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Definição Os saberes, a escolarização e o conhecimento escolar: definição de currículo, saberes pedagógicos, políticas curriculares e educacionais. Propósito Compreender a relação entre as políticas educacionais e curriculares como potência para pensar a relação teoria, prática e exercício da docência. Preparação Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha em mãos ou de forma acessível uma versão da Constituição Federal (especialmente os artigos 205 a 206), a ei de Diretrizes e Bases da Educação (lei 9394q1996) e a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017). Objetivos Módulo 1 Definir o conceito de currículo em suas diferentes concepções teóricas. Módulo 2 Identificar as principais políticas curriculares brasileiras produzidas ao longo do século XX. Módulo 3 Contextualizar o recente cenário político educacional brasileiro, a partir da C.F 1988. Módulo 4 Analisar o contexto político educacional recente do Brasil frente às possibilidades de prática docente. Introdução A reflexão acerca da prática docente se pauta em questões políticas de diferentes naturezas. A sociedade em suas múltiplas complexidades demanda das escolas e consequentemente dos docentes, o desenvolvimento e a produção de saberes e práticas que possam dar conta de necessidades econômicas, práticas e funcionais. De modo geral, a política é muito determinante sobre as práticas docentes. Devemos lembrar que o fazer pedagógico não se esgota na normatividade das letras das leis e determinações políticas, contudo, o caráter normativo das políticas baliza uma frente de determinação. Isso significa assumir que um dos elementos que compõe a objetividade e subjetividade do fazer pedagógico são as normatizações e, portanto, compreendê-las se faz imperativo na formação docente. Dessa forma, o objetivo da análise das políticas educacionais, tendo como destaque as políticas curriculares, se configura em uma pauta política. Esta pauta não se esgota tão somente nos balizamentos do que se ensina ou em como se ensina como se pretende nas políticas curriculares contemporâneas, mas, também, na formação política do docente que, ao transitar pelos espaços acadêmicos e escolares e pela teoria e prática, potencializa a produção de saberes. Módulo 1 O currículo, a didática e os saberes – Panorama teórico e histórico INTRODUÇÃO Os estudos sobre políticas educacionais tanto no cenário nacional quanto no internacional vêm concentrando investimentos na questão curricular. Michael Young (2014) destaca que a questão curricular se potencializa como cara ao campo e destaca, para essa afirmação, os trabalhos de Goodson, Dewey, Popkwitz, Apple e Pinar. No contexto brasileiro, Alice Lopes (2014) destaca que as transformações educacionais brasileiras no contexto democrático pós-1988 incidem preliminarmente no âmbito curricular. Pensar sobre questões curriculares e teorizar sobre implica em um movimento político objetivando dentre outras coisas se questionar o quê e o porquê ensinamos o que ensinamos na escola. Cabe destacar que falar sobre currículo não se configura como uma análise monopolizada na escola. Universidades e faculdades também possuem currículos e a partir deste elemento político – o currículo estando frente a um fluxo de política, discursos e uma estrutura determinante na formação docente e na relação teoria e prática. Frente essas percepções preliminares, cabe-nos enquanto docentes/pesquisadores em formação e especialização a pergunta: Afinal, o que é currículo? Afinal, o que é currículo? Não só a busca por uma resposta hegemônica para tal indagação é improvável, mas qualquer outra pergunta relativa ao currículo implica em grandes complexidades. De forma preliminar, destacamos que falar de currículo é falar de política. Buscamos com essa afirmativa imperativa quebrar com a percepção de que o currículo se resume tão somente a uma listagem de conteúdos com a qual se pretende balizar o trabalho docente. Mesmo que se resumisse a isto, caberia também a pergunta: Quem ou quais agentes políticos determinaram esta listagem? 1 Como forma de pensar o currículo como política e campo teórico da pedagogia aceitemos o convite de Michael Young (2014) em que o autor inicia o debate sobre currículo nos Estados Unidos e na Inglaterra em que uma perspectiva técnica e cientificista se impõe nos sistemas de escolarização. Cabe destacar que o capitalismo entre a segunda metade do século XIX e a década de 1970 era pautado pela reorganização dos processos de acumulação de capital. O modelo mercantil baseado na exploração de colônias e no pacto colonial era substituído de forma intensa pelo paradigma industrial. O que se estabelece macroeconomicamente neste contexto histórico era o modelo fordista-taylorista em que um novo padrão e mão de obra e um novo tipo de sociedade emergia de forma impositiva. A lógica taylorista de hierarquização, organização linear do trabalho fabril e a necessidade produtiva de controlar e otimizar o tempo chegou na escola e nas instituições de ensino com muita determinação. 2 lógica taylorista Esta lógica econômica emergiu como demanda curricular sobre a ótica da organização do ensino: O trabalho docente passou a sofrer a determinação, através do currículo. O que ensinar, como ensinar e como organizar o tempo escolar passaram a nortear os currículos tecnocratas no referido período. Esse perfil curricular tornou-se muito forte nos EUA. Na Inglaterra, o que se observou além da entrada no tecnicismo nos currículos o que se incutiu nas políticas curriculares foi um processo de elitização das escolas. A educação, naquele contexto, não era um direito universal tal como se estabeleceu na atualidade nas democracias e sim um bem restrito. 3 Alice Lopes e Elizabeth Macedo (2014) em uma obra determinante para o campo – Teorias de Currículo – argumentam que este tipo de concepção tecnicista e elitizada do currículo e da educação perdeu força na transição dos anos 1960 e 1970. Não obstante a manutenção da dimensão tecnocrata e eficientista que perdura até a contemporaneidade na educação e nos currículos, outras percepções sobre a questão curricular foram se estabelecendo no campo acadêmico. Para além de uma mudança paradigmática do capitalismo que se potencializa com o declínio do modelo fordista-taylorista de produção, a entrada da teoria crítica e da dialética marxista no campo do currículo ganha espaço na produção científica. 4 teoria crítica e da dialética marxista A entrada da dialética marxista, de uma abordagem classicista no campo educacional, propiciou que a discussão a cerca da emancipação e da contradição capital x trabalho abriram o espetro teórico dentro do campo. 5 A partir dos anos 1970, não só a tradição marxista mas como os neomarxistas e autores pós-modernos de inspiração foucaltiana, sobretudo, os que pensam a política como discurso, também ocuparam espaço no debate curricular. Neste novo cenário do campo, mais amplo sob o aspecto teórico, as discussões sobre a quebra do paradigma técnico como norte da produção curricular se estabeleceram como um grande dínamo. Dos marxistas aos neomarxistas tal como Popkwits e Apple, algumas tradições estabelecidas ao longo do século XX nas políticas curriculares foram sendo colocadas sob críticas, tais como: A escolarização pautada em conteúdos disciplinares. O sentido de se manter uma organização fabril nas escolas. Se este modelo de escola é adequado a nova sociedade flexível e informacional que passou a se estruturar nos anos 1970. Como proposta de organizar este breve percurso do pensamento curricular brevemente exposto até o presente momento, a tabela abaixo tendo como fonte o trabalho de Michael Young (2014) nos ilustra o processo de desenvolvimento do pensamento curricular das últimas décadas: Tradição anglo-saxônica Teoria crítica, neomarxistas e pós-marxistas Historiadores do currículo Sociologia da Educação Currículo tecnicista e escolarização como um bem restrito a elite. Destaque a questões vinculadas a emancipação e exploração do trabalho (marxistas); Teóricos atentos a linguagem e ao discurso vão refletir a política curricular como disputa de sentidos. Ivor Goodson traz à discussão curricular as questões sobre os saberes disciplinares. Tradição forte na Inglaterra, nos anos 1990, em que questões macroeconômicas vão se potencializar enquanto eixo de análise. Fonte: Michael Young (2014). Evidentemente que este quadro resume e suprime de forma substancial a complexidade da teorização curricular. Autores com Bernstein estabelecem um vínculo entre teoria do currículo e teoria do conhecimento. O que o autor logra com isso é a alavancagem da teoria do currículo como campo científico da pedagogia e da educação. A intenção em destacar de forma preliminar o desenvolvimento do pensamento curricular, entendendo isto como uma discussão política, é estabelecer um elo entre a política, a escola e os processos de construção e produção dos saberes escolares. Começamos a pensar a escola antes de pensar a formação docente porque aqui não iremos dicotomizar as arenas formativas e