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HISTÓRIA DA ARQUITETURA E URBANISMO III Neoclassicismo – causas e consequências Unidade 4 1. NOÇÕES PRELIMINARES: NEOCLASSICISMO Falar da arquitetura neoclássica pressupõe entendermos o contexto em que ela se desenvolveu e, também, suas peculiaridades. Além do conceito dado a este fazer arquitetônico e sua localização no tempo e espaço, assim como as motivações que a fizeram florescer, torna- se necessário entender o que foi o neoclassicismo de modo mais geral. O neoclassicismo ficou conhecido como um movimento cultural ocorrido, inicialmente, na Europa durante o século XVIII e início do XIX. O seu mote foi a defesa do modelo artístico greco-romano, ou seja, a retomada da arte antiga propriamente dita. Como os movimentos anteriores, o neoclassicismo também recusou os modelos anteriores, no caso o barroco e o rococó, que tiveram seu auge entre os séculos XVII e parte do XVIII. O movimento partiu da crítica contundente ao excesso da arte e arquitetura barrocas e os detalhes ornamentais e luxuosidade excêntrica, aos aspectos românticos, na envergadura da imaginação e virtuosismo centrado na individualidade do artista ou dos seus clientes, guardadas as devidas proporções, nos dois movimentos – barroco e rococó. Contrariamente a isso, os neoclássicos apostaram na retomada de um rigor, racionalidade e supremacia técnica, por meio de projetos que, de fato, dessem conta do desenho técnico – representação bem pensada e planejada da obra a ser executada do princípio ao fim. A partir da crítica aos movimentos artísticos e arquitetônicos mencionados e a valorização dos elementos da Antiguidade Clássica em novos projetos, que buscavam a beleza e racionalidade das artes gregas e romanas, juntou-se a defesa de se institucionalizar o ensino da arte, ou melhor, de cursos de formação em artes e arquitetura, com a comunicação de teorias e da praxe necessárias para a formação acadêmica do indivíduo que optasse pela área. Outro fato contribuiu para que se levantasse a bandeira da revisitação da arte clássica – a descoberta de duas cidades romanas soterradas por um vulcão – Herculano e Pompéia. A pesquisa arqueológica impulsionou o interesse pela arte e vida antigas, a arquitetura e a cultura dessas ruínas, soterradas por tanto tempo e ainda com partes intactas daquelas construções, fizeram muitos desejarem estudar a cultura desses povos e reproduzir seu heroísmo, assim como reconstituir seus padrões, que agora conseguiam as referências provenientes da pesquisa arqueológica. Importante ressaltar que essas cidades abrigavam classes abastadas do Império Romano e os vestígios arqueológicos se transformaram em um rico material de análise e modelo para a arquitetura neoclássica. Outro elemento que reforça esse momento de revisita neoclassicista foi o fato de a “domus” romana ter sido retomada como base para as obras arquitetônicas e urbanísticas do período academicista ou neoclássico da história da arquitetura e do urbanismo moderna. Com as escavações das cidades soterradas após a erupção do Vulcão Vesúvio, parte das edificações, painéis e murais de arte, assim como alguns objetos foram encontrados preservados, o que trouxe uma visão maior da vida daquelas cidades. Aumentou o grau de interesse em relação a arte, a arquitetura e o modo de vida antigos. Algo que já tinha um eco deixado pelo renascimento, amplificado pelo barroco e rococó, tornado um estilo imperial e burguês. Após essas descobertas, o interesse passou a ser ainda mais técnico e intelectual. 1.1 Um pouco da produção histórica da época No âmbito da produção histórica sobre essa retomada da arte dos gregos e romanos em plena Era Moderna, há alguns estudos e publicações importantes, com o do historiador da arte e arqueólogo Joachim Johann Winckelmann que, em sua obra “História da Arte Antiga”, introduz uma definição do ideal de beleza da arte antiga, caracterizando-a como uma simplicidade tranquila e nobre grandeza, e apresenta a importância da arte antiga como referência e pensamento racional. O trabalho de J. D. Le Roy de 1758 “Ruínas dos Mais Belos Monumentos da Grécia” e o “A Antigüidade de Atenas” dos ingleses James Stuart e Nicholas Revett, publicado em 1762, também reforçam o interesse pelos estudos