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Página 1 de 28 SOI-IV APG 9 INTRODUÇÃO Os agentes etiológicos da hepatite viral são responsáveis por grande incidência de casos de morbidade e mortalidade e representam grave problema de Saúde Pública em todo o mundo. As hepatites virais são causadas por agentes de diferentes famílias e gêneros que possuem em comum tropismo pelo fígado, levando a alterações hepáticas de gravidade variável (Quadro 16.1). Os vírus, denominados de vírus da hepatite A (HAV) e vírus da hepatite E (HEV), classificados respectivamente nos gêneros Hepatovirus (família Picornaviridae) e Hepevirus (família Hepeviridae), são de transmissão entérica e causam hepatite aguda. As hepatites de tipo A e E são endêmicas em regiões mundiais afetadas pela pobreza, onde as condições sanitárias são precárias. Epidemias de hepatite E foram reportadas em países como Índia e México. Os vírus da hepatite B (HBV; gênero Orthohepadnavirus, família Hepadnaviridae) e da hepatite C (HCV; gênero Hepacivirus, família Flaviviridae) são transmitidos pela via parenteral e representam os principais agentes etiológicos da hepatite crônica, cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC) em todos os continentes. Outro vírus hepatotrópico humano conhecido é o vírus da hepatite D (HDV) que é defectivo e associado ao HBV. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2014, 30% da população mundial já havia sido infectada pelo HBV e mais de 240 milhões de indivíduos eram portadores crônicos desse agente, quase 8 vezes mais do que os infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), e mais de 185 milhões de indivíduos haviam sido infectados pelo HCV. Apesar do desenvolvimento e da disponibilidade de inúmeras ferramentas moleculares e imunológicas nas últimas décadas, continua a procura por novos agentes virais associados a casos de hepatite. Isso se deve à alta percentagem de casos de hepatite pós-transfusional que não são diagnosticados como hepatite A, B, C, D ou E, e são chamados de casos de hepatite não A-E. Por meio da busca dos agentes causadores de tais casos, novos vírus foram identificados, como o vírus da hepatite G (HGV) e o vírus Torque teno (TTV). No entanto, a relação causal entre infecção por esses vírus e hepatopatias ainda não foi estabelecida. Vírus de hepatite de transmissão entérica Classificação e características O HAV está classificado na família Picornaviridae, e é o único representante do gênero Hepatovirus. O vírion não é envelopado, com diâmetro de 27 a 32 nm, e morfologicamente indistinguível de outros picornavírus. Por meio de microscopia eletrônica, partículas esféricas completas e vazias são observadas, porém a análise estrutural mais refinada demonstra a simetria icosaédrica do capsídeo viral. No início da década de 1980, o HAV foi provisoriamente classificado como enterovírus tipo 72 por causa de suas características biofísicas e bioquímicas. OBJETIVOS • Compreender a etiopatogenia, tipos e manifestações de hepatite • Tratamento da hepatite (forma de profilaxia (vacina, calendário vacinal, etc) OBS: (Caracterizar inicialmente a hepatite) (Causas diversas (foco em causas virais)) Aspectos microbiológicos e sorológicos de cada hepatite (viral) Fatores de invasão no sistema imunológico Mecanismo de agressão Página 2 de 28 SOI-IV APG 9 No entanto, o HAV se diferencia dos outros picornavírus nas seguintes características: (a) as sequências de nucleotídeos (nt) e aminoácidos (aa) e os tamanhos de várias proteínas são diferentes; (b) a replicação do HAV em cultura de células é lenta e sem efeito citopático; (c) é resistente a temperaturas e agentes químicos que inativam outros picornavírus; (d) é estável em pH 1,0; (e) apresenta apenas 1 sorotipo, com sítio de neutralização imunodominante; (f) anticorpos específicos para enterovírus não reagem com HAV. Sendo assim, esses vírus foram classificados em um novo gênero, Hepatovirus, dentro da família Picornaviridae. O genoma viral consiste em uma molécula de RNA de fita simples de polaridade positiva, com 7.500 nt (7,5 kb) de tamanho e uma única sequência de leitura aberta (ORF, open reading frame) com 2.227 nt, que codifica para todas as proteínas virais. A ORF é flanqueada por regiões não codificantes em seus extremos 5′ e 3′ (este último com uma curta cauda poliadenilada). Uma única poliproteína é expressa a partir dessa ORF, que compreende a maior parte do genoma. A poliproteína é processada em precursores P1, P2 e P3. A partir da clivagem de P1 são obtidas as proteínas estruturais do capsídeo (VP1, VP2, VP3 e VP4), enquanto P2 e P3 codificam proteínas não estruturais que atuam nos eventos de replicação viral. A região P2 origina as proteínas 2A, 2B e 2C. A proteína 2A participa da morfogênese do nucleocapsídeo, a proteína 2B está associada ao aumento da permeabilidade das membranas celulares, e a proteína 2C, envolvida na replicação do genoma. A clivagem da região P3 produz 4 proteínas, das quais 3 são não estruturais (3A, 3B e 3C), enquanto a 4a proteína, denominada 3D, possui a função de RNA polimerase-RNA dependente. Apesar da uniformidade antigênica (sorotipo único), o HAV apresenta grande diversidade genética. Já foram descritos 6 genótipos (I a VI), dos quais os genótipos I, II e III são encontrados em seres humanos, que são ainda classificados em subgenótipos IA e IB; IIA e IIB; IIIA e IIIB. Biossíntese viral A replicação do genoma do HAV ocorre exclusivamente no citoplasma dos hepatócitos infectados. A única ORF do HAV é traduzida em um longo polipeptídeo precursor, que é processado por uma cascata de clivagens proteolíticas para, em última instância, dar origem às proteínas virais maduras. Após a penetração do vírus no hepatócito, o genoma viral é traduzido em uma poliproteína de mais de 200 kDa, dando prosseguimento assim a replicação viral Patogênese e manifestações clínicas A transmissão do HAV se dá pela via fecal-oral. Após a infecção, o vírus alcança a corrente sanguínea e é internalizado pelos hepatócitos, onde novas partículas são produzidas e secretadas no canalículo biliar de onde passam ao ducto biliar e ao intestino delgado. O ciclo entero-hepático do HAV continua até que anticorpos neutralizantes ou outros mecanismos da imunidade do hospedeiro o interrompam. Seguindo a infecção, os vírions são excretados pelas fezes e permanecem viáveis nas mãos e objetos contaminados. O contato com uma pessoa infectada é a fonte de infecção mais frequentemente identificada. A infecção pelo HAV pode variar desde assintomática até hepatite fulminante. As manifestações clínicas da hepatite A são dependentes da idade do paciente. Em crianças de até 6 anos, cerca de 70% das infecções são assintomáticas. Infecções sintomáticas, com icterícia e altos níveis de aminotransferases, são observadas em mais de 70% dos pacientes adultos, e a infecção é grave nessa faixa etária. Página 3 de 28 SOI-IV APG 9 Após o período de incubação médio, que é de aproximadamente 30 dias com variações de 15 a 50 dias, os sintomas típicos se desenvolvem incluindo febre, mal-estar, náusea, vômito, desconforto abdominal, urina escura (colúria), fezes claras (acolia fecal) e icterícia. Sintomas menos comuns incluem mialgia, prurido, diarreia, artralgia e exantema. Não existe evidência de doença persistente crônica após a fase agudada hepatite A, entretanto alguns pacientes apresentam quadro clínico prolongado podendo durar até 6 meses, com excreção de partículas virais (hepatite recidivante ou polifásica). Os testes laboratoriais mostram elevadas taxas de bilirrubina, fosfatase alcalina, aspartato- aminotransferase (AST) sérica e alanina- aminotransferase (ALT). O paciente se recupera do quadro clínico e das anormalidades dos parâmetros bioquímicos em até 2 meses após o início dos sintomas. O HAV é excretado nas fezes por 1 a 2 semanas antes do início da doença e por pelo menos 1 semana depois. A eliminação viral é maior no início dos sintomas e declina rapidamente. As fezes contêm partículas virais infecciosas até 8 dias após o início da icterícia. Diagnóstico laboratorial O diagnóstico da hepatite A é realizado pela detecção de anticorpos contra o vírus. Os anticorpos IgM anti-HAV aparecem na infecção aguda, e anticorpos IgG aparecem após a cura, permanecendo normalmente por toda a vida e protegendo contra novas infecções. O diagnóstico se baseia na detecção de IgM anti- HAV e de anti-HAV total (IgG + IgM). Elevações de enzimas hepáticas como ALT e AST ocorrem no quadro agudo e podem demorar até 6 meses para normalizarem. Antes do início dos sintomas clínicos, o HAV é detectado no sangue e nas fezes. A concentração nas fezes é muito elevada (109 vírions/g) enquanto a concentração no sangue é de 105 vírions/ml. Caso as amostras de fezes ou sangue estejam disponíveis antes dos sintomas clínicos, o HAV pode ser detectado. Isso ocorre em infecções experimentais de primatas ou durante surtos. Em cultura de células, a presença do HAV é detectada por imunoensaios (EIA), imunomicroscopia eletrônica (IME), testes de hibridização ou de reação em cadeia da polimerase associada à transcrição reversa (RT-PCR). No entanto, nenhum desses métodos é necessário no estudo clínico; eles só se mostram necessários no caso de dúvidas do agente