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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Cirurgia Geral ABDOME AGUDO Definição: O abdome agudo é definido como a síndrome dolorosa aguda de intensidade variável que acomete estrutura da cavidade abdominal, associada ou não a outros sinais e sintomas, havendo necessidade de tratamento clínico e/ou cirúrgico imediato. A ausência de tratamento resulta em evolução do quadro, com piora progressiva dos sinais e sintomas e do estado geral do paciente. O diagnóstico geralmente baseia- se apenas em anamnese e exame físico, não havendo necessidade de exames complementares. As condições clínicas que simulam o quadro de abdome agudo devem ser excluídas antes do início do tratamento. Avaliação Diagnóstica: A avaliação diagnóstica do abdome agudo geralmente é realizada no setor de emergência e baseia-se em exame clínico detalhado (anamnese e exame físico) e em exames complementares, se necessário. Na anamnese, deve-se avaliar o início e as características dos sintomas relatados pelo paciente, como dor, febre, náuseas, vômitos, distensão abdominal, ruídos hidroaéreos intestinais, hematêmese, melena, etc. O principal sintoma do abdome agudo é a dor abdominal. Assim, a avaliação das características da dor geralmente possibilita determinar a causa mais provável do abdome agudo. A dor abdominal pode ser classificada em: - Visceral: dor abdominal difusa e mal localizada causada por distensão ou estiramento de órgãos intra-abdominais; manifesta-se principalmente no abdome agudo inflamatório. - Somática: dor abdominal bem localizada, com irradiação local, causada por lesão de estruturas abdominais superficiais (músculos, tecido celular subcutâneo, pele) devido à ativação de nociceptores superficiais. - Referida: dor visceral que manifesta-se à distância causada devido à ativação de nociceptores comuns entre pele e vísceras localizados à distância, resultando em dor referida superficial. Tipos de Dor do Abdome Agudo Abdome Agudo Tipo de Dor Inflamatório Insidiosa e progressiva Obstrutivo Cólica Perfurativo Súbita e de difusão precoce Hemorrágico Súbita e difusa Isquêmico ou Vascular Súbita, progressiva ou anginosa No exame físico, deve-se realizar inspeção, ausculta, palpação e percussão abdominal. A presença de cicatrizes abdominais à inspeção sugere a causa da obstrução intestinal, como aderências intestinais (bridas). A ausculta dos ruídos hidroaéreos intestinais também é importante na avaliação da obstrução intestinal. A palpação é considerada a parte mais importante do exame físico abdominal, pois permite diferenciar a peritonite localizada (apendicite, colecistite) da peritonite difusa (úlcera perfurada), que caracteriza-se pela presença de contração involuntária da musculatura abdominal à palpação. A presença de dor à descompressão abrupta representa o principal sinal clínico de peritonite. A percussão abdominal auxilia na avaliação de obstrução e de perfuração intestinal. Quanto aos exames complementares que podem ser solicitados para a avaliação diagnóstica do abdome agudo, os principais exames laboratoriais que podem ser solicitados são: - Hemograma. - Amilase. - Lipase. - Creatinina. - Eletrólitos. - Enzimas hepáticas: TGO, TGP, GGT e fosfatase alcalina. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Gasometria arterial. - EQU. - β-hCG (mulheres na menacme). Os principais exames de imagem que podem ser solicitados são: - Radiografia de abdome agudo: radiografia de abdome AP em ortostatismo (raios horizontais), radiografia de abdome AP em decúbito dorsal (raios verticais) e radiografia de tórax em PA. → Útil para o diagnóstico de abdome agudo obstrutivo e de abdome agudo perfurativo. → Útil para o diagnóstico diferencial de abdome agudo. - Ecografia/ultrassonografia abdominal. → Útil para o diagnóstico de abdome agudo inflamatório. - TC de abdome. → Útil para o diagnóstico da maioria dos casos de abdome agudo. Além dos exames