Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Rauana Vitória – MEDICINA 7º P Introdução A avaliação do abdome e da pelve é um dos componentes mais desafiadores na avaliação inicial do traumatizado. O trauma abdominal é o traumatismo causado diretamente na região abdominal ou que repercuta em lesões de estruturas abdominais. Durante a avaliação primária de pacientes que sofreram trauma fechado, a avaliação da circulação inclui o pronto reconhecimento de possível hemorragia, como aquelas que podem ocorrer no abdome e na pelve. Como volumes significativos de sangue podem estar presentes na cavidade abdominal sem causar mudanças dramáticas na aparência ou nas dimensões do abdome, qualquer doente que tenha sofrido trauma fechado no tronco deve ser considerado portador de lesão vascular, de víscera abdominal ou pélvica até que se prove o contrário. Anatomia do abdome O abdome é parcialmente cercado pela parte inferior do tórax. O abdome anterior é a área compreendida entre os arcos costais (superiormente), ligamentos inguinais e sínfise púbica (inferiormente), e linhas axilares anteriores (lateralmente). Ferimentos aqui devem acometer as vísceras ocas. A transição toracoabdominal é a área localizada abaixo da linha transmamilar (anteriormente), linha infraescapular (posteriormente), e arcos costais (superiormente). Ferimentos nessa área deve acometer o diafragma, fígado, baço e estômago. O flanco é a área localizada entre as linhas axilares anterior e posterior, desde o 6º EIC até a crista ilíaca. A espessa musculatura da parede abdominal deste local atua como barreira para ferimentos penetrantes, particularmente aqueles causados por arma branca. O dorso área localizada na região posterior e tem como limites as linhas axilares posteriores, as pontas das escápulas e as cristas ilíacas. Semelhante ao flanco, essa região encontra-se protegida pelos músculos do dorso e paraespinhais, formando uma barreira parcial para ferimentos penetrantes. Ferimentos que atingem o flanco e o dorso podem acometer os órgãos retroperitoneais (aorta abdominal, veia cava inferior, parte do duodeno, pâncreas, rins, ureteres, segmento posterior dos cólons ascendentes e descendentes). Lesões de órgãos Rauana Vitória – MEDICINA 7º P e vísceras retroperitoneais são difíceis de serem reconhecidas e diagnosticadas, pois essa área não possibilita a realização de um exame físico adequado e os sinais ou sintomas de peritonite podem não estar presentes na fase inicial. A cavidade pélvica é limitada pelos ossos pélvicos, consistindo na parte inferior dos espaços retro e intraperitoneal. Localizam-se nessa região podem acometer o reto, a bexiga, os vasos ilíacos e, nas mulheres, os órgãos reprodutores internos. A perda de sangue pode ser muito significativa nessa região e ocorrer a partir de qualquer ferimento nos órgãos intrapélvicos ou na parte óssea. Mecanismos de Trauma Por que o mecanismo de trauma é importante? Compreender o mecanismo de trauma facilita a identificação precoce de possíveis lesões abdominais. Trauma fechado Um impacto direto, como o contato do abdome com o volante ou com a intrusão da porta em uma colisão de veículos, pode causar compressão ou esmagamento de vísceras abdominais e da pelve. Tais forças deformam os órgãos sólidos e vísceras ocas, podendo causar sua ruptura, acarretando hemorragia secundária, contaminação pelo conteúdo intestinal e, consequentemente, peritonite. O trauma fechado ocorre sem que haja penetração ou abertura da parte do corpo envolvida. O cisalhamento é uma forma de lesão por esmagamento que pode ocorrer quando um dispositivo de segurança e de restrição é usado de forma inadequada. Vítimas de acidentes automobilísticos podem sofrer lesões decorrentes das forças relacionadas à desaceleração, nas quais as estruturas ficas e não ficas do corpo sofrem movimentos em sentidos opostos. Nas vítimas de trauma fechado, os órgãos mais frequentemente acometidos são o baço, o fígado e o intestino delgado. Trauma penetrante O trauma penetrante é causado quando há corte e laceração da pele e tecidos subjacentes. Ferimentos por arma branca e projéteis de arma de fogo são os principais exemplos. Ferimentos por projéteis de alta velocidade transferem mais energia cinética às vísceras abdominais. Esse tipo de projétil pode aumentar os danos ao longo do seu trajeto devido a cavitação temporária. Ferimentos por arma branca atravessam as estruturas abdominais adjacentes e geralmente envolvem o fígado, o intestino delgado, o diafragma e o cólon. Ferimentos por arma de fogo podem causar lesões intra-abdominais