infeccioso. A pesquisa de IgM anti-HAV é usada como marcador de infecção aguda. O título de anticorpos rapidamente aumenta até um período de 4 a 6 semanas e declinam a níveis não detectáveis entre 3 e 6 meses na maioria dos pacientes. Mais de 85% dos indivíduos apresentam as enzimas hepáticas normais antes ou no tempo de desaparecimento da IgM anti-HAV. A IgG anti-HAV pode ser detectada simultaneamente ou até 2 semanas depois do início dos sintomas agudos, e termina por substituir os anticorpos IgM. O ensaio do anticorpo anti-HAV total é utilizado também para determinar o estado imunológico de um indivíduo depois da vacinação ou infecção Página 4 de 28 SOI-IV APG 9 natural, ou avaliar o risco de um indivíduo que viaja para uma região de alta prevalência de HAV. A presença do anti-HAV total, na ausência de IgM específica, indica infecção passada ou imunidade vacinal, e proteção contra uma infecção futura. Prevenção e controle A conscientização da população sobre higiene pessoal, com ênfase nos cuidados em lavar as mãos e boas condições sanitárias, diminuiriam muito a ocorrência de casos esporádicos e de epidemias causados pelo HAV. Do ponto de vista da saúde pública, é essencial que todos tenham acesso à água de qualidade e a boas condições de saneamento básico e redes de esgoto. Milhões de pessoas já foram vacinadas com preparações licenciadas que são altamente imunogênicas, seguras e eficazes. A eficácia de proteção das vacinas contra o HAV em crianças, adolescentes e adultos é de 94 a 100%, após 2 doses, com intervalo de 1 mês entre elas. A proteção contra a hepatite A começa cerca de 10 a 21 dias após a primeira dose. Cinco vacinas monovalentes são atualmente utilizadas mundialmente. As vacinas Havrix®, Vaqta® e Avaxim® são preparadas a partir de vírus propagados em cultura de células MRC-5 (fibroblasto de pulmão fetal humano) e a Healive® é preparada em cultura de células 2BS (fibroblasto de pulmão fetal humano) e são inativadas com formalina. A Epaxal® utiliza antígeno de HAV produzido em células MRC-5 e adsorvido em virossoma (lipossoma contendo a hemaglutinina do vírus da influenza A, estirpe A/Singapura/6/86 (H1N1)). Três vacinas possuem o antígeno HAV propagado em cultura de células MRC-5 e inativado combinado com outros antígenos: a Twinrix® combina HAV e o antígeno de superfície do HBV recombinante (HBsAg); as vacinas Hepatryx® e ViATIM® combinam HAV e o polissacarídeo Vi de Salmonella typhi. Todas as vacinas devem ser administradas por via intramuscular no músculo deltoide. Estudos sorológicos realizados demonstram a persistência dos anticorpos protetores por até 10 anos após a vacinação. Reações no local da injeção (dor, eritema, edema), leves e de curta duração, foram relatadas em até 21% das crianças vacinadas. Reações sistêmicas (fadiga, febre, diarreia e vômitos) foram relatadas em menos de 5% dos vacinados, principalmente alteração da alimentação (8%) e cefaleia (4%) em crianças. As vacinas produzidas com vírus inativados são utilizadas na maioria dos países, enquanto as vacinas produzidas com vírus atenuados são fabricadas na China e utilizadas principalmente nesse país e na Índia. Em 2006, o Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP) dos Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA, emitiu recomendações para a prevenção da hepatite A por meio de imunização passiva e ativa. O ACIP recomendou a vacinação de todas as crianças a partir de 1 ano de idade, pessoas consideradas de risco para a infecção e qualquer pessoa que desejar obter imunidade contra o HAV. Essas recomendações são também sugeridas pela OMS. Pessoas consideradas em grupo de risco para a infecção por HAV incluem pessoas suscetíveis que viajam para países de moderada a alta endemicidade para HAV, homossexuais masculinos e usuários de drogas injetáveis ou não injetáveis, pessoas com risco ocupacional (indivíduos que trabalham com primatas símios infectados pelo HAV e laboratoristas que manipulam o vírus) e pessoas com desordens na coagulação, incluindo pacientes suscetíveis que estão aguardando transplante hepático ou que já foram submetidos a transplante. Pessoas com doença hepática crônica não apresentam necessariamente risco mais elevado, mas são mais propensas a ter manifestações graves da infecção pelo HAV e, portanto, devem receber a vacina. No Brasil, até julho de 2014, a vacina contra a hepatite A era disponibilizada pelo MS/Programa Nacional de Imunizações (PNI), nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE), somente para a imunização de indivíduos de maior risco de apresentar doença grave por hepatite A, sendo recomendada para: pessoas com hepatopatias crônicas de qualquer etiologia, portadores crônicos do vírus da hepatite B e vírus da hepatite C, coagulopatias, crianças menores de 13 anos infectadas pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou portadores da síndrome da Página 5 de 28 SOI-IV APG 9 imunodeficiência adquirida (AIDS), adultos infectados pelo HIV que fossem portadores do HBV ou HCV, doenças de depósito, fibrose cística, trissomia, imunodepressão terapêutica ou por doença imunossupressora, candidatos a transplante de órgãos sólidos, cadastrados em programas de transplante, transplantados de órgãos sólidos ou de medula óssea, doadores de órgãos sólidos ou de medula óssea, cadastrados em programas de transplantes e hemoglobinopatias. A partir de julho de 2014 a vacina Vaqta® foi incluída no Calendário Básico de Imunização da Criança. O esquema vacinalpreconizado pelo PNI do MS prevê dose única para crianças de 12 meses a 1 ano 11 meses e 29 dias. Será realizado o monitoramento da situação epidemiológica da doença no país, para definir a inclusão ou não de uma 2ª dose no calendário da criança. A vacina também está disponível em clínicas de vacinação particulares. A utilização profilática de imunoglobulinas (IG) anti-HAV pré-exposição é usada para pessoas suscetíveis que viajam para países de moderada a alta endemicidade para HAV, e na profilaxia pós- exposição de contatos familiares e outros contatos íntimos com pessoas infectadas, e em situações especiais pode ser usada em instituições como creches e em situações de exposição a uma fonte comum (alimento preparado por indivíduo contaminado). Quando administrada na profilaxia pré- exposição, a IG anti-HAV confere proteção por 3 a 5 meses. Quando administrada em até 2 semanas pós- exposição a IG anti-HAV apresenta entre 80 e 90% de eficiência na prevenção da hepatite A. A eficiência é maior se a IG anti-HAV for administrada no início do período de incubação (PI); quando administrada no final do período de incubação possivelmente ocorrerá apenas a atenuação da expressão clínica da infecção pelo HAV. Em 2007, o ACIP recomendou o uso da vacina na profilaxia pós-exposição com base em estudos que demonstraram a eficácia da vacina e da IG quando administradas em até 14 dias após a exposição ao vírus entre pessoas de 12 meses a 40 anos de idade. A vacina apresenta vantagens, com relação à IG, na profilaxia pós-exposição, incluindo a imunidade ativa que confere proteção duradoura, maior facilidade na administração, maior aceitação pelos pacientes e ampla disponibilidade. O ACIP recomenda que um indivíduo, que tenha sido recentemente exposto ao HAV e que não tenha recebido previamente a vacina contra hepatite A, deve receber uma única dose da vacina monovalente ou a IG o mais rápido possível, e dentro de 14 dias da exposição. Entretanto, essas recomendações são estratificadas com base na idade e status clínico dos indivíduos expostos. Para pessoas entre 12 meses e 40 anos de idade, é preferível o uso de 1 dose da vacina; para pessoas acima de 40 anos, a IG é preferível, mas a vacina pode ser utilizada caso a IG não esteja disponível; e para crianças menores de 12 anos de idade, pessoas imunocomprometidas, pessoas com diagnóstico de doença hepática crônica e pessoas com contraindicação da vacina a IG é recomendada. As pessoas que receberem a vacina na profilaxia pós-exposição devem receber a 2ª dose no período recomendado pelo fabricante para completar a série. Tratamento O tratamento é baseado em medidas de suporte, sendo orientado repouso até a melhora da icterícia. Sugere-se a interrupção do uso de álcool e medicações que possam prejudicar o fígado. Recomenda-se dieta hipercalórica, pois o fígado é um dos responsáveis por manter constante a taxa de açúcar no sangue, e essa função pode estar prejudicada. Devem ser tomados cuidados para evitar a transmissão entre os familiares. Só é necessária internação para pacientes graves, idosos e indivíduos com outras doenças graves. Os raros pacientes com hepatite fulminante (com aparecimento de encefalopatia hepática dentro de 8 semanas do início dos sintomas) devem ser encaminhados para um hospital onde haja disponibilidade de transplante de fígado. Classificação e características Durante anos, o HEV foi classificado na família Caliciviridae por apresentar similaridades em sua Página 6 de 28 SOI-IV APG 9 estrutura, morfologia e organização genômica com os membros dessa família de vírus. Posteriormente, o HEV foi classificado no gênero Hepevirus como representante da família Hepeviridae. Essa família inclui também vírus proximamente relacionados ao HEV, que infectam