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SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 3 Objetivo da disciplina 3 Objetivos específicos 3 Habilidades e competências a serem alcançadas 3 Ementa da disciplina 4 1. SISTEMA IMUNOLÓGICO 6 Células imunes 6 Respostas imunes inata e adaptativa 11 Resposta imune inata 12 Resposta imune adaptativa 14 2. IMUNOMODULADORES 18 Imunonutrição 18 Glutamina 19 Arginina 20 Aminoácidos de cadeia ramificada (ACR) 21 β-hidroxi-β-metilbutirato (HMB) 22 Nucleotídeos 23 Ômega-3 23 Zinco 24 3. ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES 28 Diferenças entre intolerâncias e alergias/hipersensibilidades alimentares 28 Intolerância à lactose 29 Alergia à proteína do leite de vaca 29 Outras alergias alimentares comuns 30 Doença celíaca 31 Pessoas que não apresentam intolerâncias/alergias precisam excluir o alimento da dieta? 31 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 33 3 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Profa. Dra. Audrey Yule Coqueiro Objetivo da disciplina Discutir, com base em evidências científicas, sobre sistema imunológico, nutrientes considerados como imunomoduladores e alergias/hipersensibilidades alimentares. Objetivos específicos Abordar os aspectos principais relacionados ao sistema imunológico. Discutir sobre os principais nutrientes considerados como imunomoduladores. Abordar alergias e hipersensibilidades alimentares. Habilidades e competências a serem alcançadas Compreender aspectos básicos referentes ao funcionamento do sistema imunológico. Compreender a função e o mecanismo pelo qual os principais imunonutrientes atuam. Compreender alergias e hipersensibilidades alimentares. 4 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES Ementa da disciplina A disciplina aborda os principais aspectos acerca do funcionamento do sistema imunológico, bem como os principais nutrientes considerados como imunomoduladores. Ademais, são apresentados aspectos sobre alergias e hipersensibilidades alimentares. As informações apresentadas são baseadas em evidências científicas bem consolidadas. 6 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES 1. SISTEMA IMUNOLÓGICO Introdução O sistema imunológico corresponde a um conjunto de estruturas e processos biológicos complexos que atuam no combate a agressores (vírus, bactérias, fungos e protozoários). Logo, se este sistema encontra-se frágil, o organismo enfrenta inúmeras dificuldades para combater os agressores, o que repercutirá no desenvolvimento de doenças. Levando em consideração a importância do sistema imunológico para a manutenção do estado de saúde, esta seção objetiva abordar os principais aspectos acerca do funcionamento deste sistema. Células imunes A resposta imunológica é elaborada pelos “glóbulos brancos”, os quais são também denominados de leucócitos, que são as células imunes. Os leucócitos se originam a partir de células-tronco na medula óssea, sofrendo maturação e diferenciação em tecidos linfóides primários (na própria medula óssea e no timo). Os glóbulos brancos estão presentes na circulação sanguínea e linfática, bem como em diversos órgãos e tecidos linfoides. Estima-se que um adulto saudável possua aproximadamente 7.000 leucócitos por microlitro de sangue. Os neutrófilos são as células imunes mais predominantes, seguidos pelos 7 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES linfócitos, monócitos, eosinófilos e basófilos (Quadro 1). A seguir serão explanados os principais tipos de célula imune. SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES Quadro 1. Valores de referência de leucócitos no sangue periférico de acordo com faixa etária. Adaptado de Borelli (2017).Neutrófilos Idade/ Célula Leucócitos (/mm3) Metamielócito s (%) Neutrófilos bastonetes (%) Neutrófilos segmentado s (%) Eosinófilo s (%) Basófilo s (%) Linfócito s (%) Monócito s (%) 1 dia 7,5 - 37,0 0,2 - 1,5 7 - 11 57 - 75 1 - 4 0 - 1 30 - 45 2 - 10 2 a 5 dias 6,0 - 15,0 0,02 - 0,5 4 - 6 35 - 60 1 - 4 0 - 1 25 - 58 2 - 10 5 a 14 dias 5,0 - 14,0 0 - 0,5 2 - 5 30 - 75 1 - 4 0 - 1 50 - 60 2 - 10 2 a 8 semanas 6,0 - 15,0 0 1 - 5 25 - 35 1 - 4 0 - 1 55 - 60 2 - 7 2 a 6 meses 10,0 - 16,0 0 1 - 5 19 - 33 1 - 3 0 - 1 54 - 65 2 - 7 7 a 12 meses 6,5 - 13,5 0 1 - 5 25 - 35 1 - 3 0 - 1 50 - 60 2 - 7 1 a 4 anos 5,0 - 10,0 0 1 - 4 27 - 54 1 - 3 0 - 1 32 - 55 2 - 7 5 a 8 anos 5,0 - 10,0 0 2 - 4 30 - 55 1 - 4 0 - 1 20 - 30 2 - 7 9 a 12 anos 5,0 - 10,0 0 2 - 4 50 - 62 1 - 4 0 - 1 18 - 36 2 - 7 > 12 anos 4,4 - 11,0 0 2 - 4 46 - 73 0 - 4 0 - 1 18 - 44 3 - 9 9 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES Os neutrófilos são células imunes cuja a principal função é a fagocitose. Estas são as primeiras células a aumentarem no sangue em decorrência de infecções bacterianas (nas primeiras 48 horas). Durante a infecção, interleucinas (IL), como IL-6, IL-1β, IL-8 e TNF-α, estimulam a liberação de neutrófilos da medula óssea. Não obstante, o aumento do cortisol e outros hormônios estimula o descolamento de neutrófilos dos vasos sanguíneos. Estes neutrófilos são, então, direcionados para o tecido a fim de combater a infecção bacteriana por meio de fagocitose. Dessa forma, na primeira fase da infecção bacteriana ocorre leucocitose (aumento do número de leucócitos no sangue) em vista do aumento de neutrófilos. Os