adicionais em decorrência de sua trajetória, do efeito de cavitação e da possível fragmentação do projétil. Acometem mais o intestino delgado, cólon, fígado e estruturas vasculares abdominais. Avaliação Como saber se o choque é resultado de uma lesão intra-abdominal ou pélvica? Diante de doentes hipotensos, o objetivo é determinar rapidamente se existe uma lesão abdominal ou pélvica e se esta é a causa da hipotensão. A história do paciente e o exame físico associado a métodos diagnósticos rápidos e disponíveis pode confirmar a presença de lesões abdominais e pélvicas que requerem controle urgente da hemorragia. Se o paciente estiver estável, exames complementares podem ser realizados com o Rauana Vitória – MEDICINA 7º P intuito de determinar se existem lesões específicas. História A história deve incluir relatos que ajudem a identificar o mecanismo do trauma. Por exemplo, em acidentes de trânsito, devemos especular a velocidade, forma da colisão dos veículos, dispositivos de contenção, acionamento de airbags, etc. Se o paciente tiver sofrido uma queda, saber a altura é essencial para estimar a velocidade de desaceleração. Em caso de trauma penetrante, perguntar a distância entre vítima e agressor, tipo de arma, tempo de lesão, número de facadas ou tiros, volume de sangue perdido na cena da agressão, etc. Quando os ferimentos são causados por um dispositivo explosivo, a probabilidade de lesões viscerais por onda de alta pressão aumenta com a proximidade da vítima da explosão e diminui com o aumento dessa distância. Exame físico O exame físico abdominal deve ser realizado de forma meticulosa, sistemática e em uma sequência padrão: inspeção, ausculta, percussão e palpação. Deve ser seguido pela análise da estabilidade pélvica, bem como dos exames da uretra, do períneo, do reto, da vagina e dos glúteos. O abdome anterior e posterior, bem como a parte inferior do tórax e períneo devem ser inspecionados à procura de abrasões e contusões (dispositivos de contenção), lacerações, feridas penetrantes, corpos estranhos empalados, evisceração e se existe evidência de gravidez. O doente deve ser rolado em bloco cuidadosamente para facilitar o exame completo. O flanco, o escroto e a área perianal devem ser inspecionadas rapidamente à procura de sangue no meato uretral, edemas, hematomas ou de lacerações do períneo, vagina, reto ou das nádegas, o que é sugestivo de uma fratura pélvica exposta. Pode ser usada para confirmar a presença ou ausência de ruídos hidroaéreos. Sangue intraperitoneal livre ou conteúdo gastrointestinal podem produzir um íleo com perda dos ruídos hidroaéreos. Esses resultados são mais úteis quando são normais no exame inicial e alteram- se ao longo do tempo. A percussão abdominal causa um leve movimento do peritônio, podendo provocar sinais de irritação peritoneal (defesa involuntária é sinal irritação peritoneal). A palpação também pode revelar e distinguir dor superficial (parede abdominal) ou profunda. A palpação da próstata deslocada cranialmente é um sinal de fratura pélvica importante. Se houver sinal de irritação peritoneal, nenhuma outra manobra para identificar irritação deve ser executada, para evitar dor desnecessária.Hipotensão inexplicável pode ser, incialmente, a única indicação de ruptura pélvica grave com instabilidade pélvica no complexo posterior dos ligamentos. Instabilidade mecânica do anel pélvico deve ser considerada em pacientes com fraturas pélvicas com hipotensão e nenhuma outra fonte de sangramento. Achados de exame físico sugestivos de fratura pélvica incluem a evidência de ruptura de uretra (próstata deslocada cranialmente, hematoma escrotal ou sangue no meato uretral), discrepância entre o comprimento dos membros ou de uma deformidade rotacional da perna sem fratura óbvia. Se houver necessidade, a instabilidade mecânica do anel pélvico pode ser testada pela manipulação da pelve. Este procedimento deve ser realizado apenas uma vez durante o exame físico, pois pode agravar a hemorragia. A hemipelve instável migra cranialmente por causa das forças musculares e apresenta uma rotação externa secundaria ao efeito da gravidade. Como a pelve instável sofre rotação externa, a pelve pode ser fechada manualmente com uma leve pressão sobre as cristas ilíacas de Rauana Vitória – MEDICINA 7º P forma medial e descendente (manobra de distração e compressão), revelando instabilidade. A presença de sangue no meato uretral sugere uma lesão de uretral. A presença de equimose ou hematoma no escroto ou no períneo durante a inspeção também é sugestivo de lesão uretral. Em pacientes que sofreram