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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Reumatologia ARTRITE REATIVA E ARTRITE ENTEROPÁTICA Artrite Reativa: Definição: A artrite reativa é uma espondiloartrite caracterizada por artrite periférica, geralmente associada a manifestações clínicas extra-articulares, que manifesta-se após infecções do trato gastrointestinal ou genitourinário. Diferentemente da artrite infecciosa, na artrite reativa, o agente causal não é cultivável no líquido sinovial. Etiologia: A artrite reativa pode ser secundária a infecções do trato gastrointestinal, geralmente diarreias causadas por Campylobacter, Salmonella, Shigella ou Yersinia, ou a infecções do trato genitourinário, geralmente uretrites não gonocócicas causadas por Chlamydia trachomatis ou Ureaplasma urealyticum. O quadro de artrite geralmente inicia em 2-4 semanas após a infecção. Entretanto, em aproximadamente 25% dos casos, a artrite reativa não apresenta história de infecção prévia. Epidemiologia: A artrite reativa apresenta incidência variável na população, mas associa-se à presença do marcador genético HLA-B27, indicando que há predisposição genética ao desenvolvimento de artrite reativa a quadro de infecção do trato gastrointestinal ou genitourinário. A maioria dos pacientes têm artrite de curso clínico autolimitado. A doença é mais comum em adultos jovens, com pico de incidência de 20-40 anos de idade, apresenta frequência equivalente em ambos os sexos quando a artrite reativa é desencadeada por infecção gastrointestinal e maior frequência em homens quando a artrite reativa é desencadeada por infecção genitourinária (9:1). O termo Síndrome de Reiter refere-se à presença da tríade: artrite + conjuntivite + uretrite não gonocócica. Manifestações Clínicas: A artrite reativa tem início agudo, de 2-4 semanas após a infecção gastrointestinal ou genitourinária, podendo cursar com manifestações clínicas sistêmicas, como febre, fadiga, anorexia e perda de peso. As principais manifestações articulares e periarticulares da artrite reativa são: - Artrite periférica: inflamação aguda, assimétrica, oligoarticular e que predomina em articulações dos membros inferiores, como joelhos, tornozelos e metatarsofalangianas; o acometimento das articulações esternoclaviculares, dos ombros e temporomandibulares também é comum. - Dactilite: inflamação das pequenas articulações dos dedos das mãos e dos pés, resultando em edema difuso e no achado de “dedos em salsicha”, comuns na artrite reativa e na artrite psoriásica. - Entesite: mais frequente na inserção da fáscia plantar e na inserção do tendão de Aquiles no calcâneo; cursa com dor no calcanhar. - Dor lombar e dor nas nádegas secundária à artrite axial com acometimento da coluna vertebral e das articulações sacroilíacas. O acometimento inflamatório do esqueleto axial está presente em aproximadamente 20- 30% dos pacientes com artrite reativa, principalmente naqueles que apresentam o marcador genético HLA-B27 positivo. As principais manifestações extra-articulares da artrite reativa são: - Uretrite não gonocócica: manifesta-se 1- 4 semanas antes da artrite e é comum até nos casos de artrite reativa secundária à infecção gastrointestinal; caracteriza-se por disúria e/ou piúria em homens e por disúria, piúria, leucorreia, cervicite e/ou vaginite em mulheres. 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Conjuntivite: é comum e geralmente associa-se à uretrite não gonocócica; caracteriza-se por hiperemia conjuntival, dor em queimação e lacrimejamento bilateralmente; a conjuntivite normalmente é autolimitada e não associa-se à presença do marcador genético HLA-B27. - Uveíte anterior: manifesta-se com menor frequência que na espondilite anquilosante. - Ceratodermia blenorrágica: caracteriza- se por lesões cutâneas papulodescamativas que acometem principalmente palmas e plantas, manifestando-se em aproximadamente 25% dos casos de artrite reativa; quando há acometimento ungueal, as unhas tornam-se discrômicas e quebradiças, assemelhando-se a onicomicoses. - Balanite circinada: lesões ulceradas serpiginosas que acometem a glande ao redor da uretra. - Úlceras orais: lesões ulceradas indolores, autolimitadas e