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Noções introdutórias Conceito a) Aspecto Formal / Estático: Direito Penal é o conjunto de normas que qualifica certos comportamentos humanos como infrações penais, define os seus agentes e fixa sanções a serem-lhes aplicadas. b) Aspecto Material: O Direito Penal refere-se a comportamentos considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, afetando bens jurídicos indispensáveis à própria conservação e progresso da sociedade. c) Aspecto sociológico/dinâmico: Direito Penal é mais um instrumento de controle social visando assegurar a necessária disciplina para a harmônica convivência dos membros da sociedade. A manutenção da paz social demanda a existência de normas destinadas a estabelecer diretrizes. Quando violadas as regras de conduta, surge para o Estado o dever de aplicar sanções (civis ou penais). Atenção: Nessa tarefa de controle atuam vários ramos do direito, e não somente o direito penal. Quando a conduta atenta contra bens jurídicos especialmente tutelados, merece reação mais severa por parte do Estado, valendo-se do Direito Penal. Importante: O que diferencia a norma penal das demais é a espécie de consequência jurídica (o direito penal trabalha com a prisão enquanto consequência mais drástica). Direito penal x Criminologia x Política criminal -> Observa-se o principal diferencial indicativo dos objetos do Direito Penal, da Política Criminal e da Criminologia. A Criminologia não se preocupa com o conteúdo normativo a ser aplicado ao delinquente, mas estuda o delinquente como ser, assim como a vítima e o controle social. Analisa os fatos praticados e suas consequências no sentido da busca de entendê-los como fatores formadores do complexo criminal; não se atém à imputação da pena e à situação derivada desta imputação. A norma merece desenvolvimento científico à parte. Aliás, dela (norma penal) se ocupam o Direito Penal e a Política Criminal, em âmbitos diferenciados e estranhos ao mundo dos fatos da Criminologia. Missão do direito penal -> Mediata: É o controle social e limitação ao poder de punir do Estado. Se de um lado o Estado controla o cidadão, impondo-lhe limites, de outro lado é necessário limitar seu próprio poder de controle, evitando a hipertrofia da punição. -> Imediata: A doutrina diverge. Uma primeira corrente defende que a missão imediata é proteger bens jurídicos (funcionalismo, de Roxin). Uma segunta corrente defende que é assegurar o ordenamento jurídico, a vigência da norma (funcionalismo, de Jakobs). Direito penal: classificação doutrinária: a) Direito penal substantivo x Direito penal adjetivo: O Direito Penal substantivo corresponde ao direito penal material (que define crime, anuncia pena). Já o Direito Penal adjetivo corresponde ao direito processual penal (trabalha o processo, procedimento). Classificação que caiu em desuso. b) Direito penal objetivo x Direito penal subjetivo: O direito penal objetivo traduz o conjunto de leis penais em vigor no país. Já o direito penal subjetivo refere-se ao direito de punir do Estado. Pode ser positivo (capacidade de criar e executar normas) ou negativo (Poder de derrogar preceitos penais ou restringir seu alcance - preponderantemente cabe ao controle concentrado de constitucionalidade - STF) Limites do direito de punir estatal a) Quanto ao modo: O direito de punir deve respeitar direitos e garantias fundamentais. Como bem explica Canotilho, mesmo nos casos em que o legislador se encontre constitucionalmente autorizado a editar normas restritivas, permanecerá vinculado à salvaguarda do núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias do homem e do cidadão b) Quanto ao espaço: Em regra, a lei penal aplica-se aos fatos cometidos em território nacional (princípio da territorialidade). “art. 5º, C.P. - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional.” c) Quanto ao tempo: O direito de punir não é eterno, em regra. prescrição aparece como limite temporal ao direito de punir. Em resumo, como bem alerta, Paulo César Busato: “o Estado não é absolutamente livre para fazer uso desse poder de castigar através de emprego da lei. Sua tarefa legislativa, e de aplicação da legislação, encontram-se limitadas por uma série de balizas