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Rauana Vitória – MEDICINA 7º P Os antidepressivos são causas comuns de intoxicação por drogas prescritas nos países em desenvolvimento. Entre os medicamentos mais comumente utilizados estão amitriptilina, imipramina, nortriptilina, bupropiona e mirtazapina. Eles apresentam uma grande biodisponibilidade oral e a maior parte dos efeitos tóxicos atingem um pico de ação por volta das primeiras 6 horas. Doses acima de 10 a 20 mg/kg apresentam risco de vida (complicações cardiovasculares e neurológicas graves). São drogas altamente lipofílicas rapidamente distribuídas ao coração, cérebro, fígado e rins, onde as concentrações tissulares se apresentam em razão das plasmáticas na ordem de 10:1. A meia-vida é longa e imprevisível (a maioria varia de 7 a 58 horas), maior em idosos. Quadro Clínico O mecanismo de ação envolve a inibição da recaptação pré-sináptica de vários neurotransmissores, de tal forma que o quadro clínico pode ser bastante variável, dependendo da quantidade da droga ingerida e do mecanismo de ação predominante: • Bloqueio dos receptores de acetilcolina (síndrome anticolinérgica): taquicardia, pele seca e quente, sedação e coma. • Bloqueio dos canais de sódio: depressão miocárdica, prolongamento do QRS, podendo levar a taquiarritmias graves. • Bloqueio dos receptores alfa- adrenérgicos: hipotensão. • Bloqueio da recaptação da noradrenalina, serotonina e dopamina: convulsões, taquicardia. Os pacientes frequentemente se apresentam no departamento de emergência oligossintomáticos, porém toxicidade cardiovascular e ao sistema nervoso central ameaçadora à vida podem ocorrer, usualmente dentro de 1 a 2 horas pós- ingesta. Normalmente nas intoxicações moderadas observamos o predomínio de efeitos anticolinérgicos (pele e mucosas secas e quentes, hipertensão, midríase, retenção urinária, confusão mental etc.). Com a ingestão de doses maiores podem surgir as demais manifestações, com predomínio de efeitos cardiovasculares (hipotensão, arritmias) e neurológicos (convulsões). Entre as manifestações cardiovasculares, a taquicardia sinusal é a mais comum. Os prolongamentos dos intervalos PR, QRS e QT podem ocorrer tanto no contexto de dosagens tóxicas quanto terapêuticas. Distúrbios de condução elétrica do coração (fibrilação ventricular, taquicardia ventricular, bradiarritmias etc.) são causa importante de óbito precoce nesses pacientes. Arritmias ventriculares e fibrilações chegam a acometer 4% dos casos. Quanto às manifestações do SNC, destacam-se a alteração do nível de consciência em diversos níveis (delirium, agitação, psicose, letargia e coma) e convulsões, reportadas em 4% dos casos, habitualmente precoces (primeira 1,5 hora da admissão), breves (< 2 minutos) e de resolução espontânea sem terapia específica (estado de mal epiléptico é incomum). Diagnóstico O diagnóstico de intoxicação por tricíclicos e tetracíclicos é essencialmente clínico. A suspeita deve ser levantada em todo paciente inconsciente com história de doença psiquiátrica, dor crônica, que utiliza a droga ou nos casos de alteração de nível Rauana Vitória – MEDICINA 7º P ou conteúdo de consciência associado a sintomas anticolinérgicos (mucosas e pele secas, rubor, taquicardia, convulsão). A avaliação dos níveis séricos da droga não é amplamente disponível, além de ser pouco útil para manejo e tratamento. Algumas alterações eletrocardiográficas podem suscitar a suspeita de intoxicação por tricíclicos: 1. Prolongamento do intervalo QRS 2. Onda R em aVR maior que 3 mm. 3. Onda R em aVR maior que a inda S. Entre os diagnósticos diferenciais, podemos pensar me intoxicação por carbamazepina e difenidramina pela associação de sintomas anticolinérgicos, rebaixamento do SNC e alterações eletrocardiográficas. Manejo e tratamento O manejo inicial inclui as medidas de suporte: monitorização, suporte de oxigênio e intubação orotraqueal se necessário, exames laboratoriais, correção de eventuais distúrbios hidroeletrolíticos e eletrocardiografia contínua preferencialmente. A intoxicação por tricíclicos retarda o esvaziamento gástrico e pode causar vômitos e alto risco de aspiração, especialmente em pacientes com rebaixamento do nível de consciência. Portanto, o limiar para decisão de intubação orotraqueal deve ser baixo. Não há evidências de que fluidos contrabalancem a hipotensão induzida pelos tricíclicos (depressão miocárdica e redução da resistência vascular sistêmica), porém, devido ao racional fisiológico, bolus de cristaloide é terapia de primeira linha no paciente hipotenso. Recomenda-se a descontaminação gástrica com carvão ativado se a ingesta tiver ocorrido em menos de 1 a 2 horas e a capacidade de proteção de via aérea esteja preservada, na dose de 1g/kg (máximo 50 g). A lavagem gástrica pode ser considerada somente em intoxicações ameaçadoras à vida, porém alguns autores contraindicam no contexto de arritmia devido ao aumento do tônus vagal. GEMNet (Guidelines in Emergency Medicine Network) recomenda a alcalinização sérica (alvo de pH entre 7,45 e 7,55) em pacientes com arritmias ou hipotensão, mesmo na ausência de acidose. Recomenda ainda: • Considerar alcalinização sérica se QRS > 100 ms. • Administrar bicarbonato de sódio 8,4% 1 a 2 mEq/kg EV em bolus. • A ausência de resposta após 5 minutos indica nova dose. • Se estreitamento do QRS, considerar manutenção com 150 a 250 mL/h de soro bicarbonatado (150 mL NaHCO3 8,4% + 1.000 mL SG5%), objetivando pH entre 7,5 e 7,55 e mantendo monitorização seriada de gasometrias. A infusão pode ser mantida por 12 a 24 horas após o retorno do QRS ao normal. • Se convulsões, administrar benzodiazepínicos (diazepam 5 mg EV) até controle das crises. • Considerar barbitúricos e bloqueadores neuromusculares se refratariedade. • Recomenda-se não utilizar fenitoína, por possível interação medicamentosa e intensificação das anormalidades de condução. Nos pacientes com arritmia não responsiva a bicarbonato, orienta-se administrar sulfato de magnésio. Não há dose padronizada, mas sugere-se 1 a 2 g em 15 minutos, endovenoso. Emulsões lipídicas têm sido utilizadas com o intuito de se contrapor aos efeitos tóxicos de medicações lipofílicas, como é o caso dos tricíclicos. Considera-se em pacientes que se mantêm instáveis a despeito da administração de bicarbonato ou que estejam em PCR sustentada. Sugere-se Rauana Vitória – MEDICINA 7º P consulta ao centro de intoxicações antes da prescrição. A dose recomendada é 1,5 mL/kg em bolus da emulsão lipídica a 20%, repetir a cada 5 minutos estabilidade cardiovascular. Pode-se manter infusão 0,25 mL/kg/min por 30 a 60 min até a dose máxima de 12 mL/kg. A utilização de fisostigmina para manejo de síndrome anticolinérgica é contraindicada na intoxicação por tricíclicos, devido a relatos de PCR em assistolia. Indicações de internação, terapia intensiva e seguimento Os guidelines da AAPCC (American Association of Poison Centers) recomendam o referenciamento a departamento de emergência (DE) em pacientes com intoxicação por tricíclicos e em todos pacientes cujo ECG pré-hospitalar tenha QRS > 100 ms, evidente tentativa de automutilação, vítimas de administração maliciosa da droga ou indivíduos sintomáticos (fraqueza, sonolência, tontura, tremor, palpitações). Considera-se, ainda, em caso de idade < 6 anos, coingestão de outras drogas ou condições de base potencialmente exacerbáveis (convulsões, arritmias). Em relação à quantidade ingerida, orienta-se encaminhamento ao DE em qualquer dosagem maior que a máxima terapêutica ou maior que a mínima dose tóxica (2,5 mg/kg para nortriptilina e desipramina e 5 mg/kg para os demais). O encaminhamento ao DE é desnecessário em pacientes assintomáticos cujo intervalo da ingesta não intencional e a ligação para o centro de intoxicações seja maior que 6 horas. Nos casosde toxicidade grave (p. ex., FC > 120 bpm e QTc > 480 ms), recomenda-se manter monitorização cardíaca por 24 horas após melhora hemodinâmica, eletrocardiográfica e do nível de consciência. São medicamentos que inibem a recaptação de serotonina em SNC, SNP e plaquetas, estimulando os receptores serotoninérgicos. Quando comparados