laboratoriais e de imagem, a endoscopia digestiva alta (EDA), a endoscopia digestiva baixa/colonoscopia e a videolaparoscopia também são exames diagnósticos e terapêuticos em determinados casos de abdome agudo. Diagnóstico Diferencial: As principais doenças que podem cursar com dor abdominal e mimetizar o quadro de abdome agudo são: - Síndrome coronariana aguda. - Porfiria aguda. - Doenças reumatológicas. - Cetoacidose diabética. - Uremia aguda. - Herpes-zóster. Classificação: O abdome agudo pode ser classificado em: - Inflamatório. - Obstrutivo. - Perfurativo. - Hemorrágico. - Isquêmico ou Vascular. As principais causas de abdome agudo cirúrgico são: - Abdome agudo inflamatório: → Apendicite. → Colecistite. → Diverticulite de Meckel. → Abcesso hepático. → Abcesso diverticular. → Abcesso do músculo psoas. - Abdome agudo obstrutivo: → Obstrução secundária à aderência de intestino delgado ou de intestino grosso. → Volvo de ceco. → Volvo de cólon sigmoide. → Hérnia encarcerada. → Doença inflamatória intestinal. → Neoplasia maligna do TGI. → Intussuscepção intestinal. - Abdome agudo perfurativo: → Úlcera gastrointestinal perfurada. → Tumor gastrointestinal perfurado. → Síndrome de Boerhaave. → Divertículo perfurado. - Abdome agudo hemorrágico: → Trauma de órgão sólido. → Aneurisma arterial roto. → Gestação ectópica rota. → Hemorragia diverticular. → Malformação arteriovenosa ou do TGI. → Úlcera intestinal. → Fístula aortoduodenal após enxerto endovascular aórtico. → Pancreatite hemorrágica. → Síndrome de Mallory-Weiss. → Ruptura esplênica espontânea. - Abdome agudo isquêmico ou vascular: → Doença de Buerger. → Trombose ou embolia mesentérica. → Torção ovariana. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → Torção testicular. → Colite isquêmica. → Hérnia estrangulada. Abdome Agudo Inflamatório: O abdome agudo inflamatório caracteriza-se por quadro de dor abdominal aguda resultante de peritonite secundária a processo infeccioso ou inflamatório de órgãos intra-abdominais. Geralmente, o abdome agudo inflamatório caracteriza-se por dor abdominal de início insidioso/lento e de evolução progressiva, com longo intervalo de tempo entre o início dos sinais e sintomas e a procura por atendimento médico. Além da dor abdominal, o quadro clínico também caracteriza-se por náuseas, vômitos, febre, queda do estado geral e sinais de irritação peritoneal, como defesa abdominal localizada ou generalizada à palpação. As principais causas de abdome agudo inflamatório são apendicite aguda, colecistite aguda, diverticulite aguda, pancreatite aguda, colangite aguda, doença inflamatória pélvica (DIP) e diverticulite de Meckel. Na suspeita de abdome agudo inflamatório, os exames complementares que devem ser solicitados são: - Hemograma. - EQU. - Amilase. - β-hCG. - Radiografia de abdome agudo. - Ecografia/ultrassonografia abdominal, se necessário. Apendicite Aguda: A apendicite aguda é a principal causa de abdome agudo e a apendicectomia é a principal cirurgia abdominal de urgência. A maioria dos casos de apendicite são causados por obstrução da luz do apêndice por fecalito, tecidos linfoides hiperplásicos, cálculos ou parasitas. A obstrução da luz apendicular causa aumento da pressão intraluminal, resultando em isquemia e em desenvolvimento de processo inflamatório do apêndice, com posterior infecção bacteriana secundária, geralmente causada por Escherichia coli ou Bacteroides fragilis, podendo evoluir para gangrena e perfuração intestinal. O diagnóstico de apendicite aguda é clínico. O quadro clínico clássico caracteriza-se por dor abdominal inicialmente periumbilical que migra para a fossa ilíaca direita, associada a anorexia, náuseas, vômitos e febre baixa. A dor torna-se cada vez mais localizada, sugerindo irritação peritoneal local. Na ausculta abdominal, os ruídos hidroaéreosintestinais podem estar diminuídos ou ausentes. Na palpação abdominal, há dor à palpação do ponto de McBurney, localizado