valores de referência dos neutrófilos no sangue são: 1.700 – 8.000 uL (valores absolutos) e 40 – 65% (valores relativos). Monócitos Os monócitos são as células que dão origem aos macrófagos nos tecidos. Os macrófagos apresentam elevada capacidade fagocítica, sendo capazes de fagocitar moléculas maiores, quando comparados aos neutrófilos. Neste contexto, em uma infecção bacteriana, o aumento de neutrófilos (vide tópico anterior) é precedido pelo aumento de monócitos, os quais darão origem aos macrófagos nos tecidos, fato que auxilia no combate à infecção. Em infecções fungícas, como na candidíase, há também aumento de monócitos e, consequentemente, de macrófagos, pois estas células são capazes de fagocitar patógenos grandes. Os valores de referência dos monócitos são: 200 – 900 uL (valores absolutos) e 4 – 10% (valores relativos). Linfócitos Existem dois principais tipos de linfócitos: os linfócitos T e os linfócitos B, sendo que 80% dos linfócitos são do tipo T. Os linfócitos T (em especial CD4 – Th e CD8 – Tc) se localizam nos órgãos linfoides e no sangue, migrando para os tecidos quando necessário. A principal função destas células é efetuar a imunidade adaptativa celular, o que inclui a secreção de citocinas que ativam outras células, como macrófagos, células NK (natural killer), linfócitos B etc. Os linfócitos T exterminam patógenos intracelulares. 10 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES Os linfócitos B, que também se localizam nos órgãos linfoides e no sangue, fazem parte da imunidade adaptativa humoral, secretando anticorpos (imunoglobulinas A, D, M, E e G), que exterminam patógenos extracelulares. Infecções virais normalmente causam linfocitose (aumento da concentração de linfócitos no sangue). Não obstante, os linfócitos aumentam na terceira fase de uma infecção bacteriana, após o aumento de neutrófilos e monócitos (vide tópicos anteriores). Neste caso, os linfócitos objetivam adquirir memória, o que facilitará no combate do mesmo patógeno caso o organismo seja infectado novamente. Os valores de referência dos linfócitos são: 900 – 3.100 uL (valores absolutos)e 20 – 30% (valores relativos). Eosinófilos Estas células também se localizam no sangue, migrando para os tecidos quando necessário. Suas principais funções são fagocitose e citotoxicidade mediada por anticorpos. Em suma, estas células são responsáveis pelo combate a parasitas, aumentando-se no sangue nestas situações (acometimento por parasitas, em especial parasitas grandes), bem como durante processos alérgicos. O cortisol é capaz de diminuir a produção medular de eosinófilos, por isso medicamentos à base de corticoides são utilizados no combate a alergias. Os valores de referência dos eosinófilos são: 50 – 400 uL (valores absolutos) e 1 – 4% (valores relativos). Basófilos Basófilos são células presentes no sangue que, quando necessário, migram para os tecidos. As principais funções destas células são liberar grânulos de histamina e outros agentes ativos, participando na resposta imunológica frente a um processo alérgico. Logo, em meio a alergias, há aumento da concentração desta célula no sangue. Os valores de referência dos basófilos são: 0 – 90 uL (valores absolutos) e 0 – 1% (valores relativos). Considerando estes valores, é possível perceber que não existe basopenia (diminuição de basófilos no sangue), pois é possível ter zero destas células no sangue. No 11 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES entanto, é possível ter basofilia, isto é, aumento de basófilos no sangue, que normalmente ocorre em processos alérgicos. No Quadro 2, os valores de referência absolutos e relativos dos leucócitos são apresentados. Quadro 2. Valores de referência dos leucócitos. Célula Absoluto (uL) Relativo Leucócitos 3.500 10.500 - Neutrófilo 1.700 8.000 40 65% Linfócito 900 3.100 20 30% Monócito 200 900 4 10% Eosinófilo 50 400 1 4% Basófilo 0 90 0 1% Vale salientar que os neutrófilos, monócitos, eosinófilos e basófilos fazem parte de resposta imune inata, enquanto os linfócitos (T e B) fazem parte da resposta imune adquirida. A seguir estas respostas serão explanadas em detalhes. Respostas imunes inata e adaptativa O sistema imunológico pode ser dividido em dois tipos de respostas – as respostas imunes inata e adaptativa. Ambas as respostas dependem do mecanismo de reconhecimento do self e do non- self, isto é, o corpo reconhece as substâncias/estruturas como próprias do organismo (logo, inofensivas) ou não-próprias (potencialmente patogênicas/prejudiciais ao organismo). A principal diferença entre estas respostas é que a resposta imune inata é inespecífica ao agressor, enquanto a resposta imune adaptativa é altamente específica ao patógeno. Não obstante, enquanto a resposta imune inata não se altera mediante à exposição de determinado agressor, a resposta adaptativa se torna cada vez mais 12 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES eficiente a cada encontro com o mesmo agente patogênico. A seguir estas respostas serão abordadas em detalhes. Resposta imune inata Esta é a primeira linha de defesa contra patógenos. A resposta imune inata contempla barreiras físicas e químicas, por exemplo o epitélio e suas substâncias microbicidas, proteínas do sangue (como o sistema complemento, que consiste em um conjunto de mais de 