aos tricíclicos são mais seguros, necessitando de doses muito elevadas para que haja sintomas de intoxicação. O quadro pode ser agravado pelo uso concomitante de substâncias que aumentam o nível de serotonina, como inibidores da monoaminoxidase, os próprios tricíclicos, opioides, anfetaminas, sibutramina, ecstasy, cocaína, crack e LSD. A intoxicação isolada geralmente é oligossintomática, porém em casos mais graves podem ocorrer síndrome serotoninérgica, convulsões, depressão do SNC e anormalidades cardíacas. Os ISRSs são rapidamente absorvidos e atingem pico sérico dentro de 6 horas. A maioria possui elevada ligação a proteínas e longa meia-vida de eliminação, com atividade biológica sustentada pelos metabólitos ativos. O metabolismo é hepático, pelo sistema citocromo P450 e os metabólitos são excretados por via renal. Quadro Clínico Pacientes com ingesta intencional desenvolvem maior toxicidade que os casos com exposição acidental. É importante, portanto, questionar sobre o contexto da ingestão, sempre com a ressalva de que a informação proveniente do paciente é pouco confiável e necessita de confirmação. Os ISRSs, com exceção do citalopram e do escitalopram, possuem larga janela terapêutica: ingestas de até 30x a dose total diária tipicamente produzem sintomas menores, enquanto ingestas de 50 a 75x podem cursar com vômitos, depressão leve do nível de consciência e tremores. Casos fatais foram reportados com doses absurdamente elevadas (150x a dose diária) ou em cointoxicações (p. ex., álcool ou benzodiazepínicos). As principais manifestações clínicas são ataxia e letargia nos casos leves, seguidas de bradicardia, hipotensão, rebaixamento do nível de consciência e coma nos casos mais graves. Síndrome serotoninérgica é incomum (10-14%) e quando presente tende a ser não grave, exceto casos de cointoxicação com outras drogas serotoninérgicas. Rauana Vitória – MEDICINA 7º P Trata-se de uma condição clínica secundária à excessiva estimulação de receptores 5-HT1A e 5-HT2A tipicamente causada pela combinação de duas ou mais medicações serotoninérgicas, caracterizada pela tríade: • Alterações do estado mental: agitação, ansiedade, confusão mental e hipomania. • Instabilidade autonômica: taquicardia, hipertensão, sudorese, hipertermia e midríase. • Hiperatividade neuromuscular: hiper- reflexia, mioclonias, rigidez e tremores. A incidência de crises convulsivas é baixa, de 1 a 2% e usualmente são curtas e autolimitadas. Diagnóstico O diagnóstico, assim como na maior parte das intoxicações, é clínico. O nível sérico de drogas é de pouco valor diagnóstico e terapêutico. Sugere-se realizar eletrocardiograma na entrada, principalmente tratando-se de intoxicação por citalopram ou escitalopram e, se houver alargamento do intervalo QTc, manter o paciente monitorizado. Além disso, nos casos graves, monitorar CPK e mioglobinúria (risco de rabdomiólise), função renal, função hepática, hemograma, coagulograma e D- dímero (risco de CIVD). Entre os diagnósticos diferenciais estão intoxicações por outros antidepressivos, antipsicóticos, síndrome neuroléptica maligna e outras condições clínicas (hipoglicemia, distúrbios hidroeletrolíticos e distúrbios neurológicos). Manejo e tratamento A maior parte dos casos de intoxicação por ISRS não desenvolve sintomas graves e necessita, portanto, apenas de medidas de suporte. Vítimas de exposições acidentais menores, assintomáticas, podem ser observadas no domicílio. Pacientes com intoxicação por citalopram ou escitalopram devem ser monitorizados por pelo menos 6 horas devido à presença de metabólitos tóxicos. Recomenda-se: • Descontaminação gastrointestinal com carvão ativado é indicada na dose 1 g/kg (máximo de 50 g) se ingesta tiver ocorrido em menos de 1 a 2 horas e capacidade de proteção da via aérea. Não há benefício na estratégia de múltiplas doses. • Se taquicardias com QRS alargado, administrar bicarbonato de sódio 1 a 2 mEq/kg em bolus, em esquema semelhante à intoxicação por tricíclicos. Todos os pacientes com intervalo QTc alargado necessitam de eletrocardiograma seriado. • Monitorização cardíaca contínua para exclusão de arritmias ventriculares. Esse risco é maior com agentes que possuem metabólitos cardiotóxicos, como o citalopram. • Se intervalo QTc > 560 ms ou presença de outros fatores de risco para torsades de pointes (história prévia de torsades, bradicardia e extrassístoles ventriculares frequentes), convém administrar sulfato de magnésio 2 g EV em 2 min (repetir após 10-15 minutos se necessário). • Se efeito clínico, considerar infusão contínua de magnésio a 2 a 10 mg/min até que QTc < 500 ms. Novo ECG deve ser obtido a cada 4 a 8 horas até normalização (< 440 ms). Os pacientes que não serão internados necessitam de um ECG antes da alta para assegurar intervalos normais. Os pacientes podem ser encaminhados ao psiquiatra após 4 a 6 horas de observação caso estejam assintomáticos e não tenham desenvolvido alterações eletrocardiográficas, sobremaneira QTc prolongado. Ingestas maciças (150x a dose diária) demandam admissão por 24 horas e monitorização cardíaca contínua. Devido ao maior potencial cardiotóxico dos metabólitos do citalopram e escitalopram, os pacientes devem ter um ECG após 6 horas da ingesta. Prolongamento do QTc ou QRS em relação ao ECG admissional indica internação para monitorização contínua até normalização. O manejo da síndrome serotoninérgica inclui: Rauana Vitória – MEDICINA 7º P • Resfriamento corporal com medidas físicas. • Se temperatura central > 41°C, prosseguir com intubação orotraqueal + sedação com benzodiazepínicos e bloqueadores neuromusculares. • Em casos refratários, utilizar antagonistas da serotonina (ciproeptadina 12 mg VO/SNE). Intoxicações por paracetamol/ acetaminofeno é pouco comum no Brasil, no entanto, sua identificação precoce é importante, dada a sua potencial gravidade. Sua metabolização é predominantemente hepática e sua excreção renal. O pico de concentração sérica acontece por volta de 4 horas após a ingestão. São possíveis fatores que aumentam o risco de hepatotoxicidade induzida pelo acetaminofeno: • Idade > 40 anos. • Estoques reduzidos de glutation (má nutrição, jejum, doença hepática crônica). • Up-regulation do citocromo P450 (abuso crônico de álcool, medicações como isoniazida, rifampicina, fenobarbital). • Combinação com opioides. • Ingesta aguda de álcool (dentro de 8 horas da dose de acetaminofeno). As causas de overdose incluem: tentativa de autoextermínio com dose única; ingesta supraterapêutica repetida; ingesta de múltiplas medicações com acetaminofeno com intenção terapêutica. Doses potencialmente hepatotóxicas são ingesta única maior que 200 mg/kg ou 10 g em período menor que 8 horas. Após doses excessivas de paracetamol, os sistemas glicuroniltransferase e sulfoniltransferase, que habitualmente facilitam a conjugação e excreção urinária da droga, tornam-se saturados. O excedente do fármaco passa a ser metabolizado pela via do citocromo P450, da qual se origina o metabólito hepatotóxico NAPQI (Nacetil-p-benzo- quinona imina), que esgota a glutationa celular. Quando cerca de 70% da glutationa está esgotada, a NAPQI liga-se a proteínas do hepatócito, levando a alterações de membrana e morte celular (stress oxidativo e necrose hepatocitária), normalmente em 24 a 48 horas. Mais da metade dos pacientes com falência hepática aguda desenvolvem injúria renal (síndrome hepatorrenal). Usualmente a IRAocorre após o pico de lesão hepática. A intoxicação por paracetamol também está associada a maior risco de pancreatite aguda, principalmente em paciente entre 35 e 49 anos e com comorbidades como hepatite C, doença hepática alcoólica e DPOC. Quadro clínico Sintomas são raros antes da iminência da falência hepática. Portanto, mesmo pacientes gravemente intoxicados são admitidos frequentemente assintomáticos. A apresentação clínica é dividida em quatro fases: 1. Primeiras 24 horas pós-ingesta: não há achados específicos precoces que indiquem Rauana Vitória – MEDICINA 7º P toxicidade. Quando presentes, os sintomas são inespecíficos (náuseas, vômitos, dor abdominal, anorexia, letargia, diaforese). Exames laboratoriais são normais. 