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1 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 OBJETIVOS 1. Identificar a etio-epidemiologia da mononucleose infecciosa 2. Analisar a fisiopatologia e os possíveis quadros clínicos 3. Identificar seus principais diagnósticos diferenciais 4. Descrever os métodos diagnósticos, opções terapêuticas e prognostico. REFERÊNCIAS MARTINS, Mílton de A.; CARRILHO, Flair J.; ALVES, Venâncio Avancini F.; CASTILHO, Euclides. Clínica Médica, Volume 7: Alergia e Imunologia Clínica, Doenças da Pele, Doenças Infecciosas e Parasitárias. Editora Manole, 2016. SILVA, Grace Kelly Alves; et al. Mononucleose infecciosa causada pelo vírus Epstein-Barr. Braz. J. Surg. Clin. Res. Paraná. v.27, n.3, p.88-91, ago. 2019. OLIVEIRA, Juliana Linhares; et al. O vírus Epstein- Barr e a mononucleose infecciosa. Rev Bras Clin Med. São Paulo, v. 10, n.6, p. 535-43, nov. 2012. Ministério da Saúde. Doenças infecciosas e parasitárias. guia de bolso. Brasília, 8. Ed, 2010. INTRODUÇÃO E EPIDEMIOLOGIA A mononucleose infecciosa (MI) conhecida como “doença do beijo”, quando descoberta era conhecida como febre glandular e se caracteriza como uma doença de etiologia viral, febril aguda, transmissível e que apresenta baixas taxas de letalidade e mortalidade. A taxa de mortalidade é menor que 1%, e ocorre principalmente em razão de complicações. A doença afeta principalmente jovens e adultos com idade média entre 15 a 25 anos, é um vírus bastante comum no mundo inteiro, e estudos demonstram que até 90% da população já foi infectada por EBV durante alguma fase da sua vida. A epidemiologia da mononucleose varia de acordo com a infecção do vírus Epsthein-Barr. Normalmente ao ocorrer nos primeiros anos de vida é uma infecção assintomática e sua aparição na fase adulta tem chance de 50% de se tornar mononucleose infecciosa. Nos países em desenvolvimento, principalmente entre as populações menos favorecidas onde não há condições de higiene favoráveis, o contato com o vírus ocorre mais cedo, sendo predominantemente, durante a infância, e gera apenas uma síndrome gripal. Já em países desenvolvidos, a infecção pelo EBV ocorre tardiamente, no período compreendido entre 10 e 30 anos provocando a MI. Desse modo, cerca de 50% dos indivíduos atingem a idade adulta ainda suscetíveis à infecção pelo VEB. A MI é bastante incomum em indivíduos com idade superior a 30 anos de idade. Dessa maneira, temos que a epidemiologia da mononucleose infecciosa é que se trata de uma doença de aquisição do vírus mais tardia então de adultos jovens, igual prevalência nos homens e mulheres e menor nas populações de menor renda pois já tiveram um contato prévio na infância. Recentemente, tem estado associada à etiopatogenia de várias neoplasias e sua importância tem aumentado após o aparecimento da aids. ETIOLOGIA E TRANSMISSÃO O vírus de Epstein-Barr é um vírus de fita dupla que pertence à família Herpesviridae, subfamília Gammaherpesvirinae, gênero Lymphocryptovirus. Existem dois sorotipos de vírus – o EBV-1 e o EBV-2. O EBV-1 é o mais comum e de distribuição mundial; o EBV-2 é mais encontrado na África equatorial. A partícula viral infecciosa do EBV tem três componentes: nucleoide, capsídeo e envelope. Mononucleose Infecciosa Problema 07 2 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 A transmissão ocorre por meio de contato, geralmente com secreções orais, de um indivíduo que está excretando o vírus Epstein-Barr (EBV). Após o período de incubação, estimado em 30 a 45 dias, altos títulos de partículas virais são detectados em secreções de orofaringe e saliva. Por esse motivo, a mononucleose infecciosa ainda é denominada por muitos como “doença do beijo”. A infecção é muito comum na faixa etária dos 15 aos 25 anos, fase na qual inicia-se o contato pelo beijo na boca. Já nos casos de transmissão entre as crianças, ocorre pelo fato delas compartilharem objetos que entraram em contato com salivas contaminadas, tais como talheres e brinquedos. O vírus da mononucleose é muito sensível as condições ambientais, permanecendo por curto intervalo de tempo no ar, o que dificulta a transmissão sem contato estreito entre as pessoas. É rara a transmissão através de transfusão sanguínea ou contato sexual. Período de transmissibilidade: pode durar 1 ano ou mais. FISIOPATOLOGIA Após a transmissão, o vírus infecta o epitélio da orofaringe e inicia a replicação viral com posterior penetração dos linfócitos circulantes B através da CD21, atingindo a corrente sanguínea. Esses linfócitos B circulantes inibem a replicação viral, provocando a lise da célula infectada, ficando o vírus em fase latente (estrutura genética extracromossômica). Há uma interação VEB-latente com o linfócito, estimulando a proliferação desses linfócitos B infectados na circulação e nos tecidos linfóides de todo o organismo. 