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Letramento: construção e apropriação da escrita APRESENTAÇÃO Quando se trata de alfabetização ou de construção e apropriação da escrita, várias perguntas surgem sobre métodos e formas de abordar essa importante etapa dentro da educação formal. Contudo, nas sociedades letradas, as crianças estão sempre em contato com os mais diversos tipos e gêneros textuais. Por isso, é importante considerar o estudante não como uma "tábula rasa", mas como um escritor. Ou seja, perceber o aluno como participante do processo de apropriação da escrita para que ele construa seus saberes com a mediação do professor. Isso acontece quando o estudante entra em contato com as produções escritas de outras pessoas e repensa as suas próprias escrituras. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer sobre os aspectos cognitivos envolvidos na apropriação da escrita, as hipóteses fonológicas e ortográficas que fazem parte do processo de construção da escrita e ver como reconhecer e selecionar diferentes sequências didáticas que contribuam para a autonomia na escrita. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os aspectos cognitivos envolvidos na apropriação da escrita.• Discutir as hipóteses fonológicas e ortográficas no processo de construção da escrita.• Propor sequências didáticas que contribuam para a autonomia na escrita.• DESAFIO Os planos de ensino das escolas em que você vai atuar nem sempre especificarão o conteúdo textual que deve ser trabalhado. Normalmente, o que pedem são conteúdos mais voltados para a gramática de Língua Portuguesa: classes de palavras, relação entre os termos, ortografia, acentuação, etc. Sabendo disso, veja a seguinte situação: Com a finalidade de aplicar um ou mais tipos textuais, seu desafio é pensar em um projeto de aula, ou aulas (com início, meio e fim), que, ao mesmo tempo, discuta o tópico gramatical, a leitura e a oralidade, a escrita e a interpretação de textos. Lembre-se de que a atividade deve ser interativa e partir do conhecimento que os alunos já têm. INFOGRÁFICO Estar diante de um texto literário é encarar um mundo novo que se abre para o leitor. A capacidade de ler e decifrar os códigos em um texto é uma habilidade nunca pronta e acabada, pois o ser humano está sempre aprendendo algo novo. Além disso, a forma de encarar a realidade e tudo aquilo que é vivenciado influencia a leitura do indivíduo. Desse modo, a leitura, encarada como um aspecto cognitivo predecessor à apropriação da escrita, deve ser vista e entendida considerando tudo aquilo que ela envolve. No Infográfico a seguir, você verá o que está envolvido no processo da leitura e a sua relação com as hipóteses de Emilia Ferreiro. CONTEÚDO DO LIVRO O segredo da escrita é a leitura. Por isso, para saber o que envolve a apropriação da escrita, é necessário o contato com as teorias desenvolvidas sobre esse tópico. Além do mais, a escola tem um papel fundamental nas estratégias comunicativas no que diz respeito ao estímulo da produção de textos tanto falados quanto, posteriormente, escritos. Para que haja apropriação da escrita, o leitor precisa construir o sentido do texto. Com isso, o que ele coloca em ação no momento da leitura, além das características textuais propriamente ditas, são os seus objetivos, suas convicções e conhecimento de mundo. O aluno é considerado, nessa perspectiva, como um escritor pleno. Na obra Fundamentos e metodologia do ensino de Língua Portuguesa, base teórica para esta Unidade de Aprendizagem, leia o capítulo Letramento: construção e apropriação da escrita e conheça os aspectos cognitivos da apropriação da escrita, as hipóteses de Emilia Ferreiro sobre a psicogênese da escrita e as sequências didáticas para a autonomia da escrita. Boa leitura. FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Talita Campos Letramento: construção e apropriação da escrita Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os aspectos cognitivos envolvidos na apropriação da escrita. Discutir as hipóteses fonológicas e ortográficas no processo de construção da escrita. Propor sequências didáticas que contribuam para a autonomia na escrita. Introdução Abordar o processo de escrita implica refletir sobre a fala. Afinal, durante a construção da escrita, a