recorrentes que acometem língua e palato. - Manifestações cardiovasculares (raras): distúrbio de condução cardíaca, aortite e insuficiência aórtica. Achados Laboratoriais: - Aumento de marcadores inflamatórios, como PCR e VHS. - Leucocitose. - Líquido sinovial inflamatório, com aumento da contagem de células polimorfonucleares, não infeccioso. - Presença do marcador genético HLA-B27 positivo. - Pesquisa de Chlamydia trachomatis por meio de urocultura, cultura de raspado endouretral ou endocervical, teste sorológico (IgM e IgG específicos para Chlamydia trachomatis), swab urogenital ou PCR. Os exames sorológicos para detecção de anticorpos específicos para Campylobacter, Salmonella, Shigella e Yersinia não são indicados, pois não há como diferenciar infecção recente de infecção antiga. Achados Radiológicos: Os achados radiológicos de artrite reativa associam-se à doença avançada. Os principais achados radiográficos são: - Erosões e esporões ósseos no calcâneo nos casos de fasceíte plantar e entesite do tendão de Aquiles. - Sacroileíte, unilateral ou bilateral, assimétrica. - Sindesmófitos assimétricos, irregulares e grosseiros. Diagnóstico: O diagnóstico de artrite reativa baseia-se em achados clínicos e laboratoriais. Os principais achados clínicos são oligoartrite periférica assimétrica, principalmente em membros inferiores, e história de infecção gastrointestinal ou genitourinária recente (há até 4 semanas antes do início do quadro de artrite). Os principais achados laboratoriais são detecção de anticorpos IgM e IgG contra Chlamydia trachomatis, detecção de Chlamydia trachomatis em swab urogenital ou urocultura, detecção do DNA de Chlamydia trachomatis por PCR na urina ou no líquido sinovial, detecção de 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Campylobacter, Salmonella, Shigella ou Yersinia na coprocultura e detecção de anticorpos IgM e IgG anti-Salmonella ou anti- Yersinia. Diagnóstico Diferencial: Os principais diagnósticos diferenciais de artrite reativa são: - Espondilite anquilosante. - Artrite enteropática. - Artrite psoriásica. - Espondiloartrite juvenil. - Espondiloartrite indiferenciada. - Artrite reumatoide. - Artrite infecciosa (viral ou bacteriana). Prognóstico: A artrite reativa apresenta evolução variável. Aproximadamente 35% dos pacientes apresentam quadro de artrite autolimitada, com duração de 6-12 meses, sem recorrência. Aproximadamente 35% dos pacientes apresentam artrite intermitente, com períodos de exacerbação clínica alternados por períodos de remissão clínica, e as recorrências manifestam-se sob a forma de artrite, entesite e/ou manifestações extra- articulares, como uretrite não gonocócica, conjuntivite, uveíte anterior, etc. Aproximadamente 25% dos pacientes também apresentam períodos de melhora e de piora do quadro de atrite, mas nunca com remissão clínica completa ao longo de sua evolução. Aproximadamente 5% dos pacientes apresentam doença inflamatória ativa e persistente ao longo de sua evolução, podendo apresentar atrite destrutiva grave em múltiplas articulações periféricas e também em articulações axiais. Tratamento: O tratamento da artrite e da entesite aguda baseia-se em uso de AINES e, nos casos refratários ao uso de AINES, em uso de corticoides. A infiltração intra-articular de corticoides também é uma opção. Quando há evolução para artrite crônica, recomenda- se o uso de DMARDs sintéticos, como sulfassalazina e metotrexato, e nos casos refratários ao uso de DMARDs sintéticos, recomenda-se o uso de imunobiológicos, como anti-TNFα. A conjuntivite geralmente apresenta resolução espontânea ou em resposta ao uso de AINES. Otratamento da balanite circinada e da ceratodermia blenorrágica baseia-se em higiene e uso de corticoides tópicos. O tratamento da uveíte anterior aguda baseia-se em aplicação de colírio à base de corticoides. Nos casos de manifestações clínicas gastrointestinais, como diarreia, ou genitourinárias, como disúria, piúria, corrimento vaginal, cervicite e vaginite, indica-se antibioticoterapia para a eliminação da infecção. Para o tratamento da gastroenterite bacteriana, recomenda ciprofloxacino ou sulfametoxazol + trimetoprim. Para o tratamento da infecção genitourinária por Chlamydia