normativas formadas por postulados, princípios e regras, tais como a legalidade, a necessidade, a imputação subjetiva, a culpabilidade, a humanidade, a intervenção mínima, e todos os demais direitos e garantias fundamentais como a dignidade da pessoa humana e a necessidade de castigo”. Atenção: O direito de punir é monopólio do Estado, ficando proibida a justiça privada. “Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência”. Cuidado: Há um caso que o Estado tolera a punição privada paralela à punição estatal: Estatuto do índio (art. 57 da Lei nº 6001/73) “Art. 57. Será tolerada a aplicação, pelos grupos tribais, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em qualquer caso a pena de morte.” -> O TPI é exceção ao monopólio do direito de punir do Estado? Não! o art 1º consagrou o princípio da complementariedade, o TPI será chamado a intervir somente se e quando a justiça repressiva interna falhar, se tornar omissa ou insuficiente. “Estatuto de Roma - Artigo 1º - O Tribunal - É criado, pelo presente instrumento, um Tribunal Penal Internacional ("o Tribunal"). O Tribunal será uma instituição permanente, com jurisdição sobre as pessoas responsáveis pelos crimes de maior gravidade com alcance internacional, de acordo com o presente Estatuto, e será complementar às jurisdições penais nacionais. A competência e o funcionamento do Tribunal reger-se-ão pelo presente Estatuto.” Criminalização primária e secundária -> Criminalização primária: Diz respeito ao poder de criar a lei penal e introduzir no ordenamento jurídico a tipificação criminal de determinada conduta. -> Criminalização secundária: Atrela-se ao poder estatal de aplicar a lei penal introduzida no ordenamento jurídico com a finalidade de coibir determinados comportamentos antissociais. Direito penal de emergência x Direito penal promocional/político/demagogo -> Direito penal de emergência: Atendendo as demandas de criminalização, o Estado cria normas de repressão, ignorando garantias e direitos fundamentais do cidadão. Se preocupa mais em passar uma pseudossensação de segurança. • Finalidade: Devolver o sentimento de tranquilidade para a sociedade, às vezes até ignorando os direitos do cidadão. • Exemplo: Lei dos crimes hediondos - sequestro do Abílio Diniz (pressão da mídia) -> Direito penal promocional: O Estado, visando a consecução dos seus objetivos políticos, emprega leis penais desconsiderando o princípio da intervenção mínima. • Finalidade: Usar o direito penal para a transformação social. • Exemplo: Estado criando contravenção penal de mendicância (revogada) para acabar com os mendigos ao invés de melhorar as políticas públicas. Direito penal simbólico -> É aquele direito penal que nasce sem qualquer eficácia jurídica ou social, que também pode ter um viés de direito penal de emergência. Velocidades do direito penal -> Idealizadas por Silva Sánchez. Trabalha com o tempo que o Estado leva para punir o autor de uma infração penal mais ou menos severa. Respeitando mais ou menos direitos e garantias. -> 1ª Velocidade: Enfatiza infrações penais mais graves, punidas com pena privativa de liberdade, exigindo procedimento mais demorado, observando todas as garantias penais e processuais (crime grave, pena privativa, procedimento complexo). -> 2ª Velocidade:Flexibiliza direitos e garantias fundamentais, possibilitando punição mais célere, mas, em contrapartida, prevê penas alternativas (crimes menos graves, pena não privativa, procedimento mais célere). -> 3ª Velocidade: Mescla a 1ª velocidade e a 2ª velocidade. Defende a punição do criminoso com pena privativa de liberdade (1ª velocidade). Permite, para determinados crimes, a flexibilização de direitos e garantias constitucionais (2ª velocidade) (crimes graves, pena de prisão, procedimento mais célere). -> Quadro Comparativo: 1ª Velocidade 2ª Velocidade 3ª Velocidade Pena privativa de loberdade Penas alternativas Pena privativa de liberdade Procedimento garantista Procedimento flexibilizado Procedimento flexibilizado Ex: CPP Ex: Lei nº 9.099/95 Ex: Lei nº 13.2060/16 (terrorismo) -> Hoje temos doutrina anunciando a 4ª (quarta) velocidade do Direito Penal, ligada ao Direito Penal Internacional, mirando suas normas proibitivas contra aqueles que exercem (ou