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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Psicodiagnóstico interventivo [livro eletrônico] : evolução de uma prática / Silvia Ancona- Lopes (org.). -- 1. ed. -- São Paulo : Cortez, 2014. 3,2 Mb ; e-PUB Vários autores. ISBN 978-85-249-2262-6 1. Psicodiagnóstico 2. Psicologia existencial 3. Psicologia fenomenológica 4. Psicoterapia I. Ancona-Lopez, Silvia. 14-09310 CDD-150.192 Índices para catálogo sistemático: 1. Psicodiagnóstico interventivo : Psicologia 150.192 PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO: evolução de uma prática Silvia Ancona-Lopez (Org.) Capa: de Sign Arte Visual Preparação de originais: Ana Paula Luccisano Revisão: Andréa Vidal Composição: Linea Editora Ltda. Coordenação editorial: Danilo A. Q. Morales Produção Digital: Hondana - http://www.hondana.com.br Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa dos autores e do editor. © 2013 by Silvia Ancona-Lopez Direitos para esta edição CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 – Perdizes 05014-001 – São Paulo – SP Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 E-mail: cortez@cortezeditora.com.br www.cortezeditora.com.br Publicado no Brasil - 2014 http://www.hondana.com.br mailto:cortez@cortezeditora.com.br http://www.cortezeditora.com.br I. II. III. IV. V. VI. VII. VIII. IX. Sumário Sobre os Autores Apresentação Marília Ancona-Lopez Psicodiagnóstico fenomenológico-existencial: focalizando os aspectos saudáveis Gohara Yvette Yehia Psicodiagnóstico Interventivo fenomenológico-existencial Marizilda Fleury Donatelli O psicodiagnóstico interventivo sob o enfoque da narrativa Giuliana Gnatos Lima Bilbao Movimentos transferenciais no psicodiagnóstico interventivo Giselle Guimarães e Mariana do Nascimento Arruda Fantini A compreensão da religiosidade do cliente no psicodiagnóstico interventivo fenomenológico- existencial Marizilda Fleury Donatelli Colagem: uma prática no psicodiagnóstico Ligia Corrêa Pinho Lopes, Maria Fernanda Mello Ferreira e Mary Dolores Ewerton Santiago Interlocuções entre a clínica psicológica e a escola no psicodiagnóstico interventivo Lucia Ghiringhello e Suzana Lange P. Borges Visita domiciliar: a dimensão psicológica do espaço habitado Ligia Corrêa Pinho Lopes A importância da interdisciplinaridade no psicodiagnóstico infantil: a colaboração entre a Psiquiatria e a Psicologia X. XI. XII. Flávio José Gosling e Rosana F. Tchirichian de Moura Metáfora e devolução: O livro de história no processo de psicodiagnóstico interventivo Elisabeth Becker, Marizilda Fleury Donatelli e Mary Dolores Ewerton Santiago A elaboração de relatos de atendimento em psicodiagnóstico interventivo: sua importância na formação do aluno-estagiário Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti, Lionela Ravera Sardelli, Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo e Regina Célia Ciriano Desafios no psicodiagnóstico infantil Rosana F. Tchirichian de Moura e Silvia Ancona-Lopez Sobre os Autores Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti — CRP 06/46577-2. Psicóloga Clínica; mestre em Saúde Mental pela FCM/DPMP/UNICAMP. Docente da Universidade Paulista (UNIP); supervisora de estágio na mesma instituição nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia, além de atuar como psicoterapeuta. Elisabeth Becker — CRP 12/12168. Psicóloga Clínica pela PUC-SP; doutora em Psicologia do Desenvolvimento — Psicologia (USP). Mestre em Psicologia Clínica (USP). Especialista em atendimento nas áreas de deficiência. Exercício docente e de Pesquisadora na USP, UNIP, UP Mackenzie. Flávio José Gosling — CRM 98215. Médico Psiquiatra, residência médica em Psiquiatria da Infância. Médico Psiquiatra Assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP). Médico Perito do Departamento de Saúde do Servidor da Prefeitura do Município de São Paulo. Médico Psiquiatra das Clínicas de Psicologia (CPA) da Universidade Paulista (UNIP). Professor do curso de Especialização em Sexualidade Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Giselle Guimarães — CRP 06/48676. Psicóloga graduada pelo IPUSP; especialista em Psicologia Infantil pela UNIFESP; mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP; supervisora de Psicodiagnóstico e Grupos e Comunidades (UNIP); supervisora clínica no ComTato — Instituto Fazendo História. Giuliana Gnatos Lima Bilbao — CRP 06/51428-1. Psicóloga pela PUC Campinas; mestre em Psicologia Clínica e doutora em Psicologia como Profissão e Ciência pela mesma Universidade. Professora universitária. Fez aprimoramento em Psicologia Clínica e especialização em Saúde Coletiva em Trieste-Itália. Publicou os livros Psicologia e arte (2004) e Os anjos de Zabine (2007) pela Editora Átomo e Alínea. É supervisora em psicodiagnóstico, psicoterapia e oficina de criatividade no Centro de Psicologia Aplicada da UNIP-Campinas. Gohara Yvette Yehia — CRP 06/411. Psicóloga pela Universidade de São Paulo (USP); mestre e doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Colaboradora do Laboratório de Práticas e Estudos em Fenomenologia Existencial (LEFE) da USP. Ligia Corrêa Pinho Lopes — CRP 06/35835-9. Psicóloga Clínica. Mestre em Psicologia Clínica pela PUC Campinas; doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) em Alphaville/SP. Professora universitária; supervisora de estágio nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. Lionela Ravera Sardelli — CRP 06/21686-5. Psicóloga Clínica; mestre em Saúde Mental pela FCM/DPMP/UNICAMP. Docente da Universidade Paulista Campinas e Limeira; supervisora de estágio pela mesma instituição nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia, além de atuar como psicoterapeuta. Lucia Ghiringhello — CRP 06/902. Psicóloga formada pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP); mestre e doutora em Psicologia Clínica pelo IPUSP; supervisora de estágio em Psicologia Clínica (Psicodiagnóstico) na Universidade Paulista (UNIP). Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo — CRP 06/45952. Psicóloga pela UNESP/Assis. Mestre em Psicologia Clínica; doutora em Saúde Mental; psicoterapeuta, docente e supervisora de estágio no curso de graduação em Psicologia. Coordenadora do curso de Psicologia da Unip Campinas. Membro da Comissão Gestora do CRP e da Comissão de Avaliação de Título de Especialista (2008- 2013). Maria Fernanda Mello Ferreira — CRP 06/327029. Psicóloga Clínica. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Coordenadora do Centro de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) da Cantareira e da Vergueiro em São Paulo. Professora universitária; supervisora de estágio nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Oficina de Criatividade. Mariana do Nascimento Arruda Fantini — CRP 06/508735. Psicóloga Clínica graduada pela PUC- SP. Especialista em Psicoterapia Psicanalítica — IPUSP; mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP; supervisora de Psicodiagnóstico e Psicoterapia Psicanalítica (UNIP). Marizilda Fleury Donatelli — CRP 06/14481. Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Professora universitária; supervisora de estágio na Universidade Paulista (UNIP) nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. Atua em consultório no atendimento a crianças, adolescentes e adultos. Mary Dolores Ewerton Santiago — CRP 06/00345-8. Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Professora universitária; supervisora de estágio na Universidade Paulista (UNIP) nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. Atua em consultório particular no atendimento a adolescentes e adultos. Coautora do livro Psicodiagnóstico processo de intervenção, Cortez, 1993. Regina Célia Ciriano — CRP 06/01357-4. Psicóloga pela PUC Campinas. Especialização e Especialização avançada em Saúde Mental Infantil pela UNICAMP. Mestre e doutora em Saúde Mental pela FCM/DPMP/ UNICAMP. Docenteda Universidade Paulista (UNIP) nas cidades de Campinas e de Limeira. Supervisora de estágio pela mesma instituição nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia de base Psicanalítica. Atuação como psicoterapeuta em consultório. Rosana F. Tchirichian de Moura — CRP 06/26620. Psicóloga Clínica; mestre em Educação e supervisora de estágio de Psicodiagnóstico e Psicoterapia na Universidade Paulista (UNIP). Silvia Ancona-Lopez — CRP 06/2862. Mestre e doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Coordenadora dos Centros de Psicologia Aplicada (CPA) da Universidade Paulista (UNIP) em Campinas e na Chácara Santo Antonio/SP. Professora universitária; supervisora de estágio nas áreas de Psicodiagnóstico Interventivo e Psicoterapia. Membro do Comitê de Ética (CEP) da UNIP. Coautora do Livro Psicodiagnóstico processo de intervenção, Cortez, 1993. Suzana Lange P. Borges — CRP 06/266033. Psicóloga Clínica; mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos. Especialista em Psicoterapia Infantil e Psicoterapia de Grupo (Instituto Sedes Sapiente). Super-visora de estágio da Universidade Paulista (UNIP) de Psicodiagnóstico e Psicoterapia. Agradecemos aos nossos clientes que compartilharam conosco suas histórias de vida e seus sofrimentos e aos alunos, que com seus questionamentos, levam à revisão e à evolução da prática do psicodiagnóstico interventivo. Nossos agradecimentos a dra. Lilia Ancona-Lopez, pela inestimável colaboração na organização deste livro. Apresentação O psicodiagnóstico interventivo desenvolveu-se a partir da constatação de que teoria e prática nem sempre andam juntas. Apesar de essa constatação ser bastante óbvia, ela adquire tons dramáticos quando se apresenta na situação concreta do