes em estado embrionário” (VYGOTSKY, 1984, p. 97). A ênfase em situar quem aprende e aquele que ensina como partícipes de um mesmo processo corrobora outro conceito-chave na teoria de Vygotsky, o da mediação (pressuposto da relação eu-outro social). A relação mediatizada não se dá, necessariamente, pelo outro corpóreo, mas pela possibilidade de interação com signos, símbolos culturais e objetos. Um dos pressupostos básicos desse autor é que o ser humano se constitui enquanto tal na sua relação com o outro. Para Vygotsky, a aprendizagem relaciona-se ao desenvolvimento desde o nascimento, sendo a principal causa para o desabrochar do ser. Figura 2 – Calligraphie, de Jaroslav Serpan Fonte: Wikimedia Commons A In�uência da Teoria da Evolução na Pedagogia A teoria da evolução de Darwin e a �loso�a da evolução de Spencer se constituíram como importantes paradigmas para a sequência do desenvolvimento pedagógico. No entanto, com algumas divergências fundamentais, sobretudo em relação ao apoio irrestrito ao liberalismo de Spencer. Para Spencer a consolidação das classes era inevitável e, portanto, a burguesia ocupava um lugar de destaque e dominação pelas condições evolutivas. Mesmo não se assentando completamente nas premissas pedagógicas seguintes, a teoria evolutiva in�uenciou diretamente as diretrizes pedagógicas. Um importante passo para o desenvolvimento dessas ideias revelou-se na atenção dedicada às crianças, que passaram a ser percebidas em potência evolutiva. Nesse sentido, organizaram- se métodos pedagógicos que procuravam não formular leis, normas e ordens, mas sim despertar o interesse e a curiosidade da criança, de modo que assim ela pudesse se desenvolver. Essa orientação procurava não preparar a criança para o mundo e sim acompanhar o seu processo de transformação. Outra importante referência nesse âmbito é a �loso�a de Dewey. Nela observa-se uma convicção de que a evolução é a lei mais geral da vida, alçando a mudança como categoria primordial. Sendo assim, qualquer novidade era compreendida como parte fundamental do processo de desenvolvimento, era a manifestação mesma da evolução. Uma importante consequência pedagógica se deu a partir dessas premissas: o programa de ensino passou a acompanhar o desenvolvimento das crianças, ao invés de instituir um programa de matérias. Duas teorias importantes se consolidam nessa perspectiva: a teoria da instrução formal e a teoria da recapitulação. A teoria da instrução formal estrutura-se nas bases kantianas em que as leis do espírito têm caráter transcendental e não psicológico. Essas leis pré-estabelecidas constituem os esquemas possíveis para analisar a formação do espírito da criança, conferindo assim ao processo pedagógico um caráter fortemente essencialista. A teoria da recapitulação elaborada por Fröebel acreditava que o indivíduo em sua vida passaria por todas as fases que a humanidade passara até ali. Nesse sentido a pedagogia era concebida não como uma instância de acesso ao conhecimento acumulado da humanidade, mas sim como um sistema de ação e conhecimento que possibilitasse as satisfações momentâneas da criança. Posteriormente, a teoria da evolução ganha uma contraposição importante na �loso�a de Bergson, o que promove mudanças pedagógicas radicais em relação às premissas anteriores da pedagogia da existência. Bergson escapa das concepções que tomavam a evolução como um processo de nexo causal, onde os fatos se encadeiam para um �m, recusava também a noção de adaptação e de objetivo das transformações. Nessa perspectiva, a pedagogia se apresenta como suporte para uma criação especial da educação da criança, não lhe conferindo um objetivo especí�co, cujo sentido educativo deriva dele mesmo e não de uma �nalidade externa. A Pedagogia Nova A chamada pedagogia nova se estruturou na primeira metade do século XX e se caracterizou por muitas tendências que tinham quase todas em comum a necessidade de detectar no desenvolvimento das crianças e dos jovens as especi�cidades do pensamento, da emoção e da ação. Suas premissas epistemológicas atribuíam às crianças o interesse global e não segmentado da realidade. Desse modo, suas propostas pedagógicas se enfrentavam com as separações disciplinares tradicionais, que categorizavam e delimitavam os campos do conhecimento. Para a perspectiva da pedagogia nova, o ensino deveria ser global, levando em conta o interesse