fala tem papel fundamental. Em síntese, fala e escrita se complementam. Assim, com os incentivos corretos (livros literários, contato com vários tipos textuais, leitura cotidiana de histórias e contato com jogos e outras atividades que aproximem o aluno do mundo letrado), o professor pode alcançar resultados profícuos durante a alfabetização de seus estudantes. Neste capítulo, você vai estudar os aspectos cognitivos implicados na apropriação da escrita. Você também vai conhecer as hipóteses fonológicas e ortográficas desse processo. Além disso, vai ver algumas sequências didáticas que podem contribuir para a autonomia dos alunos na escrita. 1 Aspectos cognitivos envolvidos na apropriação da escrita Como você sabe, para a teoria da evolução, a pergunta fundamental é “quem veio primeiro: o ovo ou a galinha?”. Já para as teorias de aquisição de língua materna, a pergunta fundamental seria “o que veio primeiro: a fala ou a escrita?”. A resposta, em um primeiro momento, parece óbvia e lógica: a fala. Contudo, é importante discutir e refl etir sobre as implicâncias e relações dessas modalidades. Nessa perspectiva, no ensino formal, “[...] a escrita tem sido vista como de estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto [...]” (FAVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 9). Assim, a escrita sempre foi privilegiada como a “verdadeira forma de linguagem”, mas a língua falada deve ter um lugar de destaque nas relações de ensino e aprendizagem. Marcuschi (1993) chama a atenção para o papel da língua falada na escola. Para ele, está em jogo “[...] uma dupla proposta de trabalho: por um lado trata-se de uma missão para a ciência linguística que deveria dedicar-se à descrição da fala e, por outro lado, é um convite a que a escola amplie seu leque de atenção [...]” (MARCUSCHI, 1993, p. 10). A escola não deve pôr de lado a língua falada como tópico já aprendido em casa. Nesse sentido, “[...] o ensino da oralidade não pode ser visto isola- damente, isto é, sem relação com a escrita, pois elas mantêm entre si relações mútuas e intercambiáveis [...]” (FAVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000, p. 13). Por isso, é fundamental descrever as relações intercambiáveis entre esses dois elementos, de modo que o aluno construa relações entre a sua fala e a sua escrita. O texto falado possui as seguintes características (FAVERO; ANDRADE; AQUINO, 2000): interação entre pelo menos dois falantes; ocorrência de pelo menos uma troca de falantes; presença de uma sequência de ações coordenadas; execução em determinado tempo; envolvimento em uma interação centrada. Como você pode perceber, a comunicação deve ser compreendida sempre dentro de uma interação. Todo texto, seja falado ou escrito, é construído dentro de um espaço-tempo por sujeitos. Logo, “[...] nessa concepção interacional (dialógica) da língua, tanto aquele que escreve como aquele para quem se Letramento: construção e apropriação da escrita2 escreve são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos que — dialogicamente — se constroem e são construídos no texto [...]” (KOCH; ELIAS, 2011, p. 34). Em outras palavras, o texto falado é sempre uma cons- trução social e interacional. O papel do professor O professor deve assumir o papel de mediador entre as estruturas da língua e o aluno. Assim, fi ca de lado a noção de que ele é a fi gura central do pro- cesso educativo. Quando se fala sobre o professor e sobre a sua importância no processode aquisição da escrita, é importante destacar que muitos problemas da educação decorrem do modo como os livros literários são utilizados na escola. Nesse contexto, o professor, antes de tudo, deve ser também um leitor, para que o aluno encontre nele um modelo. As obras literárias a serem trabalhadas em sala de aula, conforme Saraiva (2001), devem estar distantes dos textos que possuem como único objetivo disseminar formas estereotipadas de literatura, simplesmente pedagogizantes ou apartadas da realidade do receptor. Consequentemente, é a compreensão da finalidade da literatura, bem como dos processos inerentes ao ato de ler, que conduz à mudança das atividades com o texto na escola. Ela inclui, inevitavelmente, a seleção de obras cujo mundo ficcional, constituído graças à concepção original da