trauma fechado, o exame retal vai avaliar o tônus do esfíncter e a integridade da mucosa retal, determinar a posição da próstata e identificar quaisquer fraturas dos ossos da pelve. Já nos pacientes com ferimentos penetrante, o exame retal é utilizado para avaliar tônus do esfíncter e procurar sangramento de uma perfuração do intestino. Laceração da vagina pode ocorrer a partir de fragmentos ósseos de uma fratura pélvica ou ferimentos penetrantes. O exame vaginal deve ser realizado somente quando houver suspeita de lesão (por exemplo, na presença de laceração perineal complexa, fratura pélvica ou ferida transpélvica por projétil de arma de fogo). A região glútea estende-se desde as cristas ilíacas até as pregas glúteas. Lesões penetrantes nessa área estão associadas a uma incidência de até 50% de lesões intra-abdominais significativas, incluindo lesões do reto abaixo da reflexão peritoneal. Medidas auxiliares ao exame físico Os objetivos terapêuticos da inserção de sondas gástricas no início do processo de reanimação são aliviar uma possível dilatação gástrica aguda, descomprimir o estômago antes de realizar uma LPD e remover o conteúdo gástrico. Sondas gástricas podem reduzir a incidência de aspiração nesses casos, no entanto, em um doente acordado com reflexo de vômito presente, a sondagem pode provocar o vômito. A presença de sangue no conteúdo gástrico sugere lesão no esôfago ou no trato gastrointestinal superior, após a exclusão de quaisquer sangramentos da nasofaringe e/ou da orofaringe. Visa aliviar retenção urinária, descomprimir a bexiga antes de realizar a LPD e permitir a monitoração do débito urinário como um índice de perfusão tecidual. Hematúria macroscópica é um sinal de trauma do trato geniturinário e de órgãos intra-abdominais não renais. OBS.: • Realizar um uretrograma retrógado para confirmar a integridade da uretra antes da inserção da sonda. • Não inserir sonda de Foley se hematoma perineal e/ou deslocamento cranial da próstata. Pacientes hemodinamicamente instáveis devem ser rapidamente avaliados, e isso pode ser feito ou pelo uso do FAST ou pelo LPD. A única coisa que contraindica realizar esses exames é se o paciente já for realizar uma laparotomia. O USG FAST pode ser repetido em 30min., permitindo detectar hemoperitônio progressivo. O ultrassom FAST pode detectar razões para a hipotensão sem hipovolemia: tamponamento cardíaco. As imagens devem ser obtidas do saco pericardial (1), do espaço hepatorrenal (2), do espaço esplenorrenal (3) e da pelve (4) ou fundo de saco de Douglas. Rauana Vitória – MEDICINA 7º P O FAST é indicado em paciente com instabilidade hemodinâmica e trauma fechado, pode ser útil no trauma penetrante. A LPD é o outro exame rápido para identificar hemorragia. Embora invasiva, permite a investigação de possível lesão de víscera oca. A LPD deve ser realizada pela equipe cirúrgica que atende o doente com anormalidade hemodinâmica e trauma fechado multissistêmico, podendo também ser útil no trauma penetrante. A LPD também é indicado no paciente hemodinamicamente estável com trauma fechado quando a TC e o FAST não estão disponíveis. Contraindicacões relativas para a LPD Incluem cirurgias abdominais prévias, obesidade mórbida, cirrose avançada e coagulopatia preexistente. Recomendada no doente com trauma fechado multissistêmico. Casos hemodinamicamente instáveis com trauma penetrante NÃO necessitam do exame. Doente hemodinamicamente estável com trauma penetrante acima da cicatriz umbilical ou lesão toracoabdominal suspeita, o exame pode ajudar. Uma radiografia AP pélvica ode esclarecer a origem da perda de sangue em doentes instáveis e com dor pélvica. Para realizar a TC é necessário o transporte do doente, contraste EV e que o paciente esteja estável hemodinamicamente. A TC evidencia lesões de órgãos específicos e sua extensão. Detecta lesões de órgãos retroperitoneais e pélvicos, cuja avaliação por exame físico, FAST ou LPD é difícil. Contraindicações relativas incluem demora para obter tomógrafo, doente pouco colaborativo e que não pode ser sedado com segurança e aqueles alérgicos a contraste iodado, se contraste iônico não estiver disponível. Pode deixar passar certas lesões gastrintestinais, diafragmáticas e pancreáticas. Logo, exame com normalidade nessas estruturas mas com líquido livre na cavidade abdominal sugere presença de lesões do trato gastrintestinal ou mesentério. Muitos consideram indicação de laparotomia. Alguns exames contrastados podem também auxiliar no diagnóstico se houver suspeita de lesões específicas, mas não podem atrasar o tratamento de