2. Entre 24 e 72 horas: sintomas podem melhorar ou mesmo desaparecer. Esperam-se anormalidade bioquímicas, como elevação de transaminases, bilirrubinas e tempo de protrombina. Lesão hepática progressiva pode se apresentar com dor no quadrante superior direito e hepatomegalia. 3. Entre 72 e 96 horas: pico da lesão hepática. Ocorre reaparecimento de náuseas e vômitos, assim como icterícia, coagulopatia, injúria renal aguda (25% dos casos), encefalopatia e manifestações do SNC (confusão, sonolência, coma). 4. Entre 96 horas e 14 dias: o paciente começa a melhorar e pode apresentar recuperação total dentro de 3 meses; ou, na ausência de melhora, progressão com disfunção orgânica múltipla e óbito. Os pacientes com recuperação não apresentam hepatopatia crônica. Os sintomas e os resultados laboratoriais podem variar conforme as formulações ingeridas. Por exemplo, associações com opioides, dose total (ingestas maciças – > 500 mg/kg – podem resultar em alteração do nível de consciência dentro de 12 horas), cointoxicações (rebaixamento do nível de consciência precoce não esperado, dentro das primeiras 48 horas) e doença hepática preexistente. Diagnóstico O diagnóstico depende da suspeita clínica e quantificação dos níveis séricos da medicação obtidos com pelo menos 4 horas de ingestão da droga, uma vez que dosagens anteriores a esse período podem não refletir sua absorção completa. Caso o momento da ingesta seja conhecido, o resultado deve ser plotado no nomograma de Rumack-Matthew, que determina a potencial toxicidade baseada no nível sérico de acetaminofeno e horas da ingesta aguda. Caso o mecanismo da intoxicação seja ingestões supraterapêuticas repetidas ou o momento exato seja desconhecido, deve-se usar a última hora que o paciente esteve livre de medicação, obter o nível sérico da droga e de transaminases. Nesse caso, acetaminofeno < 10 mg/mL e AST e ALT normais tornam o tratamento desnecessário. Alguns exames podem indicar anormalidade na função hepática, tipicamente após 24 a 72 horas pós-ingesta. Recomenda-se coletar em todos os pacientes com ingesta supraterapêutica repetida ou após 8 a 10 horas pósoverdose aguda. Elevações de ALT, AST, fosfatase alcalina, bilirrubinas e TP/INR merecem menção. Entre os achados que indicam pior prognóstico estão: 1. tempo de protrombina (TP) superior a 2; 2. bilirrubina total > 4; 3. pH < 7,3; 4. creatinina > 3,3 mg/dL; e 5. presença de sinais de encefalopatia hepática. Indicações de internação, terapia intensiva e seguimento As recomendações de 2006 da AAPCC orientam que a triagem extra-hospitalar das intoxicações por acetaminofeno deve transferir o paciente com tentativa de autoextermínio ao DE independentemente da quantidade ingerida. Já em pacientes com ingesta não intencional, a referência é indicada a pacientes com sinais de intoxicação (vômitos, dor abdominal, estado mental alterado) ou nos casos com > 10 g, > 200 mg/kg ou quantidade desconhecida. Caso a ingesta tenha ocorrido há mais de 36 horas e o indivíduo se mantenha assintomático, não é necessário o encaminhamento ao DE. Em pacientes com ingesta supraterapêutica repetida, indica-se referenciamento ao DE se: > 200 mg/kg ou 10 g em 24 horas; > 150 mg/kg ou 6 g/dia em 48 horas; > 100 mg/kg/dia ou 4 g/dia associado a fatores Rauana Vitória – MEDICINA 7º P de risco (gravidez, abuso crônico de álcool, jejum prolongado ou uso de isoniazida). Uma vez no DE, considera-se manejo na UTI no caso de alteração de nível de consciência e coagulopatia (INR > 1,5). Manejo e tratamento A descontaminação gastrointestinal com carvão ativado é indicada se o paciente se apresenta dentro de 1 a 2 horas da ingestão. Alguns pacientes podem se beneficiar do carvão ativado em até 4 horas: formulações de liberação estendida e coingestão com drogas que retardam o esvaziamento gástrico. A AAPCC orienta a administração pré-hospitalar de carvão ativado nas seguintes condições: políticas locais de centros de intoxicações suportam essa prática, dose tóxica de acetaminofeno e ingesta há menos de 2 horas. A lavagem gástrica não é indicada de rotina pela potencialidade de dano, principalmente aspiração. Se indicada, deve ser realizada por experts. A N-acetilcisteína (NAC) é considerada o antídoto para a toxicidade dos metabólitos do acetaminofeno, porém não afeta os níveis séricos da droga. Atua no clareamento do NAPQI e na recuperação da síntese de glutationa hepática, permitindo a regeneração hepatocitária. São recomendações para a administração de NAC: • Deve ser prescrita idealmente dentro de 8 horas da ingesta caso o nível sérico de acetaminofeno esteja acima da linha de tratamento do normograma de Rumack- Matthew. • No caso de ingestas supraterapêuticas repetidas ou momento desconhecido da intoxicação, prescreve-se NAC se acetaminofeno > 10 mcg/mL ou alterações de AST e ALT. • Caso os níveis séricos sejam indisponíveis em até 8 horas, indica-se o tratamento se dose acima de 150 mg/kg ou > 12 g. Os esquemas preconizados podem ser feitos por via oral ou endovenosa, a depender do estado mental e capacidade de tomar medicações por boca. São eles: • Oral: ataque de 140 mg/kg + manutenção de 70 mg/kg de 4/4 h, por 72 h ou até que paciente permaneça assintomático, sem sinais de hepatotoxicidade e com nível sérico < 10 mcg/mL. • Endovenoso (incapacidade por via oral, INR > 2 e gestantes): ataque de 150 mg/kg em 1 hora diluídos em 200-300 mL de SF ou SG 5% + manutenção de 12,5 mg/kg/h por 4 horas, seguido de 6,25 mg/kg/h por 16 horas. Na vigência de reações anafiláticas, recomenda-se interromper a infusão, aguardar a resolução dos sintomas e retomar a administração sempre que possível. Quanto ao esquema oral, as reações adversas são tipicamente gastrointestinais (náuseas e vômitos). Remoção extracorpórea, preferencialmente com hemodiálise intermitente, é considerada nos casos em que NAC isoladamente foi insuficiente. Suas indicações são: • Concentrações de acetaminofeno: > 1.000 mcg/mL caso NAC não tenha sido administrada. • > 90 mcg/L e evidência de disfunção mitocondrial (alteração de nível de consciência e acidose metabólica grave previamente à falência hepática). • Se NAC foi administrada; concentração de acetaminofeno > 700 mcg/L. • Evidência de disfunção mitocrondrial caso NAC não foi administrada. O transplante hepático é a única intervenção que melhora a sobrevida de pacientes com lesão hepática irreversível e falência hepática aguda. Aproximadamente 10% dos casos de insuficiência hepática aguda com necessidade de transplante são relacionados a paracetamol. Orienta-se monitorização diária de INR e creatinina em pacientes com coagulopatia e injúria renal aguda, respectivamente, até normalização. Os pacientes podem receber alta hospitalar nas seguintes situações: Rauana Vitória – MEDICINA 7º P • Esquema completo de NAC iniciado dentro de 8 horas da intoxicação sem sinais de toxicidade hepática ou alteração de função renal. • Assintomáticos, com creatinina e provas hepáticas normais caso a NAC seja iniciada após 8 horas. Os benzodiazepínicos(BZD) são uma das drogas mais prescritas no mundo. Em doses terapêuticas, são altamente toleradas. Seu mecanismo de ação envolve ativação de receptores gabaérgicos (particularmente GABAA) no sistema nervosos central, diminuindo a excitabilidade neuronal e levando a depressão dos reflexos medulares e do sistema ativador reticular ascendente, o que resulta em efeitos sedativos, antiansiedade, anticonvulsão e relaxamento generalizado muscular. São bem absorvidos por via oral e o volume de distribuição depende da lipossolubilidade do agente específico (varia de 0,26 L/kg do clordiozepóxido a 2 L/kg do diazepam). Circulam ligados a proteínas e são metabolizados no fígado. São medicações com alto índice terapêutico, ou seja, a dose tóxica é muito superior à terapêutica. Dessa forma, a maior parte dos atendimentos no Departamento de Emergência é decorrente de tentativas de suicídio. Quadro clínico As principais manifestações clínicas são rebaixamento do nível de consciência e depressão respiratória, sem outras alterações dos sinais vitais. A gravidade é maior quando há associação com outras