atendimento psicológico. Diante do paciente, o psicólogo pode agir, falar ou calar-se, mas, mesmo no silêncio, algo nele fala: o desejo de compreender, a atenção focada ou flutuante. Por vias racionais, intuitivas, sensíveis, emocionais, o psicólogo busca apreender, entender, conhecer, compreender o outro que está diante de si. E, nesse processo, cliente e psicólogo conhecem cada vez mais a si mesmos. A lacuna que se faz presente na concretude da clínica, quando os conceitos se mostram estreitos e as técnicas insuficientes, coloca o psicólogo diante das limitações do conhecimento e dos recursos de uma profissão que se baseia em um saber ainda pouco desenvolvido. Paradoxalmente, o psicodiagnóstico interventivo desenvolveu-se, também, a partir da constatação de um excesso. O universo Psi é eivado de conceitos, métodos, procedimentos e técnicas. Diferentes visões de homem e de mundo compõem paradigmas diversos. Deles decorrem propostas teóricas que se apresentam como campo propício para a proliferação de produções que se agrupam, buscando construir corpos consistentes e coerentes, que mereçam o estatuto de cientificidade e deem conta das demandas da prática. A existência de pelo menos três grandes eixos paradigmáticos — o behaviorismo, as psicanálises e a fenomenologia existencial — e o início de um quarto eixo transpessoal originam inúmeras correntes. As psicologias comportamentais, cognitivas, lacanianas, winniccotianas, gestálticas, humanistas, fenomenológicas, existenciais, psicodramáticas, transpessoais e da psicossíntese, entre muitas outras, evidenciam o que chamei de excesso. No que diz respeito ao psicodiagnóstico, cada corrente aborda e valoriza de forma singular o processo psicodiagnóstico e utiliza estratégias, procedimentos e técnicas diferentes ao realizá-lo. A palavra drama tem muitos significados. Na vida cotidiana, um conjunto de acontecimentos complicados, difíceis ou tumultuosos, que causem dano, sofrimento e dor, pode ser um drama. Para outros, é uma representação com episódios que contêm elementos trágicos, paixões, situações exacerbadas, doces, suaves e até mesmo cômicas. Foi uma situação dramática, com episódios inesperados, complicados, difíceis, tumultuosos, e simultaneamente agradáveis e cômicos, que vivi décadas atrás. Na ocasião, dirigia a clínica psicológica de uma instituição de ensino superior e me sentia responsável pela prestação de serviço às pessoas que procuravam atendimento gratuito. Tinha consciência, também, da expectativa das escolas e dos setores da saúde que as encaminhavam, confiantes em nosso trabalho institucional. Além disso, sentia-me pressionada pela necessidade de oferecer uma formação de qualidade aos futuros psicólogos, preparando-os para os atendimentos psicológicos, razão de ser da clínica-escola. Naquela cena, na qual psicólogos, professores, clientes, alunos e gestores aliavam-se ou afastavam-se uns dos outros, criando diferentes agrupamentos humanos conforme as posições que assumiam diante das inúmeras alianças, competições, disputas e negociações que ocorriam em cenários pessoais, profissionais, institucionais e sociais, dispus-me a pensar em soluções para um fato que me atingia particularmente: crianças chegavam à clínica levadas por seus pais, a mando de professores ou de outros profissionais, e após um longo tempo na “lista de espera” eram chamadas para atendimento. O tempo de espera estendia-se muitas vezes por mais de seis meses e, como consequência, boa parte dos inscritos não respondia ao chamado da clínica. No caso das crianças, os pais ou responsáveis que compareciam eram atendidos em uma breve entrevista de triagem, na qual apresentavam suas queixas pontuais e muitas vezes descontextualizadas. As crianças eram inscritas para o psicodiagnóstico e iniciavam a sua “carreira de paciente”, sem considerações a respeito do contexto social geral e particular no qual os sintomas tinham sido gerados. No início do processo psicodiagnóstico, solicitava-se aos responsáveis pelas crianças que expusessem as razões da sua vinda à clínica e levantava-se a história dessas crianças por meio de uma anamnese. Em seguida, aplicava-se uma bateria de testes e, com os dados obtidos, formulava-se uma hipótese diagnóstica com base em modelos sugeridos pelas teorias de desenvolvimento e da personalidade, ou por modelos oriundos das áreas da Educação e da Medicina, como os da Psicopatologia. Na elaboração de uma conclusão diagnóstica, cabia ao psicólogo desenvolver um raciocínio que integrasse de forma coerente os dados oriundos de diferentes testes — originados em paradigmas diversos — as informações trazidas pelos responsáveis pela criança — obtidas em uma ou no máximo em duas entrevistas iniciais —, as informações da escola e de outros profissionais e as observações realizadas dire-tamente com a criança. Era preciso, ainda, elaborar um relatório final em linguagem psicológica. O relatório psicodiagnóstico orientava a entrevista final a ser desenvolvida com os responsáveis pela criança e pelo seu encaminhamento. O processo todo resultava, na maioria das vezes, em indicação para psicoterapia. Gerava-se uma nova lista de espera que, aliada ao fato de que nem as crianças, nem os pais entendiam a razão desse encaminhamento, o que ele significava e o que podiam esperar dele, além de não terem observado mudanças nas crianças durante o processo diagnóstico, ocasionava uma nova leva de desistências. Iniciado o atendimento psicoterápico, os responsáveis esperavam que a criança “melhorasse”, ou seja, que os sintomas e as dificuldades apresentadas desaparecessem rapidamente. Essa era, na maior parte das vezes, também a esperança dos professores. Como a remoção de sintomas não é o objetivo da maior parte das psicoterapias, embora possa ser um de seus efeitos, poucas crianças chegavam ao final do atendimento. De fato, a primeira pesquisa que fiz sobre o assunto a fim de comprovar o que observava, realizada em 1986 e publicada no livro Psicologia e instituição, organizado por Rosa Mace-do (São Paulo: Cortez), mostrou que apenas 4,6% dos clientes que haviam buscado as quatro clínicas-escola de instituições de ensino analisadas em São Paulo tinham “alta”, ou seja, encerravam o atendimento em comum acordo com o psicólogo, com o profissional concluindo queo atendimento tinha atingido o seu fim e o cliente considerando que poderia continuar a sua vida de forma positiva, com os próprios recursos. Estudos posteriores sobre a avaliação do atendimento se sucederam em diversas partes do país, e um Grupo de Trabalho da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (Anpepp) trabalhou nesse assunto por muitos anos, mas as diferentes pesquisas não mostraram grande avanço na situação descrita. Para os psicoterapeutas, o relatório do psicodiagnóstico não parecia ser de grande utilidade. Mais do que transmitir um conhecimento sobre a criança, ele aparecia como uma garantia de que as condições necessárias para o desenvolvimento da psicoterapia estavam preservadas e de que havia sido verificada a necessidade de atendimentos paralelos, fossem eles neurológicos, psiquiátricos, fonoaudiológicos ou outros. A função do relatório psicodiagnóstico reduzia-se à de uma triagem confiável. Quanto às questões da dinâmica psíquica, os psicoterapeutas preferiam não se ater aos detalhes dos relatórios oriundos do processo psicodiagnóstico, mas desenvolver uma compreensão própria no decorrer do atendimento. A relação custo-benefício do processo psicodiagnóstico parecia-me fora de equilíbrio. Para as famílias de baixa renda havia um custo financeiro, resultante da falta ao trabalho no dia do atendimento para poder acompanhar as crianças à clínica, acrescida das despesas com a condução. Havia também o custo psicológico decorrente do desconhecimento do tipo de atendimento para o qual levavam as crianças, do fato de elas serem consideradas portadoras de alguma patologia psicológica e da não consideração das condições cotidianas tanto da vida familiar e escolar quanto de todo o contexto econômico, político e social em que viviam. Os estagiários viviam a tensão e a insegurança típicas dos primeiros atendimentos, preocupavam-se com a avaliação do seu trabalho e, no caso do psicodiagnóstico, defrontavam-se com as vicissitudes de serem orientados a se manterem neutros e objetivos na aplicação e na avaliação de testes cujos resultados não eram questionados e nem sempre coincidiam com o que observavam nas crianças. Os supervisores, por sua vez, aliavam a preocupação com o ensino à responsabilidade pelo resultado dos atendimentos. A confiança na competência profissional dos professores supervisores, na seriedade do seu trabalho e no cuidado que dispendiam aos alunos e às supervisões eram a garantia institucional de que não haveria danos nem aos estagiários nem aos clientes. Os alunos realizavam seus primeiros atendimentos e começavam a desenvolver uma atitude clínica e uma identidade profissional. Os supervisores desempenhavam a contento a sua função. No entanto, uma questão silenciosa, subjacente ao andamento da clínica, colocava em dúvida o serviço oferecido, aparentemente frutuoso. O benefício para os clientes era mínimo. Uma pequena porcentagem das crianças chegava ao fim do processo psicodiagnóstico, uma porcentagem menor ainda iniciava a psicoterapia, e a grande parte dos clientes abandonava o atendimento por iniciativa própria, sem justificativa. Como responsável por todo o serviço oferecido pela clínica-escola, sentia-me inquieta. A divulgação da pesquisa que teve como objetivo avaliar os resultados dos atendimentos psicológicos oferecidos por quatro clínicas-escola causou algum impacto