universal da criança e fomentando o estímulo ao conhecimento simultâneo dos fenômenos. As atividades disciplinares tradicionais foram criticadas, e os educadores procuravam estimular o interesse da criança pelo aprendizado, por meio da interação e ação com os conteúdos, valendo-se de trabalhos manuais, atividades artísticas, jogos, desenhos etc. Nesta linha de pensamento pedagógico o desenvolvimento da criança não se igualava à perspectiva produtivista do mundo do trabalho. O centro era a própria ação da criança, sua capacidade expressiva, como em ato ela se descobre e aprende, a partir do movimento, da palavra e do gesto. Claparède diz que a educação deve centrar-se em levar a criança a desenvolver uma atividade que lhe seja própria. Decroly elaborou um sistema de processos pedagógicos que tinham como interesse o estímulo e a formação da expressão, de modo que satis�zesse as necessidades da criança, contribuísse para a apreensão da realidade e pudesse reter os conhecimentos gerados nesse processo. Essas e tantas outras inovações apostaram na atenção para a psicologia das crianças, observando suas peculiaridades e seu desenvolvimento. Desse modo, há uma revolução epistemológica na pedagogia, porque o centro do processo educativo deixa de ser o educador e passa a ser a criança, que se torna sujeito do processo educativo. Bertrand Russel foi outro pensador importante para a pedagogia nova. Russel percebia como essa revolução paradigmática, ao colocar a criança como sujeito de seu processo de aprendizagem, entrava em contradição com os paradigmas do “mundo adulto”. Como seria possível a passagem dessas crianças, formadas num ambiente de valorização da descoberta e da criatividade, para o mundo do trabalho capitalista, competitivo e estéril? Russel acreditava que, para tentar resolver essas contradições, pelo menos em parte, era necessário desenvolver o espírito crítico da criança para que, em sua vida adulta, ela se enfrentasse com o tédio e os dogmas. Russel não compactuava com a subordinação da educação a certos �ns, especialmente os da Igreja, do Estado e da pátria. A proposta pedagógica deveria estimular a curiosidade, a atividade criadora, a tolerância, a sinceridade e a coragem, características para produzir uma vida adulta que pudesse se contrapor à servidão alienante do modo social vigente. Essas premissas da pedagogia nova se desenvolveram e sofreram críticas, classi�cadas, em geral, como utópicas, já que essa forma de desenvolvimento pedagógico não surtiria efeito ante a brutal realidade social capitalista. Essas críticas apontavam, portanto, a dinâmica contraditória entre adaptação e desenvolvimento, que rendeu questões internas importantes para a pedagogia nova. Figura 3 – O pêndulo Fonte: wikiart.org Pedagogia Pedocêntrica e Pedagogia da Adaptação Com a contradição teórica entre desenvolvimento e adaptação, parte da psicologia acreditava que a formação humana deveria ser fruto do seu desenvolvimento, valorizando assim suas características internas e espontâneas. Para alguns sociólogos, a formação humana se dá por adaptação ao meio social, sendo suas características internas um re�exo dos fenômenos sociais. Embora distintas entre si, as pedagogias da pedocêntrica e da adaptação partilhavam a defesa do indivíduo como princípio fundamental e estruturavam sua base epistemológica partindo da noção de sublimação, fenômeno no qual a satisfação dos instintos deveria ser substituída por formas superiores através do processo educacional. A pedagogia pedocêntrica se estruturava em bases não impositivas ao desenvolvimento da criança, deixando-a livre para manifestar sua vida interior. Essas características se aproximavam da teoria da “vida aberta” de Bergson, que se confrontava com ditames morais e religiosos na formação dos indivíduos e via o desenvolvimento como característica fundamental do sujeito. A pedagogia pedocêntrica se ancorava nesses preceitos e valorizava a espontaneidade como princípio. A pedagogia da adaptação, embora se diferenciasse da pedagogia pedocêntrica, não se limitava a adaptar o aluno ao meio de maneira irre�etida. Suas bases procuravam uma orientação que visasse uma proteção da criança em relação ao seu futuro, garantindo assim maior segurança ao longo de seu desenvolvimento. Por meio da sublimação, a teoria da adaptação procurava arrefecer os con�itos externos que permeavam a formação da