no terço lateral da linha imaginária traçada entre cicatriz umbilical e espinha ilíaca anterossuperior, o Sinal de Blumberg é positivo, ou seja, há dor à descompressão abrupta da fossa ilíaca direita no ponto de McBurney, o Sinal de Rovsing pode ser positivo, ou seja, há dor na fossa ilíaca direita após a compressão da fossa ilíaca esquerda. Outros sinais semiológicos que podem estar presentes na apendicite aguda são Sinal do Psoas, Sinal do Obturador, Sinal de Lapinski, Sinal de Dunphy, Sinal de Lennander, etc. Alguns pacientes com apendicite aguda podem apresentar manifestações clínicas atípicas, como pacientes imunocomprometidos, imunossuprimidos e gestantes, dificultando o diagnóstico. As mulheres em idade fértil também apresentam diagnóstico dificultado devido a maior possibilidade de diagnósticos diferenciais. A Escala de Alvarado pode auxiliar no diagnóstico de apendicite aguda. A presença de pontuação ≥ 5 indica a realização de exame de imagem para investigação adicional de apendicite aguda. Escala de Alvarado Sintomas Migração da dor abdominal 1 ponto Anorexia 1 ponto Náuseas e/ou vômitos 1 ponto Sinais Defesa abdominal à palpação da fossa ilíaca direita 2 pontos 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Sinais Dor à palpação abdominal 1 ponto Febre 1 ponto Exames Laboratoriais Leucocitose 2 pontos Desvio à esquerda 1 ponto Total 10 pontos Os exames laboratoriais são inespecíficos, mas o principal achado laboratorial na apendicite aguda é a leucocitose com desvio à esquerda. Quanto aos exames de imagem, a radiografia de abdome agudo pode apresentar borramento da linha do músculo psoas, alça de íleo sentinela próxima à fossa ilíaca direita e fecalito em quadrante inferior direito. A ultrassonografia abdominal apresenta sensibilidade de 75-90%, especificidade de 86-100% e acurácia geral de 90-98% para apendicite aguda. A TC de abdome é o método de imagem padrão-ouro para o diagnóstico de apendicite aguda. Além disso, pode-se realizar videolaparoscopia tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento da apendicite aguda, sendo especialmente realizada em gestantes, obesos e pacientes nos quais há dúvida diagnóstica. O tratamento da apendicite aguda é cirúrgico e baseia-se em apendicectomia. A apendicectomia pode ser realizada por cirurgia aberta ou por videolaparoscopia. Na cirurgia aberta, geralmente realiza-se a incisão de McBurney, identifica-se o apêndice cecal, realiza-se a ligadura dos vasos sanguíneos do mesoapêndice, seguida da ligadura e da secção do apêndice na base, realiza-se a invaginação do coto cecal geralmente por meio da técnica de Ochsner ou “bolsa de tabaqueiro”. Na videolaparoscopia, pode-se grampear o apêndice cecal sem invaginar o coto cecal. Nos casos de apêndice normal, indica-se sua remoção mesmo assim. A videolaparoscopia possibilita investigação mais ampla de diagnósticos diferenciais de apendicite aguda e está associada a menor tempo de internação hospitalar e à recuperação mais rápida do paciente. Além do tratamento cirúrgico, também deve-se realizar antibioticoterapia perioperatória. Os principais diagnósticos diferenciais de apendicite aguda são: - Doença inflamatória pélvica (DIP). - Torção ovariana. - Cisto ovariano roto. - Gastroenterite. - Infecção do trato urinário (ITU). - Gestação ectópica rota. - Diverticulite de Meckel. - Adenite mesentérica. Colecistite Aguda: A colecistite aguda, em 95% dos casos, está associada à colelitíase, ou seja, à presença de cálculos biliares. A colecistite é causada por obstrução do ducto cístico por cálculo biliar impactado no infundíbulo, resultando em distensão e em inflamação da vesícula biliar. A colecistite alitiásica é rara (5% dos casos) e desenvolve-se principalmente em pacientes graves internados em UTI, diabéticos e em nutrição parenteral total. Os principais fatores associados à colecistite aguda são sexo feminino, idade > 40 anos, obesidade e multiparidade. O quadro clínico