no meio acadêmico e levou-me a organizar o primeiro encontro de clínicas-escola para discutir o assunto. Esse encontro se repetiu, sediado cada vez por uma instituição diferente, e hoje se encontra na sua vigésima versão. O efeito da divulgação dos resultados obtidos nos atendimentos oferecidos nas clínicas-escola na ocasião, no entanto, foi maior na clínica que estava sob minha responsabilidade. Consequentemente, grande parte dos supervisores que atuava nessa clínica envolveu-se no assunto e dedicou-se, comigo, a enfrentar o desafio de encontrar formas de atendimento que se voltassem ao bem dos clientes, evitar as listas de espera, eliminar o uso de técnicas desnecessárias, estabelecer uma relação de escuta e de respeito às histórias e aos significados atribuídos pelos clientes às suas experiências, expor os objetivos e o modo de trabalho dos profissionais de Psicologia e compartilhar o conhecimento adquirido sobre as crianças em linguagem acessível e atenta às possibilidades de absorção e compreensão, além de construir com os clientes novos significados e novas condutas. Analisada a situação na perspectiva de uma das finalidades da clínica-escola — a de preparar os alunos do curso de graduação em Psicologia para o atendimento clínico —, considerou-se que a postura proposta corrigia uma situação perversa: utilizar os clientes para o aprendizado dos alunos. Considerou-se, também, que o reverso dessa situação, ou seja, ensinar os alunos a atender às necessidades dos clientes utilizando os conhecimentos adquiridos durante o curso, acrescentados aos conhecimentos disponibilizados pelo supervisor e pela discussão dos casos, era a postura ética necessária e imprescindível para qualquer atividade voltada à formação do psicólogo. Em uma redistribuição dos recursos administrativos disponibilizados pela instituição para a clínica- escola, em forma de horas de trabalho docente, estabeleci reuniões de estudo e discussão semanais. Nessas reuniões formalizamos, em um primeiro momento, as observações realizadas sobre o estatuto atual dos atendimentos, estudando os resultados do levantamento realizado. Em seguida, procuramos conhecer o que era feito a esse respeito em outros países, em instituições que ofereciam atendimento a populações de baixa renda, à semelhança das clínicas-escola, e convidamos profissionais para palestras e workshops. Outra situação que se mostrou extremamente favorável ao desenvolvimento de nosso trabalho foi o fato de vários supervisores estarem inscritos em programas de mestrado e doutorado. Isto possibilitou que, à semelhança do levantamento inicial sobre os atendimentos em clínica-escola, temas relacionados ao objetivo de melhoria do atendimento e da preparação de alunos fossem escolhidos para o desenvolvimento de dissertações e teses em Psicologia Clínica. Nessa esteira, a psicóloga Yara Monachesi formalizou uma pesquisa sobre o problema do uso de testes originados em diferentes paradigmas teóricos no processo psicodiagnóstico e sobre o uso dos relatórios psicológicos pelos psicoterapeutas; Silvia Ancona-Lopez Larrabure dedicou-se a uma proposta de trabalho em grupos de espera; Oara Varca Moreira da Silva propôs um grupo estruturado de vivência para pais; e Gohara Yvette Yehia apresentou uma técnica alternativa de supervisão de estágio para a formação de psicólogos. Todas essas dissertações foram realizadas no Programa de Estudos Pós- graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Iniciou-se a implantação dos novos atendimentos a par dos estudos, das discussões e do desenvolvimento de pesquisas: Grupos de Espera, Grupos de Triagem, Grupos de Orientação para Pais e Grupos de Psicodiagnóstico Interventivo. O início dos atendimentos em modelos diferentes daqueles já reconhecidos e difundidos pela área exigiu novas reorganizações administrativas, reformulações na equipe e o desenvolvimento de uma relação mais ativa e colaborativa entre alunos e supervisores. Esse trabalho não se deu sem tensões na instituição, no relacionamento intraequipe e no relacionamento com os alunos, mas os atendimentos traziam resultados evidentes: os clientes participavam ativamente, reformulavam significados e comportamentos, compreendiam de forma nova os relacionamentos familiares e os sintomas de seus filhos e ativavam seus recursos para lidar de forma positiva com a situação encontrada. Além disso, compreendiam melhor e valorizavam o trabalho dos psicólogos. Simultaneamente, tratou-se de transpor para uma linguagem teórica as estratégias desenvolvidas. Novas discussões, desta vez ocasionadas por diferentes preferências teóricas, tiveramlugar. Por fim, escolheu-se a linguagem da fenomenologia para sua apresentação, e novas dissertações e teses foram realizadas no Programa de Estudos Pós-graduados de Psicologia Clínica da PUC-SP. Apresentei uma tese sobre o atendimento a pais no processo psicodiagnóstico infantil em uma abordagem fenomenológica, Gohara Yvette Yehia versou sua tese sobre os efeitos do psicodiagnóstico analisados em entrevistas de follow-up, e Christina Menna Barreto Cupertino desenvolveu uma análise de desencontros no processo. Várias publicações se sucederam, entre elas a de Mary Ewerton Santiago e Sonia Jubelini, sobre uma modalidade alternativa do psicodiagnóstico em instituição, a de Sonia Jubelini, sobre o psicodiagnóstico grupal, e um artigo de Silvia Ancona-Lopez Larrabure, Yu Me Yut e Teixeira, sobre a vivência de exercícios de psicomotricidade em grupos de mães. Uma pesquisa sobre crianças no psicodiagnóstico grupal foi desenvolvida por Maria Luiza Munhoz. As reflexões sobre o psicodiagnóstico interventivo foram apresentadas no livro organizado por mim, intitulado Psicodiagnóstico: processo de intervenção (São Paulo: Cortez, 1995). De fato, o livro tornou-se referência para esse tipo de trabalho, que ultrapassou o espaço da equipe e das clínicas em que o psicodiagnóstico interventivo se originou. Nele discute-se a prática do psicodiagnóstico, sua possibilidade como processo interventivo, reformulações exigidas para sua utilização, a posição da criança e dos pais no processo, o envolvimento da equipe e as transformações necessárias para sua implantação. O fato é que o psicodiagnóstico interventivo firmou-se como estratégia de atendimento e passou a ser utilizado em diferentes dispositivos de atendimento clínico no país. O livro foi adotado, também, por inúmeras instituições de ensino e teve mais de 25 edições, o que levou a editora a solicitar uma nova publicação sobre o mesmo assunto. Por muitos anos, e ainda hoje, sou convidada a orientar, expor e falar desse trabalho, apesar de minha vida profissional ter seguido outra direção, levando-me a novas implantações e transformações tanto na área da Psicologia quanto na área da educação superior. O atendimento em psicodiagnóstico interventivo, no entanto, continuou a ser feito tanto por colegas da equipe inicial quanto por outros profissionais que se agregaram ao trabalho, e o processo foi se aperfeiçoando. O livro que ora apresento mostra os avanços ocorridos e expõe como o psicodiagnóstico interventivo é realizado hoje. Os autores Elisabeth Becker, Cicera Andréa Oliveira Brito Patutti, Flávio J. Gosling, Giselle Guimarães, Giuliana Gnatos Lima Bilbao, Gohara Yvette Yehia, Ligia Corrêa Pinho Lopes, Lionela Ravera Sardelli, Lucia Ghiringhello, Maria Fernanda Mello Ferreira, Maria da Piedade Romeiro de Araujo Melo, Mariana do Nascimento Arruda Fantini, Marizilda Fleury Donatelli, Mary Dolores Ewerton Santiago, Regina Célia Ciriano, Rosana Tchirichian de Moura, Silvia Ancona-Lopez e Suzana Lange P. Borges são psicólogos clínicos e atuam em instituições de ensino. Em seus textos apresentam os pressupostos do psicodiagnóstico, seus procedimentos, colaborações com outras disciplinas, dilemas e desafios, além de estratégias como a colagem, a visita domiciliar, a visita escolar, o uso de metáforas para a entrevista de devolução e a importância da elaboração dos relatos dos atendimentos na formação dos estagiários de Psicologia. Falam de aspectos saudáveis e adentram em temas até hoje pouco explorados na área da Psicologia, como o da atenção à religiosidade dos clientes e de suas famílias. Enfim, mostram como hoje o psicodiagnóstico interventivo, desenvolvido de forma colaborativa com as crianças e com os seus pais, tornou-se uma possibilidade concreta para uma atuação clínica efetiva e ética. Ao avançar significativamente no desenvolvimento do processo do psicodiagnóstico interventivo, os autores apontam para um modo de levar adiante a profissão: desenvolver um trabalho que integre teoria e prática, analise os procedimentos psicológicos e seus fundamentos, ouse ir além dos padrões já estabelecidos, experimente dentro dos limites éticos e tenha por guia uma reflexão ampla e multidisciplinar que considere o contexto e os efeitos pessoais, institucionais e sociais. São Paulo, 13 de abril de 2013. Marília Ancona-Lopez Capítulo I Psicodiagnóstico fenomenológico-existencial: focalizando os aspectos saudáveis Gohara Yvette Yehia Um pouco de história Saúde e doença vêm sendo compreendidas de formas diferentes ao longo do tempo, sendo que as mudanças no modo de entendê-las acompanham a evolução da ciência e da sociedade. Assim é que, na Idade Média, a relação do homem com o mundo era marcada pela vida coletiva, assentada nas tradições e na crença de entidades poderosas que exigiam submissão, pois eram donas do destino. Já no Renascimento, com as descobertas e a ampliação do comércio, a multiplicidade de possibilidades traz consigo a sensação de desamparo e incertezas quanto ao destino. Nasce a necessidade de controle diante