mamíferos como porcos, coelhos, roedores, veados e mangustos, assim como vírus que apresentam maiores distâncias genéticas e que infectam aves como a galinha. O HEV apresenta simetria icosaédrica, não é envelopado e tem aproximadamente 27 a 34 nm de diâmetro. O genoma é formado por RNA de fita simples de polaridade positiva, com aproximadamente 7,2 kb. A região codificante do genoma possui 3 sequências de leitura abertas (ORF, open reading frames) sobrepostas, além de contar com estrutura cap na extremidade 5′ e cauda poli(A) na extremidade 3′. A ORF1 codifica uma poliproteína não estrutural com 1.693 aa que possui domínios com atividade de metiltransferase, protease, RNA helicase e RNA polimerase-RNA dependente, fundamental para a replicação viral. A ORF2 codifica uma proteína de 660 aa que forma o capsídeo do vírus e é responsável pela montagem de novas partículas infecciosas, interação com as células-alvo hospedeiras e imunogenicidade. A ORF3 localiza-se sobreposta às 2 outras ORF e codifica uma pequena proteína de 114 aa requerida para a replicação do HEV in vivo e que atua no processo de liberação dos vírions das células infectadas. O RNA genômico contém também pequenas regiões não traduzidas (UTR, untranslated regions) nas extremidades 5′ e 3′ (com 26 e 68 nt, respectivamente) que, juntamente com uma região conservada de 58 nt na ORF1, se dobra para formar estruturas secundárias do tipo haste e alça (stem- loop) importantes para a replicação do RNA. Biossíntese viral Um modelo de replicação e expressão gênica do HEV foi proposto baseado nas similaridades e homologia de sequências com outros vírus de RNA de polaridade positiva mais bem estudados. Os receptores celulares e o modo de entrada do HEV nas células permissivas permanecem desconhecidos, no entanto, a presença de proteoglicanas na superfície celular é necessária para a adsorção e entrada do vírus. Após a entrada do vírus na célula permissiva, a região ORF1 do RNA genômico é traduzida no citoplasma das células infectadas, dando prosseguimento a replicação. A dificuldade de propagação do HEV in vitro limita a realização de estudos virológicos mais aprofundados. O desenvolvimento de sistemas de cultura de células é fundamental para o melhor entendimento dos processos biológicos do HEV e, por conseguinte, identificar possíveis alvos para drogas antivirais. Recentemente, linhagens de células suscetíveis ao HEV foram descritas o que possibilitará a realização de novos estudos e consequentemente aumentar significativamente nosso entendimento sobre o ciclo replicativo desse vírus. A caracterização molecular de estirpes de HEV circulantes entre humanos e animais levou à definição de 4 genótipos. Os genótipos 1 e 2 são encontrados exclusivamente em seres humanos enquanto os genótipos 3 e 4 possuem maior variedade de hospedeiros. Patogênese e manifestações clínicas A patogênese do HEV é pouco conhecida especialmente pela carência de um modelo de estudo animal, como primatas não humanos. Acredita-se que o vírus penetre no hospedeiro pela via oral por contaminação de água potável ou por ingestão de alimentos crus ou carnes malcozidas provenientes de animais abatidos durante o estado virêmico. A transmissão por transfusões de sangue já foi descrita em áreas endêmicas a partir de doadores com infecção subclínica em fase virêmica. Contudo, em virtude do curto período de viremia, admite-se que a probabilidade de transmissão Página 7 de 28 SOI-IV APG 9 parenteral é baixa. A transmissão vertical (materno- fetal) também já foi descrita, mas é incomum. O período de incubação varia entre 15 e 60 dias(média de 40 dias). O sítio primário de replicação do vírus é o trato gastrointestinal. Não está claro como o vírus atinge o fígado, mas acredita-se que seja via veia porta. Nos hepatócitos, o vírus é replicado no citoplasma das células infectadas e liberado na bile e no sangue por mecanismo ainda desconhecido. Com base em um estudo de infecção oral em voluntários, a viremia foi detectada por RT-PCR 3 semanas após a infecção e 1 semana antes do aparecimento dos sintomas. A excreção do vírus nas fezes pode ser detectada por RT-PCR 1 semana antes e permanece por até 4 semanas após o surgimento dos sintomas. O pico de alteração das enzimas hepáticas ocorre entre 7 e 8 semanas após a infecção, retornando a valores normais em 3 a 4 meses. Os anticorpos anti-HEV, IgM e IgG, aparecem no início da doença, em geral, coincidindo com o início da doença e o pico das enzimas hepáticas. A IgM desaparece depois de 4 a 5 meses e a IgG persiste, mas decai de título rapidamente logo após a infecção, permanecendo detectável por vários anos. Contudo, o tempo de persistência desses anticorpos no soro não é conhecido. A gravidade das infecções pelo HEV é, de maneira geral, maior do que a das infecções pelo HAV. A taxa de mortalidade devido à hepatite E varia em diferentes estudos, mas é tão alta quanto 1%, comparada com 0,2% para a hepatite A. Mais importante, no entanto, é a gravidade da hepatite E em gestantes. A mortalidade devido à infecção por esse vírus na gravidez aumenta com o tempo de gestação e pode chegar a até 20%. Não existe nenhum relato de que os outros vírus que causam hepatite possam provocar tal efeito em mulheres grávidas. Ainda não são conhecidos os motivos dessa alta taxa de mortalidade durante a gravidez. Alguns estudos mostraram a associação da infecção pelo HEV na gestação à ocorrência de nascimentos prematuros e alta taxa de mortalidade infantil. As discrepâncias entre o tempo de aparecimento da replicação viral no fígado e a época do surgimento das alterações histopatológicas e bioquímicas da hepatite sugerem que a patogênese do HEV seja mediada pela resposta imunológica e não pelo efeito citopático direto dos vírus sobre os hepatócitos, da mesma forma que o observado para outros vírus hepatotrópicos. A doença apresenta fase inicial pré-ictérica de poucos dias, caracterizada por febre, anorexia, disgeusia (paladar alterado), dor abdominal, alterações intestinais e vômito. O surgimento de icterícia coincide com o desaparecimento dos sintomas prodrômicos e, geralmente, é autolimitado, sendo resolvido em poucas semanas. Na maioria dos casos, a hepatite E parece ser assintomática, uma vez que grande parte dos indivíduos, que mora em áreas endêmicas, possui anticorpos anti-HEV sem ter apresentado qualquer sinal anterior de hepatite aguda. Inicialmente, acreditava-se que a hepatite E, assim como a hepatite A, era sempre autolimitada, não progredindo para a cronicidade. No entanto, estudos mostraram que alguns indivíduos infectados pelo genótipo 3 do HEV tiveram o RNA viral detectado no soro e nas fezes por mais de 6 meses. A maioria dos casos ocorreu em receptores de órgãos transplantados e indivíduos imunodeprimidos pela coinfecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou por tratamento quimioterápico. Diagnóstico laboratorial A presença do HEV pode ser mostrada diretamente pela detecção do RNA viral, ou indiretamente pela detecção de marcadores da resposta imunológica do hospedeiro. Página 8 de 28 SOI-IV APG 9 Testes comerciais específicos para a detecção de anticorpos IgM e IgG anti-HEV estão disponíveis na Europa, Ásia e Canadá. Os testes comerciais detectam IgM anti-HEV em até 90% dos casos de infecção aguda se a amostra for colhida entre 1 e 4 semanas depois do início da doença. Cerca de 3 meses depois, o anticorpo IgM anti-HEV não é mais detectável em mais de 50% dos pacientes. A ocorrência da hepatite E deve ser suspeitada em casos de surtos de hepatite entérica oriundos de águas contaminadas que ocorram em regiões geográficas pouco desenvolvidas, especialmente se a doença se manifestar de forma mais grave em gestantes. Em países desenvolvidos, a suspeita de hepatite E normalmente está associada a pacientes com hepatite que retornaram de regiões endêmicas. A detecção do RNA do HEV por meio de técnicas moleculares de amplificação permite não apenas a detecção do vírus, mas também a identificação do genótipo e a determinação da sequência genômica do isolado viral. Entretanto, devido à viremia e à eliminação do vírus ocorrerem por um período de tempo curto, ensaios moleculares podem não apresentar sensibilidade satisfatória. Prevenção, controle e tratamento A maioria dos casos de hepatite E são autolimitados e não necessitam de tratamento. Porém, alguns pacientes com doença hepática crônica, que foram posteriormente acometidos por hepatite aguda grave pelo HEV genótipo 3, responderam com sucesso ao tratamento com ribavirina. Devido à gravidade e alta taxa de mortalidade relacionadas com a infecção pelo HEV em gestantes, em áreas endêmicas, uma nova droga antiviral deveria ser desenvolvida uma vez que a utilização da ribavirina é contraindicada durante a gravidez por possuir propriedades teratogênicas. Nos poucos casos de indivíduos com hepatite E crônica relatados até o momento, a terapia com interferon peguilado ou ribavirina por 3 a 12 meses alcançou resultados satisfatórios no que diz respeito à redução da carga viral no soro a níveis indetectáveis por 3 a 6 meses após o fim do tratamento. Em relação à prevenção da hepatite E, medidas que garantam a qualidade da água potável da população, o correto saneamento de dejetos humanos e