linguagem, estabelece um vínculo solidário com a psicologia do leitor, permitindo-lhe atuar como sujeito da produção. Por sua vez, a escolha de obras potencialmente ricas em experiências rejeita a imposição de leituras comprometidas com um sistema rígido de avaliação e solicita o diálogo como princípio metodológico. Somente uma relação harmoniosa entre professor e aluno pode levar à des- coberta coletiva de modos de ler que produzam prazer e conhecimento e que incentivem o leitor a compor, através de textos, uma cadeia de significações (SARAIVA, 2001, p. 27). Em outras palavras, os livros literários a serem trabalhados em sala de aula devem ser pensados primeiramente a partir da forma estética e da proximidade com a realidade dos leitores. Além disso, o professor deve ler as obras e só depois utilizá-las como ferramentas para a leitura e a escrita de seus alunos. Assim, o professor é um agente que contribui para a aquisição da escrita pelo aluno, visto enquanto sujeito que constrói o seu aprendizado. Ou seja, o aluno não é mais objeto da aprendizagem. Esta é um processo dialético em que o aluno se apropria da escrita e também de si mesmo enquanto produtor de textos. 3Letramento: construção e apropriação da escrita Nesse contexto, é importante tratar dos níveis de consciência fonológica, listados a seguir. Consciência de rimas e aliterações: permite que a criança perceba a relação entre os sons das palavras (seja no início ou no final delas) presentes em músicas e poemas. Consciência de sílabas: percepção de que as palavras possuem partes que se complementam e de que as sílabas, quando justapostas, confi- guram um sentido. Consciência de fonemas (ou consciência fonêmica): dentro de cada sílaba e de cada palavra, há a composição de unidades sonoras que podem modificar o significado de uma palavra. O que esses itens demonstram é a percepção de que a criança, antes de ser alfabetizada, possui algum nível de consciência relativa aos sons das pa- lavras. O trabalho na escola deve ser desenvolvido a partir da construção da relação entre o som e a representação escrita dele, para, mais tarde, englobar a construção textual. A seguir, veja as estratégias envolvidas na escrita (KOCH; ELIAS, 2011). Ativação de conhecimentos sobre os componentes da situação comunica- tiva: tais componentes incluem os interlocutores, o tópico a ser desenvolvido e a configuração textual adequada à interação em questão. Seleção, organização e desenvolvimento de ideias: busca-se garantir a conti- nuidade do tema e a sua progressão. Equilíbrio entre informações explícitas e implícitas, novas e já conhecidas: deve- -se considerar o compartilhamento de informações com o leitor e o objetivo da escrita. Revisão da escrita ao longo de todo o processo: é guiada pelo objetivo da produção e pela interação que o escritor deseja estabelecer com o leitor. 2 Hipóteses fonológicas e ortográficas da construção da escrita Como você já sabe, o processo de escrita não se baseia apenas numa simples substituição entre fonema (unidade sonora que forma e distingue palavras) e Letramento: construção e apropriação da escrita4 grafema (símbolo gráfi co usado para construir palavras), mas na compreensão da escrita e da sua organização. O modelo tradicional de ensino deu relevância desde sempre ao aspecto material da escrita, ou seja, ao desenho das letras. Contudo, as novas teorias de aquisição de língua materna — principalmente os estudos realizados por Emília Ferreiro presentes no livro Refl exões sobre alfabetização, publicado em 1993 — dão relevância e priorizam a refl exão acerca do conteúdo da escrita. Em síntese, isso signifi ca que tudo aquilo que o professor ensina deve fazer sentido para o aluno. Em A psicogênese da língua escrita, Ferreiro e Teberosky (1985) apresentam uma série de hipóteses sobre os níveis do processo de construção da escrita. Tais hipóteses foram formuladas a partir de uma extensa pesquisa realizada com crianças em fase de alfabetização. No primeiro momento, a criança percebe que a escrita representa o mundo de forma direta, ou seja, que significante e significado se identificam. Se- gundo Saussure (2003), o significado seria o sentido, a ideia de alguma coisa, o conceito, ou mesmo a representação mental de algo. Já o significante seria a imagem acústica: “Esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão (empreinte) psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos [...]” (SAUSSURE, 2003, p. 80). Ou seja, o significante seria a parte perceptível do signo, e o significado, a parte inteligível. O sujeito começa a perceber a escrita como a soma dos desenhos enquanto representações dos objetos. “O desenho pode ser interpretado, o texto serve para ler o que o desenho representa. Neste caso, como em muitos outros, a expectativa é a de que o texto corresponda ao desenho, o objeto representado em um também o está no outro [...]” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 73). Desse modo, o que deve ser buscado é a percepção de que há diferença entre desenhar e escrever. O aluno também pode relacionar o que escreve com a forma (tamanho) do desenho, ou seja, as formas escritas devem reproduzir as formas dos objetos. A segunda hipótese é convencionalmente chamada de pré-silábica (as autoras não chamam esse estágio dessa forma; apenas mais tarde é que outros teóricos o fazem). Esse é o momento em que a criança começa a perceber o caráter arbitrário e convencional do sistema de escrita. Ela começa a perceber as distinções entre significante e significado, de modo que os símbolos da escrita não representam diretamente a realidade. Assim, ela começa a depre- ender significados diferentes nas escritas que faz. Além disso, há o início da diferenciação entre números e letras. 5Letramento: construção e apropriação da escrita No estágio pré-silábico, se a criança quiser escrever a palavra “boi”, por exemplo, é normal que ela relacione a grafia com o tamanho do animal. Assim, ela pode escrever “boi” com uma letra maior. O estágio seguinte se dá no momento em que a criança começa a perceber que o sistema de escrita da língua portuguesa se baseia no som; é a hipótese silábica (Figura 1). Figura 1. Exemplo da hipótese silábica. Fonte: Maria (2019, documento on-line). Como você pode ver na Figura 1, as representações se aproximam das letras formativas do nome, e a criança percebe que a escrita não é ideográfica ou pictográfica, mas fonográfica. A mudança qualitativa consiste em que: a) se supera a etapa de uma correspondência global entre forma escrita e a expressão oral (recorte silábico do nome); mas, além disso, b) pela primeira vez a criança trabalha claramente com a hipótese de que a es- crita representa partes sonoras da fala [...] (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 193). Mesmo assim, a criança ainda não se libertou da hipótese silábica, visto que em alguns momentos representa a sílaba e em outros, o fonema. Nesse estágio, ela se encontraria na hipótese silábico-alfabética. No momento em Letramento: construção e apropriação da escrita6 que a criança percebe que cada letra escritapode representar um fonema, ela se encontraria na hipótese alfabética, ou seja, ela estaria alfabetizada. No Quadro 1, a seguir, você pode ver uma síntese das diferentes hipóteses. Fonte: Adaptado de Pestun et al. (2010). Nível da escrita Características Nível alfabético Cada um dos caracteres da escrita corresponde a valores sonoros menores do que a sílaba. Não atende à norma ortográfica. Nível silábico-alfabético Manifestação alternante de valor silábico ou fonético para as diferentes letras. Nível silábico Cada letra vale por uma sílaba. Escrita com ou sem o predomínio do valor sonoro convencional. Nível pré-silábico Marcado por escritas que não apresentam nenhum tipo de correspondência sonora, isto é, sem relação com grafia e som. ______ Somente rabiscos. Quadro 1. Hipóteses segundo Ferreiro e Teberosky (1985) De todo modo, as autoras deixam claro: “[...] é conveniente esclarecer que não pretendemos propor nem uma nova metodologia da aprendizagem nem uma nova classificação dos transtornos da aprendizagem [...]” (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 15). Por isso, em nenhum momento elas falam de uma proposição de um método, mas de hipóteses e constatações derivadas das suas pesquisas. 