do mundo do qual o homem se afastou e que passou a ser sentido como inóspito. Nota-se, então, um progressivo movimento de introspecção via racionalidade. No período chamado de Moderno, o homem criou um método — construção de sistemas lógicos e coerentes que permitam explicar os fenômenos do universo e de si mesmo, com a consequente exclusão daquilo que não é contemplado pela razão. Hoje, sabemos que saúde e doença não podem ser vistas de forma dicotômica, e sim como parte de um único processo no qual saúde não é o simples fato de não ter doença ou vice-versa. Assim, a “doença mental” pode passar a ser pensada como a construção de “outros modos de existência”, diante da dificuldade de responder, de maneira “habilidosa”, aos fatos do existir. Poder-se-ia pensar na possibilidade de outra atitude existencial em face do mundo como ele é vivido (Cautella Jr., 2003). Retomando ideias desenvolvidas por Morato e Andrade, de acordo com Webster (1974), saúde vem do latim salus, significando condição (orgânica ou organizacional) benéfica, de bem-estar, de segurança. Refere-se à cura (healein, em inglês antigo), como promoção de integri-dade e/ou cuidado. Estas definições nos remetem a uma aproximação de clínica e de cuidado, tarefas que dizem respeito ao universo do fazer psicológico no âmbito da saúde. Pensada a partir destas referências e comprometida com atenção e cuidado para que o sujeito se conduza na direção de seu bem-estar, ou seja, de resgate de sentido, a prática psicológica inclina-se para acolher o sofrimento humano como perda de sentido. Etimologicamente originário do grego pathos, sofrer assume o significado de sentir, experienciar, tolerar sem oferecer resistência, ser afetado. Em latim, sofrer origina-se de subferre, referindo-se a suportar por debaixo, implicando dois significados: tolerar um peso e sustentar um peso. No primeiro, sofrer diz respeito a uma dor, ao passo que, no segundo, diz de uma força ou de um poder ser. Desse modo, em ambas as origens, sofrimento refere-se à situação de ser afetado pela ambigui-dade própria da condição humana. Diz da dor diante do desamparo do homem na sua tarefa de existir, suportando a inospitalidade dos acontecimentos para conduzir-se adiante. Na Idade Moderna, tanto a atividade clínica quanto a pedagógica não fogem a um predomínio da técnica. A clínica, afastando-se de sua peculiaridade originária, que se refere ao debruçar-se sobre o leito do “doente”, passa, cada vez mais, a privilegiar procedimentos técnicos. Desse modo, hoje em dia, o clínico é entendido e valorizado como especialista. Nessa composição, o momento clínico inicial, com toda sua potencialidade de promover uma confiança terapêutica através da atenção e do acolhimento, é reduzido a uma atividade de triagem, a qual encaminhará os pacientes aos respectivos especialistas que, através da mediação da técnica, tratarão deles. Atualmente esse modelo técnico-científico mostra sinais de esgotamento. Em nossa prática, no momento doencontro com o outro, percebemos que o domínio do saber não funciona como lugar seguro; não traz respostas exatas ou verdadeiras nem alivia a angústia perante a alteridade que aparece no encontro. Assim, a tendência é negar a alteridade procedendo-se a uma redução, na medida em que se procura encaixar o outro em um esquema de referência dado pelo saber teórico. Neste caso, temos o homem teórico, portador de um saber racional que explica as irracionalidades (os desvios) e acredita deter os meios de controlá-las ou ajustá-las à norma. O que se propõe, antes de tudo, é um deslocamento do saber, uma outra postura ética em que não existe um saber dado a priori ou uma verdade a ser transmitida, mas uma construção conjunta de sentidos. Faz-se necessário, pois, que o psicólogo se despoje do lugar de especialista, portador de um saber a ser transmitido, e passe a funcionar como um mediador, um “entre”, que acolhe a produção emergente nos diversos encontros (Andrade e Morato, 2004). Não se trata aqui de descaracterizar o psicólogo de seu saber de ofício. Pelo contrário, trata-se de um resgate desta dimensão ética que deveria ser própria e específica do saber de ofício do psicólogo. Este, em sua prática cotidiana, exerceria a função de acolher o cliente, em um processo permanente de desmistificação de verdades naturalizantes e universalizantes geradoras de injustiças e exclusão sociais. Um trabalho voltado para “trans-formações” das relações sociais exige um desmonte permanente das cristalizações que impedem a instituição de outros modos de estar no mundo, de outras “formas” de afetamento, em que a diferença não aparece como algo a ser negado ou excluído, mas exatamente como aquilo que possibilitará a criação, as mudanças nos sistemas — pensamento, relações, crenças, entre outros — cristalizados. No entanto, o homem só é capaz de chegar ao outro pela palavra, vale dizer, a cultura, e, nesse âmbito, encontram-se sempre usos, costumes, preceitos e normas, ou seja, todo um corpo moral normativo. Nessa medida, o comprometimento social implicado na prática de orientação fenomenológica existencial é uma dimensão que não pode ser negada nem recusada por profissionais engajados em promover o desenvolvimento pessoal e profissional de pessoas. Essas práticas sob ótica fenomenológica existencial podem ampliar o espectro de ação humana para que se possa atender responsavelmente à pluralidade da condição pós-moderna da vida do homem e seu sofrimento. Neste sentido, no âmbito da atuação psicológica, o olhar voltado ao sofrimento humano contextualizado carrega uma preocupação quanto à busca de abordagens teórico-práticas que contemplem as demandas inseridas nesta problemática. A perspectiva fenomenológica existencial foi o referencial de fundamento dessa clínica, pois considera que a condição constituinte da existência do ser humano é relacional, ou seja, revela-se pelo encontro com o outro. São essas situações de encontro intersubjetivo que propiciam, no cotidiano da vida, mudanças para o desenvolvimento e aprendizagem do ser humano, bem como as formas de convivência no mundo e com os outros, vendo e sendo visto, ouvindo e sendo ouvido (Figueiredo, 1995). O psicodiagnóstico Focalizarei agora uma prática psicológica conhecida de todos, já que inaugurou a possibilidade de atuação do psicólogo enquanto profissional. Refiro-me ao psicodiagnóstico, cuja história acompanha, obviamente, a do pensamento psicológico como um todo. As instituições que oferecem atendimento psicológico gratuito à comunidade são procuradas por uma porcentagem significativa de pais de crianças com algum distúrbio de comportamento, dificuldade escolar ou outra. Por um lado, os pais são geralmente encaminhados pela escola, pelo médico ou por uma assistente social para atendimento psicológico do filho. A instituição, por sua vez, em geral oferece um psicodiagnóstico, uma vez que, no caso de uma criança, o distúrbio pode ter a concorrência de várias causas (intelectuais, emocionais, psicomotoras, neurológicas, fonoaudiológicas), sendo importante investigar qual área deve ser prioritariamente atendida. O psicodiagnóstico infantil efetuado nos moldes tradicionais[1] consta de uma ou duas entrevistas iniciais com os pais, para que o psicólogo possa entrar em contato com a queixa, a dinâmica familiar e o desenvolvimento da criança. Em seguida, a criança é testada, são avaliados os testes com ela realizados e integradas as informações obtidas. Finalmente, o psicólogo realiza uma ou duas entrevistas devolutivas com os pais, a fim de oferecer-lhes suas conclusões diagnósticas e sugerir os passos seguintes a serem trilhados: psicoterapia da criança, orientação aos pais, psicomotricidade, entre outras possibilidades. Os pais que comparecem aos atendimentos indicados a partir desta maneira de desenvolver o psicodiagnóstico, quando compare-cem, mostram pouca motivação para eles. Se questionados a respeito do atendimento anterior (o psicodiagnóstico), revelam desconhecimento do processo pelo qual passaram, limitando-se a repetir a queixa inicial, às vezes acrescentando a ela a indicação terapêutica. Alguns se mostram até mesmo decepcionados com os resultados desse atendimento, que não lhes parece ter trazido os benefícios que dele esperavam. Por outro lado, para o psicólogo que realizou o psicodiagnóstico, este se constituiu em uma etapa importante do processo de compreensão. Permitiu-lhe fazer uma indicação terapêutica adequada às necessidades e possibilidades do cliente, baseada no entendimento do que está acontecendo com a criança e a dinâmica familiar.