4.Com o aumento desses linfócitos infectados, há uma sinalização para o sistema imune-celular, provocando uma resposta primária de células T específica contra esse antígeno. A sintomatologia da mononucleose infecciosa resulta da proliferação de linfócitos B induzida pelo VEB, juntamente com os linfócitos T tentando remover esses linfócitos B contendo antígenos virais. Nesse processo há liberação de citocinas (interleucina-1, interleucina-6 e fator de necrose tumoral) que vai levar à destruição destes linfócitos B, e explica as diferentes manifestações clínicas da doença, como febre, linfonodomegalia generalizada e hepatoesplenomegalia. A destruição dos linfócitos B infectados, leva ao controle do processo infeccioso após 2 a 6 semanas, com o desaparecimento dos sintomas mais agudos da mononucleose infecciosa. Contudo, alguns dos linfócitos B infectados, tornam-se linfócitos B de memória, escapando da ação dos linfócitos T citotóxicos e entram em um estado de “latência zero”, no qual a expressão de antígenos virais é praticamente ausente. Ocasionalmente, esses linfócitos B de memória sofrem a modificação de seu estado de latência, resultando em uma ativação do ciclo lítico nas células epiteliais da orofaringe, levando a novos episódios de eliminação do vírus na saliva, agora em níveis mais baixos. Esse novo episódio, que é totalmente assintomático, irá, por sua vez, estimular o sistema imune-celular, que agora irá responder de forma mais rápida e eficiente, por meio da mobilização de linfócitos T de memória que eliminarão os linfócitos B infectados. Em estudo em que 32 pacientes com mononucleose infecciosa foram acompanhados por até 6 meses após a doença aguda, oVEB foi detectado na saliva de 92% dos pacientes em um período de 61 a 150 dias após o início do quadro clínico. 3 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 QUADRO CLÍNICO A maior parte dos processos infecciosos por EBV em lactentes e crianças pequenas é assintomática ou apresenta-se sob a forma de faringite leve. A apresentação clínica clássica da moléstia consiste na tríade composta de febre alta, faringite e linfadenomegalia. Todavia, outras manifestações podem estar presentes como artralgia, dor abdominal, esplenomegalia, exantema, hepatomegalia discreta, náuseas, vômitos e tosse, dentre outros. Pode haver um pródromo de fadiga, mal-estar e mialgia, 1 a 2 semanas antes do início da febre. Febre: na maioria dos casos, não ultrapassa 2 semanas de duração. Amigdalofaringite: a dor de garganta costuma ser intensa e a faringe encontra-se sempre muito hiperemiada, e o exsudato de amígdalas é membranoso, de aspecto branco-acinzentado, cobrindo em geral toda a área amigdaliana. O exsudato da mononucleose infecciosa nunca invade os tecidosadjacentes à amigdala (oposto da difteria) Em casos raros, o processo inflamatório na faringe é muito intenso e, além do exsudato, observa-se hiperemia e edema importantes, chegando a prejudicar a respiração. Petéquias de palato: ocorrem em cerca de 50% dos pacientes. Linfonodomegalia: está presente logo no início do quadro clinico, é dolorosa e generalizada e atinge praticamente todas as cadeias ganglionares: occipital, retroauricular, cervical posterior e anterior, axilar e inguinal. Sinal de Hoagland: edema palpebral de curta duração. Hepatoesplenomegalia: fígado e o baço apresentam aumento moderado e são dolorosos. Icterícia cutâneo-mucosa pode ser eventualmente observada. A esplenomegalia pode durar de 7 a 10 dias tornando o baço frágil e, consequentemente, suscetível ao rompimento, mesmo em situações de pequenos traumas. A ruptura do órgão é uma das complicações da MI e pode ocasionar grave hemorragia interna com risco de morte. Devido à semelhança do quadro clínico inicial da MI com uma faringoamigdalite estreptocócica, muitos médicos prescrevem um antibiótico baseado na penicilina ou amoxicilina. Entretanto, os pacientes com mononucleose apresentam uma hipersensibilidade transitória as ampicilinas e assim ao tratar erroneamente favorecem o aparecimento de exantema pruriginoso maculopapular que se inicia em tronco. A chance desse exantema aparecer na história natural da mononucleose é de 5% sendo que a utilização dos remédios citados eleva para 90% a 100% as chances de surgirem. Doenças linfoproliferativas: dependendo de alterações do sistema imune do hospedeiro, ou de certas alterações genéticas dos linfócitos B infectados pelo VEB, pode haver transformação maligna destas células. O linfoma de Burkitt trata-se de um tumor de mandíbula, mas que também pode iniciar-se pelo globo ocular ou ovários, e cursa invariavelmente com linfoproliferação de células B infectadas pelo VEB. Nos pacientes com aids, o VEB pode levar a linfomas de células B e a tumores de células musculares lisas devido depressão da imunidade celular mediada por células T, que não consegue controlar a proliferação de linfócitos B infectados pelo VEB. Possíveis complicações: Anemia