exerceram) chefia de Estados e, nessa condição, violam (ou violaram) de forma grave tratados internacionais de tutela de direitos humanos. Para tanto, foi criado, pelo Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional. Trata-se da primeira instituição global permanente de justiça penal internacional, com competência para processar e julgar crimes que violam as obrigações essenciais para a manutenção da paz e da segurança da sociedade internacional em seu conjunto. Fontes do direito penal -> Lugar de onde vem e como se exterioriza o Direito Penal. -> Fonte material ("fábrica"): Explica de onde vem o direito penal, é fonte de produção da norma, basicamente órgão encarregado de criar o direito penal. No Brasil, é a União (art. 22, i, CF). OBS: Lei complementar pode autorizar o Estado a legislar sobre Direito Penal incriminador no seu âmbito. -> Fonte formal (“propagar o produto fabricado”): Como se exterioriza direito penal. É o modo como as regras são reveladas, fonte de conhecimento ou cognição. a) Imediatas (de acordo com a doutrina moderna): • Lei: Única fonte incriminadora, que pode criar infrações e cominar sanções. • Constituição federal: Revela imediatamente direito penal, por exemplo em seu art. 5º. A CF não pode criar crimes e cominar penas, mesmo sendo superior a lei; isso porque seu processo de alteração é moroso, ou seja, incompatível com o processo dinâmico do direito penal. Muito embora não possa criar infrações penais ou cominar sanções, a C.F. nos revela o Direito Penal estabelecendo patamares mínimos (mandado constitucional de criminalização) abaixo dos quais a intervenção penal não se pode reduzir, ou seja, pode orientar o legislador. OBS: De acordo com a maioria, existem mandados constitucionais de criminalização implícitos com a finalidade de evitar intervenção deficiente ou insuficiente do Estado. Aparecem como imperativos de tutela. Por exemplo, o legislador não poderia retirar o crime de homicídio do ordenamento jurídico, porque a CF garante o direito à vida. • Tratados internacionais de direitos humanos: Para a doutrina moderna, é fonte formal imediata. Podem ingressar no nosso ordenamento jurídico de 2 formas: com o status constitucional, quando ratificados com quorum de emenda, ou com status supralegal, quando ratificados com quorum comum (superiores a leis ordinárias). OBS: Respeitável corrente doutrinária se posiciona no sentido de que os tratados, versando sobre direitos humanos (e somente eles), uma vez subscritos pelo Brasil, se incorporam automaticamente e possuem (sempre) caráter constitucional, a teor do disposto nos §§ 1º e 2º, do art. 5º, da CF (Flávia Piovesan). Cuidado: Importante esclarecer que os tratados e convenções não são instrumentos hábeis à criação de crimes ou cominação de penas para o direito interno (apenas para o direito internacional). Assim, antes do advento das Leis 12.694/12 e 12.850/13 (que definiram, sucessivamente, organização criminosa), o STF manifestou-se pela inadmissibilidade da utilização do conceito de organização criminosa dado pela Convenção de Palermo, trancando a ação penal que deu origem à impetração, em face da atipicidade da conduta (HC nº 96007) Há quem sustente que a punição da conduta de desacato seja incompatível com a legislação internacional de que o Brasil faz parte. A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos – à qual o Brasil aderiu por meio do Decreto nº 678/92 – garante, no artigo 13, a liberdade de pensamento e expressão, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou no sentido de que a legislação de desacato vigente no continente americano contraria os termos da Convenção: “A ameaça de sofrer punições penais por expressões, sobretudo nos casos em que elas consistissem de opiniões críticas de funcionários ou pessoas públicas, gera um efeito paralisante em quem quer expressar-se, que pode traduzir-se em situações de autocensura incompatíveis com um sistema democrático”. • Jurisprudência: Revela direito penal, podendo inclusive ter caráter vinculante. • Princípios: Por vezes, funcionam de forma exclusiva na condenação ou inocência de um réu. • Atos administrativos: Funcionam como fonte imediata quando complementam norma penal em branco. b) Mediatas (de acordo