[2] De fato, se considerarmos o psicodiagnóstico como uma coleta de dados sobre a qual organizaremos um raciocínio clínico que orientará o processo terapêutico, este será, como diz S. Ancona-Lopez (1995), “um momento de transição, passaporte para o atendimento posterior, este sim considerado significativo (porque capaz de provocar mudanças), no qual o cliente encontrará acolhida para suas dúvidas e sofrimentos”. Assim, a questão que se coloca é: será que tanto para os pais como para a criança o atendimento somente deve tornar-se efetivo na psicoterapia? Tal questionamento, produzido a partir de insatisfações de uma equipe de psicólogos que trabalhavam em clínicas-escola, levaram-na a buscar outras formas de atender aos clientes que buscam atendimento psicológico, procurando torná-lo mais significativo e satisfatório. M. Ancona-Lopez, em sua tese de doutoramento, em 1987, descreve o atendimento em grupo a pais, durante o psicodiagnóstico, realizado de acordo com uma metodologia fenomenológica. Nessa ocasião, entrou em contato com os trabalhos de Fischer, verificando que havia aspectos comuns que diziam respeito à possibilidade de intervenção durante o desenvolvimento do processo, entre os trabalhos propostos Eu mesma, em 1994, retomei o estudo do atendimento individual a pais durante o psicodiagnóstico, realizando entrevistas de follow-up um ano depois do término do trabalho com eles. Esses estudos visa- vam colaborar para o desenvolvimento do psicodiagnóstico como processo participativo e interventivo. Estes e outros estudos encontram-se no livro de M. Ancona-Lopez, Psicodiagnóstico: processo de intervenção (1998). O processo psicodiagnóstico fenomenológico-existencial com crianças e seus pais Passarei, agora, a uma descrição do processo psicodiagnóstico infantil que se desenvolve em 10 ou 12 sessões. Destas, frequentemente, 6 ou 7 são com os pais e o restante com a criança. Do ponto de vista fenomenológico-existencial, considera-se todo ser humano mergulhado no mundo que, embora sempre presente, muitas vezes lhe é despercebido. O sentido dos objetos está na relação que eles têm com um conjunto estruturado de significados e de intenções inter-relacionadas. Consequentemente, o mundo não é obstrutivo nem o são os objetos do mundo com os quais nos relacionamos diariamente. Dito de outro modo, no nosso dia a dia, estamos com os objetos de uso corrente, com as pessoas, com nossa família, com nossofilho, sem, a todo momento, nos perguntarmos a respeito do significado de cada uma dessas pessoas e coisas. Entretanto, quando há “ruptura”, quando falta algo que deveria haver, passamos a notar certos objetos. Similarmente, quando a criança começa a apresentar atitudes e comportamentos que rompem com algumas expectativas dos pais, dos professores ou de outros agentes da comunidade, surge o encaminhamento ou a busca espontânea pelo psicólogo. É neste momento que podem ser problematizadas, questionadas, as relações dos pais e da criança consigo mesmos, com os outros e com o mundo. É neste contexto que o psicodiagnóstico se propõe explicitar o sentido da experiência do cliente. No caso do psicodiagnóstico infantil, o trabalho com os pais visa explorar o significado da queixa trazida, dos sintomas apresentados pela criança, a compreensão que eles têm de sua própria situação e de sua relação com o filho. Por isso, considero que, mesmo sendo a criança a precisar de atendimento psicológico, são os pais que arcam com muitos dos custos do atendimento infantil: o tempo para levar e buscar o filho, o pagamento das sessões e os possíveis efeitos transformadores do atendimento infantil na dinâmica da família. Assim, sem informações, apoio, motivação e empenho para esse atendimento, fica difícil esperar que os pais estejam dispostos a levá-lo adiante. Por isso, quando o psicólogo recebe pais encaminhados pela professora, o pediatra ou outro agente da comunidade, é importante que trabalhe, desde o início, o significado que este encaminhamento tem para eles mesmos. Deste modo, a primeira sessão com os pais desenvolve-se, em geral, a partir do questionamento a respeito do motivo da consulta. Enquanto para eles a necessidade do atendimento psicológico não tiver sentido, por atribuírem a indicação a outro profissional, sendo que eles mesmos apenas estariam se conformando à proposta e obedecendo a uma autoridade, fica mais difícil, senão impossível, contar com sua colaboração ativa. Esta é imprescindível para que a compreensão conjunta do que está acontecendo com a criança e com eles mesmos possa ocorrer. Outro ponto importante a focalizar é como os pais entendem o atendimento psicológico e qual sua expectativa em relação a ele. São-lhes oferecidos esclarecimentos a respeito da proposta de trabalho, dizendo-lhes que se trata de uma tentativa de compreensão do que está acontecendo com a criança no contexto pessoal, familiar e social. Tais esclarecimentos lhes possibilitam entender por que sua própria participação no processo é importante e quais são os limites do trabalho. Permitem-lhes também decidir, desde o início do atendimento, se estão dispostos a compartilhar deste projeto. Ao psicólogo cabe compreender a pergunta trazida. Compreender é participar de um significado comum, do projeto do cliente, de sua abertura e limitações para o mundo. É importante identificar os acontecimentos e a forma como se desenvolveram em relação a seu contexto, gerando a pergunta, precipitando a crise e levando ao pedido de atendimento. Nas sessões seguintes, através da anamnese, o psicólogo procura conhecer as condições familiares e sociais, os vínculos estabelecidos e os papéis desempenhados, explicitando-os à medida que os vai percebendo e compreendendo. O roteiro de anamnese, utilizado na sequência do atendimento, permite o conhecimento do desenvolvimento biopsicossocial da criança, mas é, sobretudo, uma oportunidade para os pais se debruçarem sobre sua experiência passada e presente com o filho, podendo clarificar sentimentos e expectativas que atuam no relacionamento com a criança. Também oferece ao psicólogo a possibilidade de observar formas de relacionamento na família, focos de ansiedade, distribuição de forças na dinâmica familiar. Até este momento, o psicólogo não teve ainda nenhum contato com a criança. Contudo, pode começar a formar uma imagem dela a partir do que vem sendo comunicado pelos pais. Ele então a explicita a si mesmo e aos pais. Antes de marcar, em torno da terceira ou quarta sessão, o primeiro contato com a criança, orienta os pais no sentido de dizerem ao filho que estão vindo consultar um psicólogo e por que o estão fazendo. Nesta hora, às vezes é necessário voltar às fantasias dos pais em relação ao atendimento, pois, muitas vezes, eles não conseguem dizer ao filho por que estão consultando um psicólogo. Têm medo de contar-lhe que procuraram um profissional para falar dele e por que o fizeram. Imaginam que a explicitação daquilo que os está movendo possa fazer com que ele “piore”, “se sinta diferente”. É importante mostrar-lhes, neste momento, que suas preocupações estão presentes no dia a dia, na forma como agem com o filho, nas observações que fazem a seu respeito, nas exigências várias vezes repetidas e nem sempre cumpridas por ele. Assim, a criança já pode perceber que algo está acontecendo, construindo sua própria compreensão a respeito, mesmo que ela não consiga expressar claramente, nem da mesma maneira que os adultos, quais são as preocupações a seu respeito. Pensamos que a dificuldade dos pais em conversar com a criança a respeito da ida ao psicólogo e do motivo da consulta revela a relação que eles mesmos mantêm com o atendimento a ser desenvolvido, mesmo que, aparentemente, estejam colaborando com ele. O primeiro encontro do psicólogo com a criança se desenvolve através de uma observação lúdica ou de uma entrevista acompanhada da execução de desenhos, dependendo de sua idade, capacidade e possibilidade de expressão verbal e gráfica. A partir daí, as sessões com os pais e com a criança são intercaladas. Algumas vezes, a partir da observação da criança, é necessário pesquisar mais amplamente com os pais certos aspectos da vida e do relacionamento que não se tinham mostrado relevantes até este momento. Isto porque não haviam sido mencionados anteriormente, ou porque, embora tenham sido referidos, o contato com a criança faz com que se abram outras possibilidades de compreensão. Por sua vez, o psicólogo também confronta aquilo que esperava, a partir da compreensão vinda da visão dos pais e o que pode observar em seus contatos com a criança. Através desses confrontos pode-se modificar e ampliar a compreensão anterior, tanto do psicólogo como dos pais. Uma vez que o psicólogo faz uso de certos instrumentos (testes, observações), pertencentes a um cabedal de conhecimentos técnicos e à sua disposição para conhecer a criança, é importante que cada instrumento utilizado seja discutido com os pais. Os pressupostos teóricos sobre os quais este uso se baseia e como o psicólogo chegou às suas próprias observações necessitam ser explicitados. Este procedimento é indispensável para que os pais possam compreender melhor a partir de onde e do que o psicólogo está falando, para poderem participar das decisões a respeito de quais aspectos seria importante investigar, a fim de esclarecer o que está acontecendo com a criança. As comunicações a respeito dos instrumentos utilizados também servem para desmistificá-los, contextualizá-los, mostrando que eles representam bem mais uma possibilidade de enfoque do que uma verdade absoluta. Consequentemente, há também um conteúdo pedagógico nas entrevistas com os pais. Isto é necessário, uma vez que eles não são obrigados a conhecer a cultura e os instrumentos da Psicologia. Por outro lado, outras vezes, seus conhecimentos, provindos do senso comum, podem levá-los a expectativas que não podem ser realizadas. Já que consideramos importante que eles possam participar do trabalho, esta participação deve ser feita a partir de bases comuns. É claro que, dependendo do nível socioeconômico e cultural dos pais, o psicólogo precisa usar sua linguagem de tal forma a se fazer compreender por eles. Ele efetua assim uma espécie de tradu-ção dos conceitos teóricos numa linguagem acessível, devendo certificar-se de que sua comunicação está fazendo sentido para os pais. Ao final do processo, o psicólogo elabora um relatório a respeito do atendimento, no qual procura descrevero processo em seus passos. Na última sessão, este relatório é lido aos pais, para levá-los a compreender que, em se tratando de uma síntese feita pelo profissional, e que síntese implica seleção, é importante eles dizerem se tal síntese corresponde a sua própria compreensão do processo. Assim, eles podem propor modificações, sugerir alterações, acréscimo ou eliminação de situações ou de termos. Psicodiagnóstico interventivo, na abordagem fenomenológica- existencial: uma mudança de atitude Uma das contribuições do psicodiagnóstico interventivo, na abordagem fenomenológica-existencial, está na reavaliação do papel desempenhado pelo cliente e pelo psicólogo nesta situação. O cliente, antes agente passivo, torna-se um parceiro ativo e envolvido no trabalho de compreensão e eventual encaminhamento posterior: é corresponsável pelo trabalho desenvolvido.