Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Victória Nágila ICTERÍCIAS INTRODUÇÃO Conceito: coloração amarelo alaranjada observada nas mucosas conjuntival, sublingual e na pele, devido à elevação das concentrações séricas de bilirrubina. Clinicamente, é detectável quando a bilirrubina está entre 2,5 – 3 mg/dL. Ocorre em situações de agressão direta ao fígado, ou condições sistêmicas (IC direita descompensada, sepse, tireoideopatias). Pseudoicterícia proveniente do acúmulo de beta- caroteno (pigmento alaranjado encontrado em laranja, cenoura, mamão...) FISIOPATOLOGIA BILIRRUBINA Provém do grupamento heme, composto da ferroprotoporfirina-9 (prot. responsável pelo transporte de O2), resultado da degradação da hemoglobina. Todo o metabolismo da bilirrubina provém da degradação da FPP-9. Hb – composta pelos grupamentos heme + globina Produção diária: 4 mg/kg de massa corpórea Cerca de 70 – 90% vem da reciclagem das hemácias senescentes degradadas no baço e fígado. Outras fontes: mioglobina, CYP-450, catalase, peroxidase. METABOLISMO DA BILIRRUBINA Reprodução: @medemminutos Fase Pré-Hepática: No sistema retículo endotelial e na medula ocorre a degradação da FPP-9 pela heme-oxigenase, formando a biliverdina. A biliverdina é convertida em bilirrubina indireta pela ação da biliverdina-redutase. A BI (95% da bilirrubina plasmática) é a forma não conjugada (lipossolúvel) da bilirrubina. Por ser lipossolúvel, ela precisa de uma proteína transportadora para circular pelo organismo e chegar ao fígado; essa proteína é a albumina. Fase Hepática: Captação, Conjugação e Excreção A BI é captada no fígado por difusão e transporte facilitado. No hepatócito, a BI desacopla a albumina e sofre conjugação com o ác. glicurônico por ação da enz. UGT1 A1 para formar a BD (mono e diglicuronato de bilirrubina). A BD é a forma hidrossolúvel da bilirrubina consegue circular livremente pelo organismo. Fase Pós-Hepática: Nessa forma de BD, ela sai pelo polo biliar e vai para a via biliar Ducto Hepático Direito / Ducto Hepático Esquerdo Ducto Hepático Comum Ducto Cístico Ves. Biliar / Int. Delgado (ID) Amp. De Vater ** Fezes / Metabolização pela flora intestinal com formação do Urobilinogênio ** Por meio da ação bacteriana, a bilirrubina conjugada (BD) é transformada em urobilinogênio podendo seguir dois caminhos: Rins: sofre oxidação e é eliminada na urina como urobilina (maior parte dos urobilinogênios) É convertida em estercobilinogênio e sofre oxidação, sendo transformada em estercobilina, onde será eliminada pelas fezes. o A estercobilina é a substância que dá a coloração marrom das fezes. o Em caso de fezes claras (acolia fecal), pode ser que não esteja ocorrendo a formação de bilirrubina suficiente para produção de estercobilinogênio indicativo de colestase. 2 Victória Nágila o Coloração muito amarelada/em coca cola da urina (colúria) pode haver eliminação de bilirrubina (direta – hidrossolúvel) na urina (bilirrubinúria). Reprodução: @medemminutos DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DA BILIRRUBINA SUPERPRODUÇÃO (BI) Hemólise Eritropoiese ineficaz DIMINUIÇÃO DA CAPTAÇÃO (BI) Medicamentos Jejum prolongado Infecção Doença hepatocelular DIMINUIÇÃO DA CONJUGAÇÃO (BI) Síndrome de Gilbert Síndrome de Crigler-Najjar Deficiência adquirida de glicuronil-transferase Icterícia neonatal fisiológica ALTERAÇÃO DA EXCREÇÃO (BD) Síndrome de Dubin-Johnson* Síndrome de Rotor* Colestase intra-hepática recorrente Icterícia colestática da gravidez Doença hepatocelular Colestase induzida por medicamentos Infecção OBSTRUÇÃO BILIAR (BD) Estenose Tumor Calculose Corpo estranho HIPERBILIRUBINEMIA DIRETA Acúmulo da fração conjugada/hidrossolúvel Lesão dos hepatócitos Obstrução das vias biliares INDIRETA Aumento sérico da fração livre/lipossolúvel Hemólise Síndromes de Gilbert e Crigler-Najjar Reprodução: @medemminutos CONCENTRAÇÕES SÉRICAS NORMAIS MÍNIMO MÁXIMO BI (~70%) 0,2 mg/dL 0,8 mg/dL BD (~30%) 0 mg/dL 0,2 mg/dL TOTAL 0,3 mg/dL 1,0 mg/dL QUADRO CLÍNICO A confirmação do quadro ictérico se dá com análise de mucosas e escleras de coloração amarelada HISTÓRIA CLÍNICA Instalação: abrupta ou insidiosa. Episódio: primeiro ou recorrente. Infecção: quadros agudos – avaliar febre, dor abdominal, sintomas gripais. Sinais de alarme: prurido, perda de peso, colúria, anemia, ascite. Sinais de hipertensão portal: esplenomegalia, circulação colateral evidente, hematêmese (varizes de esôfago). Sinais de colestase: hipocolia/acolia fetal. 