docentes. Tudo é formação e tudo é docência se há intenção pedagógica. Partimos então para a reflexão de como os saberes escolares são pensados e se estabelecem socialmente. De forma preliminar, é necessário pontuar qual é a função social da escola, ou ao menos quais são as expectativas que recaem sobre esta instituição. Evidentemente que a educação não é um monopólio das escolas, famílias, partidos e instituições religiosas também educam, porém o que diferencia a escola dos demais ambientes educacionais é a sua dimensão específica qual seja seu caráter reflexivo, sistematizado e contínuo no cotejamento dos saberes e conhecimentos produzidos pela humanidade. A escola, portanto, visa escapar da dimensão aleatória da vida e do senso comum e esse escape se configura como uma responsabilidade que se materializa dentre outros elementos através dos currículos. Os elementos específicos da escola dinamizam um processo que comumente é chamado de cultura escolar. A interação entre os processos sistematizados que justificam a existência da escola e o fluxo social que atravessa a escola pelo seu cotidiano acaba fazendo com que a escola não seja um ambiente passivo de transposição de conhecimentos e saberes, mas se potencialize como dínamo produtor de conhecimento. Ao mesmo tempo em que instituições escolares se valorizaram na modernidade, sobretudo, como ambientes de pragmatismo e eficiência o robustecimento social das escolas desestabilizou a passividade. Com isso, a vivência e o cotidiano escolar passaram a protagonizar processos de produção de cultura extrapolando a percepção de meros agentes passivos. Desta forma, se estabelece uma inflexão. Os conhecimentos/saberes disciplinares que são impostos à escola por uma exterioridade de fato fazem sentido nos cotidianos escolares? Os saberes produzidos nas escolas que em muitas vezes não se encaixam nas métricas disciplinares, como lidar com isso? Surge, portanto, uma metafísica instável de saberes, mas que inegavelmente alça a escola como espaço de produção cultural e de conhecimento. Neste momento de nossa formação, estas indagações servirão como gatilhos de reflexões. Destacamos frente a estes questionamentos que a percepção do currículo como política e determinação nos rumos das estruturações dos saberes escolares fazem cada vez mais sentido. Os saberes disciplinares chegam à escola através dos currículos e se é assim, o que se configura nesta dinâmica são disputas por hegemonias e posições. Em outros termos, por que determinados conteúdos e conhecimentos são validados como escolares e outros não? Por que determinados conteúdos e conhecimentos são validados como escolares e outros não? É necessário considerar elementos para além da questão cognitiva e psicológica. Neste momento formativo, estamos colocando em foco as questões disciplinares e curriculares, contudo, apenas em nível de pontuação, outros elementos atravessam os processos de estruturação dos saberes escolares tais como o cotidiano, o contexto socioeconômico pontual de cada file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_04.jpg escola e a diversidade cutural presente em cada microcosmo de nossa sociedade. Para pensarmos na complexidade da constituição dos saberes escolares, observemos a imagem a seguir: Imagem 1 – Elementos que compõem os saberes escolares Retomando o foco às disciplinas escolares, os processos de hegemonização do que se ensino e se trabalha na escola é fruto de intensas disputas políticas, tal como destaca Junior, Santiago e Tavares (2011). Vimos que as disciplinas escolares aqui investigadas vivem, em suas particularidades, um processo contínuo e contraditório por legitimação pedagógica, em torno da isonomia curricular. Na totalidade curricular, constatamos que elas se estabelecem em meio a relações de tensões recíprocas, buscando reconhecimento e fazendo-se reconhecer frente aos sujeitos e às instâncias pedagógicas da política curricular. Compreendendo que os saberes escolares se constituem num processo de seleção, organização e sistematização do conhecimento, mesmo sabendo que este se dá de forma contínua e dialética, as unidades de contexto e de registro caracterizaram cada situação desse processo, configurando-as como categorias empíricas. (p.189) Há de se considerar, portanto, que a seleção dos conteúdos se configura como um processo no qual, diversos critérios são levados em consideração: file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_05.jpg Proposta pedagógica Macropolíticas de livros didáticos SAIBA MAIS Sobre este tema, novas políticas e disputas se estabelecem de forma específica. Para maior aprofundamento recomendo – Albuquerque e Ferreira (2019) - Programa nacional do livro didático (PNLD): mudanças nos livros de alfabetização e os usos que os professores fazem desse recurso em sala de aula. Disponível em: Programa nacional do livro didático (PNLD): mudanças nos livros de alfabetização e os usos que os professores fazem desse recurso em sala de aula. Formação docente Legislações legais Vestibulares A utilização social dos conteúdos para o mundo do trabalho também são demandas fortes que legitimam o que deve ser escolar ou não. A escola, como já mencionado anteriormente, não recebe esta carga política de forma passiva. A escola ao entrar em contato com essa carga de demandas sociais acumuladas e tensionadas potencializa através de seus atores sociais (comunidade escolar), processos políticos híbridos e diferenciais. Além de criar seus próprios saberes a partir do que lhe é incutida, há potência de influenciar o chamado saber acadêmico, um efeito discursivo que eleva a escola como produtora de saberes. O que destacamos até o presente momento é que entre escolas, academia e currículo, as vias que conectam estes pontos são sempre de mãos duplas. E para além do balanço produtivo forjado na relação escola, academia e currículo aspectos da formação docente incidem de forma determinante nestes processos. Escola (o uso do singular é proposital para destacar que cada escola protagoniza estes processos de forma muito específica) André Charvel (2017) destaca que o conhecimento escolar histórico é fruto dentre outras coisas de um aprofundamento da perspectiva de que o docente deve se formar como pesquisadore isto não se deve dicotomizar com a docência. Charvel (2017) radicaliza este debate discutindo cultura escolar, sob a ótica da docência, como um ato duplo de saber fazer e do saber em si – o produtor do conhecimento. Os movimentos acadêmicos recentes vão buscar pensar a docência também na perspectiva da pesquisa. É necessário reconhecer as contribuições da teoria crítica neste sentido. A crítica ao caráter bancário da educação fabril de inspiração taylorista, nas palavras de Paulo Freire, abriu a porta para a resignificação da docência e, neste sentido, a pesquisa e a legitimação do produzir conhecimento na escola se configuraram. file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_13.png Concomitantemente a isto, o repensar da didática como um mero conjunto de técnicas a serviço da facilitação cognitiva também é colocada em xeque. Se a escola não se configura tão somente como um ambiente de transposição de conteúdos e saberes técnicos, a noção de didática não se fixa na medida em que a transposição não esgota os processos de ensino-aprendizagem. Mais do que isso, a didática como aplicação de métodos e técnicas no processo de ensino-aprendizagem, tal como define Candau (2014) é alavancada a instabilidade já que o que se ensina e se aprende está em constante produção e transformação. Sobre este debate, Cardoso (2008) elucida: A Didática da História também perde o status de ‘dramaturgia do ensino’ ou ‘arte de ensinar’ — Lehrkunst —, que ela tinha tal como concebida no século XVII por Jan Comenius. Para operar com o conceito de cultura escolar de André Chervel faz-se necessário um conceito de Didática da História compatível com suas premissas. Assim é o conceito de Geschichtsdidaktik, utilizado por dezenas de autores alemães como Klaus Bergmann, Jörn Rüsen, Bernd Schönemann e HansJürgen Pandel, entre tantos outros. Para esses autores, a Geschichtsdidaktik não é um mero ‘lubrificante’ que se passa sobre a História para que ela possa ser ensinada, e também não se resume ao ensino e à aprendizagem da História no contexto escolar. (p.157) Ao longo deste primeiro módulo, buscamos pontuar o currículo, a escola e com menos entrada a didática como uma das tríades que forjam os processos de produção e transformação dos saberes escolares. Ideias como cultura escolar bem como a percepção de que a escola não de configura como elemento passivo de transposição de conteúdo e conhecimento se tornaram caros a este debate. Para avançarmos nesta discussão, partiremos do entendimento que a escola é um ambiente instável e, portanto, incontrolável na plenitude. Contudo, como se trata de um aparelho social de muita capilaridade dentro da sociedade capitalista, esta impossibilidade de controle total acaba por mobilizar tentativas de controles e amarras cada vez mais intensas e violentas e é sobre esta dinâmica que a escola performatiza processos de produção de conhecimento. Vídeo Acesse o material digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado 1- Sobre os processos de seleção e escolhas de conteúdos que devem ser trabalhados nas escolas, assinale a alternativa correta: a) Trata-se de um processo exclusivo de transposição didática no qual se estabelece um vínculo entre ciência e saberes escolares. b) É um campo de disputa política no qual a academia, demandas sociais e questões econômicas disputam espaço nos currículos. c) É um processo controlado pelo Estado e se vincula a evolução da economia. d) É resultante exclusiva da evolução do campo acadêmico. 