[3] A reavaliação da atitude do psicólogo levou a uma mudança de postura. O psicólogo não é mais o técnico, o detentor do saber que procura oferecer respostas às perguntas trazidas pelos pais. Seus conhecimentos teóricos, técnicos e os provindos de sua experiência pessoal representam apenas outro ponto de vista. A situação de psicodiagnóstico torna-se, então, uma situação de cooperação, na qual a capacidade de ambas as partes observarem, apreenderem e compreenderem constitui a base indispensável para o trabalho. Tanto os pais como o psicólogo observam a si mesmos e uns aos outros, procurando compreender o que está sendo vivenciado, já que a compreensão dos pais e a do psicólogo são equivalentes e compartilhadas. O psicólogo aceita as colocações dos pais a respeito daquilo que eles observam, pensam e concluem, procurando ampliar seu campo de visão, contextualizando a queixa particular para inseri-la em contexto mais amplo. Ele observa e assinala aos pais aquilo que consegue apreender da relação deles com o filho e entre si, no caso de comparecimento do casal. Esses assinalamentos não são considerados verdades, mas apenas possibilidades de compreensão que podem ser aceitas ou não por eles. Desenvolve um trabalho alternado de focalização e ampliação, procurando explicitar o significado dos fenômenos para os pais e para si mesmo. Em geral, através de suas intervenções, o psicólogo procura promover novas possibilidades existenciais na medida em que trabalha com o outro a transformação de seu projeto. O conhecimento que o cliente traz é valorizado, sendo a partir dele que as falas do psicólogo terão sentido ou não. Por outro lado, para que a intervenção do psicólogo seja eficiente, ela deve pertencer ao campo de possibilidades do cliente, margeando aquilo que ele não compreende, uma vez que se estiver distante deste campo, poderá não ser entendida ou ser recusada por ele. A partir de seus contatos com a criança, o psicólogo procura descrever como compreendeu os comportamentos que lhe apareceram. Compartilha com os pais sua experiência acerca de como foi o contato com a criança a partir das situações propostas, para favorecer a observação de como esta última se relaciona consigo mesma, com os outros e com o mundo. O uso de qualquer instrumento é discutido tanto com os pais como com a criança, sendo explicitados o objetivo e os princípios gerais subjacentes a eles. Desta forma, os pais acompanham o estudo do filho, exploram as informações, trazem questões e colaboram com observações informais do filho em novas situações. A partir das conversas com os pais e do conhecimento da criança, ainda durante o psicodiagnóstico, o psicólogo pode sugerir alternativas de ação para os pais. Ele também pode, a partir da compreensão da dinâmica familiar, dar sugestões a respeito daquilo que lhe parecia poder promover um desenvolvimento mais harmonioso. Assim, o psicodiagnóstico fenomenológico-existencial envolve um trabalho de redirecionamento dos pais a partir da compreensão da criança e da dinâmica familiar, com o objetivo de facilitar o relacionamento, propiciar novas formas de interação e abrir novas perspectivas experienciais. O estilo das intervenções do psicólogo No início do atendimento, as intervenções são sobretudo exploratórias e visam entender melhor as preocupações dos pais para com a criança. Em geral, as perguntas não são consideradas intervenções para ajudar os clientes. Entretanto, como lembra Tomm (1987), elas podem ter efeitos terapêuticos, seja diretamente, na medida em que elas focalizem algum aspecto ou tema que não estava explícito, seja indiretamente, através das respostas verbais e não verbais dadas a elas. O psicólogo mostra-se compreensivo e acrítico em relação às vivências relatadas pelos pais. Em certos momentos, suas intervenções se apresentam como possibilidades de compreensão, podendo ser feitas a partir das associações dos pais a elas. Pode lançar mão de confrontações e incitar ativamente os pais a se defrontarem com suas angústias. Em outros momentos, apenas acompanha os pais, permitindo- lhes falar, sendo suas intervenções de apoio, questionamento e/ou ampliação, dependendo do momento. Nesse sentido, várias intervenções se colocam no âmbito de conselhos e de informações pedagógicas. Algumas vezes o psicólogo faz colocações pessoais, visando diminuir a distância entre ele e os pais, mostrando-lhes não ser detentor de um saber. Frequentemente os encoraja e manifesta sua simpatia para com eles. Em geral, há uma tentativa de salientar os aspectos positivos, adaptativos e saudáveis, em detrimento dos patológicos. Dá apoio aos pais, procurando favorecer uma mudança do investimento na criança, uma crença nas suas possibilidades de crescimento e uma tentativa de promover a separação psíquica entre eles e o filho, já que, muitas vezes, os filhos são considerados extensão dos pais, portadores de suas ambições e desejos frustrados. Dirige-se o atendimento, portanto, no sentido de favorecer uma individualização das partes. O ponto de impacto da intervenção, no psicodiagnóstico, é a interação pais versus filho, dirigindo-se ao problema de identificações recíprocas e projeções.[4] A atitude do psicólogo não é passiva e neutra no sentido de acompanhar as associações dos pais. Como há um limite para a duração do trabalho, estimula-os a se confrontar com suas angústias. Para isto, utiliza o princípio de focalização, que consiste em polarizar sua atenção sobre um conflito central do qual decorreriam os problemas principais.[5] A utilização dos testes psicológicos Cabem aqui alguns comentários a respeito de como são considerados os testes nesta forma de atuar. Afinal, trata-se de psicodiagnóstico, apenas com outros pressupostos. Para conhecer a criança, o profissional faz uso de diversos instrumentos, pertencentes ao cabedal de recursos dos quais o psicólogo clínico dispõe para atender a um cliente. Entre estes se destacam a observação lúdica, mais utilizada com crianças pequenas, entrevistas e testes. Frequentemente, em se tratando de dificuldades de aprendizagem, é necessário recorrer a testes de nível intelectual. Como se sabe, esses testes pertencem à tradição positivista, na qual uma das suposições básicas é de que qualquer coisa que exista, existe numa determinada quantidade e pode ser medida. São muitas as críticas que algumas abordagens em Psicologia fazem à utilização deste tipo de instrumento, quando utilizado seguindo as normas da psicometria, mesmo depois de elas serem adaptadas para a população brasileira. Entretanto, a recusa desses instrumentos parece-nos uma atitude extremada, uma vez que pode levar à rejeição de possibilidades de interação com a criança nas situações propostas pelo teste (uma vez que reproduzem algumas daquelas que a criança vive em seu dia a dia). Diante disto, consideramos as situações propostas pelo teste de inteligência, por exemplo o WISC III, como metáforas de situações vividas pela criança em seu cotidiano escolar e mesmo no familiar e no social. Desta forma, buscamos compreender com ela a partir de sua maneira de lidar com os estímulos apresentados. O resultado numérico serve apenas de referênciapara uma classificação em relação àquilo que seria esperado para a idade da criança. Mais relevante para a compreensão do que está ocorrendo com ela é a relação estabelecida entre a criança e o psicólogo, durante a aplicação dos testes, bem como sua forma de entrar em contato com • • eles: suas inseguranças, a maneira como soluciona os problemas apresentados, ou seja, sua postura em geral. O psicólogo conversa com a criança a respeito de suas observações, relacionando a situação presente às situações que ela vive em seu cotidiano. Assim, o resultado do teste articula-se com a compreensão do vivido pela criança, sendo ela quem orienta as sugestões quanto ao que fazer. Situação similar se apresenta quando são utilizados os testes projetivos. Estes, por sua vez, provêm da tradição psicanalítica e supõem que o material do teste sirva de suporte a uma projeção global das representações inconscientes, reativadas por um estímulo portador de uma problemática latente. Pensamos, em vez disto, que as imagens propostas pelo teste possam colocar a criança diante de uma situação geradora de possibilidades metaforizadoras, a partir das quais ela poderia revelar sua construção do mundo de uma determinada maneira. Resumindo, consideramos os testes organizadores que possibilitam a emergência de vivências que ocorrem no cotidiano da criança. Referem-se à experiência em outra situação, permitindo-nos compre- ender, junto com ela, como está sendo percebida sua relação consigo mesma, com os outros e com o mundo. Outros recursos utilizados: a visita domiciliar e a visita à escola Visita domiciliar Propomos, também, a realização de uma visita domiciliar, com o consentimento do cliente. Ela permite a observação, in loco, da família, assim como a ressignificação de falas e observações ocorridas durante as sessões. Visita à escola Outro recurso utilizado é a visita à escola. Por essa