caracteriza-se por dor abdominal persistente em hipocôndrio direito, associada a náuseas e vômitos. Ao exame físico, há defesa abdominal à palpação do hipocôndrio direito e Sinal de Murphy positivo, ou seja, interrupção da inspiração profunda à compressão do hipocôndrio direito, sendo altamente sugestivo de colecistite aguda. Os principais achados laboratoriais são leucocitose, com ou sem desvio à esquerda, aumento de bilirrubinas total e direta e aumento de enzimas canaliculares (GGT e fosfatase alcalina). A ultrassonografia 5 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 abdominal é o exame de imagem padrão- ouro para o diagnóstico de colecistite aguda e indica espessamento da parede da vesícula biliar, presença de ar e/ou líquido perivesicular e presença de cálculos biliares impactados no infundíbulo. O tratamento da colecistite aguda é cirúrgico e o padrão-ouro é a colecistectomia videolaparoscópica. A colangite aguda é definida como a inflamação das vias biliares, podendo ser causada por obstrução dos ductos biliares por cálculos. O diagnóstico é clínico e baseia-se na presença da Tríade de Charcot (dor abdominal, febre e icterícia) ou da Pêntade de Reynolds (Tríade de Charcot + hipotensão arterial + confusão mental). Os principais achados laboratoriais são leucocitose com desvio à esquerda, aumento de bilirrubinas total e direta e aumento de enzimas canaliculares (GGT e fosfatase alcalina). O tratamento baseia-se em hidratação, antibioticoterapia e colangiopancreatografia retrógada endoscópica (CPRE). Pancreatite Aguda: A pancreatite aguda é definida como a inflamação aguda do pâncreas, geralmente associada à liberação de enzimas pancreáticas que causam a autodigestão da glândula. As principais causas de pancreatite aguda são a litíase biliar (causa mais comum), o alcoolismo/etilismo agudo e a hipertrigliceridemia. O quadro clínico caracteriza-se por dor abdominal, geralmente dor em faixa no abdômen superior, associada a náuseas e/ou vômitos. A presença de febre ou de alterações da circulação sanguínea, como hemorragia e trombose, indicam doença avançada. Os principais achados do exame físico, além da presença de dor à palpação abdominal, são a presença de sinais semiológicos, como Sinal de Cullen (equimose periumbilical) e Sinal de Grey Turner (equimoses em flancos), que são indicativos de pancreatite hemorrágica. Os principais achados laboratoriais de pancreatite aguda são aumento de amilase e lipase séricas. As medidas de amilase e lipase sérica são qualitativas, ou seja, não são indicativas da gravidade da doença. A ultrassonografia abdominal pode confirmar a etiologia biliar da pancreatite aguda. A TC de abdome é indicada apenas em casos graves para a avaliação de complicações, como a presença de coleções peripancreáticas e de necrose pancreática. Para avaliar a gravidade do quadro de pancreatite aguda, pode-se utilizar os critérios de Ranson, os critérios de APACHE- II e os critérios de Atlanta. Aos pacientes submetidos à TC de abdome, pode-se aplicar os critérios de Balthazar para a avaliação da gravidade da pancreatite aguda. O tratamento da pancreatite aguda leve é clínico e baseia-se em NPO, hidratação EV e analgesia EV. Nos casos de pancreatite aguda biliar, recomenda-se a realização de colecistectomia videolaparoscópica para prevenir novos episódios de pancreatite aguda. Nos casos de pancreatite aguda grave, recomenda-se NPO, hidratação EV, analgesia EV e antibioticoterapia EV, especialmente nos casos de necrose infectada ou de ar peripancreático observado na TC de abdome. O tratamento cirúrgico é de exceção, sendo indicado apenas nos casos de necrose infectada. Diverticulite Aguda: A diverticulite aguda é definida como o processo inflamatórioagudo dos divertículos resultante da ação erosiva de fecalitos ou do aumento excessivo da pressão intraluminal com consequente perfuração intestinal e peritonite. A diverticulite aguda pode ser classificada, segundo