Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Conceitos e terminologia Cariologia – UFPE Larissa Albuquerque *A cárie é uma doença multifatorial, infecciosa, crônica, transmissível e dieta dependente que está relacionada com a microbiota oral, principalmente o Streptococcus mutans, que causa a desmineralização das estruturas dentárias. *Ela é transmissível, porém não é de forma direta, visto que depende de uma modulação já que a cárie é influenciada pela alimentação do indivíduo, resposta imunológica e higiene. O agente infeccioso pode ser transmissível, mas precisa de fatores favoráveis para estabelecer a doença. Teorias da etiologia da cárie dentária *Teorias endógenas: determina que a cárie seria causada por fatores internos aos hospedeiros. Essas teorias foram abandonadas visto que os dentes tratados endodonticamente também eram afetados pelas cáries. • Estase de fluidos nocivos: patologia humoral relacionada a uma disfunção interna que levaria ao acumulo de fluidos prejudiciais no interior dos dentes, provocando a lesão. • Inflamatória endógena: patologia humoral que causaria reação inflamatória e levaria à formação de ulceras na boca, gengivite e cárie. • Enzimática das fosfatases: seria um transtorno bioquímico que teria início na polpa e se manifestaria no esmalte e na dentina. A fosfatase da polpa estimularia a formação de ácido fosfórico que dissolveria os tecidos calcificados. • Inflamação no odontoblasto: transtornos metabólicos ativariam os odontoblastos, calcificando a dentina e destruindo o esmalte. *Teorias exógenas: determina que a cárie seria causada por fatores externos ao hospedeiro. • Teoria parasitária ou séptica: microrganismos filamentosos isolados de cárie cavitaria (Denticolae) causavam a decomposição do esmalte e da dentina, porém esse mecanismo não foi explicado. • Teoria quimioparasitária: Descobriu-se que a cárie é mediada por microrganismos e que produzia ácido orgânico que digere as proteínas, porém não se falava de desmineralização, apenas lise das proteínas. • Teoria proteolítica: os microrganismos atuam sobre a porção orgânica do esmalte, chegando até o limite amelodentinário. Essa destruição levaria à formação da cavidade de cárie. • Teoria proteolítica-quelante: os microrganismos atuam sobre a porção orgânica do dente, formando quelantes que levam à desmineralização da porção mineral. As perdas de matéria orgânica e inorgânica ocorreriam de forma simultânea. • Teoria acidogênica: é a teoria mais aceita atualmente. Ela afirmava que microrganismos atuando sobre carboidratos formariam ácidos que levariam à formação da cárie. Desenvolvimento do conceito da cárie *O conceito de cárie foi desenvolvido com base na interação dos fatores como dente suscetível, microrganismo e dieta, ilustrado pelo Diagrama de Keys (1969): *Já Newbrum acreditava que a cárie seria o resultado de um processo crônico, aparecendo após determinado tempo, e da interação dos outros três fatores. Dessa forma, ele incluiu o tempo como um fator etiológico. *Quando utilizaram estratégias de controle baseadas nesses fatores etiológicos, foi possível apenas reduzir a incidência da cárie e não a erradicar de fato. Percebeu-se, então, que os fatores etiológicos estariam incompletos. *A suscetibilidade mostrou-se como um fator relevante para a doença cárie. Considerando a suscetibilidade do indivíduo, pode ser determinada por fatores extrínsecos e intrínsecos. Os extrínsecos estão relacionados com a estrutura sociocultural do Cariologia Larissa Albuquerque indivíduo, já os intrínsecos seriam fatores como fluxo, composição e capacidade tampão da saliva, aspectos genéticos e imunológicos. Já considerando a suscetibilidade do dente, ela é determinada pelo grau de mineralização do esmalte, garantindo menor ou maior resistência à dissolução ácida, entretanto, não existe dente suficientemente resistente à cárie. *Outro fator importante a ser abordado é a presença de microrganismos na cavidade bucal, principalmente o streptococos mutans, mesmo que não seja o único responsável pela cárie e que a sua mera presença na saliva não seja fator determinante para a doença. Diante disso, o controle da cárie não deve visar apenas a presença de microrganismos na cavidade bucal, mesmo que seja um fator participativo na etiologia, já que não é determinante para sua ocorrência, visto que a simples alteração no processo fisiológico de desmineralização-remineralização (des- re) não causa diretamente a cárie. *A dieta é um fator imprescindível de ser discutido quando se fala em cárie. O fator cariogênico da dieta é determinado pela presença de carboidratos, principalmente a sacarose, pois serve de substrato para a síntese de polissacarídeos