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TEMPOS DE APRENDER: REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA ESCOLA EM CICLOS Karina Motta Favaro RESUMO Em 1996 com a criação das novas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), começa a ser implantado no país, de acordo com a decisão autônoma dos Estados, municípios e escolas, o sistema de aprendizagem em ciclos. Apesar das polêmicas que o envolve, como a chamada progressão continuada, que para grande parte da sociedade é vista como uma maneira de encobrir a crise da repetência no país e o grande número de alunos evadidos, para estudiosos renomados da área da educação como o sociólogo Philippe Perrenoud (2004), os ciclos permitem uma centralização maior na aprendizagem do que no ensino, favorecendo a implantação e a perspectiva de olhares múltiplos e transversais sobre a trajetória de cada um dos alunos. Sendo assim, esse artigo, por meio do método de revisão bibliográfica tem como objetivo refletir sobre caminhos possíveis para uma implantação significativa dos ciclos que leve a construção de uma escola afetuosa, democrática e acolhedora. PALAVRAS-CHAVE: Escola em Ciclos. Processos de Aprendizagem. Educação Brasileira. 2 INTRODUÇÃO Pensar sobre uma escola dividida em ciclos não é novidade, no entanto, o que vemos nas implantações de programas estaduais e municipais é uma disparidade entre o texto oficial e as práticas, porque a mentalidade dos profissionais da educação continua a mesma do processo seriado, passando seus alunos para o próximo ano, apenas transferindo as defasagens para outro profissional. No polo mais inovador, os ciclos de aprendizagem são sinônimo de profundas mudanças nas práticas e na organização da formação e do trabalho escolar; é uma verdadeira inovação, que assusta uma parcela dos professores e dos pais e requer novas competências. (PERRENOUD; P. 2004, p. 12) Existe uma cultura de pensamento instaurada no Brasil, de que os ciclos trouxeram a chamada “proibição da reprovação”, fazendo com que grande parte da sociedade critique e se posicione contra esse sistema. Ao adentrar nos estudos sobre reprovação sabemos o quanto ela é considerada ineficaz se nada for feito para minimizar seus efeitos, é urgente que se compreenda o aluno em suas características individuais e que o seu desenvolvimento para obtenção de êxito na atividade de ensino se dá integralizando os aspectos físico, emocional, intelectual e social. Durante esse artigo busco trazer a importância de refletir sobre a intensidade do acompanhamento pedagógico e a diversificação de percursos formativos, pois dentro da escola em ciclos existe um aumento da autonomia e do trabalho do professor necessitando assim de uma formação contínua e questionadora dos seus processos de ensino. Refletindo sobre os tempos de aprender conheci o termo “pedagogia do caracol” criada pelo italiano Gianfranco Zavalloni que também embasa essa pesquisa: Pais, professores e todos aqueles que giram em torno do mundo da escola são estimulados a dar sugestões oferecidas pela pedagogia do caracol e podem recomeçar a refletir sobre o sentido do tempo 3 educativo e sobre a necessidade de adotar estratégias didáticas de desaceleração, por uma escola lenta e não violenta. (ZAVALLONI, G; 2014, p. 25) O que percebemos na sociedade se reproduz dentro dos contextos escolares, pais preocupados com o desempenho por meio das notas, exigindo que as crianças saiam na frente e cheguem em primeiro lugar, o boletim escolar aqui, se torna mais um mecanismo de sofrimento para aqueles que não atingem aos níveis esperados tanto por parte dos pais quanto dos professores. Não estamos dizendo que o processo avaliativo não deva existir, mas sim que os profissionais da escola precisam ser auxílio para o desenvolvimento das chamadas múltiplas inteligências por meio de uma reflexão do seu próprio trabalho, por isso é importante que, durante todos os processos de aprendizagem, aconteçam registros, sejam fotográficos ou escritos, pois as experiências didáticas são singulares e afetam os alunos de maneiras distintas. Assim