20 proteínas que atuam juntas para destruir invasores estranhos), e leucócitos, que incluem as células fagocíticas, como neutrófilos, macrófagos e células NK. As barreiras físicas, como pele e mucosa revestem os tratos respiratório, digestivo e geniturinário. A área coberta por pele equivale a 2 m2, enquanto a área abrangida por mucosa corresponde a 400 m2, o que equivale a aproximadamente duas quadras de tênis. Logo, para adentrar o organismo, os agentes agressores precisam transpor estas barreiras. Caso o agressor consiga ultrapassar as barreiras físicas, ele se depara com uma segunda linha de defesa – o sistema complemento e os fagócitos. O sistema complemento contempla mais de 20 proteínas, as quais são produzidas no fígado e localizam-se em altas concentrações tanto no sangue quanto nos tecidos. No contato com um agente estranho, estas proteínas são ativadas e fixam- se à superfície da célula estranha. Esta ligação de múltiplas proteínas cria um canal (“orifício”) na superfície do microrganismo, culminando em sua morte. Não obstante, o sistema complemento “marca” a superfície celular do agente estranho para que os fagócitos possam reconhecer e exterminar o agressor. As células fagocíticas reconhecem os patógenos de forma primitiva e inespecífica, ligando-se a eles e os fagocitando e destruindo. No momento da fagocitose, ocorre a secreção de enzimas citoplasmáticas proteolíticas, bem como aumento do burst respiratório, induzindo a morte e a digestão dos agentes fagocitados. O termo burst respiratório refere-se à liberação de espécies reativas do oxigênio (ERO), como o ânion superóxido e o peróxido de hidrogênio, e de espécies reativas de nitrogênio (ERN), como o óxido nítrico, com o intuito de atuarem como microbicidas. As ERO e ERN também são mediadoras da 13 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES inflamação e lesão tecidual, participando da sinalização intercelular, da síntese de moléculas biológicas, da proliferação celular etc. Ressalta-se, entretanto, que o excesso da produção de ERO e ERN, processo denominado de estresse oxidativo, é prejudicial ao organismo, causando danos oxidativos às estruturas celulares, como lipídios, proteínas e DNA, o que pode acarretar na morte celular. Além de fagocitar, estes leucócitos, como neutrófilos e macrófagos, sintetizam citocinas que sinalizam a inflamação, bem como sintetizam moléculas que favorecem o aumento do fluxo sanguíneo para o local inflamado, permitindo que mais células imunes cheguem ao local, auxiliando na defesa imunológica. Posteriormente à fagocitose, as respostas imunes inata e adaptativa se associam, pois há o reconhecimento dos agressores fagocitados. Este reconhecimento se baseia nos padrões moleculares associados a patógenos (pathogen- associated molecular patterns - PAMP). Os PAMPs são produtos do metabolismo microbiano, os quais induzem a expressão de moléculas pró-inflamatórias e ativam mecanismos de defesa antimicrobianos do organismo. Os receptores do tipo Toll (TLR) são responsáveis por realizar o reconhecimento a partir de PAMPs. TLR é uma família de proteínas transmembrana (ou seja, que atravessa a membrana, tendo conexões intra e extracelulares), que desempenha um importante papel na regulação das respostas inflamatórias e imunológicas, sendo considerada como a principal estratégia de reconhecimento do self e do non-self. Dentre os receptores TLR, possivelmente o mais conhecido é o TLR-4, o qual está expresso principalmente em células imunes (como macrófagos e células dendríticas), e atua no reconhecimento de lipopolissacarídeo (LPS). O LPS é um componente estrutural da membrana de bactérias gram- negativas (mais potencialmente patogênicas). Em monócitos e macrófagos, após a ativação do TLR-4 a partir do LPS, ocorre a síntese de moléculas pró-inflamatórias, como TNF-α, IL- 1, IL-6, IL-8 e IL-12. Em macrófagos, especialmente, há ainda a secreção de fator de ativação plaquetária, prostaglandinas, enzimas, ERO e ERN após a ativação do TLR-4. Destaca-se que a síntese de moléculas com caráter pró- 14 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES inflamatório tem papel crucial em inibir o crescimento e disseminação de patógenos. Resposta imune adaptativa Esta resposta envolvea memória imunológica e por isso é altamente específica ao agressor. O principal propósito deste sistema é combater os vírus, tendo em vista que o sistema imune inato não consegue eliminar uma ampla gama de vírus. Os responsáveis por desempenhar a resposta imune adaptativa são os linfócitos, tanto os do tipo T quanto os do tipo B. Estas células atuam no reconhecimento de determinados agentes patogênicos que estejam localizados no meio intracelular, nos fluidos teciduais ou no sangue. Os linfócitos são produzidos na medula óssea, sendo que a maturação dos linfócitos T ocorre no timo, enquanto a maturação dos linfócitos B ocorre na própria medula óssea. Após estarem completamente maduras, estas células migram para o sangue e órgãos linfoides periféricos. Os linfócitos T participam da resposta imune celular e se proliferam após estimulação por IL- 2 ou por mitógenos (por exemplo, concanavalina A). Existem três tipos principais de linfócitos T: (i) linfócitos T killer (também chamados de linfócitos T citotóxicos), (ii) linfócitos T auxiliares e (iii) linfócitos T