trachomatis, recomenda-se tetraciclinas (ex. doxiciclina) ou azitromicina. Artrite Enteropática: A artrite enteropática ou enteroartrite caracteriza-se por quadro de artrite, principalmente periférica, associada à doença inflamatória intestinal (Doença de Crohn ou Retocolite Ulcerativa). A artrite enteropática é mais frequentemente associada à Doença de Crohn e caracteriza- se por artralgias periféricas migratórias ou por atrite periférica oligoarticular, assimétrica e não erosiva, acometendo principalmente membros inferiores, como joelhos, tornozelos e pés. O achado de grandes derrames articulares, principalmente no joelho, é comum. As manifestações clínicas articulares podem preceder ou ser concomitantes à doença inflamatória intestinal. O controle da atividade da doença inflamatória intestinal geralmente também controla a artrite periférica. A enteroartrite periférica normalmente não está associada à presença do marcador genético HLA-B27. Aproximadamente 10% dos pacientes com doença inflamatória intestinal podem ter artrite axial (espondilite e sacroileíte), que apresenta curso clínico independente da atividade da doença inflamatória intestinal, podendo estar associada à presença do marcador genético HLA-B27. Além das manifestações clínicas articulares, há manifestações clínicas extra-articulares 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 associadas à doença inflamatória intestinal, tais como eritema nodoso, que geralmente acompanha a atividade inflamatória intestinal e articular periférica, pioderma gangrenoso, complicação grave caracterizada por úlceras cutâneas profundas e dolorosas, úlceras orais recorrentes, que acompanham a atividade inflamatória da Doença de Crohn, e uveíte anterior aguda, unilateral ou bilateral. Os achados radiológicos da artrite enteropática são de artrite periférica não erosiva e de artrite axial semelhante à espondilite anquilosante, com sacroileíte bilateral e simétrica e espondiloartrite com sindesmófitos simétricos, regulares e delicados. Quando a artrite axial e/ou periférica iniciam antes do desenvolvimento da doença inflamatória intestinal, geralmente o quadro é classificado como artrite indiferenciada. Não há critérios específicos para o diagnóstico de artrite enteropática, entretanto as principais características que sugerem o diagnóstico de enteroartrite são: - Artrite periférica (presente em 20% dos pacientes com doença inflamatória intestinal). - Artrite periférica oligoarticular, assimétrica e não erosiva, principalmente em membros inferiores. - A artrite periférica geralmente acompanha a atividade da doença inflamatória intestinal e melhora com o seu controle. - A artrite periférica geralmente não se associa à presença do marcador genético HLA-B27. - Artrite axial, principalmente em homens. - A artrite axial geralmente independe da atividade da doença inflamatória intestinal, não melhorando com o seu controle. - A artrite axial pode associar-se à presença do marcador genético HLA-B27. - A sacroileíte, quando presente, geralmente é assintomática. - Os sindesmófitos, quando presentes, são simétricos, regulares e delicados. - As principais manifestações clínicas extra- articulares são eritema nodoso, pioderma gangrenoso e uveíte anterior. O tratamento da artrite enteropática baseia- se principalmente em uso de corticoides sistêmicos, como prednisona, para o alívio da dor e para o controle da inflamação articular. O uso de AINES deve ser evitado, pois associa-se a aumento da atividade da doença inflamatória intestinal, especialmente da Doença de Crohn. Os corticoides podem ser administrados por via intra-articular em casos de artrite periférica. O tratamento da doença inflamatória intestinal baseia-se no uso de drogas como mesalazina e sulfassalazina. A sulfassalazina também é eficaz na redução da inflamação articular periférica, mas não axial. Além da sulfassalazina, outros DMARDs sintéticos que podem ser utilizados para o tratamento da artrite periférica são metotrexato e azatioprina. O uso de imunobiológicos, especialmente de anti- TNFα, associa-se a controle da doença inflamatória intestinal e da artrite enteropática axial e periférica.
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