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Página 1 de 22 SOI-IV APG - 6 A maior parte da digestão e absorção de nutrientes ocorre em um tubo longo chamado intestino delgado. Por causa disto, sua estrutura é especialmente adaptada a estas funções. O seu comprimento isoladamente já fornece uma grande área de superfície para a digestão e a absorção, e a área é aumentada ainda por pregas circulares, vilosidades e microvilosidades. O intestino delgado começa no músculo esfíncter do piloro do estômago, serpenteia a parte central e inferior da cavidade abdominal e, por fim, se abre no intestino grosso. A média é de 2,5 cm de diâmetro; seu comprimento é de aproximadamente 3 m na pessoa viva e de cerca de 6,5 m no cadáver, em razão da perda do tônus do músculo liso após a morte. Anatomia do intestino delgado O intestino delgado é dividido em três regiões. A primeira é o duodeno, a região mais curta, que é retroperitoneal. Inicia-se no músculo esfíncter do piloro do estômago e tem a forma de um tubo em C. Estende--se por aproximadamente 25 cm até que se funde com o jejuno. Duodeno significa “12”; é assim chamado porque é quase tão longo quanto a largura de 12 dedos. O jejuno é a próxima parte e tem aproximadamente 1 m de comprimento e se estende até o íleo. Jejuno significa “vazio”, que é como ele é encontrado no momento da morte. A última e mais longa região do intestino delgado, o íleo, mede aproximadamente 2 m e junta-se ao intestino grosso em um esfíncter de músculo liso chamado óstio ileal. Histologia do intestino delgado A parede do intestino delgado é composta pelas mesmas quatro camadas que formam a maior parte do canal alimentar: túnica mucosa, tela submucosa, túnica muscular e túnica serosa. A túnica mucosa é composta de uma camada epitelial, lâmina própria e lâmina muscular da mucosa. A camada epitelial da túnica mucosa do intestino delgado é composta por epitélio colunar simples que contém muitos tipos de células. As células absortivas do epitélio liberam enzimas que digerem o alimento e contêm microvilosidades que absorvem os nutrientes no quimo do intestino delgado. As células caliciformes também são encontradas no epitélio, secretando muco. OBJETIVOS • Compreender a etiopatogenia, manifestações clinicas e diagnóstico das doenças inflamatórias do intestino (rever morfofisiologia do intestino delgado e grosso) (epidemiologia, etiologia) • Doenças inflamatórias: (Focar em Lesões: doença de Chron e Retocolite ulcerativa) Página 2 de 22 SOI-IV APG - 6 A túnica mucosa do intestino delgado contém muitas fendas profundas revestidas com epitélio glandular. As células que revestem as fendas formam as glândulas intestinais ou criptas de Lieberkühn, e secretam suco intestinal ( ver adiante). Além das células absortivas e células caliciformes, as glândulas intestinais também contêm células de Paneth e células enteroendócrinas. As células de Paneth secretam lisozima, uma enzima bactericida, e são capazes de realizar fagocitose. Estas células podem atuar na regulação da população microbiana do intestino delgado. São encontrados três tipos de células enteroendócrinas nas glândulas do intestino delgado: células S, células CCK e células K, que secretam os hormônios secretina, colecistocinina (CCK) e polipeptídio inibidor gástrico (PIG), respectivamente. A lâmina própria da túnica mucosa do intestino delgado contém tecido conjuntivo areolar e tecido linfoide associado à mucosa (MALT) abundante. Os nódulos linfáticos solitários são mais numerosos na parte distal do íleo. Grupos de nódulos linfáticos chamados nódulos linfáticos agregados também são encontrados no íleo. A lâmina muscular da mucosa do intestino delgado é constituída por músculo liso. A tela submucosa do duodeno contém glândulas duodenais que secretam um muco alcalino que ajuda a neutralizar o ácido gástrico no quimo. Às vezes, o tecido linfático da lâmina própria se estende através da lâmina muscular da mucosa até a tela submucosa. A túnica muscular do intestino delgado é constituída por duas camadas de músculo liso. A camada externa, mais fina, contém fibras longitudinais; a camada interna, mais espessa, contém fibras circulares. Com exceção de uma porção principal do duodeno, que é retroperitoneal, a túnica serosa (ou peritônio visceral) envolve completamente o intestino delgado. Embora a parede do intestino delgado seja composta pelas mesmas quatro camadas básicas que o restante do canal alimentar, as características estruturais especiais do intestino delgado facilitam o processo de digestão e absorção. Estas características estruturais incluem as pregas circulares, as vilosidades e as microvilosidades. As pregas circulares são pregas da túnica mucosa e tela submucosa. Estas saliências permanentes, que têm aproximadamente 10 mm de comprimento, começam perto da extremidade proximal do duodeno e terminam próximo da porção média do íleo. Algumas se estendem por toda a circunferência do intestino enquanto outras se estendem por apenas parte da circunferência. As pregas circulares aumentam a absorção pelo aumento da área de superfície e fazem com que o quimo se mova em espiral, em vez de em linha reta, conforme passa pelo intestino delgado. No intestino delgado também há vilosidades, que são projeções digitiformes da túnica mucosa que medem de 0,5 a 1 mm de comprimento. Numerosas vilosidades (20 a 40 por mm2) aumentam muito a área de superfície do epitélio disponível para a absorção e digestão e dão à túnica mucosa intestinal um aspecto aveludado. Cada vilosidade é recoberta por epitélio e tem um centro de lâmina própria; incorporados ao tecido conjuntivo da lâmina própria estão uma arteríola, uma vênula, uma rede capilar e um vaso lactífero, que é um capilar linfático. Os nutrientes absorvidos pelas células epiteliais que recobrem a vilosidade atravessam a parede de um capilar ou vaso lactífero para entrar no sangue ou na linfa, respectivamente. Página 3 de 22 SOI-IV APG - 6 Além das pregas circulares e vilosidades, o intestino delgado também tem microvilosidades, que são projeções da membrana apical (livre) das células absortivas. Cada microvilosidade é uma projeção cilíndrica de 1 μm de comprimento recoberta por membrana, que contém um feixe de 20 a 30 filamentos de actina. À microscopia óptica, as microvilosidades são muito pequenas para serem visualizadas individualmente; em vez disso, formam uma linha felpuda chamada borda em escova. Esta se estende para o lúmen do intestino delgado. Estima-se que haja 200 milhões de microvilosidades/mm2 de intestino delgado. Como as microvilosidades aumentam substancialmente a área da superfície da membrana plasmática, grandes quantidades de nutrientes digeridos conseguem se difundir para as células absortivas em um dado período. A borda em escova também contém várias enzimas da borda em escova, que têm funções digestórias. Papel do suco intestinal e das enzimas da borda em escova Aproximadamente 1 a 2 l de suco intestinal, um líquido amarelo-claro, são secretados diariamente. O suco intestinal contém água e muco e é ligeiramente alcalino (pH 7,6). O pH alcalino do suco intestinal é decorrente da sua elevada concentração de íons bicarbonato (HCO3–). Juntos, os sucos pancreático e intestinal fornecem um meio líquido que auxilia na absorção de substâncias a partir do quimo do intestino delgado. As células absortivasdo intestino delgado sintetizam diversas enzimas digestórias, chamadas enzimas da borda em escova, e inserem-nas na membrana plasmática das microvilosidades. Assim, parte da digestão enzimática ocorre na superfície das células absortivas que revestem as vilosidades, em vez de exclusivamente no lúmen, como ocorre em outras partes do canal alimentar. Entre as enzimas da borda em escova estão quatro enzimas que digerem carboidratos chamadas αdextrinase, maltase, sacarase e lactase; enzimas que digerem proteínas chamadas peptidases (aminopeptidase e dipeptidase); e dois tipos de enzimas que digerem nucleotídios, as nucleosidases e fosfatases. Além disso, conforme as células absortivas se desprendem no lúmen do intestino delgado, dividem-se e liberam enzimas que ajudam a digerir nutrientes no quimo. Digestão mecânica no intestino delgado Os dois tipos de movimentos do intestino delgado – segmentações e um tipo de peristaltismo chamado complexo mioelétrico migratório – são controlados principalmente pelo plexo mioentérico. As segmentações são contrações localizadas de mistura que ocorrem em partes do intestino distendido por um quimo volumoso. As segmentações misturam o quimo aos sucos digestórios e colocam as partículas de alimentos em contato com a túnica mucosa para serem absorvidos; elas não empurram o conteúdo intestinal ao longo do canal alimentar. Uma segmentação inicia-se com a contração das fibras musculares circulares de uma parte do intestino delgado, uma ação que comprime o intestino em segmentos. A seguir, as fibras musculares que circundam o meio de cada segmento também se contraem, dividindo novamente cada segmento. Por fim, as fibras que se contraíram inicialmente relaxam, e cada pequeno segmento se une com o pequeno segmento adjacente, de modo a formar grandes segmentos