regulatórios. Os linfócitos T killer atuam principalmente contra os vírus, visto que são capazes de reconhecer e matar as células infectadas por vírus. Os linfócitos T auxiliares sintetizam citocinas capazes de estimular a ação de outras células imunes. Os linfócitos T regulatórios regulam a resposta imunológica, de modo que as células saudáveis não sejam atingidas pela resposta imune, prevenindo o desenvolvimento de doenças autoimunes. Diversos são os estímulos que podem ativar a resposta por meio de linfócitos T, como hipersensibilidade do tipo tardia, doenças autoimunes, agentes bacterianos e virais, alergias a medicamentos e rejeição de transplantes. Quanto aos linfócitos B, estes apresentam a capacidade de produzir anticorpos (também denominados de imunoglobulinas), que reconhecem agentes 15 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES microbianos, os neutralizam e os “marcam” para serem eliminados. Além de bactérias, vírus ou fungos, alérgenos, como pólen, pelo de animais, poeira, conteúdos de alguns alimentos, também podem estimular os linfócitos B a produzirem anticorpos. O Quadro 3 apresenta as principais características das respostas imunes inata e adquirida. Quadro 3. Características das respostas imunes inata e adaptativa. Características Imunidade Inata Imunidade Adaptativa Células Macrófagos Neutrófilos Eosinófilos Basófilos Células NK (CD16+, CD56+) Linfócitos T (CD3+, CD4+, CD8+) Linfócitos B (CD19+, CD20+) Proteínas do sangue Sistema complemento Citocinas derivadas de macrófagos (exemplo: TNF-α) Anticorpos Citocinas derivadas de linfócitos (exemplo: IFN-) Barreiras físico-químicas Pele Mucosa epitelial Produtos químicos antimicrobianos Sistema imune cutâneo e de mucosa Anticorpos em secreções de mucosas Especificidade para microrganismos Relativamente baixa Alta Diversidade Limitada Ampla Memória Não Sim Adaptado de Abbas et al. (2005). 16 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES 18 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES 2. IMUNOMODULADORES Introdução Para que o sistema imunológico atue de maneira adequada e suficiente, diversos nutrientes são necessários para o funcionamento celular, a produção de novas células, a síntese de moléculas sinalizadoras etc. Na carência destes nutrientes, ocorrem prejuízos à imunocompetência. Com base nestas constatações, surge um termo denominado de imunonutrição, referindo-se à capacidade de alguns nutrientes de modular a função imunológica, o que repercutiria em um aumento da atividade do sistema imunológico e, consequentemente, em um melhor estado de saúde. Considerando a importância da imunonutrição, esta seção objetiva abordar os principais nutrientes considerados como imunomoduladores. Imunonutrição Não é segredo que a nutrição é um dos principais pilares para a manutenção e a promoção do estado de saúde. Estudos indicam que alterações qualitativas e quantitativas na ingestão de determinados nutrientes impactam diretamente no funcionamento do sistema imune de indivíduos bem- nutridos e subnutridos. Dentre os 19 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES principais imunonutrientes, destaca-se a glutamina, a arginina, os aminoácidos de cadeia ramificada (ACR), o β-hidroxi-β-metilbutirato (HMB), os nucleotídeos, os ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 e o zinco. A seguir cada um destes nutrientes será abordado. Glutamina A glutamina é o aminoácido livre mais abundante no organismo, sendo considerada como condicionalmente indispensável, visto que em condições hipercatabólicas, como na sepse e no período pós-cirúrgico, a deficiência de glutamina pode ocorrer. Como consequência da redução da disponibilidade de glutamina, há diminuição da proliferação de células imunes, como os linfócitos, e redução da síntese de glutationa e de nucleotídeos. Neste cenário, é possível compreender que a diminuição da disponibilidade de glutamina impacta diretamente na função do sistema imunológico. Vários estudos têm demonstrado efeitos benéficos ao sistema imunológico após a suplementação com glutamina. Dentre eles, destaca-se: (i) redução de moléculas pró-inflamatórias, como a IL-1β, o TNF-α e a prostaglandina E2; (ii) aumento da síntese de marcadores anti- inflamatórios, como a IL-10; (iii) aumento da expressão de proteínas de choque térmico (HSP); (iv) melhora em parâmetros de estresse oxidativo, como aumento de glutationa e redução de malondialdeído, entre outros. Por estas razões, a glutamina tem sido considerada como um importante imunomodulador. Ressalta-se que a suplementação com glutamina livre apresenta pouca influência na concentração sanguínea desse aminoácido. Isto porque, quando administrada na forma livre, de 50 a 80% da glutamina fica retida nos enterócitos, sendo utilizada como fonte de energia para estas células. Neste sentido, apenas uma pequena parcela deste aminoácido alcança a circulação sanguínea. Rogero et al. (2004) observaram que, embora a suplementação com glutamina livre tenha elevado a glutaminemia quando comparada ao grupo controle, a administração com o dipeptídeo L-alanil-L-glutamina foi mais eficaz em aumentar a glutamina plasmática 30 minutos após a sua administração. Este estudo também constatou que a suplementação crônica com o dipeptídeo promove aumento dos 20 