cuidados com a higiene pessoal são essenciais para evitar a disseminação do HEV. O cuidado deve ser ainda maior em regiões endêmicas e durante os surtos epidêmicos quando o tratamento da água com cloro e com fervura prévia ao consumo pode contribuir para a prevenção da doença. Em áreas onde a transmissão zoonótica foi identificada, medidas sanitárias no manejo dos animais e o cozimento apropriado das carnes consumidas são importantes. Duas vacinas contra hepatite E estão sendo avaliadas em testes clínicos. Ambas utilizam versões truncadas da proteína do capsídeo expressas em células de inseto ou em sistemas bacterianos. Uma vez produzidas, as proteínas do capsídeo organizam-se em partículas vazias similares ao vírus (VLP, virus-like particles) capazes de induzir resposta pelo sistema imunológico do hospedeiro. Avaliações preliminares indicam que ambas as vacinas são bem toleradas e altamente imunogênicas, com eficácia protetora que variou de 95 a 100% nos voluntários estudados. Vírus de hepatite de transmissão SANGUÍNEA E SEXUAL Classificação e características O HBV pertence à família Hepadnaviridae, a qual compreende um pequeno número de vírus que compartilham várias características em comum, tais como: tamanho, ultraestrutura do vírion, organização genômica e mecanismo particular de replicação do DNA viral. Essa família é dividida em 2 gêneros: Orthohepadnavirus e Avihepadnavirus; este último representa vírus que infectam aves (patos, garças, gansos e cegonhas), e no primeiro estão incluídos os vírus que infectam mamíferos (seres humanos e outros primatas, esquilos e marmotas). Página 9 de 28 SOI-IV APG 9 O HBV possui mecanismo único de replicação entre os vírus que infectam o homem, que permite a produção de diferentes tipos de partículas virais.Em preparações para microscopia eletrônica a partir do soro de indivíduos infectados, podem ser observados 3 tipos de partículas: completas esféricas infecciosas, incompletas esféricas e incompletas filamentosas. A concentração de partículas virais completas no soro de pessoas infectadas pode ultrapassar a 109/ml. A partícula possui densidade de 1,22 g/cm3 em gradiente de cloreto de césio. As partículas incompletas são encontradas em excesso (em torno de 1013/ml) no soro de indivíduos infectados. As partículas subvirais (incompletas), esféricas e filamentosas, apresentam diâmetro de 22 nm e densidade de aproximadamente 1,18 g/cm3 em cloreto de césio. As partículas virais infecciosas têm diâmetro de aproximadamente 42 nm e apresentam envelope lipoproteico contendo as proteínas S (small), M (middle) e L (large), as quais constituem o HBsAg. O nucleocapsídeo possui simetria icosaédrica e é constituído pela proteína do core (HBcAg) e pelo genoma viral. O genoma do HBV é um dos menores quando comparado a genomas de outros vírus de seres humanos. Ele possui aproximadamente 3.200 pares de bases (3,2 kpb) e é constituído de uma molécula de DNA circular de fita parcialmente dupla. Todo o genoma do HBV é codificante, possuindo 4 ORF conhecidas como pré-S, C, P e X. Todos os genes são codificados pela fita mais longa do DNA e possuem pelo menos uma região de sobreposição a outro gene. A sobreposição dessas 4 ORF aumenta a capacidade de síntese proteica em aproximadamente 50% do esperado para a totalidade do genoma do HBV. O gene pré-S é responsável pela síntese de proteínas que formam o antígeno HBs (HBsAg); o gene C é responsável pela síntese do antígeno HBc (HBcAg) e de um antígeno encontrado livre no soro dos indivíduos infectados, chamado antígeno HBe (HBeAg), cuja detecção está relacionada com a taxa de replicação viral; o gene X é responsável pela síntese de HBxAg, proteína reguladora envolvida na oncogênese; e o gene P cobre aproximadamente 3/4 do genoma e codifica uma enzima com atividade de DNA polimerase-DNA dependente, de transcriptase reversa e de RNAse H. A ORF desse gene está defasada de 1 nucleotídeo em relação à ORF pré-S. Existem 4 domínios na polimerase viral: o domínio aminoterminal, que atua como proteína terminal ou primase, o qual é necessário para o início da síntese da fita de DNA de polaridade negativa; uma região conhecida como espaçadora que aparentemente não possui nenhuma função em particular; o domínio de transcriptase reversa e o domínio carboxiterminal que possui atividade de RNAse H. O gene pré-S inclui as regiões pré-S1, pré-S2 e S, com 3 códons de iniciação na mesma ORF. A maior proteína que compõe o HBsAg é a proteína L, cujo códon de iniciação está localizado no início da região pré-S1 e é codificada pelas regiões pré-S1, pré-S2 e S. A proteína de tamanho intermediário (M) é codificada pelas regiões pré-S2 e S. É a partir do Página 10 de 28 SOI-IV APG 9 códon de iniciação, localizado no início da região S, que a menor proteína (S) é sintetizada. Essas proteínas possuem o mesmo códon de terminação, que se localiza no final da região S, podem se apresentar sob as formas glicosiladas ou não glicosiladas, e não são distribuídas uniformemente entre as diferentes formas de partículas virais. Partículas subvirais de 22 nm são compostas predominantemente por proteínas S, apresentando quantidades variáveis de proteína M e poucas (ou nenhuma) cópias da proteína L. As partículas completas (vírions) são enriquecidas de proteínas L e, uma vez que essas proteínas contêm os sítios de ligação do vírus aos receptores específicos nos hepatócitos, provavelmente essa maior quantidade de proteínas L evita que as partículas subvirais, que são mais numerosas, compitam com os vírions pelos receptores presentes na superfície celular. A proteína M também atua como elemento de ligação para a adsorção do HBV nas células, e possui uma região que mimetiza (se passa) por albumina sérica humana, o que permite que o HBV penetre via receptores celulares de albumina no citoplasma do hepatócito. A proteína S, que é a principal proteína que forma o HBsAg, é capaz de induzir resposta imunológica protetora contra o HBV, e é o antígeno utilizado na formulação de vacinas. Mutações em epítopos específicos, ocorrendo dentro do gene S podem interferir na proteção vacinal e na análise de resultados sorológicos, bem como prejudicar a terapia baseada na utilização de anticorpos específicos para suprimir a infecção em indivíduos transplantados. O HBV não é replicado em linhagens celulares ou culturas de células diploides, sendo necessária a utilização de culturas de células primárias hepáticas de origem humana, o que dificulta o isolamento do HBV. A utilização de modelos animais em infecções experimentais é restrita, uma vez que o vírus infecta somente o homem e outros primatas. Embora normalmente não sejam suscetíveis à infecção viral, algumas linhagens de hepatomas de origem humana (HepG2, HuH6 e HuH7) permitem a replicação do HBV, mas somente quando transfectadas com o genoma viral clonado. As variantes do HBV estão classificadas atualmente em 8 genótipos (A-H) por comparação de sequências nucleotídicas do gene pré-S ou do genoma completo. Pequenas variações nos genótipos do antígeno de superfície (HBsAg) do HBV permitem estabelecer 4 subtipos: adw, ayw, adr e ayr. Os genótipos C e F estão relacionados com maiores riscos de carcinogênese. Os genótipos do HBV não estão uniformemente distribuídos pela população mundial. Assim, o genótipo A (genoma de 3.221 nt) é universal, os genótipos B e C (3.215 nt) são encontrados nas populações indígenas da Ásia e do Pacífico, o genótipo D (3.182 nt) é encontrado em países da região mediterrânea; o genótipo E (3.212 nt), exclusivamente na África; o genótipo F (3.215 nt), entre os ameríndios e na Polinésia, enquanto o genótipo G (3.248 nt) é encontrado nos EUA e na Europa. Apresentando grande semelhança com o genótipo F, o genótipo H foi encontrado inicialmente em 2 amostras: 1 da Nicarágua e 1 dos EUA e estaria relacionado com populações ameríndias. No Brasil, devido à miscigenação da população, 3 genótipos (A, D e F) são encontrados majoritariamente, com diferenças regionais. Assim, há predominância dos genótipos A e F em algumas áreas da região Norte, sendo observada, ainda, a presença do genótipo F, principalmente em populações isoladas. Por outro lado, em populações de áreas urbanas da região Sudeste há maior predomínio dos genótipos A e D. A estabilidade do HBV nem sempre coincide com a do HBsAg. A antigenicidade e, provavelmente, a infecciosidade do HBsAg são destruídas por hipoclorito de sódio a 0,25% após 3 minutos. A infecciosidade da partícula viral é perdida por autoclavação a 121°C por 20 min ou estufa (calor seco) a 160°C por 1 h; glutaraldeído a 2% em temperatura ambiente após 5 min; e radiação UV. Biossíntese viral Página 11 de 28 SOI-IV APG 9 Os mecanismos e os primeiros eventos de adsorção e penetração do vírus nos hepatócitos ainda não estão bem estabelecidos, mas sabe-se que vários receptores estão envolvidos nesse processo. Uma vez no citoplasma, o nucleocapsídeo é transportado para o núcleo, liberando o genoma viral, iniciando-se a replicação viral Patogênese e manifestações clínicas A infecção pelo HBV pode levar a uma série de quadros clínicos, que vão desde a infecção assintomática até o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular(CHC). Cerca de 90% de indivíduos adultos infectados não desenvolvem