novamente. Conforme essa sequência de eventos se repete, o quimo patina para frente e para trás. As segmentações ocorrem mais rapidamente no duodeno, aproximadamente 12 vezes por minuto, e de modo progressivamente mais lento até cerca de oito vezes por minuto no íleo. Este movimento é semelhante a comprimir alternadamente o meio e, em seguida, as extremidades de um tubo de pasta de dentes tampado. Depois de a maior parte de uma refeição ter sido absorvida, o que diminui a distensão da parede do intestino delgado, a segmentação para e o peristaltismo começa. Página 4 de 22 SOI-IV APG - 6 O tipo de peristaltismo que ocorre no intestino delgado, denominado complexo mioelétrico migratório (CMM), inicia-se na parte inferior do estômago e empurra o quimo para a frente ao longo de um trecho curto do intestino delgado antes de cessar. O CMM desce lentamente pelo intestino delgado, alcançando o final do íleo em 90 a 120 min. Em seguida, outro CMM começa no estômago. Ao todo, o quimo permanece no intestino delgado por 3 a 5 h. Digestão química no intestino delgado Na boca, a amilase salivar converte o amido (um polissacarídio) em maltose (um dissacarídio), maltotriose (um trissacarídio) e αdextrina (fragmento de amido de cadeia curta ramificada com 5 a 10 unidades de glicose). No estômago, a pepsina converte as proteínas em peptídios (pequenos fragmentos de proteínas), e as lipases lingual e gástrica convertem alguns triglicerídios em ácidos graxos, diglicerídios e monoglicerídios. Assim, o quimo que entra no intestino delgado contém carboidratos, proteínas e lipídios parcialmente digeridos. A conclusão da digestão dos carboidratos, proteínas e lipídios é um esforço coletivo do suco pancreático, bile e suco intestinal no intestino delgado. Absorção no intestino delgado Todas as fases químicas e mecânicas da digestão, da boca ao intestino delgado, são controladas de modo a alterar os alimentos em formas que possam passar através das células epiteliais absortivas que revestem a túnica mucosa e entrar nos vasos sanguíneos e linfáticos subjacentes. Estas formas são os monossacarídios (glicose, frutose e galactose) a partir dos carboidratos; aminoácidos individuais, dipeptídios e tripeptídios a partir das proteínas; e ácidos graxos, glicerol e monoglicerídios a partir dos triglicerídios. A passagem destes nutrientes digeridos do canal alimentar para o sangue ou linfa é chamado absorção. A absorção de materiais ocorre por meio da difusão, difusão facilitada, osmose e transporte ativo. Aproximadamente 90% de toda a absorção de nutrientes ocorre no intestino delgado; os outros 10% ocorrem no estômago e no intestino grosso. Qualquer material não digerido ou não absorvido que sobra no intestino delgado passa para o intestino grosso. Anatomia do intestino grosso O intestino grosso, com aproximadamente 1,5 m de comprimento e 6,5 cm de diâmetro em seres humanos vivos e cadáveres, se estende do íleo ao ânus. Está ligado à parede posterior do abdome por seu mesocolo, que é uma camada dupla de peritônio. Estruturalmente, as quatro principais regiões do intestino grosso são o ceco, o colo, o reto e o canal anal A abertura do íleo para o intestino grosso é guardada por uma prega de túnica mucosa chamada óstio ileal, que possibilita que os materiais do intestino delgado passem para o intestino grosso. Pendurado inferiormente ao óstio ileal está o ceco, uma pequena bolsa de aproximadamente 6 cm de comprimento. Anexado ao ceco existe um tubo espiralado com aproximadamente 8 cm de comprimento, chamado apêndice vermiforme. O mesentério do apêndice vermiforme, chamado mesoapêndice, insere o apêndice vermiforme na parte inferior do mesentério do íleo. A extremidade aberta do ceco se funde a um tubo longo chamado colo, que é dividido em ascendente, transverso, descendente e sigmoide. Tanto o colo ascendente quanto o descendente são retroperitoneais; o colo transverso e o sigmoide não o são. Fiel ao seu nome, o colo ascendente sobe pelo lado direito do abdome, alcança a face inferior do fígado e vira abruptamente para a esquerda de modo a formar a flexura direita do colo. O colo continua cruzando o abdome até o lado esquerdo como o colo transverso. Ele se curva sob a extremidade inferior do baço no lado esquerdo Página 5 de 22 SOI-IV APG - 6 formando a flexura esquerda do colo, e desce até o nível da crista ilíaca como o colo descendente. O colo sigmoide começa perto da crista ilíaca esquerda, projeta-se medialmente em direção à linha média, e termina como o reto aproximadamente no nível da terceira vértebra sacral (S III). O reto mede aproximadamente 15 cm de comprimento e se situa anteriormente ao sacro e cóccix. Os 2 a 3 cm terminais do intestino grosso são chamados canal anal. A túnica mucosa do canal anal é disposta em pregas longitudinais chamadas colunas anais, que contêm uma rede de artérias e veias. A abertura do canal anal para o exterior, o chamado ânus, é guardada pelo músculo esfíncter interno do ânus comporto por músculo liso (involuntário) e pelo esfíncter externo do ânus composto por músculo esquelético (voluntário). Normalmente, estes esfíncteres mantêm o ânus fechado, exceto durante a eliminação das fezes. Histologia do intestino grosso A parede do intestino grosso contém as quatro camadas típicas encontradas no restante do canal alimentar: túnica mucosa, tela submucosa, túnica muscular e túnica serosa. A túnica mucosa é composta por epitélio colunar simples, lâmina própria (tecido conjuntivo areolar) e lâmina muscular da mucosa (músculo liso). O epitélio contém principalmente célulasabsortivas e caliciformes. As células absortivas atuam principalmente na absorção de água; as células caliciformes secretam muco, que lubrifica a passagem do conteúdo do colo. Tanto as células absortivas quanto as caliciformes estão localizadas em glândulas intestinais tubulares longas e retas, que se estendem por toda a espessura da túnica mucosa. Nódulos linfáticos solitários são também encontrados na lâmina própria da mucosa e podem se estender através da lâmina muscular da mucosa até a tela submucosa. Em comparação com o intestino delgado, a túnica mucosa do intestino grosso não tem tantas adaptações estruturais que aumentem a área de superfície. Não há pregas circulares nem vilosidades; no entanto, as células absortivas apresentam microvilosidades. Por conseguinte, ocorre muito mais a absorção no intestino delgado do que no intestino grosso. A tela submucosa do intestino grosso é constituída por tecido conjuntivo areolar. A túnica muscular consiste em uma camada externa de músculo liso longitudinal e uma camada interna de músculo liso circular. Ao contrário de outras partes do canal alimentar, as partes de músculos longitudinais são espessas, formando três bandas bem definidas chamadas tênias do colo que estão na maior parte do comprimento do intestino grosso. A tênias do colo são separadas por trechos de parede com pouco ou nenhum músculo longitudinal. As contrações tônicas das bandas unem o colo em várias bolsas chamadas saculações do colo, que dão ao colo uma aparência enrugada. Página 6 de 22 SOI-IV APG - 6 Uma única camada de músculo liso circular situa-se entre as tênias do colo. A túnica serosa do intestino grosso é parte do peritônio visceral. Pequenas bolsas de peritônio visceral cheias de gordura estão associadas às tênias do colo e são chamadas apêndices omentais do colo Digestão mecânica no intestino grosso A passagem do quimo do íleo para o ceco é controlada pela ação do óstio ileal. Normalmente, este óstio permanece parcialmente fechado, de modo que a passagem do quimo para o ceco geralmente ocorre de modo lento. Imediatamente após uma refeição, o reflexo gastroileal intensifica o peristaltismo no íleo e força um eventual quimo em direção ao ceco. O hormônio gastrina também relaxa o óstio. Sempre que o ceco é distendido, o grau de contração do óstio ileal se intensifica. Os movimentos do colo começam quando substâncias passam pelo óstio ileal. Como o quimo se move pelo intestino delgado a uma velocidade razoavelmente constante, o tempo necessário para uma refeição passar para o colo é determinado pelo tempo de esvaziamento gástrico. Conforme o alimento passa pelo óstio ileal, enche o ceco e acumula-se no colo ascendente. Um movimento característico do intestino grosso é a agitação das saculações do colo. Neste processo, as saculações do colo permanecem relaxadas e são distendidas enquanto se enchem. Quando a distensão alcança um determinado ponto, as paredes se contraem e espremem o conteúdo para a próxima saculação do colo. O peristaltismo também ocorre, embora em um ritmo mais lento (3 a 12 contrações por minuto) do que nas partes mais proximais do canal alimentar. Um último tipo de movimento é o peristaltismo em massa, uma forte onda peristáltica que começa aproximadamente na metade do colo transverso e leva rapidamente o conteúdo do colo para o reto. Como os alimentos no estômago iniciam esse reflexo gastrocólico no colo, o peristaltismo em massa geralmente ocorre 3 ou 4 vezes/dia, durante ou imediatamente após uma refeição. Digestão química no intestino grosso A fase final da digestão ocorre no colo por meio da ação das