ocasião, recorre-se a uma entrevista com a professora, à observação da criança na sala de aula e no recreio. Deste modo, através da visita, podem-se observar e, às vezes, redimensionar queixas em relação à criança. Dependendo da disponibilidade da escola, ainda torna possível orientar a professora a partir da compreensão da criança. As repercussões deste trabalho sobre os pais Em vários casos estudados, nota-se um movimento dos pais que culmina, geralmente, em torno da quinta sessão, quando eles relatam modificações em sua compreensão da criança e tentativas de mudança em sua forma de se relacionarem com ela, ao mesmo tempo que, também, parecem ter perdido seus referenciais, tornando-se dependentes das indicações do psicólogo. Para permitir acompanhar essa observação, voltemos ao início do processo. Quando os pais vêm para a consulta, há a possibilidade de existência de uma crise. Os contornos desta nem sempre são claros, e ela pode não estar sendo reconhecida ou estar sendo atribuída a fatores externos ao relacionamento entre pais e filho. Neste primeiro momento, portanto, trata-se de clarificá-la, com a finalidade de chegar a um consenso quanto ao trabalho a ser desenvolvido. Em alguns casos, o trabalho se encerra nesta primeira fase. De fato, quando os pais não estão motivados para o trabalho proposto, por se mostrar distante de suas expectativas ou muito ameaçador, desistem do atendimento. Pensamos que, talvez, este seja um aspecto positivo, uma vez que a desistência ocorre no início do processo, evitando investimentos desnecessários e frustrantes de ambas as partes. Em outros casos, porém, é possível instalar-se um campo interacional, no qual os pais e o psicólogo viverão experiências. A instalação e eficácia deste campo dependem tanto dos pais como do psicólogo. De fato, ambos precisam estar disponíveis para a possibilidade de irrupção do desconhecido e a vivência da angústia, decorrentes do rompimento da trama do cotidiano pelo surgimento de algo desconhecido a ser renomeado. Ou seja, é preciso que a desconstrução da imagem do filho, associada a uma maneira de ser dos pais, a sua própria forma de construir esta imagem e aos pressupostos implicados nesta construção, favoreça uma nova construção. Quando e se este campo está bem instalado, ele gera as condições para a ocorrência de acontecimentos, não importando quem tenha sido o agente do trânsito para a nova situação de compreensão. Entretanto, enquanto esta nova construção ainda não se deu e a antiga encontra-se abalada, é como se os participantes pairassem numa espécie de vazio, com a sensação de que perderam o pé, não sabem o que fazer. Estes movimentos ocorrem mais intensamente em torno da quinta sessão, mas podem surgir até antes. É então que o psicólogo deve estar pronto para acompanhar os pais nesta trajetória, tomando o cuidado de ajudá-los a tornar estes momentos produtivos. É esse o momento em que os aspectos terapêuticos do processo se manifestam mais claramente. Eles foram sendo preparados e aconteceram sem ter sido, obrigatoriamente, formulados através de verbalizações. Agora, podem aparecer com a angústia própria à novidade da situação. O psicólogo pode, a partir desses movimentos, avaliar a plasticidade dos pais, ou seja, as possibilidades destes de se confrontarem com novas formas de ser com o filho, pois é aqui que intervêm sua flexibilidade, sua abertura para possíveis reinterpretações das situações vividas, sua capacidade para compreender de outro ponto de vista, a fim de se implicarem de outro modo nessa relação. Insisto, neste trabalho, busca-se sempre focalizar os aspectos saudáveis da criança e dos pais, fazendo apelo à abertura de novas possibilidades de estar-com em vez da busca de uma adequação a algo considerado “normal” pela ciência, respeitando a cultura e o contexto familiar. O psicólogo também se defronta com momentos de angústia, não sabendo como compreender aquilo que está sendo trazido nem qual o caminho a seguir. Para ele, também, é pelas lacunas e ambiguidades entre a expectativa e a vivência que pode procurar um novo conhecimento. Desse modo, pode-se compreender a importância da elaboração do relatório final. É frequentemente neste momento que o psicólogo percebe aspectos que não valorizou durante as entrevistas ou que foram sendo esquecidos ao longo do processo. O relatório final permite verificar a consistência e a coerência das conclusões às quais se chegou. Ele tem a finalidade de constituir-se em uma síntese do processo, descrevendo o que ocorreu neste período de atendimento. É redigido pelo psicólogo, uma vez que seria difícil que fosse elaborado em conjunto. Por essa perspectiva, a leitura do relatório no final do atendimento se constitui em um momento significativo do processo. Visa verificar se ele retrata, também do ponto de vista dos pais, o processo vivido. A leitura provoca, ainda, um impacto sobre os pais, na medida em que eles se confrontam de uma só vez com vários aspectos de sua experiência mencionados ao longo do processo. Para isso, o psicólogo está aberto para alterações do texto, caso eles não concordem com este. Nessas ocasiões, o assunto é retomado e procura-se chegar a um consenso. Quando isto não é possível, registram-se as duas versões, a dos pais e a do psicólogo. O follow-up A entrevista de follow-up é realizada com a finalidade de retomar, passado algum tempo, a experiência vivida pelos pais durante o psicodiagnóstico, a fim de conhecer sua fecundidade e eficácia. Pudemos perceber que, passado um ano do atendimento, as mães sentem-se mais seguras para lidar com o filho. Sua compreensão de algumas atitudes da criança se alterou, gerando mudanças em sua forma de se relacionar com ela. Os pais revelam, também, a capaci-dade de separar o que é deles e o que é do filho. Desse modo, dizem conseguir aceitar que o filho não seja um prolongamento de si próprios, para poder ser mais ele mesmo, ainda que isso não coincida com suas expectativas, pois passam a apreender as vantagens de o filho ser como é. Os pais ainda se referem a mudanças do filho que podem funcionar como elemento de retroalimentaçãopara suas próprias mudanças, mantendo-os atentos e mais abertos em relação a ele. Assim sendo, o trabalho realizado através do psicodiagnóstico permite frequentemente desdobramentos fecundos no que se refere à compreensão do filho e a como se relacionar com ele. Por outro lado, pudemos perceber que a entrevista de follow-up também propicia aos pais uma pausa reflexiva para se confrontar com seu momento atual de vida. Afinal, qual o objetivo de um trabalho em psicologia clínica? Depende da demanda do cliente no momento da procura. Ora, esta pode se modificar ao longo do tempo. As teorias, ou seja, as crenças e os padrões utilizados pelas pessoas para lidar com sua ansiedade, reduzindo a vivência a algo já conhecido, pareciam eficientes, mas podem deixar de sê-lo após um período, levando a outras crises em momento posterior. Aqui, nos encontramos em um terreno movediço, já que, por sua própria condição humana, tanto psicólogo como cliente mudam ao longo do tempo. Assim, passados alguns meses, aspectos que não haviam sido valorizados na época da realização do psicodiagnóstico, relegados a um segundo plano, podem aparecer agora como figura, já que o fundo se modificou, tornando necessárias uma reinterpretação e uma rediscussão das necessidades no momento atual. Nessa perspectiva, o follow-up pode propiciar possibilidades de revisão por parte do psicólogo e do cliente, abrindo novos horizontes, levando a novas perspectivas. Torna-se, nesse sentido, um momento de encontro que pode propiciar acontecimentos. Assim considerado, realizar follow-up, prática pouco difundida em nossos meios, pode abrir novas perspectivas no campo da pesquisa em Psicologia Clínica, além de tornar-se, por si mesma, um momento significativo de atenção e cuidado tanto para o profissional como para o cliente. 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Encontra-se uma discussão a respeito de psicodiagnóstico nos textos de Boy (1989), Cain (1989) e Schlien (1989). 3. Encontramos nos textos de Fischer, C. T., ideias das quais compartilhamos. 4. Aqui, compartilhamos as ideias de Cramer (1974). 5. Ver também Gilliéron (1990). Capítulo II Psicodiagnóstico interventivo fenomenológico- existencial Marizilda Fleury Donatelli Este capítulo tem por objetivo apresentar o psicodiagnóstico interventivo, destacando seus pressupostos. Essa prática postulou diferenças significativas, tanto no que se refere à postura do psicólogo quanto à postura do cliente. Acrescentou-se ao processo, que se caracterizava somente pela investigação, um caráter interventivo. Descrevo a seguir os principais aspectos deste modelo de atendimento psicológico. 