substâncias depressoras do sistema nervoso central (álcool, antidepressivos, barbitúricos, opioides etc.). É importante a coleta adequada de informação da história da ingesta, que frequentemente requer o acesso aos serviços de atendimento pré-hospitalar e familiares/amigos. Habitualmente, os pacientes se apresentam com alteração do nível de consciência e letargia, embora possam estar ainda assintomáticos na admissão. No exame clínico, os achados neurológicos são sedação, sonolência, ataxia, disartria e hiporreflexia. Depressão respiratória e apneia podem acompanhar o quadro. Vale ressaltar que parada respiratória pode ocorrer com infusão endovenosa rápida mesmo de pequenas doses terapêuticas (como 2,5-5 mg de diazepam). Deve-se lembrar que a intoxicação por benzodiazepínicos pode causar reações paradoxais, incluindo excitação, ansiedade, agressividade e delírio; foram relatadas, mas são bastante incomuns. Diagnóstico O diagnóstico é clínico, baseado na história de exposição ao medicamento e exame físico sugestivo. Dosagem sérica de benzodiazepínicos não apresenta boa sensibilidade, pouco disponível e os resultados não são imediatos. Entre os diagnósticos diferenciais estão intoxicação por outras drogas depressoras do SNC, hipoglicemia, sepse, distúrbios hidroeletrolíticos e doenças neurológicas, incluindo acidente vascular cerebral e trauma cranioencefálico. Na dúvida uma tomografia de crânio deve ser solicitada. Orienta-se a avaliação da glicemia capilar e gasometria arterial. Considerar sempre a avaliação sérica dos níveis de acetaminofeno e salicilato nas suspeitas de ingesta intencional. Recomenda-se a realização de ECG, para triar cointoxicação que alarga o QRS e o QTc. A triagem qualitativa urinária possui utilidade questionável. Ela detecta os metabólitos oxazepam e nordiazepam, porém nem todos os BZD são metabolizados a essas substâncias (p. ex., clonazepam, alprazolam e lorazepam), o que aumenta a taxa de falsos-negativos. Manejo e tratamento O esteio do tratamento é o suporte: monitorização, suporte de oxigênio, hidratação adequada, exames laboratoriais e correção de eventuais distúrbios hidroeletrolíticos. Não postergar intubação Rauana Vitória – MEDICINA 7º P se rebaixamento importante do nível de consciência e incapacidade de proteção de vias aéreas. Hipotensão secundária a BZD geralmente responde bem a cristaloides. Lavagem gástrica e carvão ativado geralmente não são indicados devido ao risco de broncoaspiração. Apesar de haver um antagonista amplamente disponível, o flumazenil não é recomendado de rotina, em especial nos usuários crônicos de BZD, devido ao risco de precipitar grave síndrome de abstinência e diminuir o limiar convulsivo. Indicações de seu uso são: • Pacientes sedados com benzodiazepínicos para procedimentos que não fazem uso crônico, em que é necessário reverter o efeito da medicação. • Parada respiratória ou cardiorrespiratória presumidamente atribuída a BZD. A dose recomendada é 0,1 a 0,2 mg EV em bolus (em crianças 0,01 mg/kg), podendo ser repetido até dose máxima de 1 mg. Pacientes com persistência de depressão do SNC ou respiratória após 6 horas de observação requerem internação com intuito de se manter vigilância e investigação de diagnósticos alternativos. Aqueles com intoxicação isolada por BZD, assintomáticos ou levemente sintomáticos (facilmente despertáveis, ataxia leve), 6 horas após ingesta, podem receber alta hospitalar. Os opioides se ligam a receptores no SNC, TGI e nervos periféricos de três tipos diferentes (mu, kappa ou delta). Nos receptores centrais, determinam depressão do SNC e respiratória. No TGI, acarretam lentificação do esvaziamento gástrico e do trânsito colônico. Nos nervos periféricos, reduzem a sensação de dor. O início de ação depende da via de administração e do agente específico. Intuitivamente, a via endovenosa apresenta início de ação mais rápido que a oral. Alguns agentes, como a oxicodona e a morfina, apresentam tanto formulação de liberação imediata como estendida. Quadro Clínico As manifestações clínicas são clássicas e devem ser reconhecidas, principalmente no contexto de pacientes que fazem uso crônico: sonolência, rebaixamento do nível de consciência, miose (pupilas puntiformes), depressão respiratória (com bradipneia e hipoventilação), redução do peristaltismo e constipação intestinal. achado de bradipneia (FR < 12 irpm) é o sinal que melhor prediz intoxicação por opioides. A miose não é condição necessária para o diagnóstico, uma vez que midríase pode ocorrer decorrente de hipóxia ou coingestões. Diagnóstico O diagnóstico é clínico. Alguns opioides podem ser dosados na urina (p. ex., morfina e codeína); no entanto, sua concentração sérica não apresenta boa correlação com a gravidade dos sintomas. Testes urinários permanecem positivos por até 72 horas, período mais longo que a duração do efeito. Logo, o screening positivo não afasta outras causas de alteração da consciência. Caso a história e apresentação clínica sejam consistentes com intoxicação isolada por opioide em paciente hemodinamicamente estável, outros testes diagnósticos não são necessários. Caso contrário, consideram-se exames laboratoriais com a finalidade de excluir outras causas de rebaixamento do nível de consciência, assim como descartam-se outras intoxicações concomitantes. Exames indicados incluem: • Glicemia capilar. • Hemograma. • CPK. • Painel metabólico. • Gasometria. • Níveis séricos de acetaminofeno e salicilato. Raio X de tórax pode ser útil para avaliação de aspiração pulmonar. TC de crânio sem contraste ajuda no diferencial de rebaixamento do nível de consciência. Manejo e tratamento As prioridades são a restauração da oxigenação e ventilação, seguidas de Rauana Vitória – MEDICINA 7º P potencial reversão com naloxone. Medidas de suporte incluem monitorização, suporte de oxigênio, intubação orotraqueal se rebaixamento do nível de consciência importante, hidratação adequada, coleta de exames laboratoriais e correção de distúrbios hidroeletrolíticos. Se convulsões (p. ex., meperidina), tratar com benzodiazepínicos. Medidas de descontaminação (lavagem gástrica e carvão ativado) são pouco utilizadas por conta do alto risco de broncoaspiração. O naloxone é prescrito preferencialmente por via endovenosa, porém na ausência de acesso, vias alternativas são possíveis (intraóssea, subcutânea, intramuscular, intranasal, via cânula orotraqueal, inalatória). Sua principal indicação é depressão respiratória grave (FR < 12 irpm) e outros diagnósticos diferenciais devem ser considerados se ausência de melhora clínica após medicação. O objetivo é a reversão dos sintomas com a menor dose para evitar precipitação de abstinência.A dose inicial recomendada é 0,4 mg EV em bolus, podendo ser repetida, em doses crescentes, a cada 2 a 3 min até dose máxima de 15 mg. Porém, iniciar com doses tão menores como 0,04 mg IV com elevações seriadas é aceitável. Por via SC, inicia-se com 0,4 a 0,8 mg; via intranasal, 2 a 4 mg; via inalatória, 2 mg de naloxone em 3 mL de SF (o paciente deve estar respirando). Em casos de intoxicação por opioides de longa duração de ação com recorrência ou persistência da depressão respiratória, pode-se iniciar infusão contínua (dose horária inicial de dois terços da necessária para estimular a respiração). Na parada cardiorrespiratória, recomenda-se administrar 2 mg em bolus. São indicações formais de internação para observação: • Risco de efeitos prolongados: overdose por opioide de longa duração (metadona, oxicodona, patch de fentanil – mínimo de 24 horas de observação); overdose por rotas atípicas de exposição, o que torna a farmacocinética imprevisível (p. ex., ingestão de patch de fentanil). • Evidência de efeitos prolongados ou graves: necessidade de doses repetidas ou infusão contínua de naloxone; dessaturação persistente (suspeita de aspiração ou edema pulmonar); rebaixamento do nível de consciência persistente. Caso não tenha se administrado naloxone, observa-se por pelo menos 2 horas a fim de se assegurar que os efeitos da intoxicação não piorem. Betabloqueadores são inibidores competitivos de receptores beta- adrenérgicos (receptores