bactérias que habitam o lúmen. O muco é secretado pelas glândulas do intestino grosso, mas não são secretadas enzimas. O quimo é preparado para a eliminação pela ação de bactérias, que fermentam quaisquer carboidratos restantes e liberam hidrogênio, dióxido de carbono e gases metano. Estes gases contribuem para os flatos no colo, denominada flatulência quando é excessiva. As bactérias também convertem quaisquer proteínas restantes em aminoácidos e fragmentam os aminoácidos em substâncias mais simples: indol, escatol, sulfeto de hidrogênio e ácidos graxos. Um pouco de indol e escatol é eliminado nas fezes e contribui para o seu odor; o restante é absorvido e transportado para o fígado, onde estes compostos são convertidos em compostos menos tóxicos e excretados na urina. As bactérias também decompõem a bilirrubina em pigmentos mais simples, incluindo a estercobilina, que dá às fezes a sua coloração marrom. Os produtos bacterianos que são absorvidos pelo colo incluem várias vitaminas necessárias para o metabolismo normal, entre as quais algumas vitaminas B e a vitamina K. Absorção e formação de fezes no intestino grosso Até agora o quimo permaneceu no intestino grosso por 3 a 10 h, tornou-se sólido ou semissólido por causa da absorção de água e agora é chamado fezes. Quimicamente, as fezes consistem em água, sais inorgânicos, células epiteliais da túnica mucosa do canal alimentar, bactérias, produtos da decomposição bacteriana, materiais digeridos e não absorvidos e partes não digeríveis de alimentos. Embora 90% de toda a absorção de água ocorra no intestino delgado, o intestino grosso absorve o suficiente para torná-lo um órgão importante na manutenção de equilíbrio hídrico do corpo. Dos 0,5 a 1,0 l de água que entra no intestino grosso, tudo exceto aproximadamente 100 a 200 ml normalmente é absorvido por osmose. O intestino grosso também absorve íons, incluindo sódio e cloreto, e algumas vitaminas. Página 7 de 22 SOI-IV APG - 6 Reflexo de defecação Os movimentos peristálticos em massa empurram o material fecal do colo sigmoide para o reto. A distensão resultante da parede retal estimula os receptores de estiramento, que iniciam um reflexo de defecação que resulta na defecação, a eliminação das fezes do reto por meio do ânus. O reflexo de defecação ocorre do seguinte modo: em resposta à distensão da parede retal, os receptores enviam impulsos nervosos sensitivos para a medula espinal sacral. Impulsos motores da medula viajam ao longo dos nervos parassimpáticos de volta para o colo descendente, colo sigmoide, reto e ânus. A contração resultante dos músculos longitudinais retais encurta o reto, aumentando assim a pressão em seu interior. Esta pressão, junto com contrações voluntárias do diafragma e dos músculos abdominais, além do estímulo parassimpático, abrem o músculo esfíncter interno do ânus. O músculo esfíncter externo do ânus é controlado voluntariamente. Se for voluntariamente relaxado, a defecação ocorre e as fezes são expelidas através do ânus; se for voluntariamente contraído, a defecação pode ser adiada. Contrações voluntárias do diafragma e dos músculos abdominais auxiliam na defecação ao aumentar a pressão no interior do abdome, que empurra as paredes do colo sigmoide e do reto para dentro. Se a defecação não ocorrer, as fezes voltam para o colo sigmoide até que a próxima onda de peristaltismo em massa estimule os receptores de estiramento, novamente produzindo a vontade de defecar. Em crianças, o reflexo de defecação provoca esvaziamento automático do reto, porque o controle voluntário do músculo esfíncter externo do ânus ainda não se desenvolveu. O número de defecações em um determinado período de tempo depende de vários fatores, como a dieta, a saúde e o estresse. A variação normal de atividade intestinalvai de 2 ou 3 defecações por dia a 3 ou 4 defecações por semana. A diarreia é um aumento da frequência, do volume e do teor de líquido das fezes causado por aumento na motilidade e diminuição na absorção pelos intestinos. Quando o quimo passa muito rapidamente pelo intestino delgado e as fezes passam muito rapidamente pelo intestino grosso, não há tempo suficiente para a absorção. A diarreia frequente pode resultar em desidratação e desequilíbrio eletrolítico. A motilidade excessiva pode ser causada pela intolerância à lactose, estresse e microrganismos que irritam a túnica mucosa gastrintestinal. A constipação intestinal se refere à defecação infrequente ou difícil causada pela diminuição da motilidade do intestino. Como as fezes permanecem no colo por períodos prolongados, ocorre uma absorção excessiva de água, e as fezes tornam-se ressecadas e duras. A constipação intestinal pode ser causada por maus hábitos (adiar a defecação), espasmos do colo, teor insuficiente de fibras na dieta, ingestão inadequada de líquidos, falta de exercício, estresse emocional e certos medicamentos. Um tratamento comum é um laxante suave, como o leite de magnésia, que induz à defecação. No entanto, muitos médicos afirmam que os laxantes viciam, e que adicionar fibras à dieta, aumentar a prática de exercícios físicos e aumentar a ingestão de líquido são maneiras mais seguras de controlar este problema comum. A doença intestinal inflamatória (DII) é uma condição crônica resultante da ativação imunológica inapropriada da mucosa. Os dois distúrbios que compreendem a DII são a colite ulcerativa e a doença de Crohn. Descrições da colite ulcerativa e da doença de Crohn datam desde a antiguidade e pelo menos desde o século XVI, respectivamente, mas foram necessárias técnicas microbiológicas modernas para excluir etiologias infecciosas convencionais para essas doenças. Conforme será discutido posteriormente, a microbiota luminal provavelmente desempenha um papel na patogenia da DII. A distinção entre colite ulcerativa e doença de Crohn baseia-se em grande parte na distribuição do local afetado e na expressão morfológica da doença. Página 8 de 22 SOI-IV APG - 6 A colite ulcerativa é limitada ao cólon e ao reto e estende-se apenas à mucosa e à submucosa. Em contraste, a doença de Crohn, também chamada de ileíte regional (pelo frequente comprometimento ileal), pode comprometer qualquer trecho do trato GI e é tipicamente transmural. Epidemiologia A colite ulcerativa e a doença de Crohn frequentemente apresentam-se em adolescentes e em adultos no começo da 2ª década de vida, sendo que a primeira é bem mais comum em mulheres. A DII é mais comum entre caucasianos, e nos Estados Unidos, ocorre de três a cinco vezes mais frequentemente entre judeus Ashkenazi, do leste europeu, do que na população geral. Isso se deve, pelo menos em parte, a fatores genéticos discutidos posteriormente. A distribuição geográfica da DII é muito variável, porém mais comum na América do Norte, norte da Europa e Austrália. Contudo, a incidência mundial está aumentando, tornando-se mais comum em regiões como África, América do Sul e Ásia, onde sua prevalência era baixa historicamente. As hipóteses de higiene sugerem que esse aumento esteja relacionado às condições de armazenamento de alimentos, queda na contaminação dos alimentos e mudanças na composição da microbiota do intestino. Aparentemente, isso resulta no desenvolvimento inadequado do processo regulatório que limita as respostas de imunidade da mucosa. Esse processo, por sua vez, permite que os organismos microbianos, associados à mucosa, desencadeiem a inflamação persistente e crônica em hospedeiros suscetíveis. Embora muitos detalhes em suporte a tal hipótese estejam faltando, a observação de que as infestações por helminto, que são endêmicas em regiões onde a incidência da DII é baixa, podem prevenir a DII em modelos de animais e reduzir a doença em alguns pacientes, dá suporte a essa ideia. Patogenia Apesar de as causas precisas ainda não terem sido definidas, muitos pesquisadores acreditam que a DII resulta dos efeitos combinados de alterações nas interações de hospedeiros com a microbiota intestinal, disfunção epitelial intestinal, respostas imunológicas aberrantes da mucosa e composição alterada do microbiota do intestino. Essa visão obtém suporte de estudos epidemiológicos, genéticos e clínicos, assim como dos modelos laboratoriais da DII. Genética Há evidências convicentes de que fatores genéticos contribuem para a DII. O risco da doença é maior quando há um membro da família afetado, e, na doença de Crohn, a taxa de concordância para gêmeos monozigóticos aproxima- se de 50%. Os fatores genéticos podem também contribuir para a expressão fenotípica da doença, porque os gêmeos afetados pela doença de Crohn tendem a apresentá-la com poucos anos de diferença e a desenvolver a doença em regiões similares do trato GI. A concordância dos gêmeos monozigóticos para a colite ulcerativa é de somente 15%, sugerindo que os fatores genéticos sejam menos dominantes do que na doença de Crohn. A concordância para os gêmeos dizigóticos é menos de 10% em ambas as formas de DII. Amplos estudos de associação do genoma, com base na população, identificaram mais de 160 genes associados à DII. Muitos desses são compartilhados entre a doença de Crohn e a colite ulcerativa, assim como outras doenças imunomediadas