2- Sobre a concepção de didática assumida como superada de acordo com Cardoso (2008), assinale a alternativa que expõe de forma clara a obsolescência destacada pela autora: a) A didática é um mero ‘lubrificante’ que se passa sobre a História para que ela possa ser ensinada. b) Um conjunto de técnicas que viabiliza um efetivo processo de ensino aprendizagem. c) Um campo da ciência sensível às práticas e técnicas voltadas ao ensino- aprendizagem. d) Um campo científico da área da educação. 3- Assinale a alternativa que apresenta três elementos fundamentais na constituição dos saberes escolares: a) Currículo, cultura e mercado financeiro. b) Universidades, escolas e Estado. c) Cultura, natureza e sociedade. d) Cotidiano, didática e cultura. Módulo 2 A teoria curricular e a política curricular INTRODUÇÃO Ao longo deste tema iremos realizar investimentos de forma concentrada no currículo. Para isso, reiteramos a perspectiva de que falar de currículo é falar de política. Desta forma, o entrarmos na discussão curricular por via da política, iremos nos deparar com disputas de poder, espaços e hegemonias. Antes de entrarmos por dentro do espinhoso debate político, evocaremos algumas definições acerca do que é política. Saviani (2017) define currículo como “(...) conjunto de atividades nucleares desenvolvidas pela escola” (p.16). Frangella (2019) propõe uma leitura do currículo como enunciação cultural. Lopes e Macedo (2014) argumentam que a objetificação do currículo enquanto objeto estático não potencializa um bom debate. Segundo as autoras trata-se de algo indefinível de forma estanque e diante disso torna-se mais potente a assunção do currículo como política. As políticas curriculares mobilizam, portanto, grandes preocupações do campo científico. A academia vem se debruçando sobre a discussão acerca da temática curricular sob diferentes lógicas de pensamento. Desde Saviani (2017) em que a perspectiva crítico-marxista coloca luz sobre questões vinculadas a emancipação, trabalho e liberdade até operações teóricas pós- modernas que pretendem ancorar-se em uma teorização curricular que se propõe discordante de uma perspectiva hipertrofiada do conhecimento – muitas vezes tomado como conteúdo nos discursos curriculares. Neste módulo, iremos nos aproximar dos argumentos de Macedo (2013) que apontam para a direção da compreensão do currículo como enunciação cultural. Sobre esta argumentação, a autora aponta: Defendo que a responsabilidade da teoria e das políticas curriculares é bloquear a hipertrofia da ideia de conhecimento como núcleo central do currículo. Isso implica redefinir o currículo como instituinte de sentidos, como enunciação da cultura, como espaço indecidível em que os sujeitos se tornam sujeitos por meio de atos de criação. (MACEDO, 2015. p.716) Esta preocupação teórica se torna mais intensa se tomarmos em conta estudos de Janet Miller em que a autora argumenta que importa assumir uma pluralidade das visões curriculares como forma de buscar responder ao máximo os questionamentos impostos na/pela/para a escola. Este argumento se assenta na constatação da existência de diversas formas de ser, de conhecer e ler o mundo (MILLER, 2014) e, portanto, o pensamento curricular não se pode tornar um norte messiânico a seguir, mas sim, tornar-se uma oportunidade de abertura de diálogo. Sobre esta perspectiva a autora aponta: Bem, eu defendo que a teoria de currículo está sempre “aqui” em todos os aspectos da educação, quer ela seja reconhecida ou não. Estamos sempre interpretando a partir de suposições ontológicas e epistemológicas particulares sobre a natureza do ser – o “self” – e sobre o “conhecimento”, suas produções e construções. Sinto-me desconfortável com qualquer noção única de “teoria de currículo” – não há uma “teoria” de currículo que permita a amplitude, o poder explicativo ou o nível de generalização que as conotações positivistas de teoria implicam. Tendo participado do movimento americano conhecido como Reconceptualização curricular, na segunda metade da década de 1970, eu ainda prefiro falar de [e participar em] uma “teorização de currículo” – onde a palavra “teorização” é escolhida conscientementepara assinalar o processo sem fim de pensar, imaginar, propor, reconsiderar, reinterpretar e rever várias concepções situadas e contingentes de currículo e suas óbvias e invariavelmente imbricadas relações com ensino e aprendizagem. (p.2045) O campo científico, sobretudo, os pensadores currículo voltados a uma tradição pós-moderna vêm focalizando o debate curricular nos efeitos políticos que o encaminhamento da política produz nas práticas de ensino-aprendizagem. Destacamos neste sentido, o deslizamento da noção de educação como ensino. Educação como ensino Subsumir a ideia de educação ao ensino, tal como se apresenta como tendência de deslizamento (MACEDO, 2013) direciona a uma forma de concepção do currículo centrada no pragmatismo do conteudismo. Este direcionamento, reiteradas vezes assumido ao longo do discurso curricular, também chama a atenção para a negligência da política em análise em relação ao que Lopes e Macedo (2011) argumentam como um elemento excluído dos currículos – “o que acontece nas escolas” (p.33). Neste sentido, os estudos de Elizabeth Macedo (2013) se mostram como uma potente reflexão para questionar uma ideia fixada para competências e conhecimento. Um dos argumentos propostos pela autora que mais nos interessa se desenvolve em torno de uma ideia de conhecimento. Concordando com Macedo (2013), entendemos que se torna mais recorrente nas produções curriculares contemporâneas uma predominância do ensino, um vínculo mais direto e hipertrofiado no conteúdo como fator determinante para o ensino- aprendizagem. Macedo (2013), diante destas inflexões argumenta: (...) ganha ainda mais relevância, mas, mesmo assim, como afirma Bloom (1972), “a importância primordial [na taxionomia dos objetivos educacionais] foi atribuída às dimensões educacionais” (p. 5), em detrimento das dimensões lógicas (ligadas ao conhecimento) e psicológicas. file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_17.jpg A hipertrofia do ensino e a valorização de elementos mais objetivos desta pauta como os conteúdos destacam um suposto papel da escola nesta dinâmica. Macedo (2013) refletindo diante deste desenho de política curricular baseado em determinadas expectativas para as escolas pontua que neste contexto “a escola tem um compromisso primordial com a transmissão/recriação do conhecimento, que se vincula a um projeto social mais amplo, mas apenas como ferramenta.” (2013, p.737). Macedo (2013) A autora, ao chamar a atenção para o papel da escola em “transmitir e recriar” determinados conhecimentos indica que as produções curriculares nesta formatação acabam apagando o papel da escola enquanto um lugar de possibilidades de construção de conhecimento. Desta dinâmica, o que focalizamos como algo importante é o que se apaga assumindo a forma (conteúdo) de maneira mais destacada em detrimento do processo (construção do conhecimento). O que Macedo (2013; 2015) vem buscando argumentar é que o deslizamento de sentidos entre conhecimento/conteúdo e educação/ensino forjam sentidos e estratégias na produção dos documentos curriculares. A sobreposição da forma em detrimento da substância se configura como o que mais se fortalece enquanto prescrição normativa. Como efeito desta busca por estancamento de um discurso político calcado no ensino e no conteúdo, os princípios de organização curricular são determinados. Frente estes argumentos, o que podemos concluir é que a análise do currículo tornou-se um campo específico da pedagogia. Evidentemente que não esgotamos as possibilidades analíticas acerca do currículo neste breve texto, contudo, evidenciamos que o currículo definido como política mobiliza produção de conhecimento. Diferentes autores, tai como Lopes (2015), Rodrigues (2020) e Frangella (2019) vão assumir a discussão curricular como uma discussão política. Alice Lopes, em diferentes trabalhos vem destacando e defendendo a ideia de que o currículo vem assumindo centralidade nas políticas educacionais na contemporaneidade. Em outras palavras, entende-se que as reformas no campo da educação sendo as que produzem mudanças nas leis, políticas de financiamento, relações interinstitucionais, gestão das escolas, políticas e determinações sobre as políticas de formação de professores e políticas de avaliações são