beta-1 localizados no miocárdio e beta-2 localizados principalmente na musculatura lisa dos brônquios). Fazem parte desse grupo medicamentos muito utilizados por diversas especialidades, como propranolol, atenolol, bisoprolol, carvedilol e metoprolol. O início da ação se dá em 2 a 6 horas nas formulações de liberação imediata. O propranolol possui a peculiaridade de bloquear canais de sódio (podendo alargar o QRS e causar arritmias ventriculares). O carvedilol pode ocasionar vasodilatação por também bloquear receptores alfa- adrenérgicos, assim como o nebivolol, porém por efeito mediado por NO. Alguns fatores de risco são conhecidos para intoxicação por betabloqueadores, como extremos de idade, coingestões com substâncias hipotensoras e bradicárdicas, ingesta intencional, overdose por formulações de liberação estendida e condições cardiovasculares de base. Quadro clínico Do ponto de vista cardiovascular, esperam- se bradicardia, hipotensão e choque cardiogênico. No SNC, depressão do nível de consciência e convulsões podem ocorrer com drogas estabilizadores de membrana (propranolol). Crepitações e roncos sugerem lesão ou edema pulmonar. A associação de broncoespasmo por betabloqueador em Rauana Vitória – MEDICINA 7º P pacientes com asma e DPOC é tênue; portanto, grave comprometimento respiratório em intoxicações demanda avaliação pormenorizada. Diagnóstico O diagnóstico é clínico, sendo a quantificação de níveis séricos pouco disponível na prática. ECG sempre deve ser solicitado, no qual o alargamento do intervalo PR é alteração mais comumente encontrada, embora outros atrasos de condução também possam estar presentes. Como diagnóstico diferencial devemos pensar em intoxicações por bloqueadores de canais de cálcio, digoxina e síndrome colinérgica. Glicemia capilar deve ser realizada para afastar hipoglicemia. O achado de hiperglicemia em paciente hipotenso e bradicárdico, sem diabetes mellitus, levanta a suspeita de intoxicação por bloqueadores de canais de cálcio. Um painel metabólico basal é recomendado para avaliação de comprometimento da perfusão sistêmica. A despeito de o betabloqueio teoricamente poder causar hipercalemia. Manejo e tratamento Recomendam-se medidas de suporte como monitorização, suporte de oxigênio, intubação orotraqueal se rebaixamento do nível de consciência e hidratação adequada. Considerar carvão ativado em intoxicações por formulações de liberação imediata em até 1 a 2 horas (benefícios mínimos). Lavagem intestinal com PEG a 2 L/hora até efluente retal claro é apropriada em formulações de liberação estendida, obviamente em pacientes com capacidade de proteção de via aérea. O glucagon é o tratamento de escolha no paciente com bradicardia sintomática e hipotensão, por estimular a adenilato ciclase por meio de seu receptor específico em vez de via receptor beta. A dose inicial é de 2 a 5 mg em bolus lento. Caso a dose tenha sido eficaz, inicia-se infusão contínua a 1 a 5 mg/hora. Gluconato ou cloreto de cálcio são considerados para otimizar as concentrações de cálcio intracelulares e o inotropismo, embora haja pouca evidência na literatura (gluconato de cálcio 10% 30 mL + SF 100 mL EV em 10 min). Caso haja refratariedade a fluidos, glucagon e cálcio, recomenda-se administrar glicoinsulinoterapia em altas doses (hiperinsulinemia-euglicemia). Hipocalemia e hipoglicemia relativa devem ser corrigidos antes da terapia. Para pacientes com glicemia < 200 mg/dL, administra-se 50 mL de glicose a 50% e considera-se infusão contínua de glicose 10% a 100 mL/h (titular para euglicemia). No caso de K+ < 3 mEq/L, administra-se 20 mEq de potássio IV. Inicia- se a terapia com insulina em altas doses com bolus de 1 UI/kg de insulina regular, seguido de 0,5 UI/kg/hora em infusão contínua, com titulação até o máximo de 10 UI/kg até que a hipotensão seja corrigida. A resposta hemodinâmica à terapia é tardia, após 30 a 60 minutos. O potássio sérico deve ser medido a cada 30 min até estabilidade e, em seguida, a cada 1 a 2 horas. Vasopressores são reservados a pacientes refratários. As opções de escolha são epinefrina e norepinefrina, com objetivo de manter PAM > 60 mmHg. Evita-se a utilização de dopamina. A emulsão lipídica é uma terapia destinada aos pacientes refratários a todas as medidas. Sua evidência é mais robusta em intoxicações graves por bloqueadores de canais de cálcio. A dose de emulsão a 20% é 1 a 1,5 mL/kg IV em 1 min; repetir a cada 3 a 5 minutos até 8 mL/kg, se necessário. Se Rauana Vitória – MEDICINA 7º P o paciente responde à primeira dose, manter infusão 0,25 a 0,5 mL/kg/min até recuperação hemodinâmica (geralmente mantida por 30 a 60 min). A internação é obrigatória em todos os pacientes sintomáticos. Assintomáticos com suspeita de ingesta de formulações de liberação estendida também demandam hospitalização para monitorização cardíaca. Pacientes assintomáticos com ingesta não intencional de formulações de liberação imediata podem receber alta após 6 horas de observação. Essas drogas reduzem o influxo celular de cálcio por meio do bloqueio de canais de cálcio voltagem dependentes (tipo L) – no miocárdio, resulta em redução do cronotropismo e inotropismo (principalmente os não diidropiridínicos); no músculo liso vascular, resulta em hipotensão (principalmente os di-idropiridínicos). Entre os fármacos mais utilizados estão verapamil, diltiazem e anlodipino. O início de ação se dá em aproximadamente 2 horas para as formulações de liberação imediata e em até 15 horas para as de liberação estendida. Os fatores de risco do aumento potencial de toxicidade são os mesmo dos betabloqueadores. Quadro Clínico e diagnóstico O quadro clínico e o diagnóstico são muito semelhantes aos da intoxicação por betabloqueadores. Algumas peculiaridades chamam atenção. Suspeita-se de intoxicação por bloqueadores de canais de cálcio em pacientes bradicárdicos e hipotensos com nível de consciência preservado (limitado pela hipoperfusão, portanto o rebaixamento é um achado tardio) e hiperglicemia (liberação pancreática de insulina prejudicada). O achado de hiperglicemia é um marcador de mau prognóstico. O ECG é obrigatório em todos os pacientes. A hipoperfusão sistêmica pode causar uma acidose com lactato aumentado com ânion-gap elevado e baixo nível de bicarbonato sérico. A hipocalemia pode ser observada em overdosesgraves. Recomenda-se dosar eletrólitos e a função renal. Não existe teste diagnóstico que confirme toxicidade por bloqueadores de canais de cálcio, pois as dosagens de concentrações séricas de bloqueadores dos canais de cálcio não são disponíveis. Manejo e tratamento A descontaminação gastrointestinal com carvão ativado é indicada nas intoxicações por preparações de liberação imediata dentro de 1 a 2 horas em pacientes acordados com baixo risco de aspiração. A lavagem intestinal é indicada à semelhança de betabloqueador. Após a administração de cristaloides na terapia de suporte, o tratamento de primeira linha é a infusão de cálcio. • Gluconato de cálcio (1 g = 4,3 mEq Ca2+): infundir 3 a 6 g IV, em 3 a 5 minutos. • Cloreto de cálcio (1 g = 13,4 mEq Ca2+): infundir 1 a 2 g IV em 3 a 5 min. Possui concentrações de cálcio elementar 3x maiores e necessidade de acesso venoso central para administração. O efeito do cálcio é breve e pode requerer nova administração em 15 a 20 min, até o máximo de 4 doses. Os níveis de cálcio e fósforo devem ser monitorizados. A atropina também pode ser administrada. Porém, uma vez que não há vagotonia, a eficácia é limitada. O glucagon, primeira linha de tratamento para betabloqueador, é utilizado com algum sucesso, porém seu Rauana Vitória – MEDICINA 7º P efeito inotrópico e cronotrópico depende de cálcio intracelular. A posologia é a mesma supracitada. As recomendações quanto a terapia com hiperinsulinemia-euglicemia, drogas vasoativas e emulsão lipídica intravenosa são as mesmas descritas para intoxicação por betabloqueador. Organofosforados (OF) (p. ex., Malathion, Parathion, Fenthion) e carbamatos (CB) (p. ex., Aldicarb, Carbofuran, Carbaryl) são compostos orgânicos utilizados principalmente como inseticidas na agricultura, como arma química e em ataques terroristas. Além