complexas. Página 9 de 22 SOI-IV APG - 6 É interessante notar que diversos genes associados à DII se sobrepõem aos genes envolvidos nas respostas à micobacteria, incluindo o Mycobacterium tuberculosis e o Mycobacterium leprae. Isto apoia a ideia de que as interações hospedeiro- microbianas são essenciais para a patogenia da DII e podem explicar algumas sobreposições na histopatologia da doença de Crohn e infecção micobacteriana. Um dos genes mais fortemente associados à doença de Crohn é o NOD2 (domínio 2 de ligação de oligomerização de nucleotídeos) o qual codifica uma proteína intracelular que se liga aos peptidoglicanos bacterianos e ativa eventos de sinalização, incluindo a via NF-κB. Apesar do aumento do risco atribuído aos polimorfismos do NOD2, deve- se lembrar que menos de 10% dos indivíduos que carregam variantes de risco associadas ao NOD2 desenvolvem a doença. Dessa forma, assim como todos os genes associados à DII, um gene específico confere apenas um pequeno aumento no risco de desenvolvimento dessas doenças. Além do NOD2, dois genes relacionados à doença de Crohn, de interesse particular, são o ATG16L1 (tipo-16 relacionado com autofagia) e o IRGM (GTPase M relacionada com a imunidade). Ambos fazem parte de vias autofágicas essenciais para as respostas celulares às bactérias intracelulares. O ATG16L1 também pode regular a homeostase epitelial. NOD2, ATG16L1 e IRGM são expressos em múltiplos tipos celulares, e seus papéis específicos na patogenia da doença de Crohn ainda não foram definidos. No entanto, todos os três estão envolvidos no reconhecimento e resposta a patógenos intracelulares, justificando a hipótese de que respostas imunológicas inapropriadas a bactérias luminais são um importante componente da patogenia da DII. Respostas imunológicas da mucosa Diversas observações reforçam o papel das respostas de imunidade da mucosa na patogenia de DII. Algumas dessas são: • As célulasT auxiliares são ativadas na doença de Crohn e a resposta é polarizada no tipo TH1. • As células T tipo TH17 têm uma probabilidade maior de contribuir para a patogenia da doença. Consistentes com essa teoria, certos polimorfismos do receptor IL-23, que está envolvido no desenvolvimento e manutenção das células TH17, conferem reduções acentuadas no risco tanto da doença de Crohn quanto da colite ulcerativa. • Muitas citocinas pró-inflamatórias, incluindo a TNF, interferon-γ e IL-13, bem como moléculas imunorregulatórias, como a IL-10 e TGF-β, aparentam ter um papel importante na patogenia da DII. O papel do IL-10 é apoiado por observações que mostram que as mutações autossômicas recessivas na IL-10 e no gene receptor de IL-10 estão ligadas ao surto precoce e grave da DII. No geral, enquanto detalhes precisam ser definidos, fica claro que a ativação desordenada da imunidade da mucosa e defeitos de imunorregulação contribuem para o desenvolvimento da colite ulcerativa e doença de Crohn. Agentes imunossupressores continuam sendo a base de tratamento dessas condições. Defeitos epiteliais Uma variedade de defeitos epiteliais foi descrita tanto na doença de Crohn quanto na colite ulcerativa. Alguns exemplos são exibidos a seguir: • Defeitos na função de barreira da junção epitelial intestinal estão presentes em pacientes com a doença de Crohn e em um subconjunto de seus parentes de primeiro grau saudáveis. Em pacientes com doença de Crohn e seus parentes, essa disfunção da barreira está associada a polimorfismos específicos NOD2 associados à doença; modelos experimentais demonstram que essa disfunção pode ativar a imunidade mucosa inata e adaptativa e sensibilizar o indivíduo à doença. • Alguns polimorfismos, como os que envolvem ECM1 (proteína 1 da matriz extracelular), os quais inibem a metaloproteinase 9, estão ligados à colite ulcerativa, mas não à doença de Crohn. Nesse contexto, é notável que a inibição da metaloproteinase 9 da matriz reduza a gravidade da colite em modelos experimentais. Página 10 de 22 SOI-IV APG - 6 • Certos polimorfismos no fator de transcrição HNFA são associados à colite ulcerativa, mas não à doença de Crohn. Os polimorfismos HNFA também são fortemente associados ao diabetes surgido na maturidade em jovens, os quais, como a DII, estão associados à função reduzida da barreira intestinal. Juntos, esses dados sugerem que desarranjos na função epitelial são componentes importantes e essenciais para a patogenia de DII. Microbiota A abundância da microbiota na luz GI é surpreendente, chegando a 1012 organismos por milímetro no cólon e 50% de massa fecal. No total, esses organismos ultrapassam bastante as células humanas em nossos corpos, um lembrete de que, em um nível celular, nós podemos ser apenas 10% humanos. Uma amostragem de dados que apoia a noção de que a microbiota possui um papel na evolução da DII é a seguinte: • Conforme mencionado, a ligação com o NOD2 aponta para o envolvimento de micróbios na causa da doença de Crohn. • A presença de anticorpos contra a proteína bacteriana flagelina é mais comum em pacientes com a doença de Crohn do que nos que possuem doenças variantes associadas ao NOD2, formação de estreitamentos, perfuração e envolvimento do intestino delgado. Em contrapartida, os anticorpos antiflagelina são raros em pacientes com colite ulcerativa. • Estudos de transferência microbiana podem induzir ou reduzir a doença em modelos animais de DII, e testes clínicos sugerem que bactérias probióticas (ou benéficas) ou até mesmo transplantes microbianos fecais, a partir de indivíduos saudáveis, podem beneficiar pacientes com DII. Um modelo que unifica os papéis da microbiota intestinal, da função epitelial e da imunidade da mucosa sugere um ciclo pelo qual o fluxo transepitelial dos componentes bacterianos luminais ativa as respostas de imunidade inata e adaptativa. Em hospedeiros geneticamente suscetíveis, a liberação subsequente de TNF e outros sinais imunomediados direciona o epitélio para aumentar a permeabilidade das junções oclusivas, o que causa aumento subsequente no influxo do material luminal. Esses eventos podem estabelecer um ciclo autoamplificador que dá origem a respostas imunes de má adaptação e de lesão. MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS DAS DOENÇAS INFLAMATÓRIAS As manifestações extraintestinais são comuns, com prevalência estimada de 20,1% na DC e 10,4% na RCU. Acometem diversas estruturas, como articulações, pele, olhos, via biliar, sistema nervoso central, coração, pulmões, rins. As manifestações extraintestinais podem ser divididas em imunomediadas (artropatias, lesões cutâneas) e não imunomediadas, relacionadas a alterações metabólicas ou processos secundários (colelitíase, nefrolitíase e anemia). Algumas são temporárias e relacionadas à atividade de doença (artrite periférica, eritema nodoso, aftas orais e episclerite); outras podem seguir um curso independente (pioderma gangrenoso, uveíte, artropatia axial e colangite esclerosante primária). O acometimento articular, uma manifestação frequente, em geral é assimétrico, migratório e não causa deformidades. Pode ser dividido em: • Artropatia periférica tipo I: associada com a atividade da doença intestinal, acometendo grandes articulações e em número menor que cinco, caracterizada por ser aguda, assimétrica e geralmente autolimitada. • Artropatia periférica tipo II: poliartrite de pequenas articulações, principalmente das mãos, tem um curso crônico e independente da atividade da DII. • Artropatia axial: inclui a sacroileíte e a espondilite anquilosante, sem relação direta com atividade intestinal. Entre 4 e 18% dos pacientes com DC cursam com artropatia assintomática, apenas com alteração radiográfica sugestiva de espondilite anquilosante, diagnosticada pela presença do HLA- B27. Página 11 de 22 SOI-IV APG - 6 A lesão cutânea mais comum da DII é o eritema nodoso, descrito em 4% dos casos e caracterizado por nódulos subcutâneos dolorosos, com diâmetro variando de 1 a 5 cm, localizados principalmente em superfícies extensoras das extremidades e face tibial anterior. Usualmente, relaciona-se à atividade de doença. O pioderma gangrenoso, apesar de ser encontrado em 0,75% dos pacientes, tem importante correlação com a atividade de doença em 50% dos casos. A lesão geralmente é precedida por um trauma local, em um fenômeno chamado “patergia”; tem localização preferencial em região pré-tibial ou próxima a estomas, mas pode ocorrer em qualquer local do corpo. A lesão inicial é caracteristicamente sob a forma de pústula eritematosa, única ou múltiplas, que coalescem para formar uma úlcera profunda com fundo necrótico e estéril. Outras lesões cutâneas mais raras são a síndrome de Sweet, vasculites cutâneas, psoríase e doença de Crohn metastático. Aproximadamente 6% dos casos de DII desenvolvem manifestações oculares durante a atividade da doença, como a episclerite e a esclerite, de menor gravidade. Já a uveíte manifesta-se com hiperemia ocular, dor ocular, lacrimejamento e fotofobia e, se não tratada adequadamente, pode causar perda irreversível da visão. Outras complicações oculares descritas são a cegueira noturna, secundária à má absorção de vitamina A, e a catarata precoce, associada ao uso de corticosteroides. Pacientes com DC têm um risco relativo para colelitíase aumentado de 1,8 comparado à população geral. INTRODUÇÃO A doença de Crohn (DC) é uma doençainflamatória transmural e recidivante que pode acometer qualquer segmento do tubo digestório, da boca ao ânus, caracterizada por inflamação descontínua dos segmentos digestivos acometidos, com formas distintas de manifestações em cada indivíduo (luminal, penetrante ou fistulizante). Também considerada uma doença sistêmica, pois apresenta manifestações extraintestinais que podem ou não estar ligadas à atividade da doença digestiva. ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS A retocolite ulcerativa (RCU) e a doença de Crohn (DC) são doenças inflamatórias crônicas idiopáticas e heterogêneas, comuns também entre crianças e adolescentes, constituindo cerca de 25% dos casos de doença inflamatória intestinal (DII). Tem havido aumento na incidência da DC, enquanto a RCU permanece estável. No adulto, a DC apresenta distribuição bimodal em relação à idade: maior pico entre 20 e 40 anos, e menor de 60 a 80 anos. Predisposição familiar é, sem dúvida, o fator de risco mais importante para o desenvolvimento da DC. A prevalência da DC parece mais alta em áreas urbanas que nas rurais e nas classes sociais mais elevadas. Uma hipótese para esta diferença em incidência entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento é a de higiene, que sugere pessoas menos expostas a infecções na infância ou a condições sanitárias de maior contaminação com organismos "amigos", ou com organismos que promovem o desenvolvimento de células T; ou, ainda, que não desenvolvam repertório imune suficiente porque não experimentaram organismos nocivos. Estes indivíduos estariam associados a maior incidência de doenças imunológicas crônicas, incluindo-se a Dll. No Brasil, não há associação com classe social, segundo relatos de diversos au tores em diferentes estados. ETIOPATOGENESE A DC é considerada idiopática, pois não se identificou até o momento um agente patológico específico. Não há dúvida de que a predisposição genética e os dados epidemiológicos são mais consistentes e relacionados com doença poligênica. FISIOPATOLOGIA O aumento dapermeabilidade intestinal tem sido implicado na patogênese da DC com consequente aumento da carga de antígenos pelo sistema imune da mucosa que inicia e perpetua a inflamação. Página 12 de 22 SOI-IV APG - 6 A DC pode afetar qualquer área do intestino. Tipicamente, há áreas descontinuamente afetadas (lesões em salto). A primeira anormalidade visível é o aumento dos folículos linfoides com um anel de eritema em volta (sinal do anel vermelho). Isso leva à ulceração aftoide que, por sua vez, progride a ulcerações profundas, fissurando, com aspecto de "pedra de calçamento", fibrose, estenose e fistulização. Inflamação e fibrose predispõem a estenoses intestinais, apresentando-se com sintomas obstrutivos e perfuração local da parede intestinal, levando à formação de abscesos. Na DC a dor abdominal, no início da doença, decorre de obstrução funcional, por espasmo e edema, e, posteriormente, a obstrução se toma orgânica por fibrose e estenose. O comprometimento seroso, pela inflamação transmural lesando terminações nervosas, vai intensificar e perpetuar a dor com a evolução da doença. A inflamação da mucosa, o edema, a fibrose, a obstrução linfática, quando localizados no intestino delgado, podem provocar diferentes fenômenos disabsortivos. A extensão e a localização anatômica da lesão determinam o grau de má absorção, assim como a especificidade do nutriente envolvido. Comprometimento do duodeno e jejuno proximal leva à má absorção de folatos, vitaminas, ferro, glicidios e lipídios; comprometimento do íleo distal provoca má absorção de gorduras e de aminoácidos; e comprometimento do ileo terminal, má absorção de vitaminas B12 e de lipídios. Depleção de potássio ocorre com certa frequência por falta de ingestão e por perda excessiva através das fezes. Hipopotassemia, acompanhada às vezes de hipomagnesemia, pode ser observada em alguns pacientes em consequência à hipoalbunemia, à esteatorreia e à má absorção de vitamina D. A hipoalbuminemia é frequente e pode ser explicada pela ingestão reduzida consequente à anorexia, pela diminuição de síntese nos casos com lesões hepáticas, pela má absorção dos aminoácidos e pela perda proteica através do intestino inflamado e ulcerado, que pode ser observado na maioria dos casos. A anemia é frequente e múltiplos fatores concorrem para o seu aparecimento. Habitualmente, é do tipo microcítica hipocrômica por depressão tóxica da medula, pelo processo infla- matório crônico e/ou carência de ferro por ingestão reduzida, e pelas perdas sanguíneas através do intestino inflamado. Eventualmente, pode ser megaloblástica nas lesões extensas do íleo, por déficit de vitamina B12 Esses fenômenos disabsortlvos somados à ingestão insuficiente de calorias levam ao grande déficit de crescimento, observado em 20 a 30% dos pacientes pediátricos, especificamente nos que apresentam comprometimento do jejuno e de íleo. Nas lesões do intestino grosso, ocorre perda de proteínas por exsudação devido ao processo inflamatório e alteração da função absortiva, especificamente de sódio e água. Deficiência de zinco pode acompanhar esta excessiva perda entérica. QUADRO CLÍNICO O médico deve incluir na anamnese perguntas sobre manifestações extraintestinais, distúrbios de humor, recentes problemas médicos ou infecções, história passada de tuberculose, viagens, medicações (antibióticos e AINEs), história familiar de D11, doença celíaca, câncer colorretal e uso de tabaco. A DC apresenta fases e, nestas, o quadro clínico pode ser totalmente diferente. 1. Predisposição genética 2. Início ou deflagração 3. Progressão ou perpetuação 4. Regulação 5. Cicatrização O quadro clínico é muito variado, pois depende da duração, localização, extensão, atividade da doença, e presença ou não de complicações. Às vezes, especialmente nas fases iniciais da doença, a extensão das lesões é tão pequena que o paciente permanece assintomático e a doença é descoberta acidentalmente; ou são tão extensas que provocam intensas manifestaõçes clínicas. Página 13 de 22 SOI-IV APG - 6 Em algumas crianças, a evolução pode ser muito grave, em forma fulminante, principalmente naquelas com início da doença antes do primeiro ano de vida, nos doentes com grande extensão da doença e também nas situações de comprometimento extraintestinal. A dor abdominal é o sintoma mais comum, geralmente em caráter de cólica, intensa e mais presente do que na RCUI. Em algumas ocasiões, é caracterizada como cólica periumbilical, pós-prandial, mas geralmente tende a se localizar em quadrante inferior direito, devido à grande frequência do comprometimento do Ileo terminal. O desconforto abdominal tende a se iniciar após as refeições em pacientes com envolvimento do intestino delgado, particularmente do íleo terminal. A cólica aumenta antes da defecação, relacionada com o trânsito do conteúdo intestinal através do segmento intestinal inflamado e/ou estenosado. A dor abdominal pode acordar o doente durante o sono noturno. Em alguns pacientes com comprometimento do trato digestório superior, a dor abdominal pode ser epigástrica mimetizando doença péptica. Odinofagia, disfagia, pirose e anorexia estão presentes quando há envolvimento do esôfago. A DC de esôfago é rara, menos de 80 casos na literatura, geralmente se localiza no terço distal, é sempre sintomática e em geral está associada ao comprometimentodo intestino delgado e grosso. O trato digestório superior deve sempre ser avaliado nos pacientes com queixas digestivas altas. Pacientes com envolvimento ileocolônico têm maior risco de formação de fistulas e, frequentemente, apresentam dor em quadrante inferior direito e massa abdominal palpável. A dor abdominal pode ainda apresentar-se de forma aguda e acompanhada de febre, simulando quadro de apendicite aguda. A progressão do processo Inflamatório, particularmente do intestino delgado, pode resultar em segmentos intestinais estenosados com obstrução intestinal parcial ou total. Tais pacientes reclamam de dor abdominal tipo cólica progressiva e frequentemente acompanhada de borborigmos, distensão abdominal e vômito, necessitando de monitoramento clínico, pois há risco potencial de perfuração intestinal com formação de abscessos, peritonite ou fistulas. A febre aparece em 20 a 50% dos casos, seja pelo procesos inftamatório em si , seja pelas complicações do tipo supurativo (absces fistulas), podendo ser manifestação única ou pre-dominante, levando, muitas vezes, à investigação exaustiva de febre de origem indeterminada. A diarreia pode acompanhar o sintoma principal (dor abdominal), é de intensidade moderada, geralmente intermitente, ocorrendo com maior frequência nos casos de comprometimento difuso do intestino delgado ou isolado do cólon. No primeiro caso, tem mais características de esteatorreia e, no segundo, as fezes, por serem mucossanguinolentas, confundem- se com as da RCU. O sangramento retal na DC, de modo geral, é menos frequente do que na RCU, mas, quando presente, traduz