extracelulares pelos microrganismos, com papel relevante na formação da placa e produção de ácidos orgânicos que causam a desmineralização do esmalte e podem levar à cárie. *É necessário ressaltar também que o consumo eventual de alimentos cariogênicos não é determinante para a formação de lesão de cárie. Isso ocorre, pois a desmineralização após ingesta de dieta cariogênica é limitada, já que a saliva tem capacidade tampão. Porém, se a ingesta for frequente, ocorrerá um desequilíbrio crescente do processo de des-re, podendo ser determinante para a formação da lesão de cárie. *Diante disso, sabe-se que dente suscetível, microrganismo e dieta presentes na cavidade oral não são os determinantes dessa doença, já que a interação provoca a placa bacteriana e não a cárie. Dessa forma, Fejerskov sugeriu que a placa seria exclusivamente a responsável pela cárie, porém percebeu-se que a mesma também não seria um fator determinantes, já que a formação da placa bacteriana é um fenômeno fisiológico natural. *Para que a placa bacteriana tenha potencial cariogênico, é preciso que na dieta esteja incluído carboidratos fermentáveis com frequência, produzindo ácido por um período de tempo, levando à lesão de cárie. *Considerando o fator tempo, Newbrun afirmou que o mesmo seria apenas relevante caso haja a presença de placa bacteriana e dieta cariogênica frequente, de forma que o tempo necessário para o início da lesão será inversamente proporcional a essa frequência. Caso haja o controle mecânico periódico da placa, garantindo que a saliva promova o seu potencial remineralizador, o tempo será um fator relativo na etiologia da cárie. *Em relação ao processo de desmineralização, ela só deve ser considerada como cárie, caso seja irreversível, pois com a remoção mecânica da placa, dieta não cariogênica e ação tampão da saliva, é possível revertê-lo, sem prejuízo ao esmalte. *Contudo, se o controle periódico da placa for insuficiente e/ou a dieta cariogênica for mais frequente, podem surgir desmineralizações irreversíveis, em nível subclínico, ainda não sendo considerado cárie. Caso haja mudanças na dieta cariogênica e/ou melhor controle periódico, a lesão pode se estagnar e não ser diagnosticada como cárie. *Diante disso, caso o desequilíbrio des-re continue, a lesão subclínica pode progredir para nível clínico, com lesões de esmalte, caracterizando-se como cárie, inicialmente como mancha branca. Quanto maior for o desequilíbrio, a dieta cariogênica e/ou remoção de placa insuficiente, mais intensa será a lesão até provocar a cavitação do esmalte, sendo considerada uma lesão de cárie avançada. Cariologia Larissa Albuquerque Cárie *A cárie dentária é uma doença multifatorial na qual várias características genéticas, ambientais e comportamentais interagem. É causada pelo desequilíbrio no balanço entre o mineral do dente e o fluido do biofilme. Modelo mais aceito *O fator primordial biológico para formação da lesão de cárie é a presença do biofilme dental. As lesões de cárie só ocorremem áreas em que o biofilme está estagnado, com localização preferencial na margem gengival, superfícies proximais logo abaixo do ponto de contato e no sistema de fóssulas e fissuras das superfícies oclusais. Microeventos na superfície dentária *Os sinais da doença cárie podem ser distribuídos em uma escala que tem início com a perda mineral em nível ultraestrutural até a total destruição do dente, o que ocorre quando há o desequilíbrio entre o ganho e a perda da estrutura dentária com o tempo. *O biofilme é um fator causal para a cárie, mas precisa de outros fatores para promover a lesão, como o tipo de nutrientes determinada pela dieta que as bactérias do biofilme estão expostas, pois pode causar alterações no pH que determinam a formação da lesão. A: leve flutuações no pH, sem lesões clínicas visíveis. B e C: diferentes flutuações de pH, sendo a linha tracejada o ponto em que a perda mineral pode ser observada clinicamente como uma lesão de mancha branca. Biofilme *O biofilme é o ecossistema microbiano aderido às superfícies dentárias e é formado por bactérias que mantêm uma estabilidade dinâmica com a superfície do dente. *O desenvolvimento do biofilme tem início com a colonização primária de um substrato, seguida do crescimento, divisão celular e produção de exopolissacarídeos (EPS) com o desenolvimento de microcolônias, após isso, ocorre a co-adesão de células, formando um biofilme jovem e de múltiplas espécies e, por fim, há a maturação e formação de mosaicos clonais no biofilme maduro. Interações químicas entre o dente e os fluidos bucais *O esmalte é o tecido mais mineralizado do corpo humano e apresenta cerca de 95% de minerais, estruturados em