criança, cedendo assim à pressão social e gerando uma adaptação à organização social vigente, sem a necessidade da consciência desse processo. Essa adaptação não se mensurava, portanto, no desenvolvimento livre dos indivíduos, mas em sua relação de produção de si mesmos diante da concretude do mundo. Por um lado, essas premissas da adaptação prometiam uma maior segurança para o indivíduo, mediando seus desejos com as dinâmicas sociais; por outro lado, às vezes, em total litígio com a utopia, com a possibilidade de transformação social, o processo pedagógico da adaptação tomava a realidade como dada, como imutável, sem possibilidade de mudança, gerando assim mais do que adaptação, ou seja, conformismo. Pedagogia Social A pedagogia pedocêntrica e a pedagogia da adaptação sofreram muitas críticas, sobretudo no que diz respeito à relação do indivíduo com o mundo. Essas pedagogias acreditavam que o indivíduo se desenvolve exclusivamente por suas forças interiores, e mesmo que sua orientação pedagógica seja a de adaptação ao mundo exterior, ela se fará por meio de sua própria força e vontade. A pedagogia social, que nascia no ambiente das ciências humanas, se opunha a esses preceitos e formulava sua teoria com base na ideia de que a dinâmica social e seus fenômenos são centrais para a experiência e o desenvolvimento do indivíduo, dos quais derivariam inclusive suas características particulares. Essa perspectiva epistemológica fraturou a centralidade do indivíduo e diminuiu a potência de sua agência como fruto exclusivo de sua própria vontade. No âmbito das ciências humanas, as teorias enfocavam a realidade social, já que se acreditava que ela dinamizava as características dos indivíduos, em constante relação com ela. Durkheim, um importante pensador de seu tempo e um dos pilares da sociologia, como estudado na unidade anterior, acreditava que os fenômenos sociais adentram a esfera íntima do indivíduo tão profundamente que são capazes de se enraizar, determinando suas ações, mesmo as mais radicais em relação à vida, como o desejo de morte. Com base em sua sociologia, elaborou-se um sistema pedagógico que se concentrava especialmente na educação moral, com parâmetros antagônicos aos pedocêntricos: a moral do indivíduo não seria fruto de seu livre desenvolvimento e da sublimação de seus institutos, adviria, na verdade, da compreensão intelectual da dinâmica social em sua esfera estrutural e momentânea. Pedagogia da Cultura As formas da pedagogia social sofreram muitas críticas, sobretudo a de que simpli�cava a complexidade humana, vista como mera derivação das relações sociais vigentes, transformando, assim, o indivíduo numa consequência imediata dos fenômenos sociais, sem nuances nem particularidades. Nessa perspectiva crítica, o papel da educação deveria ser repensado, pois caberia a ela a responsabilidade de desenvolver as potências humanas e não enquadrá-las. A pedagogia da cultura, em sua estruturação epistemológica, fortemente in�uenciada por Hegel, considerava que o condicionamento da humanidade e, portanto, de sua forma de apreender conhecimento se dava pela herança cultural e não por uma forma social especí�ca. A pedagogia da cultura, in�uenciada pela �loso�a hegeliana, acreditava que sua tarefa era a de primeiro negar sua própria subjetividade, para depois conduzir o indivíduo ao espírito objetivo, pois assim ele se enriqueceria e poderia dar um salto qualitativo cultural em relação à sua condição anterior. Essa espiral dialética tinha como objetivo o acesso às camadas mais profundas do “espírito”; contudo, esse “espírito” não teria um contorno individual, ele se universalizaria na medida em que era a expressão objetiva da cultura. Sendo assim, as formas culturais acumuladas na história dinamizariam as particularidades dos indivíduos e não o inverso. A pedagogia da cultura não encerrava o indivíduo em suas �leiras absolutamente particulares, mas, ao mesmo tempo, não previa, como a pedagogia social, que ele era puro re�exo dos fenômenos sociais. A dinâmica da pedagogia da cultura tinha o desejo de libertar a humanidade da pressão social, conduzindo-a para a longínqua esfera do espírito objetivo, na qual o conhecimento humano histórico resplandecia com seus acúmulos. Ao liberar-se dessa pressão externa do mundo empírico, a pedagogia da cultura poderia fazer os indivíduos percorrer o trânsito histórico do