comprometimento dos colos. A perda de peso pode ser o sintoma inicial da DC. Os mecanismos são vários: redução da ingestão de alimentos, perdas proteicas para o lúmen intestinal, aumento das necessidades alimentares não atendidas, estado de catabolismo. A desnutrição cobra um pesado ônus, sobretudo nas crianças. Felizmente, algumas dessas alterações podem ser corrigidas com suporte alimentar adequado. O déficit de crescimento e o retardo de maturação sexual ocorrem em cerca de 6 a 50% dos casos de crianças Os distúrbios de crescimento: a) afetam os pacientes com DC; b) podem preceder a doença por vários anos; c) são fáceis de reconhecer; d)mas ainda não são valorizados; e) são irreversíveis se não tratados a tempo. Tais efeitos são devidos à desnutrição, por aporte nutricional insuficiente, uma vez que são revertidos com a recuperação nutricional e o controle da doença. Tais alterações podem ser muito sutis no início e frequentemente precedem as manifestações gastrintestinais. A corticoterapia e a inflamação crônica intestinal agravam o déficit de crescimento. O TNF-a pode também ser importante mediador da falência de crescimento, pois estudos experimentais Página 14 de 22 SOI-IV APG - 6 comprovam seu efeito inibidor direto sobre o condrócito da placa de crescimento. Não há benefício com uso de hormônio de crescimento. Nas DII, devem ser excluídas outras entidades que causam déficit de desenvolvimento sexual, tais como retardo constitu-cional, doença celaíca, fibrose cística, anorexia nervosa, hipo-gonadismo e má nutrição. Na DC, um em cada cinco pacientes apresenta distúrbios de maturação puberal que podem preceder claramente o aparecimento de sintomas gastrintestinais. A doença perianal é observada em 15 a 40% dos pacientes e pode se destacar como a primeira manifestação da DC. A doença perianal pode se apresentar nas seguintes formas: a) lesão de pele: maceração, erosão, ulceração e abscessos, pregas; b) lesão do canal anal: fissura, úlcera, estenose com induração; c) fístula: baixa (canal anal para a pele), alta (reto para a pele), retovaginal. DIAGNÓSTICO Aumento da suspeita clínica pelo pediatra e pelo clínico das manifestações intestinais e extraintestinais tem diminuído o intervalo entre sintomas e diagnóstico da DC. Apesar dos avanços tecnológicos, o diagnóstico da DC permanece eminentemente clínico. O diagnóstico da DC ainda depende da experiência clínica do gastrenterologista, combinada à do endoscopista e do patologista, através de dados macroscópicos e histológicos do trato gastrintestinal alto e baixo, e exclusão de todas as outras possibilidades diagnósticas. Como a doença pode ser grave, lembrar que os exames invasivos podem piorar as condições emocionais dos pacientes e de seus familiares. História Clínica Queixa de dor abdominal intensa, noturna e associada a diarreia constituem os dados mais valorizáveis na anamnese. Exame Físico Dados antropométricos e de desenvolvimento sexual relacionados com a idade; dor à palpação principalmente no quadrante inferior direito do abdome com ou sem massa palpável; presença de fissuras, abscessos ou fístula na região perianal e lesão perineais são importantes, podendo ser o único achado de exame. Exames laboratoriais São utilizados alguns exames laboratoriais habituais com os objetivos de avaliar a atividade, o prognóstico, as manifestações hepáticas ou pancreáticas, os fenômenos disabsortivos, o estado nutricional dos pacientes ou ainda afastar outras doenças. Exames de fezes 1. Rotina para parasitos, bactérias, vírus 2. Clostridium difcile e toxina, pesquisar mesmo na ausência de uso de antibióticos 3. Pesquisa de leucócitos e/ou sangue oculto 4. Pesquisar citomegalovírus, principalmente em pacientes com uso de imunossupressores 5. Pesquisa de alfa-1-antitripsina, calprotectina ou lactoferrina para determinar atividade da doença. A dosagem de alfa-1-antitripsinafecal pode ser útil no controle da atividade da doença, pois, como mede a perda proteica intestinal, a elevação de seus títulos traduz aumento nas fases de aumento da permeabilidade intestinal e atividade da doença; e sua diminuição reflete acalmia do processo inflamatório intestinal. A determinação da calprotectina fecal também pode ser utilizada no monitoramento da atividade da DC. A calprotectina é uma proteína neutrofílica abundante extremamente estável nas fezes. Reflete a inflamação intestinal em crianças com DII. Como é um teste simples, seguro e não invasivo, tem o potencial de reduzir o número de procedimentos invasivos na criança. Página 15 de 22 SOI-IV APG - 6 Seu nível plasmático aumenta de 5 a 40 vezes em condições infecciosas/ inflamatórias, porém nas fezes a calprotectina pode ser determinada facilmente por ELISA. As fezes podem ser colhidas em domicílio e entregues no laboratório, repetindo-se o teste quantas vezes forem necessárias. Outro teste que pode servir de marcador para se conhecer a atividade da DC é a determinação fecal de lactoferrina, também por ELISA. A lactoferrina é considerada marcador sensível e específico da inflamação, tanto para diagnóstico, como para monitorar a manutenção, pois seus níveis se correlacionam bem com os escores de atividade e com a PCR. Exames de sangue 1. Hemograma 2. Eletrólitos 3. Proteínas e frações 4. Ferritina (pode estar elevada na DC ativa e pode estarnormal mesmo na vigência de deficiência grave de ferro) 5. Transferrina deve ser feita para avaliar anemia 6. Dosagem de vitamina B12 7. Provas de função hepática O hemograma, na fase aguda, mostra leucocitose com desvio à esquerda, linfopenia ,eosinofilia moderada ou acentuada, plaquetose. Pode ainda revelaranemia microcítica, enquanto a anemia megaloblástica é mais rara, mas pode ser observada na DC, por alterações na absorção de vitamina B12 no íleo terminal. A hemossedimentação está elevada na fase inicial e se reduz com o tratamento, sendo um dos indicadores de atividade da doença, bem como a proteína C reativa (PCR). As alterações das frações proteicas, principalmente a acentuada redução da albumina, o aumento da alfa- 2-globulina (supostamente sintetizada nos cólons) são muito importantes na avaliação do prognóstico e prenúncio da recidiva da doença. O encontro de baixos níveis de ferro e zinco séricos podem ser secundários à pobre ingestão alimentar, perda pela mucosa inflamada do intestino ou pelo sangramento intestinal. O cálcio e o magnésio podem estar baixos devido à baixa ingestão e/ou perda através das células epiteliais descamadas ou de sangramento intestinal. Lembrar-se de diagnosticar e/ou prevenir infecções opor-turistas cada qual por seu método próprio. EX: Virus: citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, hepatite B, herpes simples, influenza, varicela, papilomavírus. Bactérias: Clostridium difficile, exclusão de tuberculose. Teste cutâneo de Mantoux = PPD (no Brasil, positivo > 10mrn) Novas modalidades diagnósticas A utilização de outros métodos não invasivos tem sido estudada com o rastreamento para o diagnóstico. O método mais utilizado é a cintigrafia com leucócitos marcados com Tc99, que se mostrou útil em crianças na avaliação da localização e de-terminação da intensidade da lesão quando comparado com a radiologia e a colonoscopia, mas não define detalhes anatômicos como estenoses, dilatação pré-estenótica ou fístula. Testes sorológicos específicos(ASCA/pANCA) Perinuclear antineutrophil cytoplasmic autoantibodies (pANCA) tem sido reconhecido como bom marcador de RCU. Anticorpos para epítopos oligomanosídicos do fungo Saccha- romyces cerevisiae (Se) (ASCA) são novos marcadores para DC. Ambos estão implicados no diagnóstico diferencial entre as duas entidades. A combinação dos dois pode ajudar nesta diferenciação. São testes realizados por técnicas padronizadas de imunofluorescência indireta (ANCA) e ELISA (ASCA). A presença de ASCA em pacientes com DC está associada a comprometimento do intestino delgado. O ASCA é marcador altamente específico para DC e é mais frequentemente expresso em pacientes com DC de início precoce (até 70%) do que com início tardio (25% dos pacientes com DC iniciada após os 40 anos de idade). Página 16 de 22 SOI-IV APG - 6 Na doença celíaca, o ASCA pode ser detectado em porcentagem elevada, pois surge em afecções com alterações da permeabilidade intestinal, não só na DC. A determinação de anticorpos antineutrofílicos citoplasmáticos (pANCA) mostra 82% de sensibilidade e 90% de especificidade para pacientes com RCU. Nos casos de colite in-determinada, tais marcadores parecem de ajuda. Salienta-se que a positividade de marcadores não implica que se deixe de submeter o paciente à colonoscopia ou a estudos de imagem. Considerar, também, que a positividade dos anticorpos é baixa em crianças com menos de 5 anos. Em conclusão, os testes sorológicos dão suporte clínico para diagnóstico e categorização de pacientes com DII e podem ser de valor na tomada de decisões terapêuticas. Novos estudos são necessários com o objetivo de alcançar novos marcadores diagnósticos sensíveis e específicos para cada uma das doenças, relacioná-los à atividade e extensão da enfermidade e predição das manife.stações extraintestinais, ou