e referências da antiguidade clássica e reitera o modelo, se não imitativo da arte, como influência incontestável para a época. Além da relevância que passaram a ter as pesquisas sobre as obras clássicas, é importante ressaltar que a pintura e a escultura iniciaram esse processo de retomada das referências da arte antiga. Inclusive, isto já havia acontecido anteriormente com o Renascimento. Na França, ao final do século XVIII, a obra de alguns arquitetos acabou seguindo os mesmos rumos da Revolução. Assim, mais do que reformista, essa obra acabou também sendo revolucionária. Entre esses arquitetos se encontravam John Soane, E. L. Boulée, C. N. Ledoux e J. N. Durand. (COLINS, 1998, p. 15). Segundo Emil Kaufmann, a produção desses arquitetos tinha formas artísticas “inteiramente novas” assim como novos ideais compositivos, cursando rumo ao “estabelecimento de uma nova ordenação nas partes constituintes”. (KAUFMANN, 1974, p. 249-250). A arquitetura revolucionária possui duas características principais: de romper velhos paradigmas e de que a exequibilidade deixa de ser condição imprescindível. No entanto, essa mudança começou bem antes, quando, em 1743, Jacques François Blondel abriu sua escola de arquitetura “na Rue de la Harpe”, vindo a se tornar mestre dessa nova geração, chamada de “geração visionária”. (FRAMPTON, 2006, p. 06). Para eles, a luz materializava a metáfora do iluminismo e dos projetos universalizantes que os inspiravam. Aluno de Blondel, Etienne-Louis Boulée (1728-1799), ingressou na Academia de Arquitetura francesa em 1759, passando a trabalhar para a nobreza parisiense e, após cinquenta anos de experiência, dedicou-se às edificações reais. Para Boulée, além de representar o caráter essencial do edifício, sua imagem deveria suscitar elementos isomorfos ao uso que estavam destinados. Preocupado com essas características, forma e luz eram dois elementos indispensáveis e indissolúveis. Para Frampton, Boulée chega a ficar obcecado com a capacidade mística da luz e, também, com a ideia de referência gigantesca. (FRAMPTON, 2006, p. 14). Assim, podemos concluir que, para Boulée, a distribuição de sólidos regulares, a iluminação, as dimensões monumentais e a ênfase no caráter do edifício eram os meios mais apropriados na concepção de arquitetura. Na obra Cenotáfio de Boulée, em honra de Newton, destacam-se as formas geométricas simples e a concentração de massas. O autor, buscava uma arquitetura que falasse por si própria, pois, para ele, a arte não deveria exigir intelecto nem erudição, mas, sim, uma democratização, ou seja, uma arte apreendida por meio da emoção. O Cenotáfio, o túmulo- monumento honorário idealizado por Boulée, possuía exatamente a forma de uma esfera. Discípulo de Boulée, Claude-Nicolas Ledoux, também foi aluno na escola de Blondel. Tem em 1804 sua publicação mais significativa, “A arquitetura considerada sob o aspecto da arte, dos costumes e da legislação” é uma série de cento e vinte e cinco pranchas com desenhos de seus edifícios construídos e também de seus projetos para uma cidade ideal (COLINS, 1998, p. 19), sendo que essa cidade ideal pode ser considerada uma das primeiras experiências da arquitetura industrial, “já que integrou conscientemente unidades produtivas e alojamentos operários” (SUMMERSON, 2006, p. 07). É de Ledoux o projeto do complexo das Salinas Reais de Arc-et-Senans. Tanto Boulée quanto Ledoux foram considerados visionários, no sentido de terem idealizado edifícios e/ou cidades ideais, audaciosas e inovadoras. Em suma, o ideário clássico foi retomado com muita força, contudo percebe-se nuances entre um e outro arquiteto-historiadorque havia uma busca de singulares e, também, de diferenciação, sobretudo quando o desejo ia além da mera imitação e o gosto pela liberdade criativa, dentro do limite possível. A França assumira um papel importante no período neoclássico e os artistas apresentaram ideais estéticos em suas obras, apoiados em temas como justiça, política, civismo, natureza e beleza. Os traços firmes, porém eloquentes, despojados de ornamentos, passaram a realçar outros detalhes, como contornos, equilíbrio e precisão de formas, outras cores e luminosidade; outros assuntos, outros olhares, voltados para um passado reavivado pela razão