sintomas; os demais podem desenvolver hepatite crônica com evolução para cirrose e hepatocarcinoma. Uma pequena proporção pode desenvolver a forma fulminante da doença seguida de óbito. Entre as crianças, devido à imaturidade do sistema imunológico, cerca de 90% dos indivíduos se tornam portadores crônicos. Cerca de 90% dos casos de infecção pelo HBV em adultos evoluem para a cura. Aproximadamente 70% desses pacientes apresentam hepatite anictérica ou subclínica. O HBV não induz infecção citolítica e o dano aos hepatócitos é causado pela resposta inflamatória e pela ação dos linfócitos T citotóxicos (CTL). Quando o tecido hepático sofre injúria com a morte de hepatócitos, as células estreladas hepáticas respondem produzindo fibras de colágeno. Durante a infecção crônica a injúria persistente devido à destruição celular pelos CTL leva ao depósito contínuo de colágeno, produzindo tecido fibroso que pode evoluir para cirrose. Diversas características do HBV facilitam sua evasão das defesas do hospedeiro e o estabelecimento de infecção crônica. Uma estratégia utilizada pelo vírus é a produção de grande quantidade de partículas não infecciosas, constituídas de HBsAg, que se ligam aos anticorpos neutralizantes bloqueando sua ação. Outra estratégia de evasão do HBV é a interferência com a expressão de interferon (IFN), mas o mecanismo não é conhecido. A despeito dessas estratégias, o sistema imunológico do hospedeiro eventualmente resolve a infecção em mais de 90% dos casos, em adultos. O mecanismo de desenvolvimento do CHC ainda não está elucidado e nenhum gene do HBV foi associado à transformação celular. Acredita-se que o desenvolvimento do CHC resulte da excessiva proliferação celular que ocorre no fígado na tentativa de reposição das células que estão sendo continuamente destruídas pela resposta imunológica contra a infecção. Essa proliferação excessiva parece aumentar o risco da célula adquirir mutações oncogênicas. A inflamação crônica ou cirrose do fígado também podem ser um fator, possivelmente por estarem associadas a potencial mutagênese, concentrações locais elevadas de superóxido e radicais livres. A ocorrência de CHC na ausência de cirrose é evento raro. Todos os cânceres hepáticos associados ao HBV contêm fragmentos de DNA viral integrados; fato consistente com a possibilidade de que um produto gênico viral promova câncer. A proteína HBx do HBV tem sido implicada nesse processo por ser expressa em diversos CHC e porque essa proteína estimula a expressão de muitos genes celulares, incluindo proto-oncogenes. Além disso, a proteína HBx parece ser capaz de inibir a atividade supressora de tumor da proteína p53. A infecção pelo HBV possui período de incubação de 45 a 180 dias (média de 60 a 90 dias). A fase aguda é caracterizada pela presença do HBsAg no soro do indivíduo, seguida pelo aparecimento de IgM anti-HBc e anti-HBc total (IgM + IgG). O HBeAg, indicativo de replicação viral e infecciosidade, surge no final do período de incubação e desaparece pouco antes do HBsAg, no decorrer da fase sintomática. É um marcador geralmente associado à presença do genoma viral. A convalescença ocorre de 2 a 16 semanas a partir da infecção, com declínio de IgM anti-HBc, permanência de IgG anti-HBc e desaparecimento do HBsAg. Página 12 de 28 SOI-IV APG 9 A cura é caracterizada pela soroconversão do HBsAg para anti-HBs, que confere imunidade ao indivíduo, e pela normalização das enzimas hepáticas. De 1 a 2% dos pacientes com doença aguda evoluem para insuficiência hepática fulminante nas 4 primeiras semanas, com elevadas taxas de mortalidade. Nesse caso, a titulação de HBsAg pode ser baixa, ou até mesmo indetectável. A hepatite fulminante é decorrente da necrose maciça do fígado, levando rapidamente ao estabelecimento de encefalopatia, seguida de falência múltipla dos órgãos. Cerca de 10% dos adultos infectados pelo HBV tornam-se portadores crônicos da doença, podendo desenvolver quadros de cirrose hepática e CHC. Caso a infecção ocorra durante a gestação, parto ou amamentação, a chance da mesma evoluir para cronicidade é de aproximadamente 85%, e é a manifestação da hepatopatia mais precoce. Os portadores crônicos apresentam o marcador HBsAg persistente no soro por período igual ou superior a 6 meses, não havendo soroconversão para anti- HBs. O marcador anti-HBe é detectado a partir da produção de anticorpos (soroconversão) pelos pacientes positivos para o HBeAg e está associado à interrupção da replicação viral. A IgG anti- HBc aparece acompanhando o HBsAg e é demonstrativo de exposição prévia ao vírus. A infecção crônica pelo HBV desenvolve-se em 3 fases sucessivas: (i) Replicação viral ativa, com lesões hepáticas discretas ou ausentes, devido à baixa resposta imunológica do hospedeiro e à alta infecciosidade; (ii) Diminuição da replicação viral, com desaparecimento do antígeno HBeAg e surgimento do anticorpo anti-HBe devido à intensificação da reação imunológica, resultando em lesões hepáticas graves e elevado risco e estabelecimento de cirrose; (iii) Inativação da replicação viral com síntese contínua de HBsAg, grande risco de desenvolvimento de CHC (especialmente nos casos de cirrose estabelecida) e possível reativação da infecção e reinstalação da infecciosidade. Existem 3 situações diferentes de infecção crônica pelo HBV que podem se estabelecer conforme a expressão clínica e histológica da doença. Uma delas é a hepatite crônica persistente, que normalmente é assintomática, com exame clínico normal ou com hepatomegalia discreta. Apresenta testes hepáticos normais, exceto para transaminases, que sofrem elevação de até 4 vezes nos valores de referência. O exame histológico demonstra infiltração inflamatória moderada composta basicamente de células mononucleadas e hepatócitos normais ou pouco alterados. Embora o prognóstico seja geralmente favorável, há risco de evolução para a forma crônica ativa com persistência da replicação viral. A hepatite crônica ativa é caracterizada por enfraquecimento e icterícia, hepatomegalia moderada, esplenomegalia, fosfatase alcalina e gamaglutamiltranspeptidase (GGT) normais ou moderadamente elevadas, além de a biópsia hepática apresentar infiltrado inflamatório constituído essencialmente de linfócitos. Há ainda a cirrose, doença progressiva que consiste na formação excessiva de tecido conjuntivo seguido de endurecimento e contração do fígado e com risco bastante elevado de evolução para CHC. A hepatite crônica pelo HBV pode ser dividida em 4 fases. A 1ª é chamada de imunotolerância, com elevada replicação viral, sem evidências de agressão hepatocelular. A denominação de fase de imunotolerância é devida ao fato de que o sistema Página 13 de 28 SOI-IV APG 9 imunológico do indivíduo é induzido a tolerar a replicação viral. Por esse motivo, as aminotransferases estão normais ou próximas do normal e há pouca atividade inflamatória no fígado. Geralmente, essa fase é mais longa nos indivíduos infectados por transmissão vertical, não havendo indicação de tratamento com as drogas atualmente disponíveis. A 2ª fase é chamada de imunoclearance, quando o sistema imunológico não é mais capaz de eliminar o vírus. Com isso, ocorre a agressão dos hepatócitos devido à replicação viral, gerando elevação das transaminases. Para os pacientes que apresentam o HBeAg positivo, o que traduz replicaçãoviral, indica-se tratamento. O portador inativo é a 3ª fase e se caracteriza por níveis muito baixos ou indetectáveis de replicação viral, normalização das transaminases e, geralmente, produção de anticorpos (soroconversão) com o aparecimento do anti-HBe. Nesse caso, o sistema imunológico do indivíduo consegue reprimir a replicação viral, mas a eliminação do HBV não ocorre porque o DNA viral se integra ao núcleo dos hepatócitos. Não há indicação de tratamento com as drogas atualmente disponíveis, pois esses pacientes têm bom prognóstico. Considerando que o vírus pode ser reativado nessa fase, o Ministério da Saúde (MS) do Brasil recomenda determinações de carga viral (HBV- DNA quantitativo), pelo menos, a cada 6 meses para monitoramento. Em seguida à fase do portador inativo, o paciente pode passar para a 4ª fase, chamada de reativação. Esse fenômeno pode ocorrer por imunossupressão ou por mutações virais, permitindo o retorno da replicação por falha na vigilância imunológica do indivíduo. No primeiro caso, geralmente, o paciente reverte a soroconversão, tornando-se novamente HBeAg reagente. Na segunda situação, o paciente continua positivo para o anticorpo anti-HBe caracterizando a mutação pré-core, que decorre da substituição de nucleotídeos nessa região, incapacitando a expressão do HBeAg ou levando à sua expressão em níveis muito baixos. Após o desaparecimento do HBeAg, com ou sem soroconversão para o anti-HBe pode seguir-se exacerbação do quadro de hepatite, manifestada pela elevação da ALT e mesmo pelo aparecimento de icterícia, quadro que pode se confundir com hepatite aguda. (não ira ter HBeAg suficiente para a formação de anti-HBe) Nos pacientes em que o HBeAg não consegue diferenciar aqueles pacientes com ou sem replicação significativa, é necessário realizar a pesquisa quantitativa do DNA do HBV, ou seja o teste de carga viral. Nesse teste, uma Unidade Internacional (UI) corresponde a 5,26 cópias de vírus. Uma forma de hepatite que vem gerando muitos debates é a infecção oculta pelo HBV. Essa infecção é caracterizada pela detecção do DNA viral no soro e/ou fígado do paciente na ausência de HBsAg detectável. Este quadro é observado em até 30% dos indivíduos com doença hepática de etiologia desconhecida e tem sido reportado em porção significativa de pacientes com CHC. Diagnóstico laboratorial O diagnóstico da infecção pelo HBV deve ser realizado pela análise conjunta de exames clínicos e laboratoriais para esclarecimento da doença. A hepatite B aguda pode ser identificada por meio de exames bioquímicos que avaliam as taxas de transaminases do indivíduo. Testes imunoenzimáticos constituem as principais ferramentas para o diagnóstico das hepatites virais, já que detectam os antígenos e anticorpos presentes no soro do indivíduo portador da infecção e podem também indicar a fase de infecção. A partir da descoberta do antígeno Austrália e de sua associação com hepatite, marcadores sorológicos Página 14 de 28 SOI-IV APG 9 importantes para o diagnóstico laboratorial da hepatite B foram estabelecidos. São eles: HBsAg, anticorpo contra o HBsAg (anti- HBs), anticorpo contra HBc (anti-HBc), HBeAg e anticorpo contra o HBeAg (anti-HBe). A janela imunológica pra os testes sorológicos da hepatite B é de 30 a 60 dias. Além desses marcadores sorológicos, a pesquisa do ácido nucleico viral (DNA do HBV), pode ser realizada por meio de técnicas de biologia molecular quantitativa e qualitativa, como a reação em cadeia da polimerase (PCR). Considerando que a PCR é altamente sensível para a detecção do DNA do HBV na maioria dos portadores do HBsAg, o teste qualitativo não possui importância clínica, pois pode se encontrar positivo mesmo na ausência de replicação viral. Portanto, deve ser realizada primariamente a pesquisa do HBsAg por técnicas imunoenzimáticas, a custos menores. Para o acompanhamento da evolução da doença e eficácia de esquemas terapêuticos para monitoramento da presença de replicação viral e controle da cura, recomenda-se os testes quantitativos os quais determinam a carga viral do indivíduo, em casos em que não se detecta o HBeAg. A janela imunológica para os testes moleculares da hepatite B é de 25 dias. Prevenção e controle A prevenção da hepatite B visa reduzir os casos de hepatite, tanto aguda quanto crônica, e, consequentemente, as complicações desencadeadas pelo agravamento dessa infecção. Esses fatores dependem da seleção e controle de doadores de sangue, sêmen, tecidos e da educação da população em relação às formas de transmissão, por meio de programas de conscientização e treinamento de profissionais de saúde. O modo mais eficaz de prevenir a hepatite B é por meio das vacinas, incluindo programas de vacinação que englobe crianças e adolescentes em todo o mundo, além de adultos que constituam uma população com especial risco para essa doença. No Brasil, a vacina contra a hepatite B foi implantada em 1992 e está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para faixas etárias específicas menores de 1 ano de idade, a partir do nascimento, preferencialmente nas primeiras 12 h após o parto e crianças e adultos entre 1 e 49 anos de idade; e para situações de maior vulnerabilidade: vítimas de abuso sexual, vítimas de acidentes com material biológico positivo ou fortemente suspeito de infecção por HBV, comunicantes sexuais de portadores de HBV, profissionais de saúde, hepatopatias crônicas e portadores de hepatite C, doadores de sangue, transplantados de órgãos sólidos ou de medula óssea, doadores de órgãos sólidos ou de medula óssea, potenciais receptores de múltiplas transfusões de sangue ou politransfundidos, nefropatias crônicas/dialisados/síndrome nefrótica, convívio domiciliar continuo com pessoas portadoras de HBV, asplenia anatômica ou funcional e doenças relacionadas, fibrose cística (mucoviscidose), doença de depósito, imunodeprimidos, populações indígenas, usuários de drogas injetáveis e inaláveis, pessoas reclusas (presídios, hospitais psiquiátricos, instituições de menores, forças armadas, etc), carcereiros de delegacias e penitenciárias, homossexuais masculinos, profissionais do sexo, profissionais de saúde, coletadores de lixo hospitalar e domiciliar, bombeiros, policiais militares, policiais civis e policiais rodoviários, profissionais envolvidos em atividade de resgate. As primeiras vacinas licenciadas contra a hepatite B eram derivadas de plasma de doadores humanos portadores de infecção crônica pelo HBV, em que o vírus era inativado por métodos físico-químicos. Desde 1986, utilizam-se vacinas produzidas a partir de tecnologia de DNA recombinante, em que é feita a inserção de um plasmídeo contendo o gene que codifica para o HBsAg em Sacharomices cerevisiae. As células dessa levedura produzem o HBsAg, que é posteriormente purificado e utilizado na produção de vacinas. A imunização contra a hepatite B é realizada em 3 doses, com intervalo de 1 mês entre a 1ª e a 2ª , e de 6 meses entre a 1ª e a 3ª (0, 1 e 6 meses). A vacina deve ser aplicada no músculo deltoide. Deve-se evitar a aplicação na região glútea, por resultar em menor imunogenicidade. A dose da vacina, em micrograma ou mililitros, varia de acordo com o fabricante, devendo-se seguir as orientações da bula e as normas do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Após administração do esquema completo, a vacina induz imunidade em 90 a 95% dos casos vacinados. Página 15 de 28 SOI-IV APG 9 A imunoglobulina humana anti-hepatite B (IGHAHB) usualmente é administradaem dose única, 0,5 ml para recémnascidos ou 0,06 ml/kg de peso corporal (máximo de 5 ml) para as demais idades. A IGHAHB deve ser aplicada por via intramuscular, inclusive na região glútea. Quando administrada simultaneamente à vacina, a aplicação deve ser feita em grupo muscular diferente. É indicada para pessoas não vacinadas, após exposição ao vírus da hepatite B, nas seguintes situações: prevenção da infecção perinatal pelo vírus da hepatite B; vítimas de acidentes com material biológico positivo ou fortemente suspeito de infecção por HBV, sem vacinação para hepatite B; comunicantes sexuais de casos agudos de hepatite B; vítimas de abuso sexual; e imunocomprometidos após exposição de risco, mesmo que previamente vacinados Tratamento Não há indicação de tratamento específico para a hepatite viral aguda, portanto a terapêutica é indicada para os portadores de hepatite B crônica. Inicialmente, o tratamento visa eliminar o vírus ou inibir sua replicação, diminuindo a necroinflamação hepática, e, de forma secundária, evitar a progressão para cirrose e câncer hepático, aumentando a sobrevida e melhorando a qualidade de vida do indivíduo. Com o tratamento, busca-se a negativação sustentada dos marcadores de replicação viral ativa, HBeAg e carga viral, pois estes traduzem remissão clínica, bioquímica e histológica. Até o momento, 8 antivirais foram aprovados para o tratamento da hepatite crônica pela agência americana Food and Drug Administration (FDA). Até bem pouco tempo, os 2 únicos quimioterápicos aprovados para o tratamento da hepatite B eram o interferon-α (IFN-α) e a lamivudina. O desenvolvimento do adefovir dipivoxil permitiu o tratamento de infecções causadas por estirpes resistentes à lamivudina. Além dos 3 antivirais mencionados anteriormente existem ainda entecavir, interferon peguilado α-2a e α-2b, telbivudina e tenofovir. O entecavir é um potente inibidor da DNA polimerase viral e está indicado para pacientes cirróticos virgens de tratamento, pois seu benefício é mais limitado em pacientes já tratados com lamivudina. O interferon peguilado é efetivo contra casos no qual seria adequado o interferon convencional, com a vantagem de ser de longa ação. O agente telbivudina é um análogo nucleosídico inibidor da transcriptase reversa do HBV. O fumarato de tenofovir disoproxil também é um inibidor da transcriptase reversa do HBV com atividade também contra vírus que são resistentes à lamivudina, e é indicado para pacientes virgens de tratamento devido à sua nefrotoxicidade. O inibidor clevudina, não liberado pelo FDA, é um análogo nucleosídico que atua na DNA polimerase viral, mas seu efeito colateral, a miopatia, é uma barreira para a sua comercialização. Com base nos resultados de eficácia e custos, novas estratégias e opções terapêuticas, incluindo a combinação de diferentes agentes, continuam em estudo. Classificação e características O vírus da hepatite D (HDV) é classificado como a espécie protótipo do gênero Deltavirus que, até o momento, é um gênero separado, não fazendo parte de nenhuma família de vírus. As partículas são pequenas, esféricas, envelopadas, com aproximadamente 30 a 36 nm de diâmetro. O genoma, composto por uma molécula de RNA de fita simples, circular e de polaridade negativa, é envolvido por cerca de 70 a 200 moléculas de antígeno delta (HDAg). O envelope viral é formado pelas proteínas do HBV (HBsAg), em todas as suas formas (large, middle e small), além de lipídios da célula hospedeira. Página 16 de 28 SOI-IV APG 9 O envelope adquirido do helper HBV dá suporte à montagem e liberação de novas partículas de HDV e contribui para a capacidade dessas partículas em se ligar e infectar células