3 Sequências didáticas para a autonomia na escrita As sequências didáticas são esquemas linguísticos básicos que entram no trabalho pedagógico na constituição de diversos gêneros e variam menos em função das circunstâncias sociais. É o produtor que escolhe qual das sequências 7Letramento: construção e apropriação da escrita disponíveis se aplica melhor à situação em que se encontra: a descritiva, a narrativa, a injuntiva, a explicativa, a argumentativa ou a dialogal. Contudo, antes de o sujeito escrever alguma das sequências, ele deve estar ou ter entrado em contato com os gêneros textuais: A par da familiarização com os gêneros, é possível levar o aluno a depreender, entre determinadas sequências ou tipos textuais — narrativas, descritivas, expositivas, etc. — um conjunto de características comuns, em termos de estruturação, seleção lexical, uso de tempos verbais, advérbios (de tempo, lugar, modo, etc.) e outros elementos dêiticos, que permitem reconhecê- -las como pertencentes à determinada classe (KOCH; ELIAS, 2011, p. 63). Assim, o estudo deve estar sempre relacionado com a leitura, a produção e a reflexão a respeito do gênero escolhido pelo professor. Segundo Koch e Elias (2011), há cinco sequências didáticas: as narrativas, as descritivas, as expositivas, as injuntivas e as argumentativas. Em um mesmo gênero, mais de uma sequência pode estar presente. Sequências narrativas Apresentam sucessão temporal/causal de eventos, situação inicial e fi nal. Entre tais situações, há uma situação intermediária que modifi ca o estado de coisas. Nessas sequências, predominam verbos de ação, advérbios temporais, causais e locativos. Além disso, há discurso relatado (direto, indireto ou indireto livre). As sequências narrativas estão presentes em gêneros textuais como notícias, romances, contos, etc. As lendas são exemplos de sequências narrativas. Trabalhar com lendas é sempre motivador para os alunos, pois aguça a sua imaginação e ao mesmo tempo pode se tornar um excelente modo de estudo das narrativas. A seguir, veja um exemplo de lenda. Vitória-régia Essa é uma história linda de amor de uma bela índia pelas estrelas, a ponto de querer se tornar uma. Naiá era uma jovem guerreira que, por amar a natureza, tinha o hábito de contemplação por longo período da lua e das estrelas. Com o sonho de ser de fato uma estrela, pediu a Jaci — a lua — que a fizesse uma estrela, mas os dias passaram sem que o desejo se concre- tizasse, fazendo com que a jovem índia, triste, em um dia de lua cheia, fosse esperar por Jaci na beira do lago. Letramento: construção e apropriação da escrita8 Ao ver a bela imagem refletida na água, se encantou e ali mergulhou para nunca mais voltar. Como sempre foi querida na tribo e na região, os peixes e os pássaros pediram a Jaci que a tratasse de forma especial. Assim, Naiá foi transformada na mais bela planta aquática já vista — a vitória-régia ou estrela das águas — no Rio Amazonas. A flor de pétalas brancas é perfumada e só abre à noite, para amanhecer rosada e ainda bela (CELI, 2019, documento on-line). Sequências descritivas São caracterizadas pela apresentação de propriedades, qualidades e elementos de uma entidade, situação no espaço, etc. Nesse tipo de sequência, [...] predominam os verbos de estado e situação, ou aqueles que indicam propriedades, qualidade, atitudes, que aparecem no presente, em se tratan- do de comentário, e no imperfeito, no interior de um relato. Predominam articuladores de tipo espacial/situacional [...] (KOCH; ELIAS, 2011, p. 65). Na Figura 2, a seguir, veja um exemplo. Figura 2. Propaganda com texto descritivo sobre o produto. Fonte: Agência Abracadabra (2009, documento on-line). 9Letramento: construção e apropriação da escrita Sequências expositivas São construídas a partir de representações conceituais dentro de uma ordenação lógica. Os tempos verbais se referem ao mundo comentado e os conectores são do tipo lógico. Um gênero textual que se utiliza dessa sequência são os textos de dicionário ou mesmo de sites de consulta, como a Wikipédia. Veja um exemplo: Anodorhynchus é um gênero de aves psitacídeas que inclui três espécies de arara, exclusivas das florestas tropicais da América do Sul e que podem ser observadas no Brasil. Conhecidas popularmente como araras-azuis, são aves de grande porte, com comprimento variável entre os cerca de 70 cm da arara-azul-pequena e 1 metro da arara-azul-grande, o maior representante da ordem Psittaci- formes. A sua plumagem é uniforme, em tons de azul ou azul-esverdeado. O