iluminista. Havia nisto uma recusa também estética da experiência aristocrática anterior e agora mais reavivada do que no Renascimento devido à Revolução Francesa e aos nobres esclarecidos e alta burguesia industrial, além de o impulso tecnológico e a necessidade de mudanças éticas e estéticas em uma sociedade e economia em franco e rápido desenvolvimento. Um modelo clássico com inovações materiais e técnicas, em projetos bem desenhados e construídos, que atendessem aos novos protestantes, caía muito bem. De todo modo, vale relembrar que o neoclassicismo e a arquitetura neoclássica foi um projeto da Europa Ocidental, que se estenderam para a Rússia, os EUA e a América Latina. 2. ARQUITETURA NEOCLÁSSICA Na arquitetura, o neoclassicismo ficou conhecido como o estilo que dominou boa parte do século XVIII até o início do século XIX. Do mesmo modo que nas outras artes, os projetos arquitetônicos neoclássicos retomam as formas greco-romanas, em oposição evidente ao barroco e ao rococó, ou ao que representasse o que se queria contrapor naquele momento histórico e político de revoluções das ideias, da política, das sociedades europeias. Ainda que o movimento cultural neoclássico tenha se iniciado na Europa e seja uma experiência ocidental do velho mundo, logo se espalhou para outros países, incluindo as Américas. Segundo o historiador Giulio Carlo Argan (1999), é possível afirmar que todas as nações e algumas de suas cidades tiveram uma fase neoclássica, ou seja, em várias regiões do mundo houve alguma reforma em que um planejamento racional neoclássico a orientou. Torna-se notório o quanto a arquitetura neoclássica influenciou a formação de um estilo burguês imperial, como veremos a seguir, destacando algumas edificações neoclássicas em alguns países, a partir dos projetos de renomados arquitetos e do papel de modelos tirados dos Tratados de Arquitetura, principalmente do paladiano. 2.1 Características da arquitetura neoclássica Aqui abordaremos os elementos principais e mais comuns encontrados na proposição neoclássica em projetos arquitetônicos. A partir dessas características, também se torna possível identificar as obras. Sendo assim, são elas: • A arquitetura no período denominado neoclássico apoiou-se no ideário racionalista do movimento iluminista pregado por grandes filósofos e economistas como, por exemplo, Rousseau, Voltaire, Adam Smith. Por intermédio de uma arte racional e naturalista, os pensadores da época idealizavam projetos sustentados por estudos científicos sobre o racionalismo greco-romano, já que era considerado um modelo de beleza, clareza e equilíbrio totalmente possíveis e necessários para a época. • A Ordem Arquitetônica entra em vigor e rigor com a retomada de elementos da arquitetura greco-romana em termos estruturais e estéticos: colunas frontões, arcos apoiados no modelo romano, balaústres. Daí o ressurgimento das três principais ordens de arquitetura da antiguidade, sendo elas: coríntia, jônica e dórica. • Uso de elementos geométricos e simétricos, plantas retangulares, linhas ortogonais e uso das novas tecnologias também marcaram a arquitetura neoclássica. • A abóbada de berço ou de aresta, cúpulas, frontões triangulares, já retomados pelos renascentistas, voltam a ser projetados e executados pelos arquitetos do neoclassicismo, não só em monumentos ou igrejas, mas até nos palácios ou casas de campo. • Ainda que os sistemas construtivos, incluindo o trilítico, permanecessem “simples”, os materiais eram nobres: pedras, granitos, mármores, madeiras (igualmente nobres), assim como o nível do detalhamento e o todo da obra na busca da perfeita simetria, uso da proporção e da perfeição estética como itens importantes do conceito da arte grega e romana, os quais foram retomados no neoclassicismo por conta do ideal de beleza e, inclusive, perpassavam por um olhar crítico e clínico do arquiteto, assim como do gosto e ideal estético do cliente. • Os volumes simples também chamavam a atenção por serem maciços e bem definidos. O uso dos tímpanos tornou-se bem característico desse estilo arquitetônico, detalhadamente compostos no interior e exterior dos edifícios, sobretudo os monumentais. • A pureza formal neoclássica reconduziu outros elementos artísticos como a pintura, a escultura, e as pinturas nos tetos (e afrescos), muito utilizados nos movimentos anteriores, incluindo o renascimento, foram se extinguindo dos novos projetos. • Não podemos falar em mera imitação ou reprodução de modelos, pois houve inovações no período neoclássico, seja na autoria de alguns artistas e arquitetos, seja no âmbito mais coletivo como planejamento urbano ou projetos urbanísticos com unidades individualizadas, fruto do crescimento das cidades e do novo pensar a cidade industrial- moderna. 