hemolítica, trombocitopenia, granulocitopenia, meningite, 4 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 encefalite, neurite óptica e retrobulbar, neuropatia do plexo braquial, mononeurite multiplex, mielite transversa, síndrome de Guillain- Barré, rutura esplênica, infecção crônica pelo VEB DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Os antecedentes pessoais e epidemiológicos são bastante importantes para orientar a investigação, como o uso de drogas (no caso das alergias medicamentosas), viagens e ingestão de água e alimentos suspeitos (no caso de forma aguda da doença de Chagas e hepatite por vírus A), contato com pessoas doentes (adenoviroses, rubéola), antecedentes vacinais (rubéola, difteria), comportamento de risco para aquisição de HIV, entre outros. Na amigdalite estreptocócica há presença de pontos purulentos, não confluentes, sendo o pus facilmente retirado com uma espátula, enquanto na MI existe um exsudato membranoso que nunca invade os tecidos adjacentes à amigdala . Além disso a linfonodomegalia na amigdalite estreptocócica é restrita aos linfonodos sub- mandibulares, enquanto na MI há linfonodomengalia generalizada. Infecção pelo citomegalovírus e Toxoplasmose cursam também com febre e linfocitose, com presença de linfócitos atípicos Outras doenças com quadro clínico semelhante: Leptospirose, Infecção aguda pelo vírus da imunodeficiência, Hepatite viral, Rubéola, Linfoma, Leucemia aguda, Reações de hipersensibilidade a drogas (difenil-hidantoína, ácido para-aminossalicílico, isoniazida). DIAGNÓSTICO HEMOGRAMA: pode apresentar leucocitose, atingindo um nível de 10.000 a 20.000 células/mm³. A leucocitose usualmente se apresenta com predomínio linfocítico (acima de 50%), e com presença de linfócitos atípicos. Trombocitopenia, com menos de 140.000 plaquetas/mm³, é comum. TGO e TGP: As enzimas hepáticas estão moderadamente aumentadas em cerca de 50% dos casos Pesquisa de anticorpos heterófilos (teste de Paul- Bunnell-Davidson): detecta elevação em até 50% de anticorpos da classe IgG, e em 100% relacionados com a classe IgM dentro dos primeiros 7 dias após o início dos sintomas. O teste pode ser reativo por alguns meses após a infecção inicial; a sensibilidade pode chegar a 90% em crianças maiores (escolares) e em adultos, não ultrapassando, usualmente, 40-50% nas crianças menores de 4 anos. Pesquisa de anticorpos específicos anti-EBV: em crianças menores de 5 anos, a MI frequentemente cursa com ausência de anticorpos heterófilos, sendo obrigatória, nos casos suspeitos heterófilo- negativos, a execução da pesquisa do IgM anti- EB VCA. Os títulos de anticorpos IgM e IgG – dirigidos ao antígeno do capsídeo viral (VCA) – mostram-se elevados no soro de mais de 90% dos pacientes no início da doença. Exames de biologia molecular como reação em cadeia da polimerase (PCR) e hibridização do DNA in situ, podem também ser realizados para isolamento do vírus em fase latente, e também para distinguir múltiplas variantes da mesma cepa. 5 MÓDULO I: DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS ANA LUÍZA A. PAIVA – 5° PERÍODO 2022/1 INTERPRETAÇÃO DO GRÁFICO Anticorpos heterófilos (AH): detectado em média 2 semanas após infecção (a produção de anticorpos eleva em 100% os da classe IgM) Esses anticorpos heterófilos são imunoglobulinas IgM produzidas nas células infectadas e pouco específicas, que se dirigem a antígenos provenientes de outros animais. IgM-VCA /IgG-VCA e antígeno nuclear: os 2 anticorpos persistem por toda a vida do paciente, mas o anti-VCA é que apresenta maior valor diagnóstico, pois tornam-se positivos entre 1 a 2 semanas de infecção. TRATAMENTO Não há fármaco antiviral específico que atue adequadamente na terapêutica da MI. A enfermidade evolui para a resolução clínica em 1 a 2 meses − recuperação habitual em 2 a 4 semanas. Tratamento sintomático: antitérmico para a febre e analgésicos, como o acetaminofeno para dor, além de repouso (3 semanas). Aqueles pacientes que apresentarem esplenomegalia devem ser estimulados a restringirem seu envolvimento em práticas esportivas por pelo menos 6 semanas, pelo risco de ruptura traumática do baço. No caso das complicações é possível iniciar corticoterapia não passando de 10 a 14 dias de tratamento e fazendo o desmame com dose equivalente de 0.5 mg/kg de prednisona. PROGNÓSTICO A recuperação completa ocorre em 2 meses na maioria dos pacientes. Recorrências da MI são extremamente raras. Estima-se que a MI evolui para óbito em cerca de 1 caso em 3.000 adoecimentos, destacando-se que os casos fatais são geralmente associados a complicações do SNC. Não se faz necessário o isolamento do paciente na fase aguda Ainda não há vacinas para a MI. É importante evitar contato com saliva de pessoas portadoras do VEB, durante o período de transmissibilidade. Não é uma doença de notificação compulsória.
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