3 Victória Nágila Insuficiência hepática: telangiectasias, ginecomastia, asterixe, rebaixamento do nível de consciência e equimose. Drogas em uso: nos meses que antecederam a icterícia. (AINE, ATB, anti-hipertensivos, chás...) Manifestações extra-hepáticas: pioderma gangrenoso, poliartralgias, uveíte, dermatite herpetiforme, aftas orais, glossite. CLASSIFICAÇÃO QUANTO A TONALIDADE Verdínica: processos obstrutivos das vias biliares. Flavínica (amarelo pálido): anemias hemolíticas. Rubínica: soma da icterícia com um matiz vermelho da pele – hepatites virais. Marrom-alaranjada: elevação de BD por tempo prolongado – colestases crônicas. Pseudoicterícia: coloração alaranjada em decorrência de dieta rica em betacaroteno (cenoura e mamão) ou associada ao mixedema ou hipotireoidismo. Amarelo-palha: IRC. ACHADOS CHAVE NA ANAMNESE Hepatites virais: profissionais da saúde, tatuagens, drogas intravenosas, áreas endêmicas, Neoplasia periampular: queda do estado geral, perda ponderal, icterícia progressiva. Colangite por litíase ou estenose biliar: febre, calafrios, cólica biliar (tríade de Charcot) + hipotensão e alteração do nível de consciência. Icterícia hemolítica: ausência de colúria e hipocolia fecal. Colestase: prurido. ACHADOS CHAVE NO EXAME FÍSICO Anemia: hemólise, cirrose. Equimoses: déficit da síntese hepática. Petéquias: cirrose, hipertensão portal. Telangiectasias, eritema palmar, sinal de Muehrcke: cirrose. Xantomas e xantelasma: colestase crônica. Ascite: hipertensão portal, neoplasia intra-abdominal. Sopro arterial sobre o fígado: hepatite alcoólica, carcinoma hepatocelular. ASPECTOS LABORATORIAIS Concentração plasmática total no adulto: 1 – 1,5 mg/dL. Plasma, em condições fisiológicas, contém basicamente bilirrubina não conjugada e apenas traços da conjugada. BD > 15% BT + Bilirrubinúria patológico (Sepse...) Necessário solicitar sorologias para hepatites virais. Hepatograma (enzimas hepáticas) Transaminases (aminotransferases). ALT mais fidedigna. AST > ALT: pode ser hepatite alcoólica. Fosfatase alcalina (FA). Gama-GT (GT). Hepatograma (provas de função hepática) Bilirrubinas. Albumina. Tempo ativo de protrombina (TAP). Se alargado: Vit. K, 10mg, EV Dosagem de amônia ICTERÍCIA NÃO COLESTÁTICA Hiperbilirrubinemia indireta. Exceção: Síndrome de Dubin-Johnson e Síndrome de Rotor – cursam com HD (erros do metabolismo da bilirrubina) mas sem sinais de colestase, e sem alteração de bioquímica e função hepática. Grande aumento das transaminases. Anemia, aumento de reticulócitos, DHL (lactato desidrogenase – degradação celular/doença hemolítica) e diminuição de hepatoglobina. ICTERÍCIA COLESTÁTICA Hiperbilirrubinemia direta. Aumento de FA e GGT. Alteração da função hepática, cursando com lesão hepatocelular. Sintomas de colestase: colúria, acolia, prurido EXAMES DE IMAGEM USG Primeiro a ser solicitado. Evidencia sinais de dilatação de vias biliares, colestase extra-hepática. Avalia parênquima hepático, das vias biliares e litíase biliar. Desvantagem – É examinador-dependente TC C/ CONTRASTE Maior precisão para lesões hepáticas,vias biliares, pâncreas. Menos sensível para detectar colelitíase. 4 Victória Nágila COLANGIORNM Ressonância da via biliar Não invasivo, sem contraste (o contraste é a própria bile). Estenose do ducto biliar comum. Tumores pequenos no pâncreas (exame com melhor visualização do pâncreas) Colelitíase. CPRE (colangio pancreatografia retrógrada endoscópica) Vantagens: diagnóstica e terapêutica. Desvantagem: método invasivo. Retira cálculos, implanta próteses, investiga colestase. Visualiza diretamente árvore biliar de ductos pancreáticos. Superior à USG e TC. Complicações: sangramentos, perfuração, pancreatite. BIÓPSIA HEPÁTICA Usada em último caso – casos de dúvida diagnóstica e estadiamento de doenças hepáticas crônicas. Geralmente feito às cegas Pode ser guiada por imagens ou por via laparoscópica. CAUSAS PRÉ-HEPÁTICAS AUMENTO DA PRODUÇÃO DO HEME Hiperbilirrubinemia indireta resulta de um desbalanço entre a massa de bilirrubina produzida a partir do heme e seu ritmo de conjugação em