doentes hemodinamicamente instáveis. São eles: uretrografia, cistografia, uografia excretora e estudo contrastado do tubo digestivo. A uretrografia deve ser realizada antes de inserir a sonda vesical em doentes com suspeita de ruptura uretral. Já a ruptura de bexiga intra ou extraperitoneal se avalia melhor por cistografia ou cistografia na TC. Lesões suspeitas no sistema urinário são melhor avaliadas por TC com contraste e, se não disponível, urografia excretora. A visualização radiográfica dos cálices deve ocorrer após 2 minutos da infusão de contraste e o não funcionamento unilateral indica ausência de rins, trombose, avulsão da artéria renal ou grave comprometimento do parênquima renal. Assim, perante a ausência de um dos cálices, realizar uma TC, arteriografia ou mesmo cirurgia. Lesões retroperitoneais isoladas de órgãos gastrintestinais podem não cursar com peritonite e não serem detectadas pelo LPD. TC com contraste, exames contrastados do trato gastrintestinal ou exames de avaliação biliopancreática devem ser realizados na suspeita de lesão em algum desses órgãos. Rauana Vitória – MEDICINA 7º P Avaliação do trauma abdominal A avaliação inicial do trauma abdominal não visa essencialmente identificar o órgão acometido, mas sim se há indicação de laparotomia. De maneira geral, a indicação para laparotomia em doentes com trauma abdominal incluem: • Trauma abdominal fechado com hipotensão e com FAST positivo ou evidência de hemorragia intraperitoneal; • Trauma abdominal fechado ou penetrante com LPD positiva; • Hipotensão associada a ferimento penetrante do abdome; • Ferimentos por projétil de arma de fogo que atravessam a cavidade peritoneal ou o compartimentovisceral/ vascular do retroperitônio; • Evisceração; • Hemorragia do estômago, reto ou trato geniturinário secundário a ferimento penetrante; • Peritonite; • Ar livre ou retroperitoneal; ruptura do hemidiafragma; • TC com contraste revelando lesão do TGI, lesão intraperitoneal da bexiga, lesão de pedículo renal ou lesão parenquimatosa grave após trauma fechado ou penetrante. Caso não haja indicação para laparotomia, seguir com exame físico seriado e LPD se for ferimento toracoabdominal e da parede anterior. Se for ferimento no flanco e no dorso, TC com duplo ou triplo contraste é útil. Diagnósticos específicos O hemidiafragma esquerdo é o mais atingido, na região posterolateral. A lesão mais típica é uma ruptura de 5 a 10 cm de extensão, que envolve a porção posterolateral do hemidiafragma esquerdo. O diagnóstico deve ser suspeitado em qualquer ferimento toracoabdominal e avaliado pela RXT, podendo ser confirmado com laparoscopia, laparotomia e toracoscopia. A ruptura duodenal costuma ocorrer em pacientes sem cinto de segurança que sofreram lesão frontal, ou golpe direto no abdome (guidão da biclicleta). Sangue no aspirado gástrico ou ar retroperitoneal na radiografia ou na TC abdominal deve levantar a suspeita. Em pacientes de alto risco para essas lesões, deve- se indicar um estudo radiográfico contrastado do tubo digestivo alto ou TC com duplo contraste. Na maioria das vezes resultado de um golpe direto no epigástrio (pâncreas contra a coluna. Amilase sérica seriada que aumenta progressivamente deve gerar investigação adicional. A TC duplo contraste deve ser repetido após as primeiras 8 horss se houver suspeita de lesão pancreática. Caso os achados da TC sejam inconclusivos, uma laparotomia pode ser indicada. Realizar TC do TU se trauma no dorso ou flancos cursando com equimose ou hematoma, e se hematúria macro ou microscópica em doentes com: trauma abdominal penetrante, trauma abdominal fechado com episódio de hipotensão e lesões intra-abdominais associadas em paciente com trauma abdominal fechado. Hematúria micro e macroscópica com episódio de choque sugerem trauma abdominal não-renal. Uma TC com contraste endovenoso pode documentar a presença e a extensão da lesão renal por trauma fechado, dos quais 95% podem ser tratadas de forma não operatória. Acontecem geralmente com desaceleração brusca, especialmente nos casos de uso incorreto do cinto de segurança. Rauana Vitória – MEDICINA 7º P Suspeitar dessas lesões quando houver hematomas ou equimoses lineares ou transversos (sinal do sinto de segurança) ou uma fratura lombar com desvio detectada na radiografia (fratura de Chance). Lesões no fígado, rins e baços que cursem com choque, instabilidade hemodinâmica ou evidência de hemorragia ativa indicam laparotomia de urgência. Se o paciente estiver hemodinamicamente bem, pode ser tratado clinicamente. Rauana Vitória – MEDICINA 7º P
Compartilhar