os pais também poderão acompanhar a evolução das crianças no seu cotidiano escolar de maneira mais eficaz e sistemática, não apenas recebendo um resultado ao final de um bimestre ou trimestre. Dividimos esse artigo em três capítulos, no primeiro vamos falar um pouco de como o sistema de ciclos chegou ao Brasil, o que dizem os documentos oficiais e a maneira como ele é visto e implantado nas escolas. Em seguida daremos exemplos de metodologias possíveis para o funcionamento eficaz e eficiente de uma escola em ciclos, que olha para os alunos e para os seus profissionais como seres integrais, capazes de grandes transformações em seus processos de ensino-aprendizagem e da sociedade. Para finalizar, algumas reflexões acerca dos tempos de aprender e da urgência da implantação de ações inovadoras para um novo jeito de fazer escola, onde o processo está centrado no aluno e nas suas relações com o mundo. 4 1. A ESCOLA DE CICLOS NO BRASIL, IMPLANTAÇÃO E POLÊMICAS Apesar da implantação da escola em ciclos no Brasil começar de fato a ser construída com a grande reforma da LDB de 1996, ela já vem sendo documentada em textos há muito tempo. Em 1971 com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) n. 5.692/71, mesmo que o termo ciclos não esteja explicitado, a então chamada “Lei da Reforma do Primeiro e Segundo Grau” trouxe novas possibilidades de organização da escola, pois previa, ao lado das séries a viabilidade de avanços graduais na trajetória escolar. Já em 1974 o Conselho Federal de Educação traz o seguinte parecer: O sistema de avanços progressivos implica a adequação dos objetivos educacionais às potencialidades de cada aluno, agrupando por idade e avaliando o aproveitamento do educando em função de suas capacidades. [...] Não existe reprovação. A escolaridade do aluno é vista num sentido de crescimento horizontal; o aproveitamento, numa linha de crescimento vertical. Pelo regime de avanços progressivos, o aproveitamento escolar independe da escolaridade, ou seja, do número de anos que a criança frequenta a escola. (Brasil, 1974) A palavra ciclo, como possibilidade de uma organização escolar não seriada, é atual; ela aparece nos anos de 1980. A partir de então, os ciclos passaram a receber diferentes classificações qualificativas: básico, de alfabetização, de aprendizagem, de progressão continuada, de formação, conforme as particularidades de cada proposta. A partir da década de 90, com a criação das novas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996, várias redes adotaram os ciclos em todo o ensino fundamental. Hoje, eles interligam as chamadas antigas séries iniciais ou reorganizam essas mesmas séries em vários agrupamentos. Nas propostas de ciclos, o compromisso com a democratização do ensino, tal como anunciado, vai além da busca de regularização do 5 fluxo escolar, ao incorporar dimensões sociais e culturais mais abrangentes e novo entendimento a respeito da natureza e dos modos de conhecer, de ensinar e de aprender. Nas formulações mais conservadoras chega a ser mantida a menção explícita às séries como referência básica para a programação curricular, ainda que não mais se considere o intervalo restrito do ano letivo como prazo para que todos os alunos adquiram os conhecimentos esperados. Há, contudo, políticas de introdução de ciclos que têm investido em alterações mais profundas na organização do trabalho da escola, na cultura escolar e nas práticas educativas, visando a reverter o seu caráter excludente. (BARRETO, E. SOUSA, S. p. 664, 2005) Embora nas últimas décadas os ciclos tenham sido implantados por inúmeras gestões em diversas redes de educação do país,existem evidências de que eles deixaram de ser debates centrais em políticas educacionais, vide a baixa produção de novos artigos com esse tema. Sendo assim, as mudanças que percebemos durante a última década é de que os ciclos escolares tem se limitado a questões formais e à regularização dos fluxos de processos escolares. Em 2012 cria-se o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), onde assume-se um compromisso de