2.2 Alguns arquitetos e seus projetos arquitetônicos neoclássicos Anteriormente, mencionamos as revoluções que assolaram e transformaram a Europa nos séculos XVIII e XIX, colocando em pauta questões sociais, políticas e culturais que, de alguma maneira, impactaram seus projetos e o próprio lugar/posicionamento do artista na sociedade moderna. Se a Revolução Francesa e as revoluções industriais mexeram profundamente com o modo econômico, a organização produtiva e a condição social, também gerou questões políticas e culturais específicas, e alteraram os rumos de até então. Houve, com essas revoluções, uma profunda ruptura das tradições em várias instâncias da vida moderna. E, no campo da arte e da arquitetura, portanto, não poderia ser diferente. Não só novos edifícios passaram a ser projetados, como o próprio pensamento sobre a cidade e a morada, em si, foram questionados e começava a se defender a racionalização dos projetos e dos espaços em geral. A cidade passou a ser pensada com mais racionalidade e cientificidade. Sobre o projeto urbanístico neoclássico falaremos mais adiante. As imagens selecionadas do Complexo Real de Salinas, em Arc-et-Senans, França, do arquiteto de Claude-Nicolas Ledoux, projetada por volta de 1773, trazem de forma mais ilustrativa a noção de funcionalidade da edificação almejada no século XVIII. O complexo foi concebido para a produção de sal, lembrando que, na época, o sal servia para conservar certos tipos de carnes ou peixes, entre outros alimentos, e havia impostos sobre o sal. Para o projeto, foi chamado Ledoux, o então Arquiteto do Rei, também da Academia Real de Arquitetura. Com todos esses títulos e como comissário das salinas de Lorraine e do Franco-Condado, após inspecionar as outras salinas e a logística para a produção e escoamento do sal, opinou sobre a construção salina real de Arc-et-Senans, cujo projeto lhe foi confiado pelo rei Luis XV, da França. Segundo Gombrich (1999), ao se referir os projetos arquitetônicos na Inglaterra, traz algumas particularidades a serem entendidas entre um país e outro, ou uma região e outra. Para além de modelos formais neoclássicos, haviam adaptações locais, que consideravam algumas variáveis, entre elas até as religiosas. Mas em termos estéticos, alguns toques e gostos foram sendo delineados nesse “retorno” palaciano. O temperamento geral do país opunha-se aos vôos de fantasia dos projetos barrocos e a uma arte que visava o desencadearirreprimível de emoções. Os parques e jardins no estilo de Versalhes, cujas sebes tosquiadas e aléias intermináveis tinham ampliado o projeto dos arquitetos muito além do próprio edifício, fazendo-o penetrar fundo nos campos circundantes, foram condenados como absurdos e artificiais. Um parque ou jardim deve refletir as belezas da natureza, deve ser uma coleção de belos cenários naturais, como os que seduziriam os olhos de um pintor. Foram homens como Kent que inventaram o "jardim paisagístico" inglês como arredores ideais para suas residências paladianas. Assim como tinham recorrido a autoridade de um arquiteto italiano para as regras da razão e do bom gosto na construção, também se voltaram para um pintor meridional que ditasse os padrões de beleza paisagística. (GOMBRICH, 1999, p. 321) Na Inglaterra protestante, a arquitetura barroca teve menos impacto, apesar de ter influenciado alguns nobres e burgueses, no entanto, observa-se uma arquitetura com elementos clássicos mais formais e sóbrios e uma arquitetura neo-renascentista mais forte. Os monumentos públicos, assim como as residências particulares, seguiam um estilo e os jardins passaram a ter paisagismos específicos, como se observa na Chiswick House e conforme reitera a passagem do trecho citado: Um parque ou jardim deve refletir as