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES estoques musculares e hepáticos de glutamina. Este efeito pode ser explicado principalmente porque a absorção intestinal de aminoácidos livres e dipeptídeos ocorre de forma diferente, sendo a absorção de dipeptídeos mais eficaz, visto que ocorre por meio do transportador de oligopeptídeos 1 (PepT-1). Além desta questão, o dipeptídeo L-alanil- L-glutamina é mais solúvel e estável em soluções aquosas quando comparado à glutamina livre. O uso de outros dipeptídeos contendo glutamina, como o L-glicil-L- glutamina, também tem apresentado melhor solubilidade e estabilidade em fórmulas enterais e parenterais sendo, portanto, recomendado na nutrição clínica de forma preferível à glutamina livre. A European Society for Clinical Nutrition and Metabolism (ESPEN), no seu parecer sobre nutrição enteral na terapia intensiva, recomenda a administração de glutamina somente em casos de queimaduras e traumas, tendo em vista a carência de evidências científicas referentes à suplementação com glutamina em outras condições clínicas(Kreymann et al., 2006). Concernente à nutrição parenteral, entretanto, é recomendado para pacientes críticos, internados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), soluções contendo 0,2 – 0,4 g/kg/dia de glutamina ou 0,3 – 0,6 g/kg/dia do dipeptídeo L-alanil-L- glutamina (Singer et al., 2009). De forma contrária, o parecer mais recente da American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN) não recomenda a suplementação com glutamina na terapia nutricional enteral e parenteral para pacientes críticos de forma rotineira. Esta recomendação é embasada em estudos que demonstraram aumento da mortalidade de pacientes críticos após administração com fórmulas contendo altas doses de glutamina suplementar (> 0,5 g/kg/dia). É válido salientar, no entanto, que o efeito adverso da glutamina ainda não é completamente esclarecido na literatura e diversos estudos contradizem a relação entre o aumento do fornecimento de glutamina e a taxa de mortalidade (McClave et al., 2016). Arginina A arginina é um aminoácido condicionalmente indispensável, pois em situações de hipercatabolismo a síntese endógena de arginina pode não 21 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES suprir a demanda orgânica deste aminoácido, sendo necessária a obtenção de arginina por meio da dieta. Dentre as principais funções deste aminoácido, destaca-se: (i) atuação na síntese proteica; (ii) participação no metabolismo do ciclo da ureia; (iii) participação na síntese de óxido nítrico, creatina e poliaminas; (iv) estimulação da secreção do hormônio do crescimento; (v) síntese de prolina e hidroxiprolina (importantes durante a síntese de tecido conectivo); (vi) papel imunomodulador e timotrófico, entre outros. Referente ao sistema imune, acredita-se que a síntese de poliaminas a partir da arginina aumente a proliferação de linfócitos, além de ser importante na divisão celular, na regulação do ciclo celular e na replicação do DNA. Não obstante, o óxido nítrico sintetizado por macrófagos e neutrófilos a partir da arginina está relacionado à regulação da inflamação e da imunidade. Esse aminoácido também está associado à imunidade adquirida, visto que participa da síntese de anticorpos por linfócitos B, da expressão de receptores e da proliferação de linfócitos T. Por estas razões, a arginina é considerada um importante imunonutriente, especialmente na resposta imune celular e no processo de cicatrização, uma vez que este aminoácido aumenta a produção de proteínas do tecido conjuntivo, como o colágeno. Em vista do seu papel na cicatricação, a arginina é vastamente utilizada como coadjuvante no tratamento de queimados. Finalmente, é válido ressaltar que a suplementação com arginina é contraindicada para pacientes gravemente enfermos, como em casos de sepse. Aminoácidos de cadeia ramificada (ACR) Os ACR são nutrientes indispensáveis, isto é, não são sintetizados no organismo e, portanto, necessitam ser obtidos por meio da dieta. Estes aminoácidos - leucina, isoleucina e valina - apresentam cadeias laterais alifáticas com um ponto de ramificação. A Figura 1 compara a estrutura química de um aminoácido não ramificado com os ACR. 22 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES Figura 1. Estrutura química de um aminoácido padrão e dos ACR (leucina, isoleucina e valina). Adaptado de Kawaguchi et al. (2011). Estes aminoácidos estão estritamente vinculados à imunomodulação. Essa associação se iniciou entre os anos 1970 e 1980, quando observou-se que o aumento de 35% no aporte de ACR fornecidos pela nutrição parenteral aumentava a contagem sanguínea de células imunes, como os linfócitos, e reduzia a taxa de mortalidade em pacientes gravemente enfermos, como em casos de sepse. Posteriormente, constatou-se que a concentração plasmática adequada de ACR estava inversamente associada à taxa de mortalidade, e que além de promover aumento da contagem de células imunes, a suplementação com ACR melhorava a funcionalidade destas células (aumento da função fagocítica de neutrófilos e células NK), reduzindo o risco de infecções bacterianas e virais. Por estes motivos, os ACR são considerados imunonutrientes e recomendados pela ESPEN nos diversos quadros de hepatopatias, como cirrose, encefalopatia hepática e