a Classificação de Hinchey, em 4 estágios: - Estágio I: abcesso pericólico. - Estágio II: peritonite localizada. - Estágio III: peritonite purulenta generalizada. - Estágio IV: peritonite fecal generalizada. O quadro clínico caracteriza-se por dor abdominal em fossa ilíaca esquerda e febre. Ao exame físico, os pacientes apresentam defesa abdominal à palpação da fossa ilíaca esquerda. A complicação mais comum é a fístula colovesical, que cursa com pneumatúria e ITU. O principal achado 6 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 laboratorial é a leucocitose com desvio à esquerda. O exame de imagem padrão-ouro para o diagnóstico de diverticulite aguda é a TC de abdome e pelve. A colonoscopia e o enema opaco são contraindicados na fase aguda, devido ao risco de perfuração intestinal. O tratamento da diverticulite aguda depende da Classificação de Hinchey: - Estágio I: NPO, hidratação EV, analgésicos EV e antibioticoterapia EV. - Estágio II: drenagem da coleção peritoneal por cirurgia ou por radiologia intervencionista. - Estágio III: tratamento cirúrgico. - Estágio IV: tratamento cirúrgico. O tratamento cirúrgico também está indicado, independentemente da Classificação de Hinchey, nos casos de episódios de diverticulite aguda recorrente, de complicações, como fístula, perfuração ou hemorragia, em pacientes imunodeprimidos ou na impossibilidade de exclusão de câncer do TGI. Abdome Agudo Perfurativo: O abdome agudo perfurativo resulta de peritonite secundária à perfuração de víscera oca com extravasamento de material na cavidade abdominal. A principal causa de perfuração gástrica e duodenal é a úlcera péptica perfurada. A perfuração de intestino delgado é rara e deve aumentar a suspeita de ingestão de corpo estranho. As principais causas de perfuração de intestino grosso são a apendicite, a diverticulite e os tumores perfurados. Algumas doenças infecciosas, como CMV e tuberculose, podem causar perfuração intestinal em pacientes imunodeprimidos. O quadro clínico do abdome agudo perfurativo é caracterizado por dor abdominal de início abrupto, forte intensidade e difusão precoce. A rápida difusão da dor abdominal deve-se à rápida disseminação de ar e de líquido gastrointestinal na cavidade abdominal, que são altamente irritantes ao peritônio, resultando em peritonite difusa/generalizada. Às vezes, os pacientes podem relatar dor irradiada no ombro e no pescoço, devido à irritação do nervo frênico. Ao exame físico, os pacientes apresentam defesa abdominal generalizada à palpação (abdome “em tábua”). O Sinal de Jobert (timpanismo à percussão do hipocôndrio direito, com perda da macicez hepática) pode estar presente, indicando a interposição de ar/gás entre a parede abdominal e o fígado. A evolução do quadro de abdome agudo perfurativo sem tratamento resulta em sepse. O diagnóstico do abdome agudo perfurativo pode ser confirmado por meio da radiografia de abdome agudo ou da TC de abdome, que indicam a presença de pneumoperitônio (presença de ar livre na cavidade peritoneal). O tratamento do abdome agudo perfurativo é sempre cirúrgico e baseia-se em laparotomia exploratória. Abdome Agudo Obstrutivo: A obstrução intestinal é a segunda principal causa de abdome agudo. A obstrução de intestino delgado é mais comum do que a obstrução de intestino grosso. As obstruções intestinais podem ser classificadas em altas (acima da válvula ileocecal) ou baixas (abaixo da válvula ileocecal), mecânicas ou funcionais e simples ou complicadas (quando há sofrimento vascular). As principais causas de obstrução intestinal mecânica são: - Aderências ou bridas intestinais pós- operatórias. - Hérnias abdominais. - Tumores abdominais. - Volvos. - Intussuscepção intestinal. - Divertículo de Meckel. - Corpos estranhos. 