forjadas através das políticas curriculares. As transformações nas políticas de currículo, entretanto, em razão de suas magnitudes vêm sendo analisadas e assumidas como as próprias reformas educacionais propriamente ditas. Este argumento se respalda até mesmo nos portfólios políticos das grandes instituições supranacionais que possuem projetos nos campos educacionais. Sobre isto, Lopes (2011), aponta: (...) Inclusive me reportando à afirmação de uma das publicações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID): o currículo é o coração de um empreendimento educacional e nenhuma política ou reforma educacional pode ter sucesso se não colocar o currículo no seu centro (Jallade, 2000). Pelas mudanças curriculares, o poder central de um país constrói a positividade de uma reforma muito mais ampla que a dos currículos, visando sua legitimação. (p. 110) O que se observa de forma substancial é que esta percepção de que o currículo possui potencial reformista acabou por mobilizar estratégias políticas bastante relevantes. Destacamos aqui como forma de pontuar a dimensão política da discussão curricular a métrica política que lança mão da negação ou crítica das reformas anteriores, as caracterizando como disfuncionais, obsoletas ou ultrapassadas e desta forma forja-se um contexto positivo a implementação de algo novo. Evidentemente que os parâmetros que determinam o que é necessário para a educação se vincula a um projeto societário que busca se tornar hegemônico e esta pauta se produz na política. Destacamos, neste contexto que, se sob uma perspectiva o currículo assume centralidade nas reformas, sobre outra, as escolas são avaliadas e pautadas pela capacidade de implementar de forma funcional e eficiente as diretrizes e normativas curriculares. A potência destas políticas acaba gerando um efeito colateral nas escolas e forjando um dilema no campo educacional protagonizado por diferentes atores sociais partícipes da escolarização, tal como Lopes (2007) argumenta: Por vezes o meio educacional se mostra refém dessa armadilha e se envolve no seguinte debate: os dirigentes questionam as escolas por não seguirem devidamente as políticas oficiais, e os educadores criticam o governo por produzir políticas que as escolas não conseguem implantar. Em ambos os casos, parece-me, tem-se o entendimento da prática como o espaço de implantação das propostas oficiais, sendo as políticas curriculares interpretadas como produções do poder central – no caso, o governo federal. (p. 111) É necessário considerar também que a dinâmica política que incide sobre as práticas curriculares possui um caráter internacional e supranacional. Registramos desta forma que a centralidade do currículo enquanto política em um mundo cada vez mais integrado economicamente – globalizado – determina o espaço de produção de normas educacionais em projetos educacionais. Globalizado O mundo globalizado não oferece grandes alternativas de escape a um discurso hegemônico. As diversas agências de fomento a educação convergem suas percepções e pautam seus projetos, sobretudo, os que financiam ações na periferia do capitalismo, sobre pilares econômicos bastante específicos. O enfoque desferido dessas agências (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Banco Interamericano entre outros) aos países alvo de financiamentos busca questionar a dependência dos países não desenvolvidos em relação aos países centrais, embora, na prática estas políticas acabam por reforçaresta dicotomia. Contudo, como se trata de dinâmicas políticas e carregadas de subjetividade, o que se produz no âmbito da prática são reinterpretações, resignificações e traduções sobre a mesma política. Em outras palavras, práticas e resultados diferentes serão produzidas a partir de normativas iguais, seja no âmbito das políticas de escala nacional ou global. No entanto, o paradigma econômico neoliberal, que busca se estabelecer em diferentes escalas a partir da década de 1980, é a métrica fundamental de endosso das políticas curriculares. Os marcos de reorganização econômica também se estabelecem como marcos de implementação das políticas curriculares. As políticas curriculares são constituídas, portanto por práticas e ações mas também se trata de processos de seleção e produção de saberes, percepções e leituras de mundo, habilidades, valores e símbolos e produção cultural. Da mesma forma, nas políticas curriculares, se estabelecem os canais de distribuição do que se ensina, como se ensina e o que fica de fora da escola, ao menos como normativa. Contudo, a normatividade não esgota a dinâmica curricular por mais dura que ela possa parecer. Neste sentido, Lopes (2008), argumenta: file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_18.jpg As políticas curriculares não se resumem apenas aos documentos escritos, mas incluem os processos de planejamento, vivenciados e reconstruídos em múltiplos espaços e por múltiplos sujeitos no corpo social da educação. São produções para além das instâncias governamentais. Isso não significa, contudo, desconsiderar o poder privilegiado que a esfera de governo possui na produção de sentidos nas políticas, mas considerar que as práticas e propostas desenvolvidas nas escolas também são produtoras de sentidos para as políticas curriculares. (p. 112) Neste sentido, podemos estabelecer a seguinte métrica para as políticas curriculares de forma geral: Imagem 2 - Elementos fundamentais da política curricular Esta dinâmica não é centrada em um único contexto, na escola, ou em dois contextos – a escola e os governos. Trata-se de uma dinâmica multicontextual por dentro da qual, inúmeros sujeitos buscam ocupar lugares de projeção, influência e determinação. Falas de valorização de: habilidades, competências, integração curricular, gestão escolar, políticas de avaliações como pautas de garantias de qualidade são elementos encontrados em diversos momentos da política. No âmbito da globalização, as políticas curriculares não se estabelecem de forma homogênea. A extensão das interações e influências das instituições sobre os países produzem resignificações bastante assimétricas. Os efeitos das dinâmicas globalizatórias são mediados impreterivelmente pelos Estados- file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_19.jpg nação que reinterpretam, traduzem e buscam colocar em marchas a política através do currículo. Como forma de finalizar este debate, retomo o argumento que há um terceiro espaço de tradução política – a escola. Sobre isso, Lopes (2008), aponta: Na medida em que as políticas curriculares são entendidas como políticas culturais – políticas que visam orientar determinados desenvolvimentos simbólicos, obter consenso para uma dada ordem e/ou para uma transformação social almejada (García Canclini, 2001) –, é possível associar o conceito de hibridismo aos processos de recontextualização dessas políticas. (p. 113) Desta forma, encerramos pontuando que há uma complexidade nas políticas curriculares que não pode ser analisada com base apenas na lógica das sobredeterminações da política ou através de percepções duplas tais como: implementação e produção ou global e nacional. Nas proposições dos documentos normativos, os sentidos da prática também estão pretendidos; nas práticas escolares. Os efeitos das marcas dos discursos oficiais buscam se inscrever nos cotidianos. Vídeo Acesse o material digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado 1- Pensando as políticas curriculares sob a ótica da globalização é correto afirmar que estas se desenvolvem de forma: a) Homogênea. b) Heterogênea. c) Monodirecionada. d) Com volatilidade. 2- Assinale a alternativa que apresenta um dos elementos básicos diretos de uma política curricular: a) Projeto Societário. b) Evolução do mercado de trabalho. c) Modelo de administração pública. d) Evolução técnica da Universidade. 