alfabetizar as crianças até os oito anos de idade. Em 2017, órgãos governamentais ligados a educação em parceria com o Ministério da Educação (MEC) constroem uma nova política que fortalece três importantes eixos da educação no Brasil, sendo eles: a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), a formação de professores e o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático). Somente com apoio dos órgãos intermediários e centrais das redes de ensino, por meio de avaliações e acompanhamento sistemático aos projetos é que se tornaria possível a implantação de uma inovação educacional no porte que a escola em ciclos pode oferecer. Além disso por não conter uma proposta acabada, o sucesso de uma escola em ciclos também depende da capacidade dos professores. O desenvolvimento de ciclos de aprendizagem exige mais imaginação pedagógica e organizacional do que a gestão de um programa anual, não somente devido à novidade dessa forma de trabalho, mas também 6 porque orientar progressões diversificadas durante vários anos, gerir diversos tipos de agrupamentos de alunos e compartilhar o trabalho de maneira flexível tornam mais complexa a tarefa de cada um. Em uma escola estruturada em séries, cada professor toma sozinho as decisões relacionadas, no ensino médio, à sua disciplina e, no ensino fundamental, ao conjunto das disciplinas. Aos alunos que não atingiram os objetivos, ele propõe ou impõe apoio ou reprovação. Em um ciclo de aprendizagem plurianual, não se pode esperar o final do percurso para fazer balanços formativos e opções estratégicas (Tardif, 1992), que devem ter o acordo da equipe. Isso requer muitas competências da parte dos professores. (PERRENOUD, P; p. 42, 2004) Nas redes onde os ciclos foram implantados, nota-se uma ampliação do horário de trabalho e de dispositivos para auxiliar e até mesmo viabilizar os atendimentos as diferentes necessidades dos alunos, um dos dispositivos mais usados por exemplo, é a divisão do atendimento em grupos menores que podem acontecer dentro ou fora do horário das aulas regulares. Uma das maiores críticas da sociedade brasileira às escolas em ciclos é a chamada progressão continuada, hoje a divisão da escola em ciclos no Ensino Fundamental Anos Iniciais e Finais, dando como exemplo o Estado de São Paulo, se organiza da seguinte maneira: - Etapa 1: do 1º ao 3º ano, com alunos de idades entre seis e oito anos (período para estabelecimento da alfabetização); - Etapa 2: do 4º ao 6º ano, com alunos de idade entre nove e onze anos; - Etapa 3: 7º e 9º ano, com alunos de idade entre doze e quatorze anos. Teoricamente essa nova estrutura permitiria o acompanhamento permanente e constante do aluno ao longo dos ciclos, por meio do que eles chamaram de novas ferramentas de recuperação contínua, colocando nas salas de aulas (que ainda são divididas como no modelo seriado) um professor auxiliar nas disciplinas de língua portuguesa e matemática, colocando aulas de reforço nos períodos das férias e aos Sábados. Na prática o que aconteceu foi professores especialistas atuantes do Ensino Fundamental Anos Finais se defrontando com a necessidade de alfabetizar alunos que chegam a esta etapa com defasagem de leitura, escrita e raciocínio matemático, fazendo com que a questão do analfabetismo funcional ainda seja um dos grandes 7 gargalos da educação do Brasil, por isso é urgente que no processo de formação de professores se dê uma atenção adequada para que a alfabetização caminhe juntamente com o letramento em todos os âmbitos para que haja de fato uma constituição efetiva da leitura de mundo, com valores e conteúdos relevantes para os alunos. Mas como isso pode acontecer? No próximo capítulo vamos dar exemplos de alguns métodos que podem ser utilizados para que a escola em ciclos seja um caminho de aprendizagem para toda a comunidade escolar. 