7 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Íleo biliar. - Doença inflamatória intestinal. - Estenoses isquêmicas. - Bolo de Ascaris lumbricoides. - Hematomas intramurais. As principais causas de obstrução intestinal em crianças são hérnia abdominal, divertículo de Meckel e intussuscepção intestinal, em adultos jovens são hérnia abdominal e aderências/bridas, e em idosos, são aderências/bridas, íleo biliar, hérnias abdominais e tumores abdominais. A obstrução intestinal funcional é denominada íleo adinâmico ou íleo paralítico. As principais causas de íleo adinâmico são doenças primárias do peritônio, doenças de órgãos intraperitoneais e doenças extra- abdominais e sistêmicas. As infecções, os desequilíbrios hidroeletrolíticos e todas as outras doenças sistêmicas clinicamente significativas podem causar obstrução intestinal funcional. O uso de opioides e de algumas outras drogas também podem causar íleo adinâmico. O quadro clínico caracteriza-se por dor abdominal em cólica, associada a distensão abdominal, vômitos e história de parada de eliminação de flatos e fezes. A distensão abdominal e a frequência de vômitos dependem da altura da obstrução intestinal. Quanto mais baixa a obstrução intestinal, maior a distensão abdominal e menor a frequência de vômitos, que são mais comuns nas obstruções altas, com vômitos alimentares ou biliosos. Na obstrução baixa, pode haver vômitos fecaloides. Ao exame físico, há distensão abdominal à inspeção estática e dinâmica e à palpação, os ruídos hidroaéreos intestinais geralmente estão aumentados nas fases iniciais da obstrução intestinal e diminuídos ou ausentes nas fases avançadas da obstrução intestinal. A presença de febre, dor abdominal contínua e taquicardia sugerem sofrimento de alça intestinal. Os principais achados laboratoriais são leucocitose e distúrbios do equilíbrio ácido- básico. Na obstrução intestinal alta, há alcalose metabólica hipocalêmica e hipoclorêmica, e na obstrução intestinal baixa, há acidose metabólica. Quanto aos exames de imagem, realiza-se radiografia de abdome agudo ou TC de abdome, que indicam a presença de dilatação das alças intestinais e de níveis hidroaéreos. A presença de dilatação de alças intestinais de localização central e o sinal do “empilhamento de moedas” são característicos de obstrução do intestino delgado. A presença de dilatação de alças intestinais de localização periférica e de haustrações e a ausência de gás na ampola retal são característicos de obstrução do intestino grosso. Nos casos de obstrução intestinal funcional (íleo adinâmico), a distribuição de gás no estômago, no intestino delgado, no intestino grosso e no reto é uniforme. A TC de abdome apresenta maior acurácia para a determinação da etiologia da obstrução intestinal. O tratamento do abdome agudo obstrutivo nos casos de aderências/bridas é inicialmente clínico. O tratamento cirúrgico deve ser indicado apenas nos casos que não respondem ao tratamento clínico e nos casos de obstrução intestinal mecânica. A obstrução intestinal deve ser diferenciada da semiobstrução intestinal, que é uma condição clínica relativamente comum após cirurgias pélvicas e ortopédicas. A semioclusão intestinal é do tipo funcional e o tratamento baseia-se no uso de neostigmina (anticolinesterásico) e/ou na realização de colonoscopia descompressiva. Abdome Agudo Hemorrágico: O abdome agudo hemorrágico é definido como o quadro de dor abdominal associada a choque hipovolêmico resultante de 8 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 sangramento intra-abdominal. As principais causas de abdome agudo hemorrágico são gravidez ectópica rota e aneurisma roto de aorta abdominal. Outras causas são ruptura de cisto ovariano, ruptura espontânea do baço e traumas (vísceras sólidas, vísceras ocas, etc). O quadro clínico do abdome agudo hemorrágico caracteriza-sepor dor abdominal de início abrupto e difusa/generalizada, associada à instabilidade hemodinâmica, com taquicardia, hipotensão arterial, palidez, sudorese fria e agitação. Ao exame físico, às vezes, pode-se observar o Sinal de Cullen e o Sinal de Grey Turner, que são indicativos de