3- Sobre a discussão entre conteúdo e conhecimento, é correto afirmar que: a) São sinônimos e devem ser assumidos como tal nas políticas curriculares. b) São elementos que não disputam espaço político nos currículos. c) São elementos que se acomodam fluidez dentro das matrizes curriculares. d) São noções que sofrem com o deslizamento de sentidos, tal como educação/ensino e com isso forjam sentidos e estratégias na produção dos documentos curriculares. Módulo 3 A legislação brasileira atual que delibera sobre o ensino escolar: BNCC INTRODUÇÃO A intenção deste módulo é apresentar de forma analítica uma política curricular que se configura como hegemônica no cenário brasileiro. Desta forma, antes de elaborarmos uma análise acerca da BNCC, trago um quadro esquemático de Rodrigues (2020) para entendermos o percurso de elaboração da política: Quadro 3: A BNCC e a legislação Fonte: Rodrigues (2020) A tabela produzida acima tem como objetivo contextualizar, em um determinado recorte temporal, as principais textualizações normativas relacionadas com a produção da política curricular objeto. É determinado através do Plano Nacional de Educação – PNE determinadas metas e algumas estratégias que devem ser desenvolvidas do decênio 2014 – 2024. file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_20.jpg file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_21.jpg Tabela Argumentamos que os elementos trazidos na tabela 3 são importantes na interpretação acerca de um processo de elaboração de um discurso curricular. Para pensar neste movimento, situamos a elaboração da BNCC dentro de um contexto amplo de políticas educacionais em que se objetivou, sobretudo, no período democrático pós-1988, normativas que buscaram definir o que e como se ensinar na educação básica. Lopes e Macedo (2011, 2015), dentre outros apontamentos, questionam de forma reiterada que este formato de produção curricular destaca e considera determinados conjuntos de conhecimentos no apagamento de outros. Pontuamos como fundamental levar em conta o tensionamento apontado pelas autoras para uma descrição analítica acerca da BNCC refletindo o desenvolvimento desta política assumindo como ponto de inflexão as demandas e as articulações privilegiadas e proeminentes nos processos de concepção, produção e busca por implementação da BNCC. Primeiro conjunto de metas Deste conjunto de objetivos destacaremos o primeiro que se apresenta como um conjunto de metas estruturantes que objetivam a garantia e o direito a educação básica e de qualidade para a população estudantil e desta forma o acesso a universalização do ensino como ações a reboque. Segundo conjunto de metas Outra meta que importa nesta discussão se encontra no segundo grupo. Neste conjunto de ações, se propõe medidas e direcionamentos orçamentários visando diminuir as desigualdades e ao mesmo tempo valorizar a diversidade e os percursos necessários para a equidade.Terceiro conjunto de metas Não menos importante, o terceiro conjunto de metas se concentra em proposições de políticas e ações voltadas a valorização docente, entendendo que sem isso, torna-se impossível atingir qualquer outra meta. Interessa, portanto, o posicionamento frente esta política a assumindo como trajetória reticente e não como caminho linear que conecta pontos estancados no tempo e no espaço. Nesta perspectiva, direcionamos o olhar de forma inicial para os agentes que de diversas maneiras participaram e influenciaram na elaboração de um discurso curricular. Até chegar ao formato de “documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2017, p. 7), o discurso político em torno da BNCC foi se constituindo na articulação entre atores vinculados ao poder público, iniciativa privada, fundações filantrópicas vinculadas ao capital privado, organizações civis de diversas naturezas e grandes conglomerados empresarias de variados setores. Desta forma, formou-se um contexto discursivo orbitante na BNCC. Esta dimensão não somente como a identificação de um movimento entre fala, escritas e desejos. Portanto, no contexto da BNCC diversas instituições buscam se estabelecer como parceiras e partícipes das políticas educacionais através de diversas formas, tal como é apontado nos estudos de CARVALHO (2019), CASSIO (2019) E D´ÁVILA (2013): Produção de material didático (por exemplo, Fundação Ayrton Senna). Programas de capacitação docente (Instituto Natura, dentre outras). Proposições de implementação da própria BNCC (Fundação Lemann). Esta forma de articulação entre agentes que através de diversas formas (institutos, fundações e ONGs) participam de processos políticos no campo da educação é atualmente um elemento caro aos estudos voltados às políticas educacionais. Stephen Ball (2014) em seus trabalhos mais recentes realiza investimentos significativos na análise desta relação entre público e privado no âmbito da produção das políticas públicas educacionais assumindo a perspectiva de organização em redes. Para o autor, trata-se de uma nova formatação da tessitura do social. Um encaminhamento da política forjado por fluxos e movimentos, e não estancamentos que “constituem comunidades de políticas, geralmente baseadas em concepções compartilhadas de problemas sociais e suas soluções. (BALL, 2014, p.29). Trata-se também de um discurso pautado na ideia de modernização via internacionalização das políticas públicas, bem como uma nova forma de relação entre as esferas públicas e privadas. SAIBA MAIS O autor se refere a uma nova governança que se desenha de forma menos verticalizada e mais horizontalizada - em rede – no que tange as políticas educacionais em um mundo globalizado e paradigmatizado no capitalismo financeiro. Neste sentido, Ball sugere que as fronteiras entre o público e o privado também estão borradas. Sobre esta nova configuração da política, Ball (2014), argumenta: […] novas redes e comunidades de políticas estão sendo estabelecidas conforme os discursos neoliberais e o conhecimento fluem e ganham legitimidade e credibilidade. Estes são os novos agenciamentos de políticas com uma gama de participantes novos e velhos existentes em um novo tipo de espaço de políticas em algum lugar entre agências multilaterais, governos nacionais e negócios internacionais, dentro e além dos locais tradicionais e de circulação e formulação de políticas. (p. 220). 37 Entendo a leitura de Ball (2014) como potente, sobretudo, em relação ao que o autor chama atenção: as novas alternativas e formatações institucionais que vêm se produzindo num paradigma econômico neoliberal em nível global. O autor aponta novas estratégias das agências privadas que objetivam ter seus interesses atendidos em vários cenários, inclusive nas políticas curriculares. No entanto, interessa nesta pesquisa a articulação entre os atores sociais em torno de determinados estancamentos discursivos. A partir da análise dos processos de articulação performatizados, torna-se possível elaborar uma interpretação em relação às demandas que, ao serem reivindicadas na política da BNCC, contribuem na produção da própria política e significam sentidos nas produções curriculares. Como forma de analisar determinadas demandas, chamo a atenção para um agente como integrante da rede de instituições que participou do processo de constituição de um discurso de Base Nacional Comum Curricular, qual seja o movimento “Todos pela Educação”. Não é o objetivo deste módulo apontar a totalidade de interesses que se engendraram no discurso político em análise, pontuando os anseios de cada ator/instituição envolvido no processo político. Todos pela Educação O movimento “Todos pela Educação” – TPE se configura como um exemplo de organização suprainstitucional em que diversos braços da iniciativa privada se articulam com atores políticos do poder público com objetivo de produzir sentidos e discursos nas políticas educacionais. Autodefinido como uma aliança nacional apartidária, se configura como uma coalizão entre acionistas de grandes holdings, diretores de organizações do terceiro setor e por lideranças do governo na área da educação. Sobre esta organização, Martins e Krawczyk (2018), apontam: Algumas das mais relevantes empresas que participam do TPE são o Grupo Itaú, o Gerdau, o Pão de Açúcar, Organizações Globo, além de institutos e fundações ligadas ao mundo empresarial, como o Instituto Ayrton Senna, o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), a Fundação Roberto Marinho, o Instituto Ethos e o Grupo Abril. O movimento TPE representa uma forma de organização complexa, diluída entre diferentes atores e agencias que se relacionam e se articulam em torno de demandas específicas. Buscam responder anseios de ampla aceitação na sociedade tais como o avanço no que se refere à permanência dos estudantes nas escolas bem como uma melhoria na qualidade da educação. Desta forma, reiteramos a perspectiva discursiva que pressupõe que a política se constitui no conflito e não no consenso. Os conflitos se desenvolvem em razão da busca incessante pela hegemonização de determinada visão de mundo que se busca defender, neste ou naquele momento político em particular. No tensionamento pela significação de determinados nomes, na busca por estancar sentidos nos discursos é que forja o envolvimento e a própria política. Apontar a constituição e a busca por estancamentos discursivos produzidos pelos atores sociais em disputa é o que é possível para estabelecer uma leitura do processo político em análise no âmbito de sua constituição. Neste sentido, problematizar aspectos acerca do movimento “Todos pela Educação” é uma escolha que assumo como forma de pensar como parte das demandas reivindicadas por difusos atores sociais se fizeram de alguma forma contempladas na BNCC. Evidentemente que os significantes qualidade, eficiência e permanência são eixos de flutuação de significados e esta instabilidade do signo é o que garante que não haja um entendimento pleno e uníssono dos discursos e precisamente este aspecto semântico interessa como eixo de análise. Em face disto, é significativo destacar o movimento de articulação em torno de demandas em favor de alcance de maior qualidade na educação. Neste sentido, o próprio documento “Compromisso todos pela educação” do ano de 2006, expressa a necessidade de uma nova forma de governança e gestão da área da educação sob o argumento