belezas da natureza, deve ser uma coleção de belos cenários naturais, como os que seduziriam os olhos de um pintor. Foram homens como Kent que inventaram o "jardim paisagístico" inglês como arredores ideais para suas residências paladianas. (GOMBRICH, 1999, p. 321) Outro monumento em estilo neoclássico, que foi projetado para ter uma função e passou a exercer outra, é o edifício que abriga o parlamento português. A Europa, mesmo tendo passado por duras e longas guerras, com cidades inteiras atingidas e monumentos destruídos, restaurou vários deles, principalmente os icônicos; ainda edificações mais recentes, em estilo neoclássicos e em outros novos estilos modernos, foram construídas ao longo do século XIX e muitas reformas urbanas viraram modelos para o mundo inteiro. Na América do Norte, mais especificamente nos EUA, o neoclassicismo ficou conhecido pelo estilo assumidamente georgiano, o que quer dizer que foi inspirado na arquitetura revivalista paladiana inglesa (apoiada na arquitetura palaciana ou das villas italianas do arquiteto Andréa Palladio), que também era chamada por alguns de neopaladiana. Contudo, segundo Gombrich (1999, p. 310), o “ideal setecentista inglês, entretanto, não era o palácio, mas a residência de campo.” O que podemos observar na casa de campo de Thomas Jefferson, em Monticello. A casa de Thomas Jefferson, em Monticello próxima de Charlottesville, na Virgínia, foi desenhada por ele mesmo, que acumulava, entre seus conhecimentos, o de arquiteto. A casa era equipada por inventos de Jefferson, entre eles portas automáticas e um capitólio que foi pensado para abrigar sua biblioteca particular. Os arquitetos dessas residências de campo rejeitaram usualmente as extravagâncias do estilo barroco. A ambição deles era não infringirem qualquer regra do que consideravam '"bom gosto" e, assim, preocupavam-se em respeitar o mais possível às leis reais ou supostas da arquitetura clássica. Os arquitetos da Renascença italiana que tinham estudado e medido as ruínas dos edifícios clássicos com meticulosidade científica haviam publicado seus subsídios em compêndios, a fim de dotarem os construtores e artífices com modelos. O mais famoso desses livros foi escrito por Andréa Palladio (p. 278). Sua obra, Os Quatro Livros de Arquitetura, passou a ser considerada a autoridade suprema em todas as regras de gosto em arquitetura, na Inglaterra do século XVIII. Construir um palacete "à maneira paladiana" era considerada a última palavra em moda. (GOMBRICH, 1999, p. 320) Assim como Jefferson, Benjamin Latrobe foi muito influente nos EUA quanto às construções neoclássicas. Latrobe projetou, entre outras obras, a penitenciária de Richmond. Ainda, no começo do século XIX, ficou encarregado de uma importante obra arquitetônica – a conclusão do Capitólio, em Washington. É claro que outros nomes figuram nos Compêndios da História da Arquitetura e Urbanismo, tanto nos EUA como em qualquer outra localidade do mundo, e nem só a experiência ocidental é única ou a melhor de todas as outras culturas. Trata-se de um recorte temporal e espacial – histórico, no sentido de termos uma noção da grandiosidade dos feitos e de quanto a pesquisa é necessária para o conhecimento humano e para a práxis profissional. 3. ARQUITETURA NEOCLÁSSICA NO BRASIL No Brasil, houve uma tímida influência do modelo neoclássico em novos projetos arquitetônicos. Vimos, ao contrário disso, desenvolver-se uma arquitetura colonial muito apoiada no estilo barroco com uma carga religiosa mais evidente. Alguns exemplos mostram que houve uma tentativa de inserção, como a obra da Casa França-Brasil e o Solar do arquiteto Grandejean de Montigny, entendidas como uma reação ao barroco nas primeiras décadas do século XIX e uma influência francesa. Entretanto, o que encontramos nos compêndios históricos, na verdade, é uma estilística multifacetada, tanto no Brasil, quanto em outros países que passaram por colonizações, de vários gêneros e graus. O barroco predominaria na Colônia, o neoclassicismo no Império e o ecletismo na Primeira República. Estes esquemas redutores sobrevivem nesta historiografia tradicional, apoiados numa metodologia que está fundamentada basicamente na “pinçagem” de alguns fatos históricos relevantes, tais como a chegada