complicações. Exames de imagem Minimizar o uso da radiologia convencional devido ao potencial risco de irradiação para o desenvolvimento de malignidade. A rotina de raios X simples de abdome (em pé, deitado e em decúbito lateral com raios horizontais) é essencial se houver suspeita de obstrução intestinal. Pode delinear presença e extensão da colite, diagnóstico de obstrução ou perfuração, oclusão de megacólon tóxico. Raios X contrastados não são recomendados em casos graves. O exame contrastado do esôfago, estômago e duodeno pode revelar algum sinal de espessamento da mucosa ou estreitamento da luz nos casos suspeitos de DC. O trânsito intestinal, com estudo detalhado do íleo terminal sob fluoroscopia, é de importância central no diagnóstico da DC do intestino proximal ao íleo terminal, mostrando estenoses, ulcerações e fistulizações. O comprometimento do intestino delgado está presente em mais de 90% dos pacientes com DC. O estudo radiológico através do enema opaco, convencional ou de duplo contraste, está contraindicado na fase aguda, pelo risco de perfuração ou dilatação (megacólon tóxico). Pode ser totalmente normal em casos leves ou apresentar redução das haustrações, contraste disposto como vidro fosco ao longo do cólon, em espículas e irregularidade no contorno do cólon, na presença de microulcerações. Algumas vezes, podem ser encontradas imagens de aspectos muito irregulares pela presença simultânea de ulcerações e de formações de pseudopólipos, sinais de espessamento da mucosa, ulcerações, e estreitamento do lúmen intestinal e, outras vezes, dilatações de alças e trajetos fistulosos. As lesões são descontínuas na DC, descritas como lesões em salto. Outros exames de imagem são muito úteis não só para avaliação, mas também para drenagem percutânea de coleções localizadas. A ultrassonografia (US) pode ser útil na identificação de espessamento da mucosa intestinal e presença de adenomegalia e líquido na cavidade abdominal. É econômica, largamente disponível, não envolve radiação e avalia complicações periviscerais e extraintestinais. Soma-se a isso a possibilidade de se conhecer a atividade da doença ao se monitorar o volume do fluxo na artéria mesentérica superior. A ultrassonografia endorretal é útil no caso de fistulas, mas restrita devido à dor. A tomografia computadorizada de abdome (TC) pode definir precisamente a anatomia de fístulas e cavidades na DC; ou ser útil para identificar abscesso ou linfoma. É uma técnica rápida, bastante disponível, bem tolerada e que permite completa avaliação do cólon quando a endoscopia é incompleta. Contudo, associa-se à grande exposição de radiação ionizante. Ambas, US e CT, são cada vez mais usadas para identificar anormalidades intrínsecas da parede Página 17 de 22 SOI-IV APG - 6 abdominal, como áreas de espessamento ou aderências das alças intestinais. A ressonância magnética (RM) não requer radiação ionizante, dá excelente contraste dos tecidos moles e pode ofertar imagens sequenciais. Consequentemente, é superior à US na identificação de fístulas e estenoses, e na localização de segmentos afetados, principalmente no intestino delgado proximal. O uso de contraste com gadolínio, endovenoso, melhora a técnica e permite separar doença da mucosa (RCU) da doença transmural (DC), além de identificar comprometimento do intestino delgado proximal. Enterografia por TC ou RM mostra detalhes da morfologia das alças intestinais e faz melhor avaliação do processo inflamatório e do grau de fibrose, além de analisar estenoses com maior sensibilidade. Exames endoscópicos O exame endoscópico é de suma importância no diagnóstico e acompanhamento evolutivo da DC, inclusive com obtenção de fragmentos de mucosa para exame histopatológico. Enteroscopia de duplo balão ou vídeo push enteroscopy é utilizadapara acessar áreas do intestino delgado altamente suspeitas, quando outras modalidades diagnósticas foram negativas, ou para atingir áreas estenosadas para dilatação com o balão. A tolerância é boa e não são relatadas complicações. Tem a vantagem de permitir biópsias. Entretanto, poucos centros dispõem de aparelhos e profissionais treinados pareaste método. As úlceras são as alterações endoscópicas mais frequentes, com tamanhos e formas variáveis, recobertas por fibrina, bordos elevados, limites nítidos, sendo poupada a mucosa entre as lesões. Podem localizar-se em todos os segmentos do trato digestivo, da boca ao ânus, sendo mais frequentes, porém, em cólon e íleo terminal, preservando o reto na grande maioria das vezes. Endoscopia virtual do intestino delgado e colonoscopia virtual não mostraram grande vantagem, mas podem ser úteis em casos de estenoses, principalmente se intransponíveis aos colonoscópios. Cápsula endoscópica(CE) Recentemente, foi introduzida na prática médica a cápsula endoscópica que vem contribuindo de maneira significativa para o esclarecimento de afecções comprometendo o intestino delgado. Na DC, fornece informação sobre o tipo de lesões e a extensão da enfermidade, principalmente em casos de difícil diagnóstico pelos outros métodos. Entretanto, salienta-se a importância da realização prévia de um trânsito intestinal afim de se evitar a retenção da CE em áreas de estenose. Já está disponível para crianças e tem se tornado a modalidade diagnóstica de escolha para pacientes com suspeita de DC no intestino delgado proximal. Indicações na DC • Avaliação do envolvimento do intestino delgado em pacientes com DII e colite isolada; • Determinação da extensão da DC do intestino delgado; Suspeita diagnóstica de DC; monitoramento do tratamento. Na população infantil, em que cerca de 85% dos casos apresentam comprometimento do intestino delgado, podendo cursar com sintomas inespecíficos, que provocam atraso de desenvolvimento ponderoestatural, a CE é de muita utilidade. Além disso, este grupo etário tem baixa tolerância a procedimentos invasivos, e a CE é bem tolerada. O único problema pode ser a ingestão da cápsula. Exame anatomopatológico O comprometimento histológico gastroduodenal ocorre em mais de um terço dos pacientes, exclusivamente no delgado em 30 a 35%, no íleo terminal e em alguns segmentos do cólon, principalmente no ascendente, em 50 a 60%; e a doença limitada ao cólon em 10 a 15% das crianças e adolescentes. Aspectos macroscópicos Nos locais do intestino afetado, observa-se o envolvimento total da parede, com hiperemia e Página 18 de 22 SOI-IV APG - 6 depósito de exsudato no peritônio visceral, com aspecto rugoso e nodular, propiciando aderência entre as alças, entre estas e outras vísceras e até com a parede abdominal. Em fases mais avançadas da doença, toda a parede e, em especial, a válvula ileocecal tornam-se fibróticas, espessadas e rígidas. A lesão da mucosa é representada por úlceras aftoides que se unem, aumentando de tamanho, formando lesões irregulares e serpiginosas, intercaladas com áreas normais, chamadas de "lesões em salto". A mucosa preservada, mas com edema, entre as áreas com úlceras, pode apresentar aspecto polipoide, chamado de pseudopólipo, podendo também estar presentes os pólipos inflamatórios. O conjunto de achados: úlceras aftoides, ulcerações serpiginosas, edema, ulcerações lineares (aspecto em "cobblestone") e os pseudopólipos são importantes para o diagnóstico de DC. Aspectos microscópicos As alterações epiteliais variam de discretas a intensas, ao lado de áreas de processo reparativo. Os sinais de cronicidade da doença são marcados por glândulas distorcidas e ramificadas e a presença de metaplasia das células de Paneth no cólon. A criptite (neutrófilos dentro do epitélio) e abscessos crípticos (neutrófilos na luz da glândula), assim como a redução da mucina, estão presentes em menor proporção do que na RCUI. A mucosa entre as áreas afetadas pode mostrar infiltrado linfo-plasmocitário na parte profunda da lâmina própria. A DC ativa é caracterizada por infiltrado de neutrófilos e monócitos no epitélio intestinal e na lâmina própria, na superfície exsudato fibrinoleucocitário, abscessos crípticos e agregados de linfoides ao longo dos linfáticos em toda a espessura do epitélio. São também observadas vasculites e hiperplasia e hipertrofia dos plexos neurais autônomos. Há risco aumentado de câncer em áreas cronicamente inflamadas da mucosa do intestino delgado, colorretal ou anorretal. Infere-se que os achados histológicos têm maior valor preditivo do que os achados endoscópicos no diagnóstico de DC do trato digestório superior, o que significa que a biopsia é obrigatória nas endoscopias altas dos pacientes. Retocolíte ulcerativa (RCU), ou colite ulcerativa, é uma doença inflamatória que atinge preferencialmente a mucosa do reto e do cólon esquerdo, mas, eventualmente, todo o cólon. Trata-se de uma doença crônica, com surtos de remissão e exacerbação, caracterizada por diarreia e perda de sangue. Surge principalmente em pessoas jovens ou de meia-idade. Além das alterações locais, frequentemente apresenta complicações sistêmicas. Acomete milhões de indivíduos ao redor do mundo, com sintomas debilitantes e sério comprometimento da qualidade de vida. EPIDEMIOLOGIA A RCU é uma doença de ocorrência mundial, com uma incidência de 