8 2. UM OLHAR PARA OS MÉTODOS: CAMINHOS POSSÍVEIS PARA A ESCOLA EM CICLOS Nas propostas de ciclos existe um compromisso com a democratização do ensino, por isso ele ultrapassa a questão da regulação de fluxo escolar, pois incorpora dimensões socioculturais e um novo entendimento sobre os modos de conhecer, ensinar e aprender. É importante destacar que nessa configuração de escola a aprendizagem não se dá porque os alunos estão divididos por faixa etária, ela acontece por meio de uma intervenção consciente das práticas pedagógicas, que reconhecem a necessidade das questões etárias compreendendo o tempo para construir e solidificar o conhecimento com significado sobre o que é aprendido. Um aspecto importante é o fato de que, na escola em ciclos, independente das perspectivas de organização curricular, os alunos poderão apropriar-se do conhecimento em diferentes momentos do processo educativo, uma vez que a organização escolar em ciclos oferece maior flexibilidade para que as práticas escolares possam atender a pluralidade de níveis, ritmos e necessidades da aprendizagem dos alunos. (MAINARDES, 2009, p. 75) Usar metodologias e atividades diversificadas criam turmas mais equitativas, onde todos tenham as mesmas oportunidades de aprender, a interatividade entre pares e uma intervenção pedagógica com olhar acolhedor e principalmente planejada pelo professor são requisitos básicos para o processo de ensino-aprendizagem. Por isso voltamos a enfatizar que todos os profissionais da comunidade escolar têm papel fundamental para o sucesso de uma organização curricular em ciclos. É necessário criar-se espaços para trocas de experiências e experimentações, onde esses profissionais se sintam acolhidos em suas dificuldades com momentos de escuta, formação e pesquisas. 9 É preciso entender que existe uma ruptura a fazer, substituir a memorização por recursos para a compreensão, julgamento, antecipação, decisão e ação consciente diante de fatos ou regras apresentados. Sendo assim é preciso a todo momento buscar modos de fazer que atendam à diversidade dos percursos, validando assim a integralidade de cada indivíduo participante desse processo. Imaginemos uma equipe de quatro professores coletivamente responsáveis por cerca de 100 alunos de 8 a 12 anos. Esses profissionais podem então jogar com competências diversas e dispor de quatro espaços de trabalho, o que permite criar dispositivos variados, assumir efetivos desiguais, alternar grupos homogêneos e grupos heterogêneos. Não vamos esconder, entretanto, que isso exige dos professores novas competências de organização do trabalho, de gestão dos espaços-tempos e dos grupos, com ferramentas adequadas de orientação e de avaliação. As virtudes de um ciclo de aprendizagem plurianual só irão manifestar-se, portanto, quando uma equipe pedagógica tiver dominado a complexidade do sistema e as dificuldades da cooperação profissional. (PERRENOUD, P; p. 20, 2004) Sobre a divisão do trabalho e possíveis estruturas para o bom funcionamento da escola em ciclos PERRENOUD (2004) indica alguns caminhos possíveis a partir de textos formulados pelo Groupe de pilotage de la rénovation ativo em Genebra de 1994 a 1999: 1. Equipes que cuidem da coerência entre os ciclos por meio de ações pedagógicas orientadas pelo trabalho em equipe, avaliação dos processos e comunicação efetiva para pais e equipes gestoras, como prestação de contas de sua autonomia para organizaçãodo trabalho. 2. Profissionais responsáveis por um ciclo podem reagrupar seus alunos conforme o surgimento de novas demandas, diversificando assim grupos de trabalhos conforme as necessidades de maneira flexível. 3. Disponibilidade de espaços e meios materiais. 10 4. Decisão em equipe sobre a distribuição de trabalho, considerando sempre as teorias existentes, mas também as competências e os desejos de cada um. Para COTO (2017) quanto mais a palavra “sim” aparecer no ambiente do processo pedagógico mais disponível seus atores estarão para o processo, ela lista 25 itens atitudinais e comportamentais para ajudar professores e gestores a colocarem em prática o que ela chama de pedagogia positiva, abaixo citamos alguns exemplos: 1. Pontualidade: apesar da obviedade ser pontual gera confiança, segurança, implica respeito. É bom lembrar que nossos alunos podem não nos ouvir o tempo todo, mas estão sempre observando nossa postura e ações. 