cristais de hidroxiapatita. Na dentina e no cemento, esses cristais estão entremeados por uma rede de fibras de colágeno tipo 1, que modificam significativamente as suas propriedades e como eles resistem aos desafios para dissolução mineral que ocorrem na cavidade bucal. *Por ser o tecido que interage primeiro com a cavidade bucal após a erupção dentária, ele responde às alterações dos fluidos bucais que aumentam ou diminuem a solubilidade dos minerais, por meio de oscilações do pH. *A hidroxiapatita definida como o mineral da estrutura dentária (esmalte e dentina) não é pura, sendo mais apropriado chama-la de hidroxiapatita biológica, já Fatores etiológicos primários Hospedeiro Saliva: fluxo e tamponamento Dente: anatomia e posicionamento Imunidade Genética Microrganismos Streptococus mutans, Lactobacilos sp e Actinomyces sp Dieta Carboidratos (sacarose) Frequência de consumo Cariologia Larissa Albuquerque que possui substituintes químicos que alteram as suas propriedades em relação à pura. *Os dois substituintes mais frequentes e importantes são o carbonato, substituindo o fosfato ou hidroxila, tornando o local mais instável e solúvel, e o fluoreto, substituindo a hidroxila. *O dente decíduo tem mais carbonato que o permanente, gerando maior sensibilidade para progressão da lesão de cárie, o que explica a maior velocidade da progressão das lesões em crianças. *A dentina apenas entra em contato com a cavidade bucal quando há exposição radicular, quando o cemento é desgastado, e nas lesões de cárie cavitadas atingindo a dentina. A dentina tem maior solubilidade em comparação ao esmalte, pois os seus cristais são menores, são formados em uma matriz colágena e com maior quantidade de carbonato. Dessa forma, a queda do pH para 6,2 consegue solubilizar o mineral da dentina, enquanto isso só ocorre no esmalte no valor de 5,5. *A partir do momento em que ocorre a dissolução do mineral da dentina, há a exposição da rede de fibras colágenas, que é degradada por colagenases presentes no biofilme bacteriano ou por enzimas latentes na dentina, que são ativadas em condições de baixo pH pelas metaloproteinases. Dessa maneira, durante a formação da lesão de cárie em dentina, ocorre tanto a dissolução mineral quanto a degradação proteíca. Curva da queda de pH do biofilme após exposição a açúcar fermentável. O pH fica abaixo do crítico para a dissolução da dentina por mais que o dobro do tempo do que para a dissolução do esmalte. Saliva *É uma solução supersaturada que sempre tem função protetora dos tecidos minerais, então ocorre troca entre os minerais do dente com os da saliva, tendendo a repor os minerais perdidos pela estrutura dentária ou de manter o equilíbrio. O biofilme em jejum também é supersaturado em relação à hidroxiapatita, com tendência de repor os minerais perdidos ou de manter o equilíbrio com a estrutura dental. Entretanto, o biofilme após exposição a açúcar fermentável se torna subsaturado em relação à hidroxiapatita, recebendo minerais dissolvidos do dente. O pH salivar reduz apenas após o consumo de produtos ácidos quando há resíduos na cavidade bucal. Na primeira imagem tem a relação entre os minerais dentários e fluidos bucais em jejum e na segunda, a relação após exposição a carboidratos fermentáveis. *O pH é a principal alteração que ocorre na cavidade bucal e que perturba o equilíbrio entre o mineral e os fluidos bucais. A redução de uma unidade de pH representa um aumento de quase 10 vezes na quantidade de mineral dissolvido. O gráfico representa a solubilidade da hidroxiapatita em função do pH. Efeito do pH na solubilidade da hidroxiapatita. Quando há redução do pH, a concentração do fosfato totalmente dissociado (PO43-) se transforma nas formas menos dissociadas de fosfato. Essa subsaturação faz com que a hidroxiapatita se dissolva para manter o equilíbrio. Lesões de cárie e sua remineralização *Uma dieta rica em bebidas e alimentos ácidos, promovendo a fermentação ácida de açúcares no biofilme dental pode promover a solubilização da estrutura mineral, levando à lesão de cárie. *A lesão tem início na superfície do esmalte, com aspecto rugoso e opaco, sendo clinicamente visível como uma mancha branca (lesão de cárie não cavitada ativa). *Caso a desmineralização progrida, ocorre a quebra da camada superficial da lesão, com formação de uma cavidade (lesão de cárie com cavidade). *A lesão pode se limitar ao esmalte ou se estender para a dentina, tornando-a Cariologia Larissa Albuquerque amolecida, com aspecto úmido e coloração amarelada (lesão cavitada em dentina). Referências: • Cariologia: Conceitos básicos, diagnóstico e tratamento não restaurador. Série ABENO. Artes médicas. Maltz, 2016.
Compartilhar