3 a20 novos casos por ano para cada 100.000 habitantes. Sua incidência vem aumentando com nítido paralelismo entre o desenvolvimento social e econômico da população e a ocidentalização do estilo de vida. A incidência é 3 a 5 vezes maior nos EUA e países do Norte da Europa em relação aos países do sul. Este gradiente norte-sul sugere que fatores ambientais e, consequentemente, estilo de vida desempenham importante papel na etiologia da doença. É incomum na Ásia, mas estudos recentes demonstram aumento tanto na incidência como na prevalência. Exceções incluem Austrália e Nova Zelândia, onde a ocorrência segue padrão americano e europeu. Em nosso meio, ainda há poucos dados e poucos estudos populacionais. Página 19 de 22 SOI-IV APG - 6 A doença acomete ambos os sexos, na mesma proporção, embora com tendência de ocorrer mais em mulheres. Há uma distribuição etária bimodal para homens, com picos entre 1 5 e 35 anos e 60 e 70 anos. Por sua vez, em mulheres, a faixa mais acometida é dos 15 aos 35 anos. Classicamente, se diz que a RCU afeta mais as pessoas brancas e jovens. Contudo, estudos recentes demonstram um aumento na incidência entre negros, equiparando-se aos brancos. Em 10 a 15% dos pacientes, há uma história familiar positiva para a doença. É interessante notar a alta frequência da doença entre não fumantes comparados a fumantes. CURSO CLÍNICO O curso clínico da RCU varia muito de um paciente para outro. Em recente estudo de base populacional realizado na Noruega, 1/5 dos pacientes não apresentaram recidivas após 10 anos do diagnóstico e, na metade dos casos, a doença per-maneceu quiescente por 5 anos. A localização da doença correlaciona-se estreitamente com a evolução. Desta forma, colite extensa está associada a aumento do risco de colectomia e câncer de cólon, assim como aumento na mortalidade. DIAGNÓSTICOA despeito dos avanços no conhecimento genético dos fatores ambientais e imunológicos que participam da etiopatogê-nese da RCU, não existe nenhum marcador patognomônico da doença; desta forma, o diagnóstico é, em geral, feito por meio da avaliação conjunta do quadro clínico, dos achados laboratoriais, radiológicos, endoscópicos e histológicos. Quadro clínico A sintomatologia da RCU é variável e depende da extensão e intensidade das lesões. O início da doença pode ser insidioso ou abrupto, e a evolução é, em geral, crônica, com surtos de exacerbação intercalados com períodos de acalmia. O sintoma predominante é a diarreia, com inúmeras evacuações por dia, geralmente com fezes líquidas misturadas com sangue, muco e pus. Na fase aguda, em geral há dor em cólica no abdome, febre, perda de peso e mal-estar geral. Setenta e cinco por cento dos pacientes irão apresentar sintoma intermitentes e com-pleta remissão entre os ataques. Em 5 a 15%, os sintomas serão contínuos, sem remissão, e 5 a 10% apresentarão apenas um surto sem sintomas subsequentes por mais de 15 anos. A gravidade do surto inicial irá ditar a conduta terapêutica; por isso, é essencial uma avaliação meticulosa para dimensionar adequadamente a doença. Exame físico O exame físico cuidadoso é fundamental. Deve ser direcionado não só ao trato gastrintestinal, mas, sobretudo, à pesquisa de manifestações extraintestinais (aftas, pioderma, eritema no-doso, artrites, uveítes etc.), para demonstrar alterações sistêmicas, nas formas graves da doença (febre, taquicardia, desidrata-ção), e auxiliar na detecção de complicações, como megacólon tóxico e perfuração intestinal, entre outras. Nas formas leves e moderadas da doença, o exame, em geral, é normal. Alterações laboratoriais Apesar de inespecíficos os exames laboratoriais são utiliza-dos não só para uma avaliação global do paciente, mas também para estabelecer o grau de atividade da doença e, portanto, avaliar a resposta terapêutica. As alterações mais frequentes são anemia ferropriva, leucocitose, aumento do número de plaquetas, hipoalbuminemia, elevação da velocidade de hemossedimentação, dos níveis sanguíneos de proteína C reativa e alfa- 1-glicoproteína ácida. Distúrbios eletrolíticos como hipo-potassernia, hipocloremia, hiponatrernia, alcalose ou acido-se metabólica são frequentes, sobretudo nas formas graves da doença. Em nosso meio, é sempre importante o exame parasitológico e a cultura das fezes no sentido de eliminar outras causas de diarreia. Além destes exames laboratoriais, existem outros que vêm sendo testados, sobretudo para avalia-ção de atividade inflamatória, mas que ainda não fazem parte da rotina. Página 20 de 22 SOI-IV APG - 6 Dentre estes, destacam-se: calprotectina sérica, alfa2-microglobulina sérica, interleucina-6, eotaxina 2, dipeptidilpeptidase IV. Marcadores sorológicos A utilização de marcadores sorológicos para prognosticar, monitorar e tratar determinada doença é uma prática bem estabelecida em Medicina. Nos últimos anos, inúmeros novos marcadores da doença inflamatória intestinal têm sido reconhecidos e provocado um debate sadio na comunidade de gastrenterologistas a respeito de sua utilidade. Estudos em animais e em seres humanos demonstram que o paciente com RCU tem um distúrbio no mecanismo normal de regulação da resposta imune direcionada à flora intestinal. A utilização de marcadores sorológicos (p. ex., anticorpos) fundamenta-se na hipótese de que a presença destes anticorpos séricos refletiria este desequilíbrio do sistema imune. Tais marcadores são úteis, sobretudo para monitorar o tratamento. Mais de 20 anticorpos diferentes já foram identificados no soro de pacientes com doença inflamatória intestinal. Estes anticorpos parecem refletir uma resposta anormal a proteínas estranhas, pois não são encontrados em indivíduos sadios nem em pacientes com outra doença intestinal. Dentre os anticorpos com possível aplicação clínica, destacam-se: • Anticorpos contra estruturas citoplasmáticas dos neutrófilos Os anticorpos antiestruturas citoplasmáticas dos neutrófilos (ANCA) foram descritos primariamente nas vasculites e na granulomatose de Wegener. Posteriormente, percebeu-se que poderiam relacionar-se a outras doenças. No caso da RCU, o padrão de ANCA mais encontrado nas colorações é o perinuclear, daí surgiu a sigla pANCA. Este anticorpo é produzido pelas células na mucosa intestinal e pode refletir a resposta local a antígenos, próprios da mucosa ou a bactérias. O isolamento e purificação destes anticorpos em pacientes com RCU permitiram a identificação de vários alvos antigênicos, dentre eles a histona Hl. Esta é uma pequena proteína intimamente envolvida em espiralar o DNA dentro do núcleo das células. Outras proteínas também já foram identificadas. • Anticorposanti-Saccharomyces cerevisiae Anticorpos anti-Saccharomyces cerevisiae (ASCA) referem- se ao anticorpo contra o fermento de padaria. Têm sido encontrados em 50 a 70% dos pacientes com doença de Crohn e somente em 6 a 14% na RCU. Recentemente, observou-se que este anticorpo ocorre também em várias outras doenças como hepatite autoimune, colangite esclerosante e cirrose biliar primária, dimniuindo a sua especificidade e, portanto, limitando o seu uso. • Anticorpos antibaderianos Partindo da hipótese de que a doença inflamatória intestinal resulta de uma resposta imune aberrante direcionada à flora microbiana intestinal,pacientes com estas doenças poderiam informar anticorpos contra proteínas bacterianas. Estes anticorpos podem significar perda de tolerância às bactérias ou resposta do hospedeiro a um agente patológico. Um aspecto ainda mais interessante é que estes anticorpos podem ajudar na identificação de sub grupos de pacientes nos quais a inflamação é perpetuada por bactérias existentes no lúmen intestinal e podem responder à terapêutica direcionada em alterar a flora. Exames radiológicos Raios X simples do abdome Uma radiografia simples do abdome deve ser sempre reali-zada, especialmente nos pacientes com formas graves da doença. Se o cólon estiver cheio de ar, podemos observar encurtamento do órgão, perda das haustrações e, eventualmente, alterações grosseiras do relevo mucoso. Outras informações importantes que podem ser obtidas por meio desse exame são os sinais de complicações, como dilatações extremas no megacólon tóxico, presença de pneumoperitônio nas perfurações intestinais e alterações consequentes às manifestações extra-intestinais, ou seja, sacroiliite e espondilite ancilosante. Página 21 de 22 SOI-IV APG - 6 Enema opaco É um exame muito útil, principalmente quando feito com a técnica do duplo contraste (bário e ar). Permite não só estabelecer o diagnóstico, mas também avaliar a extensão da doença. Não deve ser realizado nos casos graves devido ao risco de perfuração intestinal. A alteração mais precoce ao enema opaco é o aspecto granuloso da mucosa, consequente ao edema que a infiltra. Com a progressão da doença, podemos notar erosões e ulcerações, que conferem ao órgão um aspecto característico "em papel rasgado, ou borda de selo". Quase sempre, há perdas das haustrações e afilamento e encurtamento do cólon. Deve-se realizar sempre uma radiografia em perfil para estudar o espaço pré-sacral. Normalmente, esse espaço tem menos de 1,0
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