de corresponsabilidade. Sobre esta formatação, o documento aponta: A pedra angular da ética do Compromisso Todos Pela Educação é a CORRESPONSABILIDADE PELO TODO, que se consubstancia na atuação convergente, intercomplementar e sinérgica entre as políticas públicas, o mundo empresarial e as organizaçõessociais sem fins lucrativos; [...] O Estado tem o dever e a obrigação de ser o detentor dos fins universais (atender a todos). O mundo empresarial destaca-se pela sua capacidade de fazer acontecer (lógica dos meios) com eficiência, eficácia e efetividade. As Organizações Sociais Sem Fins Lucrativos (Terceiro Setor) caracterizam-se pela sua sensibilidade, criatividade e espírito de luta. (Todos Pela Educação, 2006, p.7) O destaque para a expressão da corresponsabilidade e o argumento centrado em torno de um evocado compromisso se configura como estratégia discursiva presente em diversas expressões (documentos, falas e ações) vinculadas ao TPE. A relação que se estabelece, portanto, e a já apontada nova forma de relação entre setores púbicos e privados é uma argumentação que se torna recorrente e se destaca no discurso do TPE. Discurso do TPE Um vínculo entre soluções práticas e eficientes para o campo da educação ancorada em um discurso de promoção de ações homogêneas. A elaboração de um discurso em que há proposição de soluções gerais, baseadas na promoção de igualdade e equidade como algo da ordem do democrático, uma suposta noção de totalidade se buscando constituir é evocada no TPE como uma estratégia combativa a um inimigo maior – a má qualidade da educação brasileira. Importa considerar que a luta por qualidade na educação e manutenção dos estudantes nas escolas por mais tempo é legítimo e de ampla aceitação na sociedade. Contudo, o formato que se propõe para se alcançar tal objetivo, centrado em políticas de proposições homogêneas e a assunção disso como algo democrático é que chama a atenção. Este discurso constituído se espraia em diversas políticas curriculares brasileiras não se restringindo apenas a BNCC. O que é importante chamar a atenção nestes discursos políticos são as demandas reivindicadas a partir de uma articulação que se constitui no tensionamento/deslizamento de sentidos entre proposições de ações homogeneizadas, ações democráticas e a expectativa de atender questões que se configuram como problemas de escala nacional. Estas demandas, na especificidade do TPE, são organizadas e reivindicadas a partir de diagnósticos da baixa qualidade na educação brasileira e que segundo Martins e Krawczyk (2018), se concentram na: A partir da análise das propostas do TPE, Martins (2016) aponta que esse movimento parte do diagnóstico de que a educação pública estaria atravessando uma forte crise que se manifesta em três dimensões: crise de qualidade, de responsabilidade e de gerenciamento. No enfrentamento das crises, o TPE propõe a reorganização da educação pública em torno de um projeto nacional, no qual a prioridade seria a qualidade da educação pública. A análise dos dados demonstra que para o TPE as crises de qualidade, responsabilidade e gerenciamento estão interligadas. A crise de qualidade seria resultado da incapacidade gerencial do Estado em administrar a educação pública e da falta de responsabilização da sociedade em pressionar/fiscalizar os governos. Por isso, um dos princípios do TPE é a corresponsabilidade pela educação. (p.9) O supracitado evidencia o discurso de um projeto nacional para a educação como forma de combater um mal estruturante. Destaco esta elaboração discursiva entendendo que este projeto se forjou enquanto dínamo e desta forma mobilizou políticas, ações e produziu sentidos em vários outros contextos, tal como os disciplinares. A organização de um discurso pautado em um projeto nacional para educação como solução, busca se encaminhar de várias formas. Pontuo a culpabilização do fracasso educacional centrada na argumentação da ineficiência do Estado que justificaria a atuação da esfera privada na elaboração das políticas como uma das mais destacadas. Itero o diagnóstico da crise como resultante também da negligencia da fiscalização da sociedade civil ao Estado como elemento que forja um discurso de luta, uma conclamação da participação de todos como estratégia. O discurso articulador do TPE tem a possibilidade de reverberação em diversas produções normativas da política. Entendo que um discurso de currículo básico universal, garantidor de uma determinada carga de conteúdos, habilidades e competências tal como se concebeu a BNCC se relaciona de forma próxima não apenas com o diagnóstico de falta de qualidade na educação proposto pelo TPE, mas, sobretudo, com a ideia de um projeto nacional com potencialidade de sanar estes problemas. Destacando os argumentos universalistas que são recorrentemente apresentados em diversos momentos, entendo que a concepção de um discurso que a partir de 2015 se cunhou como Base Nacional Comum Curricular não se iniciou tampouco se findou com a textualização do documento. Leio a BNCC como um discurso curricular que busca através da normatividade garantir ao máximo que diferentes demandas reivindicadas sejam atendidas. file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_25.jpg Vídeo Acesse o material digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado 1- Sobre o argumento jurídico inicial que endossa a elaboração da Base Nacional Comum Curricular, assinale a alternativa que apresente onde se encontra este texto normativo. a) A lei de diretrizes e bases da educação. b) Os parâmetros curriculares nacionais. c) O texto constitucional de 1988. d) O plano nacional da educação. 2- Sobre a noção de governança global no cenário das políticas educacionais tal como Ball (2018) propõe, a principal característica dessa concepção é: a) O fechamento das concepções das políticas no âmbito dos Estados Nacionais. b) Uma crescente autonomia das escolas nas produções curriculares. c) Um processo multi-institucional e supranacional nas produções de políticas curriculares. d) A tomada do controle total da produção das políticas curriculares pelos agentes privados. 3- Assinale a alternativa que apreste um movimento organizado pela sociedade civil no contexto brasileiro que reivindica espaço nas políticas educacionais. a) Todos pela educação. b) Fundação Ayrton Senna. c) Base Nacional Comum Curricular. d) Novo mais educação. Módulo 4 A prática docente na escola básica na atual conjuntura: Ensino disciplinar e a lógica do empreendedorismo INTRODUÇÃO No atual cenário educacional, diferentes questões e impõe sobre a formação dos professores, dentre elas, e a que mais nos interessa é a formação de professores que possam dar conta de demandas emergentes de um dito mundo moderno, tais como: Inovação Tecnologias Empreendedorismo Meio ambiente Valências socioemocionais No que se refere a escola como ambiente de atuação docente primaz, estas reorganizações estruturais incidem de forma determinante não só na formação docente quanto no que e como se ensina nas escolas. Frente a estas demandas os cursos de licenciaturas vêm se articulando em nível normativo com as legislações que incidem sobre o ensino escolar. Nesse cenário, demanda-se às instituições de formação de professores, a partir dos centros nucleares docentes estruturantes dos cursos de licenciatura, reestruturar a formação inicial de professores. Entendemos que esta atual fase é orientada por novos marcos e critérios. Da mesma forma, questões recorrentes em trabalhos sobre a formação docente ainda não alcançaram o estado da arte, e esta alavancagem demandaria outras configurações aos processos de formação docente. Estas novas percepções devem se articular com as transformações políticas, sociais e econômicas da contemporaneidade, cujos efeitos se fazem presentes no ambiente escolar. Frente estas percepções, neste módulo, iremos refletir sobre como estas transfigurações estão transformando e impondo novos desafiosa formação docente. Estamos, portanto, frente processos complexos, sobretudo, quando se considera o papel social do professor, sua função dentro da sociedade e sua operação pedagógica. Diferentes autores do campo da pedagogia. 1 A atividade docente é extremamente complexa. Esta complexidade na contemporaneidade torna-se mais latente frente o caráter imprevisível que marca o século XXI. 2 Esta instabilidade e sensação de incerteza que marcam os tempos atuais são condicionadas pelo fato dos contextos sociais e consequentemente educacionais mudaram muito. 3 Na especificidade do Brasil, os últimos 30 anos foram de mudanças avassaladoras, destacando o cenário democrático pós-1988 e mais recentemente o fenômeno global de entrada das tecnologias de informação portáteis no cotidiano social alavancaram transformações profundas. 