hepatocarcinoma. β-hidroxi-β-metilbutirato (HMB) Estudos científicos têm demonstrado interesse crescente no efeito imunomodulador do metabólito da leucina, o β-hidroxi- β-metilbutirato (HMB). Embora os resultados na literatura sejam ainda contraditórios e haja uma escassez de estudos com humanos, evidências indicam que a suplementação com HMB reduz a síntese de citocinas pró- inflamatórias, como o TNF-α e a IL- 1β, bem como melhora a resposta 23 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES contra patógenos em ensaios experimentais in vitro e com animais (Siwicki et al., 2000; Nunes et al., 2008; Nunes et al., 2011). Apesar do efeito imunomodulador do HMB ser pouco elucidado, este metabólito é muito utilizado na nutrição clínica com fins de aumento da massa magra e/ou redução da degradação proteica muscular, exercendo importante papel no quadro de sarcopenia. Nucleotídeos Os nucleotídeos são as subunidades dos ácidos nucléicos, consistindo em uma base nitrogenada, um açúcar e um ou mais grupos fosfato. A principal função dos nucleotídeos é dar origem ao DNA e ao RNA, sendo que a sua demanda orgânica é aumentada durante a proliferação celular. Levando em consideração que a proliferação de células imunes é essencial para a resposta do sistema imunológico ante a invasão de microrganismos, o aporte adequado de nucleotídeos é de suma importância, especialmente em situações de trauma, queimaduras graves e no período pós-cirúrgico. Neste contexto, a suplementação com nucleotídeos é baseada na hipótese de que esta intervenção promova aumento da proliferação de células imunes e, portanto, contribua com a manutenção da homeostase imunológica para pacientes em estados críticos. Ômega-3 O papel imunomodulador do ômega-3 tem sido atribuído aos ácidos graxos eicosapentaenoico (EPA) e docosaexaenoico (DHA), presentes em concentrações significativas em peixes que vivem em águas frias e no óleo de peixe. Os principais mecanismos de atuação dos ácidos graxos EPA e DHA no sistema imunológico são: (i) alteração da composição dos fosfolipídeos presentes na membrana plasmática, influenciando a síntese de mediadores inflamatórios, como os eicosanoides (prostaglandinas, tromboxanos e leucotrienos); (ii) diminuição da ativação do fator de transcrição denominado fator nuclear kappa B (NF-κB), responsável pelo aumento da expressão gênica de moléculas pró- inflamatórias; e 24 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES (iii) competição com o ácido araquidônico, produzido a partir da ingestão do ômega-6, o qual apresenta potencial pró- inflamatório e, quando na presença de EPA e DHA, tem seus efeitos atenuados. É válido destacar que os efeitos imunomoduladores ocorrem quando a proporção de ômega-3 e ômega-6 é adequada, sendo que o excesso de qualquer um destes ácidos graxos pode promover imunossupressão. A suplementação com óleo de peixe tem demonstrado efeitos relacionados à redução da resposta inflamatória, sendo utilizada, por exemplo, em pacientes com artrite reumatoide, no intuito de reduzir os sintomas e a síntese de biomarcadores pró-inflamatórios, como a IL-1β. Em pacientes acometidos por doenças inflamatórias intestinais (doença de Crohn e colite ulcerativa), a suplementaçãocom óleo de peixe reduziu a síntese de eicosanoides pró-inflamatórios e atenuou a lesão dos tecidos inflamados. Zinco O zinco é um micronutriente traço que participa de diversas funções biológicas, como a síntese proteica, a divisão celular e a expressão gênica, além de exercer papel catalítico e estrutural em várias enzimas. Não obstante, este mineral está relacionado à regulação da resposta imunológica, atuando na funcionalidade de neutrófilos, de células NK e de linfócitos T, e na síntese de citocinas. Os mecanismos envolvidos nestas funções biológicas estão relacionados à capacidade do zinco em manter a estabilidade da membrana celular, a protegendo do estresse oxidativo e da lesão peroxidativa. Além disso, o zinco participa do sistema de defesa antioxidante, a partir da síntese de metaloproteínas, como a metalotioneína (MT), que consiste em uma família de proteínas com propriedades antioxidantes. Ademais, o zinco exerce, ainda, importante participação na estrutura e função da enzima antioxidante superóxido dismutase (SOD), responsável pela redução da toxicidade das ERO, a partir da transformação de íons altamente reativos, como o radical superóxido, em íons menos reativos, como o peróxido de hidrogênio. Evidências mostram resultados benéficos da suplementação com zinco no tratamento e na redução do risco de diarreia em crianças, bem como na redução da gravidade e 25 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES duração do resfriado comum e da incidência de infecções. No Quadro 4 é apresentado um resumo das principais funções dos imunonutrientes apresentados. Quadro 4. Principais funções dos imunonutrientes apresentados. Nutriente Características Funções biológicas e efeitos terapêuticos Glutamina Aminoácido mais prevalente no organismo humano. Sintetizado principalmente no músculo esquelético. Condições catabólicas estão associadas à marcante declínio das concentrações plasmática e muscular de glutamina Precursor de glutationa, purinas, pirimidinas, nucleotídeos e amino-açúcares Principal combustível metabólico para enterócitos, colonócitos e