suscetíveis. Já que o HBsAg é essencial para a entrada nos hepatócitos e espalhamento célula-célula, o HDV só pode infectar portadores crônicos do HBV (superinfecção) ou infectar indivíduos simultaneamente com o HBV (coinfecção). O RNA do HDV e de viroides de plantas compartilham algumas características como tamanho reduzido, estrutura circular e replicação por mecanismo de círculo rolante. O tamanho do RNA dos viroides (entre 220 e 400 nt) é muito pequeno para codificar uma proteína, mesmo que seja de mínima complexidade, enquanto o genoma do HDV (cerca de 1.700 nt), significativamente maior, codifica para o antígeno delta. No entanto, estudos mais específicos sobre o genoma viral propõem que ele compreenda um domínio viroid-like de aproximadamente 350 nt, contendo ribozimas cruciais para a sua replicação, adicionado a outro domínio contendo a região codificante para o HDAg. O genoma do HDV é menor do que o de qualquer outro agente infeccioso de animais, e o alto grau de pareamento intramolecular de bases (aproximadamente 74%) permite a formação de uma estrutura em forma de haste-alça, não ramificada. A célula infectada pelo HDV contém, além do genoma, fitas complementares (antigenomas) e RNA lineares, de aproximadamente 800 nt. Os antigenomas se acumulam durante a replicação do HDV, são aproximadamente 5 vezes menos abundantes que genomas, e codificam a ORF da única proteína do HDV, o antígeno delta (HDAg). Entretanto, essa proteína de 195 aa é traduzida a partir do RNA linear, que funciona como RNA mensageiro (RNAm), e tem a mesma polaridade do RNA antigenômico, a extremidade 5’ capeada e a extremidade 3’ poliadenilada. A proteína que forma o HDAg existe em duas isoformas, uma de 24 kDa (small HDAg ou S-HDAg) com 195 aa, essencial para a transcrição e acúmulo de RNA, e outra de 27 kDa (large HDAg ou L-HDAg) com 214 aa, essencial para a montagem de novas partículas. O L-HDAg é produto da edição pós-transcricional do stop codon do S-HDAg, que permite a síntese de uma forma com 19 aa a mais. O L-HDAg funciona como inibidor da replicação para que ocorra a montagem do vírus. In vitro, a montagem é dependente da adição de ácido isoprenílico (prenilação) ao L-HDAg para a formação do nucleocapsídeo viral. Análises de diferentes estirpes demonstram que a variação no tamanho do genoma é limitada entre 1.672 e 1.697 nt, mas que as sequências são altamente variáveis. A divergência de sequências dentro de um mesmo genótipo pode chegar a até 18% e de 20 a 40% entre genótipos diferentes. Mesmo em um indivíduo, a população viral pode ser bem variada, sendo considerada quasispecies. Essas variações se devem, parcialmente, à não atividade de correção (proofreading) das RNA polimerases. No entanto essa variabilidade não é homogênea por todo o genoma. Historicamente, a genotipagem do HDV era realizada por análise imuno-histoquímica do tecido hepático, ou por reação de polimorfismo de fragmentos de DNA em gel de agarose (RFLP, restriction fragment length polymorphism) de produtos da PCR. Após a introdução de técnicas de genotipagem por sequenciamento direto, ficou demonstrada a existência de 8 genótipos (numerados de 1 a 8). Biossíntese viral O receptor para o HDV no hepatócito humano ainda não foi identificado, mas assume-se que seja o mesmo envolvido na etapa de adsorção do HBV, já que ambos os vírus compartilham as mesmas proteínas de envelope. Página 17 de 28 SOI-IV APG 9 A infecciosidade do HDV é dependente da ligação de um domínio na região aminoterminal da pré-S1 (HBsAg-L) com o receptor no hepatócito. Para o HDV, esse domínio requer modificação por adição de ácido mirístico (miristoilação). Alguns estudos mostraram que os resíduos deaminoácidos de 9 a 15 compreendem o sítio de ligação ao receptor. Após a entrada no hepatócito, o vírus é desnudado e um sinal de localização no HDAg é responsável pela translocação do nucleocapsídeo até o núcleo celular, havendo posteriormente a replicação viral. Patogênese e manifestações clínicas O HDV é reconhecido como um vírus altamente patogênico que causa doença aguda e crônica e é adquirido por coinfecção, quando os 2 vírus (HBV e HDV) infectam um indivíduo simultaneamente, ou por superinfecção, quando o indivíduo já era infectado previamente pelo HBV. Apesar disso, as manifestações clínicas dessa infecção podem variar desde estado assintomático a hepatite fulminante e cirrose. Os mecanismos que determinam quando um indivíduo evolui para a cura ou se torna cronicamente infectado, assim como o processo que causa hepatite grave com rápida progressão de fibrose, ainda não foram esclarecidos. Estudos mostraram que o antígeno delta não é citotóxico para os hepatócitos de seres humanos ou de camundongos transgênicos e que a carga viral do HDV não foi associada com a gravidade do dano hepático em uma coorte de pacientes. Entretanto, evidências sugerem que, na fase aguda, a viremia é associada ao aumento do nível de alanina-aminotransferase e supressão do HBV. Na fase crônica, ocorre queda da taxa do RNA viral com consequente reativação do HBV e aumento moderado dos níveis de transaminases. Essa fase pode ser caracterizada pelo desenvolvimento de cirrose e carcinoma hepatocelular (CHC) devido à replicação do HDV ou HBV, ou pela remissão, com clearance de ambos os vírus. Por isso, as cargas virais de HDV e HBV variam de acordo com o estágio da infecção. Não se sabe se essa variação tem relação direta com a progressão da doença e outros fatores devem ser considerados. A resolução da doença pode ocorrer com o clearance do HBsAg no soro do indivíduo infectado. Alguns casos de curso benigno já foram descritos. Em geral, pacientes com hepatite delta apresentam doença progressiva, evoluindo para cirrose estável ou descompensada. O mecanismo exato que determina a cura ou a progressão (lenta ou rápida) para fibrose ainda não está esclarecido; especula-se que a resposta imunológica do hospedeiro exerça papel importante nesse processo. Outros fatores que podem estar envolvidos na patogenicidade são os genótipos de HDV e HBV; a ocorrência de espécies específicas de HDAg, que já foram mostrados em casos de hepatite fulminante; a dominância estável ou flutuante do HDV sobre o HBV; e coinfecções com outros vírus. Por causa da coinfecção, o destino do HDV é determinado pela resposta do hospedeiro à infecção pelo HBV, que em 95% dos adultos resulta em clearance viral. A coinfecção aguda pode ser mais grave do que a monoinfecção pelo HBV, resultando assim em insuficiência hepática aguda; entretanto a expressão da doença é variável. A superinfecção de um indivíduo com hepatite B crônica resulta em infecção crônica pelo HDV na maioria das pessoas. No restante dos indivíduos, a replicação do HDV cessa e a história natural da doença segue como na infecção pelo HBV. As Figuras 1 e 2 mostram os eventos clínicos e sorológicos da coinfecção e da superinfecção, respectivamente. Página 18 de 28 SOI-IV APG 9 A superinfecção pode apresentar-se como hepatite aguda em um indivíduo sem detecção prévia de HBsAg e, geralmente, é diagnosticada de maneira equivocada como hepatite B aguda ou como o agravamento da doença hepática devido à hepatite crônica. Na avaliação histológica inicial, os pacientes com superinfecção pelo HDV, geralmente, apresentam hepatite grave e com um quadro de fibrose avançado. Tais pacientes progridem mais rapidamente para cirrose e descompensação hepática levando ao óbito quando comparados com indivíduos monoinfectados pelo HBV. Apesar da alta taxa de progressão à cirrose, nem todos os estudos apontam taxas aumentadas de CHC, talvez por causa da supressão da replicação do HBV pelo HDV. Diagnóstico laboratorial O desenvolvimento de anticorpos anti-HDV é universal nos indivíduos infectados pelo HDV. Todo paciente HBsAg-positivo deveria ser testado para a presença de IgG anti-HDV, que persistem mesmo após a resolução da infecção. Embora a infecção ativa seja historicamente diagnosticada pela presença de IgM anti-HDV, atualmente é confirmada pela detecção do RNA do HDV por reação em cadeia da polimerase associada a transcrição reversa (RT-PCR). Infecção oculta não tem sido relatada, por isso, a pesquisa de HDV RNA na ausência de anticorpos anti- HDV não é indicada. Por causa da variabilidade genômica, os testes para detecção de RNA podem gerar resultados falso- negativos e, por isso, a pesquisa de IgM anti-HDV ainda é importante nos indivíduos negativos para o RNA, com sinais clínicos de doença relacionada com HDV. Uma padronização internacional para os testes de RNA ainda é necessária. Alguns laboratórios realizam testes quantitativos, porém as concentrações de RNA no soro não estão correlacionadas a atividade da doença ou estágio da fibrose. A quantificação seriada do RNA é utilizada para determinar a resposta ao tratamento antiviral. Na infecção aguda por ambos os vírus, os antígenos HBsAg e HBeAg, assim como o DNA de HBV aparecem no soro durante o período de incubação, em um padrão característico da infecção aguda pelo HBV. Os anticorpos dirigidos contra o core viral (anti- HBc) aparecem e coincidem com o início dos sintomas agudos. O anticorpo anti-HBs aparece durante a fase de convalescença. Os anticorpos contra o HDV aparecem tardiamente na fase aguda e podem estar presentes