4 É nesta complexidade que reside o trabalho docente na contemporaneidade e baseado nisso que seguiremos. A partir desta leitura contextual, pontuamos que sempre ocorreram transformações que impuseram reorientações nos processos de formação docente e estes processos se configuram como contínuos. Contudo, as mudanças recentes, sobretudo, as vinculadas ao avanço das tecnologias da informação e no mundo do trabalho projetaram a sociedade em um abismo de desconforto e instabilidade nunca antes experimentado. A atual fase de globalização criou uma nova formatação de pobreza – material e intelectual – sobre as quais as escolas se debruçam e buscam ainda de forma descompassada temporalmente alinhar seus saberes e fazeres. Os desafios e questões são enormes e de forma a sistematizar uma reflexão: Como e com quais articulações o docente da formação inicial deve estar preparado/preocupado? Esta pergunta não deve ser pensada tão somente como forma de uma adaptação estanque a novos desafios. Na produção de saberes escolares e práticas docentes, este debate deve ser encarado em movimento vide que a lógica da inovação, o caráter volátil das valências sociais demandadas pelo mundo do trabalho, assumiram como constância a mudança. Estes processos estão acontecendo em um cenário de quebra de monopólio e desregulamentação e inovação dos meios de comunicação. Este é um elemento muito importante na medida em que consideremos o fato de narrativas e movimentos políticos que desqualificam os saberes científicos, os ensinamentos docentes e os saberes escolares. A desvalorização docente ganha outra amplitude para além da crônica questão salarial. Neste contexto de angústias, incertezas e desvalorização, é necessário repensar a função docente e colocá-la de forma rígida em um patamar de relevância social. Centramos a percepção que a ação docente na contemporaneidade deve se estabelecer como uma atividade humana de promoção de desenvolvimento pessoal (objetiva e subjetivamente), um mediador (não faz mais sentido falar em fonte de conhecimento em razão da disponibilidade das TICs) e um ator social inserido em uma dinâmica cultural. A superação do entendimento de que saberes e conhecimento é algo superior a conteúdo é a premissa que dá sentido à ação docente contemporânea. As fontes de conteúdos são cada vez mais diversas, acessíveis e atraentes. Neste sentido, Leite, Ribeiro, Leite e Uiliana (2018), apontam: Ao se reconhecer alguns aspectos que dizem respeito ao papel do professor, bem como a sua função social, também se evidencia a necessidade do profissional docente possuir uma variedade de conhecimentos, saberes e habilidades de diferentes naturezas para assumir a tarefa educativa diante da abrangência e complexidade da educação, não se limitando a, mas perpassando o domínio dos conhecimentos pedagógicos e dos conteúdos específicos da área de atuação e formação. Tais conhecimentos, saberes e habilidades têm se traduzido em demandas próprias do exercício da profissão docente, refletidas em discussões relacionadas à sólida formação científica e cultural do ensinar e aprender, apontando-se para a necessidade de aprendizagem de práticas educativas baseadas na interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, na contextualização curricular e no uso das tecnologias e metodologias diferenciadas de ensino. (p.724) Estas novas valências que se impõem sobre o fazer docente se desdobram em questões de cunho metodológico. A busca por incorporar questões tecnológicas e fluidificar a lógica da desregulamentação sistêmica do trabalho tendo como horizonte ações inclusivas e em prol de emancipação tem refletido diretamente segundo Imbernón (2009) nos cursos de formação inicial de professores. Há uma constância nos processos de elaboração e reelaboração dos currículos e dos cursos de formação docente que buscam de forma cada vez mais urgente dar conta de demandas reivindicadas em um ritmo muito acelerado. Frente estas inflexões, neste módulo, iremos produzir ponderações analíticas teóricas acerca dos desafios que se impõem atualmente para a formação dos professores. O atual cenário se configura orbitante entorno da BNCC e que pode ser ilustrado a partir da imagem a seguir: Imagem 3 - O atual cenário para formação docente Fonte: Ministério da Educação (BRASIL, 2018) Os processos formativos docentes que incidem em diferentes níveis da educação básica são repletos de debates dinamizados por pesquisas no cenário brasileiro. Não obstante o aparato legal que busca produzir uma dura normatividade acerca do tema, transformações muito relevantes vem se produzindo no Brasil em razão de diferentes fatores. Sobre isto, Leite, Ribeiro, Leite e Uiliana (2018), apontam: file:///G:/Drives%20compartilhados/YDS_PA/0605_Fabrica_Conteudo/_PUB/Aspectos%20da%20Prática%20Docente%20e%20que%20atua%20em%20Educação/player/curso/00055/img/imagem_de_card_31.jpg (...) mudanças significativas no processo geralmente não se constituem como efetivas, em decorrência de fatores como alta rotatividade e descontinuidade de políticas públicas de formação de professores; descompasso entre o perfil de formadores e aquele esperado para os egressos dos cursos de licenciatura e ausência de políticas de acompanhamento e de avaliação de currículos das licenciaturas e, também, por questões recentes que se apresentam em função das novas demandas da contemporaneidade. (p.726) Entre outras questões, as reflexões propostas emergem em razão de dois elementos fundamentais; O primeiro versa sobre a necessidade de formar bons professores de forma universal. A pretensão de colocar em todas as salas de aulas de todas as escolas um profissional bem formado e que dê conta das demandas sociais que emergem de maneira constante é uma agenda social, política e econômica. O segundo aspecto centra-se na elaboração de uma formação docente capaz de formar profissionais que consigam incorporar de forma rápida e vigorosa as transformações constantes as quais a sociedade demanda. Sob o ponto de vista normativo, as atuais resoluções se organizam da seguinte forma: Resolução nº 02/CNE/2015, em seu Art. 10, define que “a formação inicial se destina àqueles que pretendem exercer o magistério da educação básica em suas etapas e modalidades de educação” (BRASIL, 2015b). E, conforme preconizado no Art. 9º, são considerados, com relação ao nível superior de formação inicial para os profissionais do magistério para a educação básica, os “cursos de graduação de licenciatura; cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados; e cursos de segunda licenciatura” (BRASIL, 2015b). Nessas diretrizes são abordados aspectos que elucidam a base comum curricular de formação, que deve ser contemplada pelas diferentes instituições de ensino superior (IES) que ofertam cursos de licenciatura, perpassando pelos conhecimentos, saberes e habilidades que os egressos dos cursos de graduação deverão possuir e, portanto, o repertório desses elementos educacionais que deverá ser construído na formação inicial do futuro professor.(Leite, Ribeiro, Leite e Uiliana, 2018, p.727) Ao se prescrever através de diretrizes, a base curricular comum da formação docente não se pretende como um mecanismo de restrição de processos. A este respeito, pesquisas produzidas no Brasil acerca deste tema têm pontuado que devido à complexidade da formação docente, os processos formativos não devem ser limitados a uma única instituição. Se apresenta como uma cara questão a necessidade de posicionar os processos de formação docente em uma estrutura suprainstitucional de forma que seja mais fluido e aberto o processo às transformações sociais. Como arcabouço teórico-metodológico de sustentação desta perspectiva, Imbernón (2011) destaca quatro estágios constitutivos dos processos contínuos de formação docente: (...) o primeiro trata da experiência discente, referindo-se às vivências que, enquanto alunos, os futuros professores tiveram na escola; o segundo é o da formação inicial, proporcionando uma preparação formal, sistemática e específica; o terceiro configura-se como o período de iniciação à profissão docente; e o quarto é o da formação permanente, que se constitui a continuidade do desenvolvimento promovido por meio de diferentes contextos e instituições. (p.14) A partir desta perspectiva, as pesquisas do campo da educação localizam o curso de formação inicial – as licenciaturas – como o único espaço institucionalizado garantido. Desta forma, entendemos que as licenciaturas são os únicos espaços formais sobre os quais a parte mais robusta da formação incide. É precisamente esta fase inicial da formação que se configura como a etapa de legitimidade da atuação. A intercessão entre ciência, saberes e práticas escolares sistematizadas e contextualizadas acontecem. Entendemos, portanto, que é necessária uma formação inicial do docente centrada no rigor científico, sobretudo, porque a desregulamentação dos fluxos informacionais além de quebrarem o monopólio da transmissão dos saberes de livros e professores, acabaram difundindo também narrativas anticientíficas que em concomitância com a desqualificação e desvalorização da escola e do trabalho docente ganharam muito espaço na tessitura social. Como forma de pensar este cenário frente à luz de demandas contextuais caras na atualidade, escolhemos o debate sobre o ethos economus do empreendedorismo que emerge como discurso hegemônico de formação social. Atravessando