bico é poderoso e preto. Estas araras distinguem-se dos membros do gênero Ara pela presença de manchas amarelas na cabeça, na zona da bochecha e em torno dos olhos. Todas as espécies de arara-azul encontram-se em perigo de extinção devido à caça e à degradação de habitat (WIKIPÉDIA, 2019, documento on-line). Sequências injuntivas Prescrevem comportamentos, ações sequencialmente ordenadas, com verbos no imperativo, infi nitivo ou futuro do presente e articuladores adequados ao encadeamento sequencial das ações prescritas. O gênero receita é um exem- plo desse tipo de sequência, mais especifi camente na parte sobre o modo de preparo. Confi ra: Brigadeiro INGREDIENTES 1 caixa de leite condensado 1 colher (sopa) de margarina sem sal 7 colheres (sopa) de achocolatado ou 4 colheres (sopa) de chocolate em pó Chocolate granulado MODO DE PREPARO Em uma panela funda, acrescente o leite condensado, a margarina e o chocolate em pó. Letramento: construção e apropriação da escrita10 Cozinhe em fogo médio e mexa até que o brigadeiro comece a desgrudar da panela. Deixe esfriar e faça pequenas bolas com a mão passando a massa no chocolate granulado (TUDOGOSTOSO, 2019, documento on-line). Sequências argumentativas (stricto sensu) São as que apresentam uma ordenação ideológica de argumentos e/ou contra- -argumentos, com predominância de elementos modalizadores, verbos introdu- tores de opinião, operadores argumentativos, etc. É o tipo de texto pedido em vestibulares, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em artigos científi cos e nos editoriais ou artigos de opinião dos jornais. Confi ra um exemplo: Manoel Soares: problema de branco A maior luta que temos nas quebradas é vencer os reflexos da escravidão. Hoje, um jovem negro na periferia vive menos do que um escravo do período colonial, de acordo com os números da violência do IBGE. Os piores salários ainda são das pessoas negras. As faculdades têm mais pessoas brancas, enquanto os presídios têm mais negros. Se você con- segue contar nos dedos os médicos negros que conhece, é porque algo está errado — deveriam ser tantos que faltariam dedos. Essa luta não pode ser somente de negros. As pessoas brancas precisam assumir seupapel na luta contra o preconceito que está na estrutura da sociedade. Quando você entra em um restaurante e não tem negros sen- tados à mesa, o racismo está presente. Quando você vê pessoas negras sendo paradas pela polícia, enquanto pessoas brancas passam batido, o racismo está presente. Quando você vê pessoas negras na empresa em que trabalha somente fazendo limpeza ou segurança, o racismo está presente. Mas não somos somente nós, negros, que devemos levantar a voz para essas realidades que refletem o racismo estrutural. Você, branco, deve perguntar por que não tem negros ali, deve exigir que as coisas mudem. E não adianta vir com esse papo que não existe cor: existem cores diferentes, e todas devem ser tratadas iguais. O racismo não é um problema de negros, mas de brancos. Quem precisa mudar é a pessoa que acha normal negros serem tratados diferente ou sequer percebe quando o racismo está presente. Algumas pessoas são racistas, outras são socialmente cegas, mas o pior cego é aquele que não quer ver. Então, contamos com você para abrir o olho de quem ainda não viu o mal que o racismo faz a negros e brancos (DIÁRIO GAÚCHO, 2019, documento on-line). 11Letramento: construção e apropriação da escrita Cada gênero, desse modo, elege uma ou mais dessas sequências ou tipos para a sua constituição. Assim, por exemplo, no gênero romance, você encontra não apenas a sequência narrativa, mas a descritiva (nas descrições de espaços e personagens) e a expositiva (quando o narrador se insere na história). Cabe à escola, então, possibilitar que o aluno domine diferentes gêneros textuais e as sequências didáticas que eles implicam. Desse modo, o estudante vai ser capaz de, dentro e fora da escola, produzir gêneros textuais próximos ou distantes de sua realidade. Da mesma forma, cabe à escola colocar os alunos próximos de situações verdadeiras de comunicação, aproximando a prática da teoria e atribuindo, assim, sentido ao aprendizado. “Quanto mais claramente o objeto do trabalho é descrito e explicado, mais ele se torna acessível aos alunos não só nas práticas linguajeiras de aprendizagem, como em situações concretas [...]” (KOCH; ELIAS, 2011, p. 74). Leia o artigo de Marcuschi (2000?) “Gêneros textuais: definição e funcionalidade”, disponível no link a seguir. No texto, Marcuschi (2000?), um dos maiores estudiosos brasileiros de gêneros textuais, aprofunda os elementos abordados neste capítulo, além de esquematizar o conteúdo e apresentar vários exemplos de aplicação. https://qrgo.page.link/MCRJd AGÊNCIA ABRACADABRA. Propaganda descritiva. 