do uso como agrotóxico, podem-se encontrar esses compostos em venenos de rato clandestinos (chumbinho). As intoxicações agudas ocorrem principalmente por tentativa de suicídio e por aplicação dos produtos sem uso de equipamentos de proteção individual (EPI). Esses compostos são facilmente absorvidos pela pele, pulmão e trato gastrointestinal. Ligam-se, então, à enzima acetilcolinesterase – os OF levam a uma alteração conformacional da enzima, provocando uma perda de função irreversível enquanto os CB inibem temporariamente sua atividade, normalmente por 24 a 48 horas. A acetilcolinesterase é responsável pela hidrólise da acetilcolina em colina e ácido acético, sendo que sua inibição leva a um acúmulo de acetilcolina nas sinapses nervosas e na junção neuromuscular. Além disso, esses compostos apresentam toxicidade neuronal e podem levar a neuropatias. Quadro Clínico O tempo para o aparecimento dos sintomas depende da via de contaminação: exposição oral ou respiratória leva a sintomas dentro de 3 horas, enquanto a exposição cutânea leva a sintomas mais tardiamente, em até 12 horas após a exposição. Os sintomas decorrem do excesso de acetilcolina, que leva a uma síndrome colinérgica. No exame físico, chama a atenção a sialorreia, o lacrimejamento intenso e a miose, além de roncos na ausculta pulmonar que indicam broncorreia. O paciente pode encontrar-se em insuficiência respiratória tanto pela broncorreia como pela fraqueza muscular e depressão respiratória. Apesar de o paciente poder apresentar taquicardia e hipertensão por ativação simpática, o mais comum é a bradicardia e hipotensão, podendo cursar com bloqueios atrioventriculares e aumento do intervalo QT. Cerca de 10 a 40% dos pacientes apresentam a síndrome intermediária, que consiste em sintomas neurológicos que surgem após 24 a 96 horas da exposição caracterizados por fraqueza muscular proximal, diminuição de reflexos tendinosos profundos, fraqueza na flexão do pescoço e alteração de pares cranianos. A síndrome intermediária é mais comum na intoxicação por OF lipossolúveis, sendo raramente descrita na intoxicação por CB. Além da síndrome intermediária, os OF podem levar a uma neuropatia tardia que surge 1 a 3 semanas após a exposição. Cursa com parestesias em bota e luva, seguida de uma polineuropatia motora simétrica que se inicia em membros inferiores e progride para os membros superiores. Diagnóstico O diagnóstico da intoxicação por OF e CB é eminentemente clínico – deve-se levar em conta a exposição ou provável exposição associada ao quadro de síndrome colinérgica. Vale ressaltar que é importante sempre buscar o nome do composto e o tempo da exposição. Em caso de dúvida diagnóstica, pode-se realizar prova terapêutica com 1 mg de atropina endovenosa – se o paciente não apresentar sinais anticolinérgicos (taquicardia, midríase) após a administração de atropina, o diagnóstico de síndrome colinérgica é reforçado. Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Vitória – MEDICINA 7º P A medida da atividade eritrocitária da acetilcolinesterase é proporcional ao grau de toxicidade, podendo auxiliar no diagnóstico, porém é um exame pouco disponível e demorado. Devemos coletar hemograma, glicemia, função hepática e renal, eletrólitos, gasometria, CPK e eletrocardiograma em toda suspeita de intoxicação. Tanto os OF como os CB apresentam metabolização hepática e excreção renal, sendo importante avaliar a função desses órgãos. Manejo A equipe médica deve estar paramentada e realizar o atendimento em ambiente, de preferência, ventilado, a fim de evitar a própria exposição tópica ao químico. O atendimento inicial visa à estabilização do paciente. Em caso de rebaixamento do nível de consciência ou insuficiência respiratória, devemos realizar intubação orotraqueal precoce. Evita-se o uso de succinilcolina nesses pacientes, pois essa droga também é degradada pela acetilcolinesterase e terá o seu efeito prolongado. O uso de bloqueadores neuromusculares não despolarizantes (p. ex., rocurônio) é indicado, porém doses maiores que as habituais são eventualmente necessárias devido à competição com a acetilcolina na junção neuromuscular. Em caso de bradicardia, orienta-se realizar o tratamento habitual. No paciente hipotenso, a expansão com cristaloides está indicada, assim como o uso de drogas vasoativas, se necessário. Na ocorrência de convulsões, benzodiazepínicos são a droga de escolha. A descontaminação é uma medida concomitante à estabilização clínica. Em caso de exposição tópica, retira-se toda a roupa do paciente e realiza-se a lavagem abundante da pele com água corrente. A lavagem gástrica não é indicada. O uso de carvão ativado na dose de 1 mg/kg (máximo de 100 mg) em ingesta via oral em menos de 1 hora pode ser considerado, com benefício incerto. Contraindica-se a indução de vômitos devido ao elevado risco de broncoaspiração e à ausência de eficácia desse método de descontaminação. A terapia específica na intoxicação por OF e CB consiste na administração de atropina endovenosa e deve ser realizada o mais cedo possível. A atropina compete pela acetilcolina nos receptores muscarínicos e reverte seus efeitos. Deve-se realizar bolus de 1 a 4 mg (0,05-0,1 mg/kg em crianças) a cada 2 a 15 minutos até que as manifestações respiratórias (broncorreia e depressão respiratória) sejam revertidas. Uma maneira simples de guiar a terapia é a ausculta pulmonar – administra-se atropina até não se auscultar mais roncos. Podem ser necessárias múltiplas doses até o efeito desejado. Vale ressaltar que a taquicardia e midríase não são parâmetros adequados para guiar o tratamento. Como a ligação do OF é irreversível e o efeito dos CB dura 24 a 48 horas, após o bolus inicial já descrito, é necessário realizar atropina em bomba de infusão contínua até que os efeitosda intoxicação sejam revertidos. O uso de cáusticos, tanto ácidos como álcalis, como produtos de limpeza, é difundido globalmente. Alguns compostos também são utilizados na fabricação do sabão caseiro (hidróxido de sódio – soda caústica). Produtos comuns são a soda cáustica, limpa-pedra, amônia, alvejantes, desinfetantes e cimento. A ingestão desses produtos pode ocorrer acidentalmente ou como tentativa de suicídio, tendo uma incidência maior em crianças por ingesta acidental. Os produtos ácidos costumam causar lesões quando têm o pH < 3 devido à necrose por coagulação (trombose de vasos superficiais da mucosa, com lesão e formação de escara local). Normalmente os ácidos costumam lesar o esôfago e a mucosa gástrica. Já os álcalis costumam causar lesões quando apresentam pH > 11, por necrose por liquefação (dissolução de proteínas, destruição do colágeno, saponificação de gorduras e trombose transmural, resultando em uma lesão extensa em todas camadas do tecido). Pode ocorrer lesão do duodeno, porém o mais comum é lesão esofágica ou gástrica. Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Vitória – MEDICINA 7º P Quadro clínico O quadro clínico varia de acordo com a quantidade, com o pH do líquido e com os locais de lesão. O paciente pode apresentar lesões orais, odinofagia, sialorreia, vômitos, hematêmese, disfagia e dor retroesternal. Deve-se procurar ativamente por sinais de irritação peritoneal e realizar a percussão do hipocôndrio direito que, se timpânica (sinal de Jobert), pode indicar perfuração do TGI. Em caso de dor retroesternal importante ou dor em região dorsal, suspeita-se de perfuração esofágica e pneumomediastino. Além disso, pode haver rouquidão, disfonia e dispneia em caso lesão da laringe. A presença de febre, taquicardia ou choque indicam lesão mais extensa, com grande chance de perfuração de esôfago ou gástrica. Diagnóstico O diagnóstico é clínico e baseado na história e nos achados do exame físico. A presença de disfagia, lesões em cavidade oral, odinofagia, sialorreia e disfonia corrobora lesão esofágica, porém a ausência desses sinais não exclui lesões. Em caso de suspeita de perfuração esofágica, gástrica ou na presença de instabilidade hemodinâmica, deve-se realizar exames de imagem para avaliar a presença de abdome agudo perfurativo ou mediastinite. Para todos os pacientes