células imunes Mais relevante substrato para amoniagênese renal Protege a integridade estrutural e funcional da mucosa intestinal Mantém ou aumenta as funções imunes, especialmente aquelas associadas à imunidade mediada por células Arginina A síntese endógena é diminuída em indivíduos com sepse ou traumas Precursor de poliaminas, ácidos nucléicos, aminoácidos envolvidos na síntese de tecido conectivo e óxido nítrico Secretagogo para os hormônios insulina, prolactina e GH Aumenta o número e a funcionalidade de linfócitos T Melhora o processo de cicatrização Aminoácidos de cadeia ramificada (ACR) Aminoácidos indispensáveis na dieta de humanos Aumento da contagem de células imunes, como linfócitos Aumento da função fagocítica de neutrófilos e células NK Redução da infecção bacteriana, viral e da taxa de normalidade 26 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES Precursor de glutamina, substrato para síntese de moléculas sinalizadoras (citocinas e anticorpos) Promotor do anabolismo proteico β-hidroxi-β- metilbutirato (HMB) Um dos metabólitos do aminoácido leucina Redução de mediadores pró- inflamatórios e melhora da resposta contra patógenos Promotor do anabolismo proteico Nucleotídeos A síntese de novo é prejudicada em estados catabólicos Precursores de RNA e DNA Protege a integridade estrutural e funcional da mucosa intestinal Mantém ou aumenta as funções imunes, especialmente aquelas associadas à imunidade mediada por células Ácidos graxos ômega-3 Prontamente incorporados em membranas celulares, frequentemente às custas do ácido araquidônico (ω-6). Suscetível a peroxidação devido ao alto grau de insaturação (portanto, é relevante manter um adequado estado nutricional relativo a antioxidantes) Anti-inflamatório Antagoniza a síntese de eicosanoides inflamatórios a partir do ácido araquidônico (ω-6); Precursor de uma família alternativa de eicosanóides que frequentemente apresentam efeitos biológicos fracos Pode prevenir imunossupressão em algumas situações Zinco Micronutriente traço que participa de diversas funções biológicas, como a síntese proteica, a divisão celular e a expressão gênica, além de exercer papel catalítico e estrutural em diversas enzimas Síntese de mediadores imunológicos Aumento da função de células imunes, como células NK e linfócitos T Ação antioxidante Adaptado de Bonvini et al. (2019). 28 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES 3. ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES Introdução É fato conhecido que as intolerâncias, alergias e hipersensibilidades alimentares têm se tornado cada vez mais comuns na prática clínica. Neste cenário, é de suma importância que o nutricionista domine a ciência destes fenômenos, de forma a contribuir com o seu tratamento e estabelecer a conduta nutricional para estes pacientes. Abordar intolerâncias, alergias e hipersensibilidades alimentares é justamente o objetivo desta seção. Diferenças entre intolerâncias e alergias/hipersensibilidades alimentares De um modo geral, a intolerância sempre se refere a um carboidrato, enquanto a alergia envolve uma proteína. Por exemplo, a intolerância à lactose, que é a intolerância mais comum, ocorre quando o organismo carece de uma enzima que digere a lactose (lactase), que é o açúcar (carboidrato) do leite. Já alergias e hipersensibilidades são quando o indivíduo apresenta reações 29 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES alérgicas após o consumo de determinadas proteínas, como as proteínas do leite de vaca. A intolerância, por ser um distúrbio na digestão, resulta em sintomas gastrointestinais, como flatulência, diarreia ou constipação, fezes com sangue, náusea, vômito, azia e outros. Já a alergia, por afetar o sistema imunológico, pode causar coceira, formigamento nos lábios, inchaço, rubor, dermatite etc. Ambas as condições (intolerância e alergia) devem ser tratadas adequadamente, a fim de evitar agravos maiores. Neste sentido, o acompanhamento médico e nutricional é essencial. Intolerância à lactose A intolerância à lactose ocorre quando o organismo é deficiente da enzima lactase, responsável por digerir a lactose, que é o açúcar do leite. Estima-se que 70% da população apresente algum grau de intolerância à lactose. Isso porque a produção corporal de lactase atinge o seu auge na infância e depois diminui conforme o indivíduo vai envelhecendo. Assim, é comum que adultos e idosos apresentem esta condição. A intolerância se manifesta por meio de sintomas gástricos após a ingestão de leite e derivados. Dependendo do grau da intolerância, os sintomas podem ser mais leves ou intensos, porém, de um modo geral, incluem: cólica, flatulência, diarreia, náusea, vômito e mal-estar. Quando diagnosticada a intolerância à lactose, o indivíduo deve evitar consumir laticínios. Alguns indivíduos, especialmente os que apresentam uma intolerância leve, toleram pequenas quantidades de lactose diariamente, podendo consumir, principalmente, iogurte, leite fermentado e alguns tipos de queijo. Em vista da exclusão ou diminuição na ingestão de laticínios, quase sempre é preciso iniciar a suplementação com alguns micronutrientes, como cálcio e vitamina D. Vale salientar que o acompanhamento médico e nutricional é fundamental em casos de intolerância à lactose. Alergia à proteína do leite de vaca Dos