2009. Disponível em: http://agenciaa- bracadabra.blogspot.com/2009/09/propaganda-descritiva.html. Acesso em: 16 jan. 2020. CELI, R. Lendas indígenas: veja quais são! 2019. Disponível em: https://www.stoodi.com. br/blog/2019/02/14/lendas-indigenas/. Acesso em: 16 jan. 2020. DIÁRIO GAÚCHO. Manoel Soares: problema de branco. 2019. Disponível em: http:// diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-dia/noticia/2019/10/manoel-soares-problema- -de-branco-11883676.html. Acesso em: 16 jan. 2020. FAVERO, L. L.; ANDRADE, M. L. C. V. O.; AQUINO, Z. G. Oralidade e escrita: perspectiva para o ensino de língua materna. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. Letramento: construção e apropriação da escrita12 Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. A psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985. KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011. MARCUSCHI, L. A. O tratamento da oralidade no ensino de língua. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1993. MARIA. Alfabetização: o processo de aquisição da linguagem escrita. 2017. Disponível em: http://professoramaria.com.br/blog/?p=61. Acesso em: 16 jan. 2020. PESTUN, M. S. V. et al. Estimulação da consciência fonológica na educação infantil: prevenção de dificuldades na escrita. Psicologia Escolar e Educacional, Campinas, v. 14, n. 1, p. 95–104, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_artte xt&pid=S1413-85572010000100011. Acesso em: 16 jan. 2020. SARAIVA, J. A. A situação da leitura e a formação do leitor. In: SARAIVA, J. A. Literatura e alfabetização: do plano do choro ao da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001. SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. 25. ed. São Paulo: Cultrix, 2003. TUDOGOSTOSO. Brigadeiro. 2019. Disponível em: https://www.tudogostoso.com.br/ receita/114-brigadeiro.html. Acesso em: 16 jan. 2020. WIKIPÉDIA. Anodorhynchus. 2019. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ano- dorhynchus. Acesso em: 16 jan. 2020. Leitura recomendada MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. [2000?]. Disponível em: https://qrgo.page.link/MCRJd. Acesso em: 16 jan. 2020. 13Letramento: construção e apropriação da escrita DICA DO PROFESSOR Uma sequência didática deve estar sempre voltada para a interação e a construção autônoma dos conteúdos pelos alunos. O professor é sempre um mediador. Entretanto, como pensar uma aula utilizando a sequência didática? Na Dica do Professor, você verá cinco conselhos para pensar um roteiro de aula que utilize a sequência didática e saberá como escolher determinado tipo textual. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Por volta do ano de 1980, foram divulgados no Brasil os resultados da pesquisa de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky sobre o processo de aquisição de escrita pela criança. Essa abordagem passou a ser conhecida como construtivista e ganhou relevância nos estudos posteriores sobre alfabetização. Essa proposta, inovadora para a época, tem como objetivo principal: A) ser uma aplicação das teorias clássicas sobre a construção do aprendizado. B) oferecer um novo método de trabalho para o processo de aquisição da escrita nas escolas. C) apresentar um longo estudo sobre o processo de aprendizado das crianças e elencar hipóteses de aquisição de escrita. D) estudar apenas a fala da criança sem considerar o que a envolve e os conhecimentos já adquiridos. E) oferecer um novo método que parta da escrita dos alunos, considerando os novos conhecimentos que podem ser construídos. 