todas as normativas contemporâneas curriculares, a dimensão do protagonismo e da autorregulação do trabalho se apresenta de forma potente. Empreendedorismo A urgência em tratar de tal questão se torna clara na medida em que uma noção de cultura empreendedora se faz cada vez mais presente na educação. Esta presença não se restringe aos currículos, mas sim, destaca-se na formação docente e na disseminação de tecnologias da informação para a educação básica. No cenário brasileiro se destaca a continuação do que já se desenvolvia em outros países – a desregulamentação do mundo do trabalho travestida de empreendedorismo. Contudo, o contexto brasileiro se diferencia dos países centrais em razão de seu caráter periférico dentro do sistema econômico internacional. Dadot e Laval (2016) apontam que esta conjuntura tende a acentuar ainda mais as desigualdades econômicas. Os objetivos desta suposta “pedagogia do empreendedorismo” é incitar o indivíduo a se compreender como uma empresa e mediante disso ser passivo a riscos e intempéries inerentes a lógica do capitalismo financeiro sem qualquer tipo de proteção. Para além de uma nova forma de vida e de trabalho, a racionalidade pautada na dimensão do empreendedorismo, personifica o sucesso e o fracasso subsumindo as questões macroestruturais que incidem sobre as dinâmicas sócias, políticas e econômicas. A participação da educação neste processo se justifica com basilar haja vista que o que se pretende é forjar um novo processo de cidadania. Neste sentido, Albuquerque, Ferreira e Brites (2016) argumentam: Nesse domínio, a educação é sem dúvida uma via crucial, preparando os cidadãos para entenderem e efetivarem uma “cidadania global inteligente” (Nussbaum, 2010, p. 81), pela promoção de um ensino capacitante no que diz respeito à liberdade de pensamento crítico, de criatividade, de sentido cívico e de compreensão global de si e dos outros em um mundo partilhado e cooperativo. A educação afirma-se, desse modo, como estratégia para uma cidadania mais ativa, reflexiva e responsável, potenciando a formação de um pensamento crítico sobre o mundo, a compreensão dos papéis a cumprir e das consequências de ações e omissões, a consciência das interdependências entre as dimensões locais e globais, individuais, políticas, económicas e sociais, a compreensão empática das diferenças e complementaridades e o questionamento das desigualdades ilegítimas. (p.1035) A educação torna-se uma via de acesso a cidadania e em última análise um espaço em que se forja noções de cidadanias. As atuais demandas sociais pautadas na individualidade desregulamentada neoliberal entram na escola e subsequentemente nos processos de formação docente através de transmissão de valores empreendedores. Trata-se de uma retórica que se estabelece como estratégia de busca por coesão social e econômica. Os desafios docentes frente a este contexto emergente pautado pelo individualismo e pela dês/autorregulação demanda respostas inovadoras em todo momento. Frente a esta proposta a formação docente busca se manter firme a dimensão crítica e emencipatória ao mesmo tempo, é assolado por uma imposição econômica que tenta normatizar a “cultura do empreendedorismo”. Vídeo Acesse o material digital para assistir ao vídeo. Verificando o aprendizado 1- O projeto de base nacional curricular para a formação de professores tem como subdivisão inicial os seguintes tópicos: a) Formação inicial e formação continuada. b) DCN das licenciaturas e formação continuada. c) Formação inicial e Enade. d) Estágio probatório e Enade. 2- Sobre a entrada de uma agenda neoliberal nas políticas curriculares, indique a noção vinculada a esta doutrina econômica que se apresenta de forma mais forte nas atuais políticas educacionais brasileiras: a) Estatização. b) Regulação. c) Controle estatal. d) Desregulamentação. 3- Sobre a noção de pedagogia do empreendedorismo é correto afirmar que os objetivos deste viés político: a) É incitar o indivíduo a se compreender como uma empresa. b) Fomentar a criticidade da formação cidadã. c) Preparar força de trabalho para um mercado regulamentado. d) Valorizar um processo educativo voltado a preparação de um mercado de trabalho informacional. Conclusão Considerações finais Como você percebeu neste tema, buscamos pensar a questão curricular como política e identificar os elementos e as estruturas que forjam uma teoria curricular. Ainda que as políticas educacionais extrapolem a dimensão curricular, assentamos o debate no argumento que é no currículo que as grandes transformações no campo educacional estão se desenvolvendo. Daí se verifica que desde o período pós-democrático (C.F 1988), que as políticas educacionais vêm produzindo normativas curriculares permeadas por demandas macroeconômicas que incidem de forma determinante nos processos de produção de saberes escolares e na formação docente. Diante deste cenário educacional (cultural e normativo) buscamos pensar como está se desenvolvendo a formação docente frente questões econômicas, tecnológicas e pedagógicas. Como forma de dimensionar a complexidade do atual cenário, pontuamos que a lógica da “pedagogia do empreendedorismo” emerge com força em razão de uma reconfiguração do mundo do trabalho e internacionalização de uma economia neoliberal. Bibliografia Alves, R. A alegria de ensinar. São Paulo: Ars Poética, 1994. Barnett, R. The limits of competence. Buckingham:Open University Press, 1994. Bates, I. The competence movement and the National Vocational Qualifications framework. The widening parameters of research. British Journal of Education and Work, Abingdon: Routledge, v. 8, n. 2, p. 5-13, 1995. Brown, L. M. et al. (Eds.). Competence-based training. A collection of readings. Victoria: Deakin University, 1994. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Básica. Parecer nº 11/CEB/CNE/2000. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília: CEB/CNE/MEC, 2000. ______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Parecer nº 09/CP/CNE/2001. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília: CP/CNE/MEC, 2001a. ______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução nº 01/CP/CNE/2015. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas em cursos de Educação Superior e de Ensino Médio e dá outras providências. Brasília: CP/CNE/MEC, 2015a. ______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução nº 02/CP/CNE/2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Brasília: CP/CNE/MEC, 2015b. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: DICEI/SEB/MEC, 2013. Coburn, C. E.; Stein, M. K. Communities of practice theory and the role of teacher professional community in policy implementation. In: Honig, M. I. (Ed.). New directions in education policy implementation. Confronting complexity. Albany: Suny Press, 2006. p. 25-46. Cooper, B. Continuing professional development: a critical approach. In: Fraser, S.; Matthews, S. (Eds.). The critical practitioner in social work and health care. London: Sage Publications, 2008. p. 222-237. Correia, E. Avaliação externa do Projeto Nacional de Educação para o Empreendedorismo (PNEE). Levantamento Nacional de Dados. Lisboa: CIES; Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), 20 dez. 2010. LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias de currículo. São Paulo: Cortez, 2011. LOPES, Alice Casimiro. Políticas de currículo: questões teórico-metodológicas. In: Alice Casimiro Lopes; Rosanne E. Dias; Rozana Abreu. (Org.). Discursos nas políticas de currículo. 1ed.Rio de Janeiro: Quartet Editora / Faperj, 2011, v. 1, p. 19-45. LOPES, Alice Casimiro; MATHEUS, Danielle dos Santos. Sentidos de qualidade na política de currículo (2002 – 2012). Educação & Realidade, 2014. MACEDO, Elizabeth. Educação em Revista. Belo Horizonte|v.32|n.02|p. 13- 17|Abril-Junho 2016. ______. Currículo como espaço-tempo de fronteira cultural. Revista brasileira de educação, Rio de Janeiro, v. 11, n. 32, p. 285-296, maio/ago. 2006. ______ Mas a escolar não tem que ensinar?: Conhecimento, reconhecimento e alteridade na teoria do currículo. Currículo sem Fronteiras, v.17, p.539 - 554, 2017a. Explore + Para continuar estudando políticas curriculares, recomenda-se a leitura do livro “Teorias de Currículo” de Alice Lopes e Elizabeth Macedo. Já sobre as consequências da entrada das demandas estruturais econômicas na atual fase da globalização neoliberal recomenda-se a leitura da abordagem do ciclo de políticas públicas disponível em: http://scielo.com.br Conteudista Phelipe Florez Rodrigues Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde também concluiu o curso de Mestrado. Licenciado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professor da Educação Básica na Rede Estadual do Rio de Janeiro (SEEDUC/RJ) e da rede privada. Professor de Graduação e Pós-graduação na Universidade Estácio de Sá. Atualmente atua no campo da pesquisa como membro do Políticas de Currículo (ProPEd/UERJ) e Laboratório de Ensino/Pesquisa em Geografia do Araguaia (UFMT). http://scielo.com.br/
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