1. Psicodiagnóstico como processo de intervenção Durante muito tempo, o psicodiagnóstico foi entendido como um processo que se desenvolvia a partir de um levantamento de dados do cliente (queixa, história de vida pregressa e atual, funcionamento psíquico etc.), cabendo ao psicólogo analisar esses dados com base na nosologia psicopatológica e dar o encaminhamento possível para o caso. Evitavam-se, nesse processo, estabelecer vínculo com o paciente e fazer intervenção, sendo esses procedimentos delegados aos processos psicoterápicos. Ocampo e Arzeno (1981, p. 13) comentam: O psicólogo tradicionalmente sentia sua tarefa como o cumprimento de uma solicitação com as características de uma demanda a ser satisfeita, seguindo os passos e utilizando instrumentos indicados por outros (psiquiatra, psicanalista, pediatra, neurologista etc.). O objetivo fundamental de seu contato com o paciente era, então, a investigação do que este faz frente aos estímulos apresentados. Fischer, nos Estados Unidos, nos anos 1970, e M. Ancona-Lopez, no Brasil, na década de 1980, foram as precursoras na introdução do psicodiagnóstico interventivo, o qual, como indica o próprio nome, rompe com o modelo anterior, fazendo do atendimento um processo ativo e cooperativo. Não se trata apenas de um processo investigativo; ao contrário, o que fundamentalmente o caracteriza é a possibili-dade de intervenção. No psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial, as questões trazidas pelos clientes são ao mesmo tempo investigadas e trabalhadas, a fim de que se possam construir, em conjunto, possíveis modos de compreendê-las. As intervenções no Psicodiagnóstico Interventivo se caracterizam por propostas devolutivas ao longo do processo, acerca do mundo interno do cliente. São assinalamentos, pontuações, clarificações, que permitem ao cliente buscar novos significados para suas experiências, apropriar-se de algo sobre si mesmo e ressignificar suas experiências anteriores. A esse respeito, Santiago (1995, p. 17) informa que os profissionais […] reconhecem a necessidade de fazer certos apontamentos ao paciente durante o processo Psicodiagnóstico por considerarem que o trabalho alcança uma dimensão mais ampla e compreensiva. Também argumentam a favor de devoluções parciais e de realizar um trabalho em conjunto com o paciente. No caso do psicodiagnóstico infantil, esse processo pressupõe a implicação da família na problemática, atribuída à criança, na queixa. Parte da ideia de que, se a criança apresenta um comportamentoque atinge os pais, mobilizando-os a procurar por um psicólogo, a família está, de algum modo, envolvida no problema. Além disso, como diz Yehia (1995, p. 118): […] mesmo sendo a criança a precisar de atendimento psicológico, são os pais que arcam com muitos dos custos do atendimento infantil; o tempo para levar e buscar a criança, o pagamento das sessões (quando estas são gratuitas, o pagamento das conduções) e os possíveis efeitos transformadores do atendimento infantil na dinâmica da família. Esse modo de compreender o psicodiagnóstico decorre, como já mencionado, da concepção de homem e de mundo postulada pela fenomenologia existencial, isto é, considera o ser humano como um ser sempre em relação, cuja subjetividade se constitui pelas relações que o indivíduo estabelece no decorrer de sua existência. Dessa forma, os pais ou responsáveis também são clientes e têm participação ativa no referido processo. 2. Psicodiagnóstico como prática colaborativa Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce Usuario Realce O psicodiagnóstico é visto como uma prática conjuntamente realizada pelo psicólogo, pelos pais e pela criança. Os pais e a criança têm uma participação ativa nesse tipo de diagnóstico; atribui-se grande valor às informações trazidas pelos pais, à forma de compreensão do problema do filho, às explicações prévias, às fantasias e expectativas construídas antes e no momento da procura do psicólogo. Nessa medida, não há uma relação verticalizada, pois o psicólogo não se põe no lugar de quem “detém o saber”; ao contrário, dialoga com os clientes no sentido de construírem, juntos, possíveis modos de compreensão acerca do que está acontecendo com a criança. 3. Psicodiagnóstico como prática compartilhada Em tal modalidade de atendimento, o psicólogo compartilha com os clientes suas impressões, permitindo que estes as legitimem ou ainda as transformem. Entende-se que é no compartilhar de experiências e percepções que pode emergir uma nova compreensão, um novo sentido, que possibilite diminuir ou eliminar o sofrimento psíquico da criança e da família. Essa é uma posição derivada da Psicologia Fenomenológica, na medida em que entende o indivíduo, em seu “estar no mundo”, como uma pessoa consciente, capaz de fazer escolhas e de responsabilizar-se por elas, diante de quem se abre um leque de possibilidades. As intervenções do psicólogo, obtidas por meio de suas percepções, se oferecem como possibilidades para ampliar o campo de consciência da pessoa, permitindo novas experimentações. Para S. Ancona-Lopez (1991, p. 87), o processo de psicodiagnóstico interventivo, quando efetuado numa abordagem fenomenológico-existencial, “é uma prática colaborativa, contextual e intervencionista”. Yehia (1995, p. 120) complementa: “A situação do psicodiagnóstico torna-se então uma situação de cooperação, em que a capacidade de ambas as partes observarem, apreenderem, compreenderem constitui a base indispensável para o trabalho. 4. Psicodiagnóstico como prática de compreensão das vivências O registro das experiências que as pessoas vão tendo ao longo da vida e às quais atribuem sentido constitui seu campo fenomenal. No psicodiagóstico interventivo fenomenológico-existencial, o psicólogo busca compreender esse campo fenomenal e evita que as explicações teóricas se anteponham ao sentido dado pelo cliente. M. Ancona-Lopez (1995) comenta que, quando do desenvolvimento do processo de psicodiagnóstico interventivo, ocorreu na equipe que o desenvolvia uma mudança no modo de compreender a relação entre teoria e prática. A prática, embora planejada a partir de indicações teóricas, ultrapassa a teoria de referência, expondo o psicólogo a experiências que não são abarcadas pelos conceitos teóricos. Desse modo, torna-se local privilegiado para apontar lacunas do conhecimento teórico e produzir questionamentos. Segundo Ancona-Lopez, M. (1995, p. 93), No Psicodiagnóstico essa posição trouxe como consequência a valorização do conhecimento pessoal do cliente e de seus pais, assim como a necessidade de se trabalhar desde o início de modo conjunto e participativo, evitando guiar-se perante o caso apenas a partir de referências teóricas. A fim de que possa compreender o campo fenomenal, o psicólogo deve, com os clientes, desconstruir a situação apresentada e buscar seu significado principal. Ancona-Lopez (1995, p. 94) discorre: A queixa deixou de ser vista de modo isolado para tornar-se via de acesso ao mundo do sujeito, a seus objetos intencionais, e aos conflitos nele instalados, considerando-se o esclarecimento dos significados ali presentes como processo necessário para uma possível re-significação e consequente modificação do modo de estar consigo e com o outro. A identificação da experiência do outro, bem como seu significado, é uma tarefa que exige, de alguma maneira, que o psicólogo se reconheça nesse outro. Portanto, é preciso que haja um envolvimento existencial; é preciso mergulhar no mundo do cliente, compartilhar seus códigos, deixar-se enredar por sua trama de sentidos e, ao mesmo tempo, conseguir uma distância suficiente que permita refletir sobre a situação. M. Ancona-Lopez (1995, p. 94), referindo-se a esse aspecto, observa que ele se apoia no conceito de intersubjetividade, o qual afirma a possibilidade de “reconhecer o outro como um outro eu, que, possuindo um corpo inserido em um mundo, portador de comportamentos e construtor de significados, constitui a si e ao mundo”. 5. O psicodiagnóstico interventivo como prática descritiva O Psicodiagnóstico, conforme concebido tradicionalmente, busca obter um diagnóstico do indivíduo, classificando-o quanto às patologias, a partir das definições das características de personalidade e fatores específicos, como nível mental e outros. O psicodiagnóstico interventivo evita classificações. Não pretende montar um quadro estático sobre o sujeito. É um modelo descritivo na medida em que faz um recorte na vida da pessoa, em dado momento e em determinado espaço, focalizando seu modo de estar no mundo, com os significados nele implícitos. 6. O psicodiagnóstico interventivo e o papel do psicólogo e dos clientes Convém reiterar que os clientes, nesse atendimento, têm um papel ativo, participam da construção de uma compreensão sobre o que acontece com eles. O psicólogo solicita e valoriza a sua colaboração na intenção de que o esforço conjunto possa produzir novo entendimento para as questões por eles trazidas. Desse modo, tanto as experiências do cliente quanto as impressões do psicólogo sobre elas são compartilhadas, caindo por terra a ideia de que existem aspectos que não devem ser mencionados pelo psicólogo ao cliente: o importante é como dizer, e não o que dizer. Nesse sentido, diz M. Ancona-Lopez (1995, p. 98): Pais e psicólogo engajam-se no processo de criação de sentido e, diminuída a assimetria na relação, o conhecimento profissional perde seu caráter de verdade, mostrando-se como uma forma possível de significação. DESCRIÇÃO DO ATENDIMENTO EM PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO NA ABORDAGEM FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL Essa modalidade de atendimento pode ser realizada individualmente, ou com mais frequência, nas instituições. As etapas do processo são as mesmas, em ambos os casos. Nesta descrição, apresento minha forma de trabalhar, individualmente, em psicodiagnóstico interventivo fenomenológico-existencial. 1. Entrevista inicial Para a entrevista inicial convoco somente os pais. Inicio com os cumprimentos e apresentações habituais e deixo-os falar sobre como vieram até mim, por que e o que esperam. Em seguida, converso sobre minha forma de trabalhar, ou seja, compartilho com eles o fato de o psicodiagnóstico ser um processo cujo objetivo é compreender aquilo que ocorre com a criança e com eles, pais, na relação com o filho, dos motivos que levam a criança a apresentar determinados comportamentos, bem como o que é possível fazer para ajudá-la. Explico que
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