hemorragia retroperitoneal. Os achados laboratoriais são inespecíficos. Entretanto, em toda mulher com hipótese diagnóstica de abdome agudo hemorrágico e em idade fértil admitida na Emergência, deve-se solicitar dosagem de β-hCG para confirmar ou excluir o diagnóstico de gravidez ectópica rota, principal causa de abdome agudo hemorrágico em mulheres. Os pacientes estáveis hemodinamicamente devem realizar exame de imagem para investigar a etiologia e, assim, iniciar o tratamento específico da hemorragia intra- abdominal. A ultrassonografia abdominal é capaz de diagnosticar as 2 principais causas de abdome agudo hemorrágico (gravidez ectópica rota e aneurisma roto de aorta abdominal). A TC de abdome possibilita melhor avaliação dos casos de aneurisma roto de aorta abdominal. O tratamento inicial do abdome agudo hemorrágico, independentemente da etiologia, baseia-se em estabilização hemodinâmica do paciente, por meio da administração de solução cristaloide (soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato) e, às vezes, de transfusão sanguínea. O tratamento da gravidez ectópica rota é cirúrgico e varia desde anexectomia unilateral até histerectomia total, dependendo da origem do sangramento. O tratamento do aneurisma roto de aorta abdominal pode ser realizado por cirurgia ou por via intravascular. O tratamento cirúrgico geralmente baseia-se na implantação de prótese endovascular. Abdome Agudo Isquêmico ou Vascular: O abdome agudo isquêmico ou vascular é definido como a insuficiência vascular intestinal aguda (infarto intestinal) e representa um dos quadros mais graves de abdome agudo, com mortalidade de 46- 100%. As principais causas de abdome agudo isquêmico ou vascular são: - Embolia da artéria mesentérica superior (causa mais comum). - Isquemia mesentérica não oclusiva. - Trombose arterial mesentérica. - Trombose venosa mesentérica. O quadro clínico do abdome agudo vascular depende do grau de obstrução arterial e caracteriza-se por dor abdominal em aperto de forte intensidade e de difícil localização. A principal característica clínica do abdome agudo vascular é a dissociação entre a dor abdominal, geralmente de forte intensidade, relatada pelo paciente e o exame físico, geralmente normal (sem sinais de peritonite). Ao exame físico, às vezes, há ausência de ruídos hidroaéreos intestinais na ausculta abdominal. Os pacientes com quadro de abdome agudo vascular geralmente têm história de angina abdominal, ou seja, isquemia intestinal crônica, que caracteriza-se por episódios de dor abdominal, geralmente pós-prandiais, que melhoram espontaneamente, mas aumentam progressivamente em frequência e intensidade. Além disso, é comum a história de IAM prévio, AVC prévio, doença arterial obstrutiva periférica e arritmias cardíacas (fibrilação atrial). Os principais achados laboratoriais são acidose metabólica e aumento de DHL, fosfatase alcalina, amilase e CPK, que são inespecíficos. A radiografia de abdome agudo, a ultrassonografia abdominal e a TC de abdome geralmente apresentam achados inespecíficos. O exame de imagem padrão- ouro para o diagnóstico é a arteriografia, que permite diferenciar a isquemia intestinal oclusiva da isquemia intestinal não oclusiva, identificando a localização e a etiologia da obstrução. 9 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 O tratamento do abdome agudo isquêmico ou vascular depende de sua etiologia. Entretanto, na prática, é muito comum a realização de laparotomia exploratória, na qual o cirurgião identifica necrose de alças intestinais sem mais nenhuma possibilidade terapêutica, devido ao diagnóstico tardio. Nestes casos, geralmente realiza-se ressecção do intestino necrótico, com anastomose das alças intestinais remanescentes, podendo resultar em complicações como síndrome do intestino curto. Assim, o prognóstico é diretamente proporcional à precocidade do diagnóstico e do tratamento.
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