2) Para Emilia Ferreiro e Ana Teberosky, a língua escrita deve ser entendida como um sistema de representação da linguagem, concepção oposta ao que comumente era ensinado, em que a língua escrita é considerada como codificação da linguagem. Considerando esse desenvolvimento construtivista, quais estratégias devem estar envolvidas na hora da escrita? A) Ativação de conhecimentos prévios, organização das ideias, novas informações e revisão contínua da escrita. B) Proposta de um tema geral, escrita dos alunos e devolução dos textos produzidos. C) Reescrita do texto somente para revisão dos erros ortográficos. D) Utilização de formas prévias como mínimo de linhas e temas fixos para estimular a produção textual. E) Proposta de um texto, de modo que os alunos produzam outro a partir dele. 3) O estudo das sequências didáticas é fundamental para a reflexão das produções textuais, já que, posteriormente, será possível desdobrá-las nos gêneros textuais em que cada uma delas se reflete. Desse modo, as sequências devem ter como objetivo principal: A) aplicar conteúdos estudados ao longo do tempo, sem a construção de outros. B) desenvolver a produção escrita dos alunos, sem reflexão mais profunda, pois isso ficará a cargo no momento do trabalho gramatical. C) corrigir as variações oriundas da fala e que, em algumas situações, se manifestam na escrita, buscando evidenciá-las como erro. D) levar o alunoa depreender um conjunto de características comuns aos textos, reconhecendo-as e adequando cada um deles às suas finalidades comunicativas. E) perceber na fala que tipos de argumentos estão sendo usados, pois isso pode ser refletido no momento da escrita de um texto. 4) A escola deve propiciar aos alunos um contato com o maior número possível de textos com diferentes características para, então, levar o estudante a situações reais e concretas do dia a dia. Porém, ao trabalhar com textos literários em sala de aula, o professor deve privilegiar qual(is) aspecto(s) relacionado(s) a essa ferramenta de aprendizado? A) A lição moral que a história traz. B) A leitura de livros que não tenham relação com a realidade do leitor, pois, assim, ele conhecerá novos mundos. C) Lição moral e forma estética das ilustrações dos desenhos. D) Apenas a escolha do professor daquilo que ele achar melhor para ser trabalhado. E) A forma estética e a proximidade do texto com a realidade do leitor. 5) O texto falado é sempre resultado de uma interação. Aprende-se a falar interagindo com outras pessoas, ouvindo palavras em determinados contextos para, mais tarde, aplicá-las também em certas situações. Com isso, quais elementos devem ser destacados na análise do professor no momento em que ele observa a fala de seus alunos? A) Centramento no conteúdo da fala, pois não vai representar relação com a produção escrita dos alunos. B) O assunto da fala, a situação, os papéis dos participantes, o modo do discurso e o meio onde ele acontece. C) A variação, visando a demonstrar que só a língua culta deve ser utilizada. D) A correção gramatical, a concordância e o uso adequado dos pronomes. E) O modo como o discurso é construído, pois é dele que se depreende como está construída a fala. NA PRÁTICA Um dos grandes problemas em sala de aula é pensar todos os conteúdos mais teóricos aplicados ao dia a dia. Emilia Ferreiro propõe hipóteses sobre os níveis do processo de aquisição na construção da escrita. Veja, em Na Prática, a história da professora Raquel e saiba como aplicar as teorias de Emilia Ferreiro na construção da escrita em uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental. SAIBA + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: O que é ensinar oralidade? Análise de proposições didáticas apresentadas em livros destinados aos anos iniciais da educação básica Leia este artigo, que avalia os livros didáticos de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental e os gêneros orais trabalhados nesse material. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! Emilia Ferreiro | Leitura e escrita na Educação Infantil Assista a este vídeo, que contém uma entrevista com Emilia Ferreiro, em que ela discute as suas teorias e abordagens científicas. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! A formação dos professores e a presença da leitura infantil na alfabetização nos anos 1990 Leia este artigo, que apresenta uma reflexão sobre a importância da leitura na escola e a formação dos professores. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!