nível hepático. Situações de estresse: eritropoiese (e, por conseguinte, a produção de bilirrubina indireta) pode aumentar em até 10x. ICTERÍCIA PRÉ-HEPÁTICA Antecede a entrada de BI no hepatócito. Causas: aumento da produção do heme, hemólise, reabsorção de grandes hematomas ou transfusões sanguíneas rápidas. CONDIÇÕES QUE PROPICIAM O AUMENTO Anemias megaloblásticas por deficiência de ácido fólico ou vit. B12, sideroblástica e ferropriva grave. Porfiria eritropoiética congênita. Envenenamento por chumbo. Doenças mieloproliferativas ou mielodisplásicas. DIMINUIÇÃO DA CAPTAÇÃO DE BILIRRUBINA PELO HEPATÓCITO Fígado pode ter sua capacidade de captar bilirrubina inibida pelo efeito competitivo de medicamentos como: Rifampicina. Ácido flavaspídico. Novobiocina. Contrastes colecistográfico CAUSAS INTRAHEPÁTICAS DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE DE CONJUGAÇÃO DA BILIRRUBINA Icterícia neonatal e do leite materno. Inibição parcial da UGT1A1 por medicamentos (pregnanediol, novobiocina, cloranfenicol, gentamicina, inibidores da protease do HIV, benzoato de estradiol, rifampicina). SÍNDROME DE GILBERT Hiperbilirrubinemia indireta. Mutação da UGT1 A1 – redução da sua atividade (↓conjugação). Quadro leve e persistente. Níveis de hiperbilirrubinemia reduzidos (elevam-se em situações de estresse). 3 a 5 mg/dL. Estresse: exercício intenso, jejum prolongado, ingestão de álcool etc. Não há alteração das demais provas hepáticas. Benigna, não requer tratamento. Pode-se administrar Fenobarbital. Diagnóstico de exclusão. SÍNDROME DE CRIGLER-NAJJAR Tipo 1: Hiperbilirrubinemia indireta grave. Deficiência completa da glicuronil-transferase. Surge no período neonatal. Alta hiperbilirrubinemia: 18 a 45 mg/dL. Não responsiva ao Fenobarbital. Tratamento: transplante hepático. Tipo 2: Hiperbilirrubinemia indireta mais branda: 6 a 25 mg/dL. Deficiência parcial da glicuronil-transferase. Responsiva ao Fenobarbital. DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE DE EXCREÇÃO DA BILE CONJUGADA Icterícia com predomínio de bilirrubina conjugada ou mista. Benignas, cursam sem alterações das provas de função hepática. Não requer tratamento específico. 5 Victória Nágila SÍNDROME DE DUBIN-JOHNSON Icterícia crônica idiopática. Defeito na fase da excreção (hepatócitos não conseguem excretar a bilirrubina). Hiperbilirrubinemia predominantemente direta (BI também se eleva). Hepatoesplenomegalia eventual discreta. ACOs acentuam ou produzem a icterícia. Fígado enegrecido, pigmentação centrolobular escura e espessa. Hiperbilirrubinemia: 2 a 5 mg/dL (pode chegar a 25 mg/dL) Não há necessidade de tratamento. SÍNDROME DE ROTOR Hiperbilirrubinemia predominantemente direta ou mista. Distúrbio do armazenamento da bilirrubina conjugada. Retorna ao sangue antes de ser excretada na bile. Aumento de 3 a 5x nos níveis urinários de coproporfirina. DOENÇAS HEPATOCELULARES Icterícia de padrão misto. Hepatopatias por vírus, álcool, medicamentos e autoimunidade podem causar icterícia. Alterações das aminotransferases, das enzimas canaliculares e das provas de função hepática. Há redução na capacidade de conjugação da bilirrubina indireta. ** COLESTASES (SÍNDROMES COLESTÁTICAS) ** Diminuição ou interrupção do fluxo biliar (tumor, metástase, cálculos...) Colestase: acúmulo de BD e outras substâncias da bile por defeito na drenagem biliar ou bloqueio na excreção de BD pelos hepatócitos (hepatites). Quadro clínico: icterícia, colúria, acolia fecal, prurido. Quadro grave: esteatorreia, deficiência de vit. K. Aspectos laboratoriais: ↑ FA e GGT. COLESTASE INTRA-HEPÁTICA Crises recorrentes ou progressivas. Condições que provocam: cirrose biliar primária, hepatites virais (principalmente hepatite A aguda), doenças infiltrativas do fígado. Medicações que provocam: acetaminofeno, penicilinas, ACOs, clorpromazina, es-trógenos e esteroides anabolizantes. Infecções parasitárias: Clonorchis sinensis e Fasciola hepática. CAUSAS PÓS-HEPÁTICAS COLESTASE EXTRA-HEPÁTICA Obstrução de alguma grande via biliar (principalmente colédoco). Principais causas de obstrução: cálculos, neoplasias, colangite esclerosante (leva a estenoses múltiplas no sistema biliar). REFERÊNCIAS: Tratado de Gastroenterologia, 2ª ED, 2016. @medemminutos – Paulo da Aldeia
Compartilhar