sintomáticos ou com ingesta de produtos com pH menor que 3 ou maior que 11, devemos colher hemograma, função renal e eletrólitos, gasometria, glicose e realizar uma radiografia de tórax e abdome. A endoscopia digestiva alta (EDA) está indicada em caso de sintomas, não aceitação de dieta, sinais de lesão do TGI (sialorreia, lesões em cavidade oral, disfagia, disfonia, dor retroesternal e epigástrica refratária), tentativa de suicídio e líquido com pH menor que 3 ou maior que 11. A EDA deve ser realizada idealmente dentro de 24 horas da ingesta e é contraindicada caso haja sinais de perfuração ou instabilidade hemodinâmica. Manejo É contraindicada a realização de lavagem gástrica, carvão ativado ou outra medida de descontaminação gástrica, assim como o uso de eméticos (podem causar uma nova lesão pela passagem da substância), de agentes neutralizantes (a reação libera calor e aumenta a lesão) e a passagem de sondas gástricas ou entéricas sem visualização direta por EDA. Em caso de sinais de perfuração, abdome agudo perfurativo ou mediastinite perfurativa, os pacientes devem ser encaminhados para tratamento cirúrgico de urgência. Se ingesta de pequena quantidade, acidental, de produtos com pH próximo de 7 em pacientes assintomáticos, convém realizar um teste de aceitação de dieta – iniciar com líquidos, progredir para gelatina, alimentos pastosos e sólidos; se boa aceitação, sem odinofagia, disfagia ou dor retroesternal, procede-se à alta hospitalar; em caso de sintomas deve ser realizada EDA para avaliação de lesão. Nos casos que não se encaixam nas descrições do anteriormente citadas, prescrevem-se analgésicos, antieméticos se necessário e inibidores de bomba de prótons endovenosos. O paciente deve ser mantido em jejum. Em caso de alterações respiratórias, deve-se realizar avaliação da via aérea devido à possibilidade de estenose de laringe por lesão cáustica. Após a realização da EDA, o tratamento é realizado conforme o grau da lesão. O uso de corticoide não é indicado e antibióticos devem ser utilizados apenas se sinais de infecção bacteriana. Pacientes com lesões extensas (IIIb) necessitam de ser avaliados por um especialista pela possível necessidade de esofagectomia. Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Vitória – MEDICINA 7º P O monóxido de carbono é um gás incolor, insípido e inodoro resultado da combustão incompleta de substâncias que contenham carbono, sendo fonte mais comum a queima de combustíveis fósseis. É rapidamente absorvido pelo pulmão, tem rápida distribuição no sangue e meia-vida de 252 minutos. Liga-se à hemoglobina (carboxiemoglobina) com afinidade 300 vezes superior à do oxigênio (oxi-hemoglobina), prejudicando a distribuição de O2 aos tecidos (hipóxia celular). Ademais, também se liga à mioglobina no músculo cardíaco com afinidade 60 vezes maior que a do oxigênio, o que predispõe a arritmias. Além da competição com o oxigênio nos carreadores dessa molécula, inibe a citocromooxidase (em menor grau que o cianeto) e causa estresse oxidativo. Quadro Clínico Pacientes com intoxicações leves a moderadas apresentam cefaleia (sintoma mais comum), mal-estar, náuseas, vertigem, confusão mental, fraqueza e letargia. Nas intoxicações graves o paciente pode apresentar síncope, convulsões, rebaixamento do nível de consciência, ataxia, arritmias, acidose metabólica e coma. A ocorrência de isquemia miocárdica é comum nos casos graves e está associada a maior mortalidade no longo prazo. Além do quadro agudo, após 2 a 40 dias da exposição podem ocorrer sintomas neurocognitivos como déficit cognitivo, síndrome amnésticas, psicose, parkisoninsmo, apraxia, coreia, neuropatias, alterações da personalidade e dificuldade de concentração. Diagnóstico O diagnóstico é clínico, corroborado pelos níveis séricos de carboxiemoglobina. Em caso de exposição e quadro clínico compatível, o diagnóstico é facilmente alcançado, porém, como o quadro é inespecífico, muitas vezes podem ocorrer dúvidas diagnóstica. Os níveis normais de carboxiemoglobina são menores que 2% e de 6 a 10% nos fumantes. O nível acima da normalidade ajuda no diagnóstico, porém não há correlação direta com a gravidade. A oximetria de pulso não é útil, pois não consegue diferenciar a carboxiemoglobina da oxiemoglobina. Orienta-se solicitar hemograma, eletrólitos, função renal, enzimas e função hepática, glicose, gasometria arterial com lactato, marcadores de necrose miocárdica e eletrocardiograma. Considera-se tomografia computadorizada de crânio para diagnóstico diferencial de alteração do nível de consciência – a ocorrência de hemorragia do globo pálido pode ocorrer nas intoxicações por monóxido de carbono. Manejo A estabilização do paciente é essencial: IOT se necessário, expansão volêmica e drogas vasoativas se hipotensão, benzodiazepínicos se convulsões. O tratamento da intoxicação é feito com oxigênio em altas concentrações: oferta de O2 a 100% reduz a meia-vida para 75 minutos e, em câmara hiperbárica, para 20 minutos. Inicialmente, oferta-se O2 a 100% por meio de máscara não reinalante. O tratamento em câmara hiperbárica é indicado em pacientes em coma, alteraçõesimportantes do estado mental, déficits neurológicos, evidência de isquemia miocárdica, acidose metabólica persistente, níveis de carboxiemoglobina maiores que 25% e em gestantes com sofrimento fetal. A câmara deve ser ajustada para chegar em 2,5 a 3 atmosferas com oxigênio a 100% em até 12 horas da exposição. A cocaína é um alcaloide extraído das folhas da Erithroxylum coca, utilizado antigamente como anestésico e hoje como droga de abuso. Pode ser consumida por: via nasal (cloridrato de cocaína), voa Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Vitória – MEDICINA 7º P oral (folhas de coca), via injetável (cloridrato de cocaína) ou via fumo (crack). A intoxicação também pode ocorrer em body-packers, pessoas que transportam a droga em pacotes dentro do intestino, após o rompimento de um ou mais pacotes. A cocaína é bem absorvida por todas as vias, com uma biodisponibilidade de 90% se utilizada via fumo e 80% no uso via nasal. Após a absorção, a cocaína é metabolizada no fígado e pela pseudocolinesterase em ecgonina metil-éster, norcaína (cruza a barreira hematoencefálica) e benzoilecgonina (potente vasoconstritor). Se consumida juntamente com álcool, forma o cocaetileno, cuja ação dura 13 horas, tendo ação vasoconstritora, cardiotóxica, arritmogênica e neurotóxica. A cocaína é um agente simpatomimético indireto, bloqueando a recaptação de catecolaminas (dopamina, adrenalina e noradrenalina) e estimulando os receptores alfa-1, alfa-2, beta-1 e beta-2 adrenérgicos. Bloqueia também os canais de sódio, aumenta a concentração de glutamato e aspartato (aminoácidos excitatórios) no sistema nervoso central, bloqueia a recaptação de serotonina, aumenta a produção de endotelina e diminui a produção de óxido nítrico. Quadro clínico O conjunto de sintomas relacionados à ativação adrenérgica (agitação, midríase não fotorreagente, sudorese, taquicardia, hipertensão) é conhecido como síndrome adrenérgica. O uso de cocaína está associado com vasoconstrição e formação de trombos, podendo levar a sintomas cardiovasculares e a emergências hipertensivas. Além disso, o paciente pode apresentar arritmias como fibrilação atrial, fibrilação ventricular, taquicardia ventricular e arritmia Brugada-like, tanto por quadro isquêmico agudo como pelas alterações nos canais de sódio. O uso da cocaína via fumo (crack) pode levar a queimaduras de faringe devido à alta temperatura necessária para a combustão. Lesão renal aguda pode ocorrer tanto por rabdomiólise como por vasoconstrição renal. O espectro da intoxicação pode variar de leve, moderada a grave, caracterizada pela ocorrência de arritmias cardíacas, hipotensão, dispneia, emergências hipertensivas, convulsão, coma e parada cardiorrespiratória. Em todo paciente com suspeita, devemos perguntar sobre a via de uso, quanto tempo decorrido desde o uso, a quantidade, possibilidade de gestação, tempo de início dos sintomas, ingesta de álcool ou outras drogas/medicamentos e presença de dor torácica ou abdominal. Diagnóstico Em todo paciente