com a doutrina moderna): É a própria doutrina. Para a doutrina moderna, os costumes são classificados como fontes informais do direito penal. Características da lei penal -> Exclusividade: Somente lei define crimes e comina penas. -> Imperatividade: É imposta a todos independentemente da vontade de cada um. -> Generalidade: Todos devem acatamento a lei penal, mesmo os inimputáveis. -> Impessoalidade: Dirige-se abstratamente a atos futuros e não a pessoas. Classificação da lei penal -> Lei penal incriminadora: Define as infrações penais e cominam as sanções que lhes são inerentes. Obs: Há um preceito primário, está contida a conduta criminosa, no preceito secundário, prevê a sanção penal aplicável. -> Lei penal não incriminadora: Também denominada lei penal em sentido amplo, não tem a finalidade criar condutas puníveis nem de cominar sanções a elas relativas, subdividindo-se em: • Permissiva: Será permissiva justificante a lei penal não incriminadora que torna lícita determinadas condutas que, normalmente, estariam sujeitas à reprimenda estatal. • Justificante ou exculpante: Se destina a esclarecer o conteúdo da norma. • Complementar: Lei penal não incriminadora que tem a função de delimitar a aplicação das leis incriminadoras. • Extensão ou integrativa: Aquela utilizada para viabilizar a tipicidade de alguns fatos. Interpretação da lei penal -> O ato de interpretar é necessariamente feito por um sujeito que, empregando determinado modo, chega a um re-sultado. -> Interpretação quanto ao sujeito (ordem): a) Interpretação autêntica (ou legislativa): É aquela fornecida pela própria lei (a lei interpretando a si mesma). Ex: art. 327, CP. A interpretação autêntica (ou legislativa), fornecida pela própria lei, subdivide-se em: contextual (editada conjuntamente com a norma penal que conceitua) e posterior (lei distinta e posterior conceitua um objeto da interpretação). b) Interpretação doutrinária (ou científica): É a interpretação feita pelos estudiosos, como um livro de doutrina. c) Interpretação jurisprudencial: É o significado dado as leis pelos tribunais, que pode ter caráter vinculante. OBS: A exposição de motivos do Código Penal é uma interpretação doutrinária, feita pelos doutos que trabalharam no projeto legislativo. -> Interpretação quanto ao modo: a) Gramatical / Filológica (TJ/ MS) / Literal: O intérprete considera o sentido literal das palavras. b) Teleológica: O interprete perquire a intenção objetivada na lei. c) Histórica: Indaga a origem da lei. d) Sistemática: Interpretação em conjunto com a legislação e com os princípiosgerais do direito. e) Progressiva (ou evolutiva): Busca o significado legal de acordo com o progresso da ciência. -> Interpretação quanto ao resultado: a) Declarativa / Declaratória: É aquela em que a letra da lei corresponde exatamente aquilo que o legislador quis dizer, nada suprimindo, nada adicionando. b) Restritiva: Reduz o alcance das palavras para corresponder a vontade do texto. c) Extensiva (mais cai no concurso): Amplia-se o alcance da palavra para que corresponda a vontade do texto. -> A doutrina cita, ainda, duas espécies de interpretação: a) Interpretação "sui generis": • Exofórica: O significado da norma interpretada não está no ordenamento normativo. Ex: art. 20, CP. • Endofórica: O texto normativo interpretado empresta o sentido de outros textos do próprio ordenamento normativo (interpretação muito utilizada nas normas penais em branco). Exemplo: art. 237 CP. Interpretação extensiva contra o réu -> Na interpretação extensiva, tomamos uma palavra e ampliamos seu alcance. -> 1ª Corrente (Nucci e Luiz Regis Prado): Defende que sim, pois é indiferente se a interpretação beneficia ou prejudica o réu, a tarefa do intérprete é evitar injustiças. -> 2ª Corrente (defensoria pública): Socorrendo-se do princípio in dubio pro reo, não admite interpretação extensiva contra o réu (na dúvida, o juiz deve interpretar em seu benefício), tendo essa corrente como aliado o estatuto de Roma. -> 3ª Corrente (Zaffaroni): É a que prevalece, defende que, em regra, não cabe interpretação extensiva contra o réu, salvo quando interpretação diversa resultar num escândalo por sua notória irracionalidade.
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