conhecimento, mas também poderia apartá-los das circunstâncias sociais que os circundavam momentaneamente. Figura 4 – Medly, de Peter Alexander Fonte: wikiart.org Pedagogia para o Futuro Em contraposição às perspectivas burguesas, surge uma linha pedagógica que sustenta seus parâmetros na possibilidade de transformação da sociedade, não acatando o presente nem as formas sociais vigentes como soberanas e imutáveis, ou seja, suas bases e seus critérios se dirigem para o futuro. Nessa concepção voltada para o futuro, o presente aparece como objeto de crítica, de intervenção pedagógica, para que o futuro possa ser transformado. O futuro se faz a partir do presente, mas não em sua repetição. Essa posição de não conformidade com o estado atual das coisas conjuga aspectos da pedagogia da essência, já que essa linha pedagógica postula um ideal a ser atingido, e da pedagogia da existência, porque sua medida de ação está no presente, no mundo sensível no qual a educação está inserida. Como se pode observar, essa corrente pedagógica procura não se submeter aos critérios da adaptação, tendo a crítica como elemento fundamental desse processo. Expondo as construções do jogo social, a crítica possibilita a intervenção na realidade, por parte da educação, tendo em vista um futuro distinto do presente criticável. Além de olhar para fora, para o mundo, essa perspectiva pedagógica precisa olhar para si mesma, ou seja, para seus métodos e critérios críticos. Por esse viés, a pedagogia para o futuro tenta não dissociar os conhecimentos, buscando entender o aluno como um todo articulado, que pode produzir e apreender conteúdos distintos que se relacionam entre si e com o mundo. Nesse sentido, a formação social do aluno é fundamental, não é apenas uma disciplina especí�ca; ao contrário, é elemento constitutivo da base epistemológica. Sendo assim, nessa perspectiva pedagógica, mesmo em processos especializados de ensino, se almeja a crítica como fundamento. Os estudos e a pesquisa, assim, não pretendem se destacar ou se adaptar à realidade, mas transformá-la. Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Rumo à pedagogia cultural, com Cristiano Alcântara Neste episódio de Educação em Liberdade conversamos com Cristiano Alcântara, que há 20 anos atua e investiga como fazer educação pública de qualidade. Foi um papo incrível, do qual destacamos esses dois trechos sobre a pedagogia cultural e a importância dos diários de bordo dos educadores para o próprio desenvolvimento. 3 / 4 Material Complementar Rumo à Pedagogia Cultural, com Cristiano Alcântara https://www.youtube.com/watch?v=3R-abiOTjQQ Educação e sociedade – Capital Cultural A metáfora criada pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu busca explicar como a escola, ao não levar em conta o capital cultural de alunos vindos de diferentes meios sociais, ajuda a manter essas diferenças e estrati�car a sociedade. Leitura Conhecendo Lev Semenovich Vygotsky Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE D-01: Educação e Sociedade - Capital Cultural https://www.ufrgs.br/psicoeduc/chasqueweb/vygotsky/conhecendo-vygotsky.htm https://www.youtube.com/watch?v=W41rpXfllCY Pedagogia social no Brasil Clique no botão para conferir o conteúdo. ACESSE https://socialeducation.files.wordpress.com/2020/05/caliman-2011-pedagogia-social-no-brasil.pdf ARANHA, M. L. A história da educação e da pedagogia: geral e Brasil. 3.ed. São Paulo: Moderna, 2006. CAMBI, F. História da pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999. DALAROSA, A. A. Epistemologia e educação: articulações conceituais. Publicatio UEPG Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes, Ponta Grossa, v. 16, n. 2, p. 343-350, dez. 2008. DEWEY, J. Liberalismo, liberdade e cultura. São Paulo: Nacional/USP, 1970. HILDORF, M. L. S. Pensando a educação nos tempos modernos. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2005. SAVIANI, D. Epistemologia e teorias da educação no Brasil. Pro-Posições, v. 18, n. 1 (52), jan./abr. 2007. SEBARRJA, J. C. Pedagogias do século XX. Porto Alegre: Autores Associados, 2004. VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. WACHOWICZ, L. A. A epistemologia da educação. Educar, Curitiba, n. 19, p. 53-72, 2002. 4 / 4 Referências WOJNAR, I. Bogdan Suchodolski. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2010.
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