com síndrome adrenérgica devemos suspeitar de intoxicação por cocaína ou crack, principalmente em adultos jovens. A presença de pó nas narinas, lesões de mucosa nasal, queimadura em pontas de dedos aumenta nossa suspeita. Para ajudar no diagnóstico, podemos realizar o teste qualitativo de benzoilecgonina, um metabólito da cocaína, na urina, saliva, cabelo ou sangue – esse teste é apenas qualitativo, indica se o indivíduo utilizou ou não a substância. Devemos coletar os seguintes exames: • Hemograma. • Função renal e eletrólitos. • Creatinofosfoquinase (CPK) (podendo indicar rabdomiólise). • Eletrocardiograma (ECG). • Gasometria arterial com lactato. Em caso de sintomas neurológicos persistentes, realiza-se uma tomografia computadorizada de crânio, na presença de dor pré-cordial deve-se colher troponina, Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Vitória – MEDICINA 7º P na suspeita de dissecção de aorta deve-se realizar uma angiotomografia de aorta, se dor abdominal ou torácica, deve ser realizada uma radiografia de tórax e de abdome. Manejo Devemos iniciar com a estabilização do paciente: expansão volêmica e drogas vasoativas se hipotensão (preferir dopamina se não houver resposta adequada com noradrenalina), oxigênio suplementar se indicado e intubação orotraqueal se necessário. Em caso de intubação por sequência rápida, devemos evitar o uso de quetamina devido ao seu efeito hipertensor (preferir o uso de benzodiazepínicos propofol ou etomidato) e de succinilcolina, dando preferência para o uso de rocurônio como bloqueador neuromuscular – a succinilcolina e a cocaína são degradadas pela colinesterase plasmática; o uso, portanto, pode prolongar tanto o efeito da cocaína como a paralisia muscular da succinilcolina. Os benzodiazepínicos são importantíssimos no manejo de intoxicação aguda por cocaína, ajudando no controle da agitação, nos sintomas adrenérgicos (taquicardia, hipertensão), na hipertermia, rabdomiólise e nas convulsões. Utiliza-se diazepam 5 a 10 mg endovenoso (0,25-0,4 mg/kg em crianças com máximo de 10 mg) a cada 5 a 10 minutos, repetido até controle das manifestações. Se não houver acesso venoso, podemos utilizar midazolam intramuscular. O uso de neurolépticos (haloperidol, clorpromazina) deve ser evitado, pois reduzem o limiar convulsivo e podem piorar os efeitos cardíacos e a hipertermia. Em caso de convulsões devemos utilizar benzodiazepínicos e, se refratariedade, fenobarbital. Em caso de síndrome coronariana aguda, devemos seguir o tratamento habitual, adicionado de diazepam, dando preferência, nos casos de infarto agudo do miocárdio (IAM) com supra-ST, para angioplastia primária devido à ausência de estudos com fibrinólise. As emergências hipertensivas devem ser tratadas de forma habitual, sempre com acréscimo de diazepam. Na ocorrência de taquiarritmias após o uso de cocaína, deve-se realizar bolus de 1 a 2 mEq/kg de bicarbonato de sódio, pois sua ocorrência está relacionada com o bloqueio de canais de sódio. Taquiarritmias tardias estão relacionadas com isquemia e devem ter seu manejo habitual. Em caso de ingesta por via oral da droga em menos de 1 hora, podemos administrar carvão ativado via oral na dose de 1 g/kg (máximo de 50 g). Em body-packers, deve-se realizar a lavagem intestinal contínua com infusão de polietilenoglicol via sonda 1.500 a 2.000 mL/hora (6-12 anos: 1.000 mL/h; < 6 anos: 500 mL/hora) até eliminação total dos pacotes – em caso de sintomas, deve-se realizar a retirada cirúrgica imediata. Pacientes com intoxicação aguda leve ou moderada devem ser mantidos em observação por 6 a 8 horas, podendo receber alta após resolução completa dos sintomas. Em caso de dor torácica, devemos manter em observação por 8 a 12 horas para obtenção de marcadores de necrose miocárdica seriados. Em caso de sintomas neurológicos ou hipertermia, devemos realizar uma observação prolongada pelo risco aumentado de sequelas. O metanol é um álcool utilizado como adulterante em combustíveis de automóvel e bebidas alcoólicas, fluidos, limpadores de para-brisas, matéria-prima para fabricação de biodiesel e como solvente. É rapidamente absorvido após ingesta oral e tem dose letal de 30 a 240 mL. Atualmente é a principal causa de intoxicação por álcoois. Ao ser absorvido, é transformado em formaldeído pela enzima álcool- desidrogenase e posteriormente transformado em ácido fórmico pela enzima aldeído-desidrogenase. Os produtos da sua transformaçãosão responsáveis pela ocorrência de acidose metabólica e pelas lesões no nervo óptico e sistema nervoso central. Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Vitória – MEDICINA 7º P Quadro clínico O quadro inicial é semelhante ao da intoxicação por etanol, cursando com ataxia, desinibição e sedação, podendo ser acompanhado por dor abdominal, náusea, vômitos, cefaleia, taquicardia e hipotensão. Após 12 a 24 horas, iniciam-se acidose metabólica, taquipneia, hipotensão, taquicardia, arritmias, convulsões, rebaixamento do nível de consciência e injúria renal aguda. Além disso, é comum o paciente apresentar alterações visuais como diplopia, visão borrada, diminuição da acuidade visual e cegueira. Ao exame do fundo de olho podemos encontrar midríase, hiperemia do disco óptico e papiledema. Em intoxicações graves, além das manifestações citadas, o paciente pode apresentar parkinsonismo devido à lesão dos gânglios da base. Diagnóstico A presença de dor abdominal, náuseas e vômitos associada a alterações visuais após a ingesta de produtos que potencialmente contêm metanol deve levantar a suspeita de intoxicação por esse álcool. Para confirmar o diagnóstico, podemos realizar a dosagem sérica de metanol. A presença de acidose metabólica com ânion-gap aumentado, gap osmolar aumentado e necrose e/ou hemorragia bilateral de putâmen e gânglios da base em exame de imagem de crânio favorece o diagnóstico. Em toda suspeita de intoxicação, além dos exames citados, devemos colher glicemia, eletrólitos (incluindo cálcio e magnésio), função hepática e renal, hemograma e eletrocardiograma. Manejo O paciente deve ser monitorizado no departamento de emergência em razão da alta letalidade e da alta ocorrência de complicações. Inicialmente, procede-se a estabilização clínica. Devemos realizar expansão volêmica e drogas vasoativas em caso de hipotensão. Se rebaixamento do nível de consciência e incapacidade de proteção de via aérea, é necessário realizar a intubação orotraqueal. Devemos realizar sempre a sequência rápida de intubação nesse caso. Caso pH < 7,30, corrige-se a acidose com bicarbonato de sódio endovenoso (agressivamente se pH < 7,00). O paciente pode apresentar distúrbios eletrolíticos (hipocalcemia, hipomagnesemia) que devem ser corrigidos prontamente. O antídoto disponível no Brasil para a intoxicação por metanol é o etanol. O etanol satura a enzima álcooldesidrogenase, diminuindo a formação dos metabólitos tóxicos do metanol. Prescreve-se dose de ataque de 0,8 g/kg de etanol absoluto endovenoso em 1 hora seguida de manutenção de 130 mg/kg/h de etanol absoluto (150 mg/kg/h em etilistas crônicos). Em caso de hemodiálise, aumenta-se a dose para 250 a 350 mg/kg/h. O etanol deve ser diluído em uma solução a 10% com soro glicosado 5%. As indicações do uso de antídoto são: • Pacientes sintomáticos, com possível exposição a metanol e ânion-gap maior que 12 e/ou gap osmolar maior que 10. • Concentração sérica de metanol maior que 20 mg/dL com ausência de nível sérico de etanol. Além do antídoto, podemos utilizar ácido fólico 1 mg/kg (até 50 mg) diluído em 100 mL de soro glicosado a 5% a cada 4 horas. O ácido fólico aumenta a transformação do ácido fórmico em gás carbônico e água. Outra medida de eliminação é a hemodiálise, recomendada em pacientes com acidose metabólica grave, alterações visuais, injúria renal aguda, instabilidade hemodinâmica refratária, distúrbios eletrolíticos refratários e nível sérico de metanol maior que 50 mg/dL. O uso de carvão ativado ou realização de lavagem gástrica é contraindicado na intoxicação por metanol. Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce Rauana Realce
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