casos de alergia alimentar, aproximadamente 90% estão vinculados ao leite de vaca e surgem na infância. Aalergia à proteína do 30 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES leite de vaca compreende reações imunológicas que ocorrem após o consumo do leite em indivíduos alérgicos. Os principais sintomas são: coceira, vermelhidão, ressecamento e descamação da pele, inchaço nos olhos e nos lábios, dor abdominal, diarreia ou constipação, fezes com sangue, cólica, tosse, coriza, obstrução nasal e chiado. Os sintomas podem aparecer imediatamente após o consumo (poucas horas após) ou de forma tardia (até três dias após). Quando os sintomas aparecem de forma tardia, o diagnóstico da alergia ao leite de vaca é bastante dificultado. Quanto ao tratamento, a principal conduta consiste na exclusão de laticínios da dieta, bem como de alimentos que os contenham. Em produtos industrializados, é importante verificar no rótulo se há informações como “contém leite”, “contém derivados do leite”, “pode conter leite”, “pode conter derivados do leite”. Em decorrência da retirada destes alimentos da dieta, a suplementação nutricional (principalmente com cálcio e vitamina D) é necessária na maioria dos casos, o que evidencia a importância do acompanhamento médico e nutricional. Outras alergias alimentares comuns Existem alguns alimentos que possuem um maior potencial alergênico, dentre eles destacam-se: o leite, o trigo, o centeio, a cevada, a aveia, o ovo, peixe e frutos do mar, castanhas e amendoim, temperos (como a canela) e aditivos alimentares (corantes e conservantes). Como trata-se de uma reação alérgica, os principais sintomas decorrentes do consumo destes alimentos para indivíduos que tenham a alergia são: coceira, dermatite, diarreia, cólica, falta de ar, tosse e “chiado” no peito. Vale salientar que indivíduos que não apresentam nenhum sintoma após o consumo destes alimentos não devem retirá-los da dieta. Estes alimentos devem ser evitados apenas para os indivíduos que tiveram a alergia diagnosticada. Além disso, um indivíduo pode ser sensível a um alimento alergênico, mas não a outro. Por exemplo: o indivíduo pode ter alergia ao leite, mas não apresentar nenhum tipo de reação ao consumir camarão. Independente da alergia alimentar que o indivíduo possua, o acompanhamento médico e nutricional é indispensável, especialmente em vista da 31 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES necessidade de suplementação nutricional na maioria dos casos. Doença celíaca Doença celíaca é o nome que se dá para a alergia ao glúten, que é uma proteína presente no trigo, na cevada e no centeio. Para indivíduos que têm esta doença, o consumo do glúten causa uma reação imunológica e uma inflamação intestinal. Em vista da inflamação, há diminuição na absorção de nutrientes, bem como redução da produção de enzimas pelo intestino. Neste contexto, é comum que pacientes com doença celíaca também apresentem intolerância à lactose, em razão da diminuição na produção intestinal de lactase (enzima que digere a lactose). Os principais sintomas decorrentes da doença celíaca são: diarreia, dor, inchaço, gases, má absorção de nutrientes, perda de peso, perda de apetite, dermatite, anemia (em razão da diminuição na absorção de ferro) e osteoporose (em razão da diminuição na absorção de cálcio e vitamina D). Esta doença não tem cura e o principal tratamento é a exclusão total do glúten da dieta. Além deste, estratégias para restaurar a saúde intestinal são de suma importância e a suplementação com alguns nutrientes é necessária na maioria dos casos. É indispensável que indivíduos com doença celíaca sejam acompanhados por uma equipe médica que contemple diversos profissionais, como alergista, gastroenterologista e nutricionista. Pessoas que não apresentam intolerâncias/alergias precisam excluir o alimento da dieta? Quando não há diagnóstico de intolerância e/ou alergia alimentar, e o indivíduo não se sente mal consumindo o alimento (por exemplo, leite e pão), não há necessidade de excluí-lo da dieta. Muitas pessoas deixam de consumir alimentos que contêm lactose e glúten porque acham que eles fazem mal à saúde, mas estes nutrientes só devem ser excluídos da dieta de intolerantes ou alérgicos a eles, e não da dieta de indivíduos saudáveis. De um modo geral, a exclusão ou inserção de nutrientes na dieta nunca deve ser realizada sem orientação e supervisão do nutricionista e/ou médico. 33 SISTEMA IMUNOLÓGICO, ALERGIAS E HIPERSENSIBILIDADES ALIMENTARES 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abbas, A.; Lichtman, A.H.; Pillai, S. Imunologia Celular e Molecular. 9ª Ed. Elsevier. 2019. Bonvini, A.; Coqueiro, A.Y.; Rogero, M.M. Sistema imunológico e imunomoduladores. Em: Rossi, L.; Poltronieri, F. Tratado de Nutrição e Dietoterapia. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2019. Guyton, A.C.; Hall, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2017. Kawaguchi T, Izumi N, Charlton MR, Sata M. Branched-chain amino acids as pharmacological nutrients in chronic liver disease. Hepatology. 2011; 54(3):1063-70. Kreymann KG, Berger MM, Deutz NEP et al. ESPEN Guidelines on Enteral Nutrition: Intensive care. Clinical Nutrition. 2006;25:210-223. McClave SA, Taylor BE, Martindale RG et al. 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