apenas transitoriamente e em baixos títulos. Positividade para IgM anti-HDV, RNA do HDV ou HDAg no soro pode caracterizar infecção aguda. Na coinfecção, todos os marcadores de replicação viral desaparecem no início da convalescença e os outros (IgM e IgG anti-HDV) desaparecem meses ou anos depois da convalescença. Em contraste, a superinfecção com o HDV normalmente resulta em infecção crônica pelo HDV. Prevenção e controle Página 19 de 28 SOI-IV APG 9 Assim como o HBV, o HDV é transmitido pela via parenteral por exposição a sangue ou fluidos corpóreos infectados. Já que o espalhamento do HDV está totalmente relacionado com o HBV, as estratégias de prevenção para o vírus helper também são eficientes para o HDV, como a vacinação e a profilaxia pós-exposição. A conscientização para redução do comportamento de risco entre portadores crônicos do HBV também ajuda a diminuir a incidência de superinfecção. A política atual de excluir da doação de sangue os indivíduos com marcadores sorológicos da infecção por HBV diminuiu consideravelmente as possibilidades da transmissão do HDV pela transfusão de sangue. As boas práticas adotadas para minimizar a transmissão do HBV, do vírus da hepatite C (HCV), e do vírus da imunodeficiência humana (HIV) entre usuários de drogas também reduzem a transmissão do HDV, à medida que são implantadas. A imunoprofilaxia para o HDV é a mesma para o HBV. A vacinação contra a hepatite B, que utiliza as proteínas do envelope do HBV, protege contra a infecção pelo HDV. Tratamento O principal objetivo do tratamento da infecção pelo HDV não é apenas o clearance de HDV, mas também do helper HBV. Portanto, o principal desafio em definir a terapia ideal é a complexidade em ter como alvo 2 infecções persistentes crônicas. Atéo momento não existe tratamento específico contra o HDV. A única terapia estabelecida está baseada na administração de interferon, que se mostrou eficiente na redução das aminotransferases séricas, porém a resposta não é sustentada após a descontinuação do tratamento e não está necessariamente associada ao clearance do RNA viral. Os melhores resultados são alcançados a partir da administração de altas doses e pelo período de 1 ano. O melhor entendimento da biossíntese viral e das interações HDV–hospedeiro e HDV–HBV são cruciais para a identificação de agentes terapêuticos. Como descrito, até o momento não existem drogas que atuem diretamente no RNA viral ou no HDAg e abordagens experimentais como inibição da ribozima ainda estão muito longe dos ensaios clínicos. A etapa de montagem das novas partículas é essencial para uma infecção bem-sucedida e esse processo envolve uma modificação pós- traducional do L-HDAg. Alguns estudos mostraram que, prevenindo a prenilação, a interação do HDAg com o HBsAg é interrompida e a síntese de novos vírions é bloqueada. Em modelo animal, os inibidores da prenilação mostraram-se bastante eficientes no clearance do RNA viral no sangue. Drogas capazes de interferir nos processos cruciais para o ciclo replicativo parecem ser o futuro para o tratamento da infecção causada pelo HDV. Classificação e características O HCV é classificado na família Flaviviridae, gênero Hepacivirus (do grego hepar, hepatos, fígado), sendo um pequeno vírus com tropismo por células hepáticas, esférico, com cerca de 55 a 65 nm de diâmetro, envelopado e que possui como material genético uma molécula de RNA de fita simples de polaridade positiva. Seu envelope glicolipoproteico é derivado da membrana da célula hospedeira e apresenta 2 glicoproteínas denominadas E1 e E2, responsáveis pelo reconhecimento e ligação aos receptores celulares, que permitem a entrada da partícula viral no hepatócito. O envelope envolve o nucleocapsídeo formado pela associação da molécula de RNA com as proteínas do core (capsídeo) do HCV. O RNA de fita simples do HCV apresenta aproximadamente 9,6 kb, com uma única ORF Página 20 de 28 SOI-IV APG 9 flanqueada por regiões não traduzidas (NTR) nas extremidades 5′ e 3′. A ORF codifica uma poliproteína precursora que, posteriormente, é clivada em 10 proteínas virais com diferentes características: as proteínas estruturais C (core), E1, E2, localizadas na porção aminoterminal da poliproteína; e as proteínas não estruturais p7, NS2, NS3, NS4A, NS4B, NS5A e NS5B, situadas na porção carboxiterminal. As proteínas estruturais são liberadas da poliproteína por peptidases-sinais presentes no retículo endoplasmático, enquanto as proteínas não estruturais são clivadas por proteases virais. As 2 regiões não traduzidas presentes nas extremidades 5′ e 3′ são importantes sítios de controle da tradução da poliproteína viral e da replicação. A porção 5′ não traduzida do RNA genômico contém uma sequência de reconhecimento para a entrada no ribossoma denominada IRES (internal ribosomal entry site), responsável pelo início da tradução. A porção 3′ não traduzida, por sua vez, é formada por uma cauda de ribonucleotídeos poli (U), seguida por uma pequena região variável e uma região de 98 nucleotídeos altamente conservada, denominada cauda X. Essa região final forma estruturas em haste- alça (stem-loop) que são reconhecidas pela polimerase viral como o sítio de iniciação para a síntese do genoma do HCV. Dentre as proteínas estruturais, a proteína do core do HCV é multifuncional e é altamente conservada. Possui afinidade de associação com o retículo endoplasmático (RE), gotículas lipídicas (LD, lipid droplets), mitocôndrias e núcleo celular possibilitando a interação com diversas proteínas celulares e consequente alteração de funções da célula hospedeira como a transcrição gênica, o metabolismo de lipídeos, apoptose e vias de sinalização. Além disso, tem sido implicada no desenvolvimento de carcinoma e esteatose hepatocelulares. Uma das mais importantes funções da proteína do core é o recrutamento de proteínas não estruturais para membranas associadas a gotículas lipídicas (LD). LD são organelas celulares responsáveis pelo acúmulo de gordura e que também participam do tráfego de vesículas intracelulares. Estudos mostraram que a proteína do core pode se automontar em partículas semelhantes ao HCV (HCV- like particles) na membrana do RE. As proteínas de envelope E1 e E2 são altamente glicosiladas e são alvos preferenciais dos anticorpos neutralizantes, possuindo alta variabilidade. A presença de ambas as proteínas é necessária para o correto dobramento de suas estruturas assim como para a entrada do vírus na célula hospedeira via ligação aos receptores de membrana. Duas regiões hipervariáveis (HVR, hypervariable regions), denominadas HVR1 e HVR2, estão presentes na proteína E2 e sofrem constante pressão seletiva por serem alvos de anticorpos neutralizantes. Muitos estudos sugerem que as mutações que garantem a grande heterogeneidade genética da HVR1 permitem ao HCV escapar do sistema imunológico favorecendo, dessa forma, a ocorrência de infecção crônica. A proteína p7 está localizada na junção entre as proteínas estruturais e não estruturais e é considerada não estrutural. Pertence a uma família de proteínas virais chamada de viroporinas e possui 2 domínios transmembrana que são incorporados na membrana do retículo endoplasmático formando poros hidrofóbicos com atividade de canal iônico fundamental para a produção de partículas infecciosas, atuando na montagem e liberação de novos vírions. As proteínas não estruturais possuem papel importante no processamento da poliproteína viral e também na replicação do RNA, e sua maturação ocorre mediante atividade de proteases virais. A NS2 é uma proteína hidrofóbica de 23 kDa que forma 3 ou 4 hélices que se inserem na membrana do RE. Ela interage com ela mesma formando homodímeros e com todas as outras proteínas não estruturais. Uma de suas funções principais é a clivagem da junção NS2-NS3 por meio de atividade autocatalítica metalo-protease dependente que é codificada pelas regiões NS2 e aminoterminal de NS3. Página 21 de 28 SOI-IV APG 9 Além dessa atividade, a NS2 possui papel fundamental na montagem de novas partículas infecciosas. A região NS3 codifica uma proteína de 67 kDa na porção carboxiterminal, que possui atividade de RNA helicase e de NTPase; a porção aminoterminal apresenta ainda atividade de serino-protease responsável pelas demais clivagens da poliproteína entre os sítios NS3-4A, NS4A- 4B, NS4B-5A e NS5A-5B. Devido à importância da proteína NS3 no ciclo replicativo do HCV e da recente descoberta da ação dessa proteína como inibidora de vias importantes da resposta celular inata do hospedeiro, atualmente, ela se constitui em um dos principais alvos para o desenvolvimento de novas drogas antivirais. A proteína NS4A, de 27 kDa, contém 4 domínios transmembrana e forma um complexo estável com a NS3, atuando como um cofator para a sua atividade de proteinase (protease). Já a função da proteína NS4B, apesar de ainda não totalmente esclarecida, está relacionada com o recrutamento de outras proteínas virais para a formação de um complexo de replicação no citoplasma celular conhecido como “teia membranosa” (membranous web), essencial para a replicação do HCV. A “teia membranosa” é constituída de pequenas vesículas de 80 a 180 nm de diâmetro embebidas em uma matriz
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