da Missão Francesa e a abertura da Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro, ou de alguns arquitetos destacados, como Grandjean de Montigny, em torno dos quais toda a narrativa histórica é construída. No entanto, suspendendo, mesmo que temporariamente, a questão das atribuições ou as preocupações meramente estilísticas, é possível observar na prática arquitetônica do século XIX um conjunto muito mais complexo, em que vários elementos estão imbricados: a persistência de formas e técnicas coloniais; a necessidade de novos programas e funções; a incorporação de materiais importados; a diversificação dos agentes; os novos processos de formação profissional de arquitetos e engenheiros; além da sincronicidade de várias linguagens formais – a recorrência aos estilos do passado (barroco e rococó) e a apreensão dos estilos então contemporâneos (o neoclassicismo e outros revivalismos, além do ecletismo e do art nouveau). (PEREIRA, 2005, p. 143- 144) Mas é preciso, também, apontar que foram feitas escolhas para que os tipos ou estilos de arquitetura fossem, de fato, projetados e executados. No Brasil, a arquitetura academicista foi influenciada pelas escolas militares de arquitetura e engenharia ainda do Seiscentos, como aponta Bueno (2002). Com a chegada e instalação da Família Real no país, a Real Academia de Artilharia Fortificação e Desenho do Rio de Janeiro (1792) passou a ser chamada de Academia Real Militar (1808), depois passou a ser Imperial (1822) até se tornar Escola Militar (1839) e por fim Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874), quando houve a separação entre o ensino da engenharia civil e militar. Ainda no século XIX outras escolas foram criadas e fortaleceram o ensino do campo no país: outras importantes escolas de engenharia são criadas no país: Escola de Minas de Ouro Preto (1876), Escola Politécnica de São Paulo (1893), Escola de Engenharia de Porto Alegre (1896), Escola Politécnica da Bahia (1897). A pesquisadora Maria Cristina W. de Carvalho aponta uma consequência da Revolução Industrial para a arquitetura brasileira e para a profissionalização da área, ao afirmar que responder com eficácia às novas exigências da esfera de responsabilidade do arquiteto e, principalmente, ao entendê-la como afeta ao campocientífico, estará respondendo à demanda dos novos tempos e de uma nova organização social”; isso faz com que as academias de arte percam espaço na sociedade, as discussões sobre classicismo e proporções cedem lugar aos estudos da tecnologia. (CARVALHO, 2000, p. 23-24) Vale ressaltar, contudo, que a chegada de artistas da Missão Francesa no Brasil (1816), além da aura de transformações já sentida com a corte no Rio de Janeiro e depois, com a criação da Academia Imperial de Belas Artes (1826), o país começava a sentir uma atmosfera artística e arquitetônica diversa. Nomes como Montigny, Debret, Ramos de Azevedo e outros fizeram história e construíram um legado arquitetônico, das artes e do ensino, se, não focados no neoclássico, críticos a ele. Construíram uma arquitetura historicista e eclética que deram frutos às críticas ainda mais contundentes dos modernos na construção de uma visão nacional e internacional da Arquitetura Brasileira. Outra página dessa História a ser contada. 4. PROJETO URBANÍSTICO NEOCLÁSSICO Certamente o século XVIII definiu ideias, deu forma às coisas (e aos edifícios), desenvolveu novas técnicas, manuseou outros materiais, revisou conceitos antigos e os alargou, reverberando no antes e no agora. Essas ideias associadas ao momento histórico das revoluções ocorridas nos séculos XVIII e XIX marcaram, definitivamente, os tempos modernos. O setecentismo na arquitetura foi, sem dúvida, constituído não somente por um ideário clássico antigo, mas na possibilidade de rever e refazer experiências de antes com a estetização de uma vida de agora. Ou seja, as invenções e reinvenções do século XVIII, pontuadas pela razão e busca de conhecimento, os avanços tecnológicos gerados pela Revolução Industrial, a transformação do campo e da cidade, proporcionaram mudanças em todos os âmbitos da vida social – coletiva e individualmente. As paisagens urbanas também passaram por transformações, assim como o campo. Sobre o conceito e ocupação territorial das cidades antigas, Nogueira (2008, p. 40-41) traz uma definição da cidade na era industrial que nos oferece uma visão geral e ampla da cidade que começa a se configurar como moderna e atual. O uso e a ocupação territoriais são alterados profundamente com a Revolução Industrial: pelo aumento populacional, devido à diminuição da mortalidade; aumento de bens e serviços produzidos pela agricultura, indústria e setor terciário; redistribuição dos habitantes no território, concentração de atividades ao redor da cidade e dentro da cidade pelo fluxo migratório; estes são alguns dos ingredientes de transformação do espaço urbano. Por exemplo, Manchester, que em 1760 tinha 12 mil habitantes, alcança 400 mil; Londres de um milhão vai para a casa de dois milhões de habitantes e se torna, naquela época, a cidade mais populosa. Esses aspectos iniciam os chamados paradigmas de transformação urbana, determinados pelo higienismo e embelezamento, modernismo, conservacionismo e desenvolvimentismo. As cidades continuavam desordenadas, com problemas de saneamento e o crescimento demográfico, assim como a ocupação sem planejamento institucional e de caráter de bem-estar social provocou muitos problemas de saúde e de condições inapropriadas de moradia e vida, principalmente em países com alta concentração de pobreza e ou de rápido crescimento socioeconômico. Isso fez com que os primeiros grandes projetos de reforma urbana levassem em conta o alargamento das ruas, as novas edificações, os centros comerciais, culturais e político-administrativos, os bairros operários e os bairros nobres, o saneamento, a área dos hospitais, a localização das escolas, a iluminação, a mobilidade e os meios de transporte, o escoamento das mercadorias, enfim, tudo o que faz uma cidade funcionar, bem ou mal. Nogueira (2008) nos traz, ainda, algumas imagens reforçadas pela literatura, que reforça o crescimento das cidades e os problemas existentes, na época. O elemento do meio físico de domínio da paisagem é o rio, na cidade anterior a Revolução Industrial exercia o papel de provedor de água para a população, transporte e escoamento das águas servidas, com a Revolução Industrial, além da intensificação dessas tarefas, passaram a ser esgoto a céu aberto, conforme as descrições de Dickens e Victor Hugo em seus romances. Também a paisagem urbana sofreu alterações, uma vez que o domínio do espaço de forma artificial começa a sobrepujar a dificuldade imposta pelo meio natural (substituição da torre das igrejas pelas chaminés das fábricas) e o grande adensamento populacional é um dos principais condicionantes de alteração do uso e utilização das cidades, trazendo junto de si, problemas habitacionais, sanitários, econômicos, sociais e políticos. (NOGUEIRA, 2008, p. 41) Alguns modelos já estavam dados, como as residências de campo para os mais abastados seguiam o formato da domus romana já revisitada pelos renascentistas, retomada também no neoclassicismo em estilo paladiano; os palácios já não tinham o mesmo efeito de antes e nem o mesmo luxo, mas ainda eram as casas dos ricos e nobres; as casas mais simples, com materiais de madeira ou outros tipos de construção menos rebuscados ficavam para os menos abastados e os novos edifícios urbanos começaram a ser construídos a todo vapor com as novas tecnologias e novos materiais, ainda mais com o ferro fundido e a preparação da massa de cimento. Esses materiais revolucionaram a maneira de conceber as novas habitações e transformaram também a estética do morar. A reforma urbana em Paris, em meados do século XIX, promovida por Georges-Eugène Haussmann, o então prefeito, desenvolvera um modelo de processo de urbanização que se tornara internacional. O século XIX ainda presenciou uma arquitetura menos academicista e historicista, que passou a mesclar elementos formais da arquitetura neoclássica a outros “neos”, criando o ecletismo nas artes e arquitetura, em que os artistas e os arquitetos passaram a atuar de modo mais livre e autoral, sem perder algumas métricas do modelo anterior. Os modernistas, sim, quebrarão muitos outros paradigmas. 1. NOÇÕES PRELIMINARES: NEOCLASSICISMO 1.1 Um pouco da produção histórica da época 2. ARQUITETURA NEOCLÁSSICA
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