2. Ter uma agenda diária das atividades: assim os alunos podem entender o propósito das atividades, se organizarem e se comprometerem com os conteúdos, anteciparem os próximos passos e até mesmo analisar possíveis mudanças. 3. Gerar Expectativas: assim focamos na curiosidade. 4. Recorrer a diferentes estilos de aprendizagens: esse é um desafio que aparece repetidamente em vários estudos. Se apresentamos sempre os mesmos estímulos, alcançaremos apenas alguns alunos que os compreendem, por isso a importância de reconhecer que existem inteligências múltiplas. 5. Fazer Mapas Mentais do conteúdo durante o processo e não no início da aula: Sabemos que o momento em que a atenção está mais “disponível” para ser atraída é durante os primeiros minutos de aula, por isso nesse momento é preciso despertar a curiosidade para a aprendizagem. 6. Envolver seus alunos: Mantenha contato visual com todos. Lembre-se de seus nomes, seus interesses, seus hobbies. Envolva todos. Reconheça-os por suas atitudes e habilidades. Esforce-se para ouvir ativamente a todos e, especialmente, aqueles que raramente são ouvidos. 7. Praticar a escuta ativa: demonstre sua disponibilidade e interesse pelo que seu aluno tem para dizer. Busque ouvir não apenas o que ele está expressando diretamente, mas também os sentimentos, ideias ou pensamentos que estão por trás do que está sendo dito. 11 8. Prevenção e Resolução de Conflitos: se em momento de conflito focarmos nas posições, será muito difícil fazer a administração e uma conciliação do mesmo de forma satisfatória, porque as partes se concentrarão em ganhar- perder. Se um ganha, o outro perde. Se, em vez disso, nos concentrarmos nos interesses, certamente encontraremos soluções em que todos ganham. 9. Gerar reconhecimento entre os pares: Quanto mais bem-sucedida for a experiência de reconhecimento, quanto mais sólidos os laços que unem o indivíduo à sua comunidade, mais possibilidades ele tem de se diferenciar e de tomar consciência de suas particularidades. 10. Considerar o erro como mais um processo em direção ao aprendizado: Na vida, existem "sucessos" ou "aprendizados", e o aprendizado ocorre quando cometemos erros. Tenho certeza de que os professores concordam que o erro faz parte da aprendizagem, faz parte do processo. Mas então, por que o punimos e fazemos aquele que cometeu o erro sentir que falhou? 11. Colocar o aluno como o protagonista do seu processo de aprendizagem: O aluno protagonista é ativo em sua busca pelo aprendizado. Isso não significa que a figura do professor possa ser dispensada, visto que a qualidade da aprendizagem que cada aluno poderá desenvolver dependerá dos estímulos do ambiente oferecido pelo professor. Recordemos que, muy lejano al concepto de felicidad como “poseer todo lo que uno desea”, la Pedagogía Positiva se refiere a la felicidad como estado alcanzado una vez que hemos podido descubrir nuestro potencial y autorrealizarnos en su práctica para, de este modo, poder ofrecer lo mejor que tenemos también a los demás. (COTO, p. 124, 2017) Os caminhos aqui apresentados são apenas algumas possibilidades para colocarmos em práticas novos olhares para a educação e para nos auxiliar a refletir mais sobre como a escola em ciclos pode ser espaço de renovação de práticas pedagógicas. 12 No terceiro capítulo trazemos a questão do tempo como figura central e essencial para a transformação que queremos. 13 3. UM OLHAR PARA OS TEMPOS: POR UMA ESCOLA AFETUOSA, DEMOCRÁTICA E ACOLHEDORA Para Zavalloni (2014) a escola é reflexo da nossa sociedade e vem sendo centrada no mito da velocidade, do fazer rápido e da aceleração, segundo a sua pedagogia do Caracol não é preciso grandes reformas, mas um olhar atento ao simples: Passear, caminhar, andar a pé. É a primeira e indispensável maneira de viver em um território, para conhecê-lo bem e profundamente nas suas vicissitudes históricas e geográficas. Fazer isso junto com todos os colegas da turma permite viver emoções, voltar o olhar para detalhes nunca vistos da cabine dos nossos velozes automóveis, sentir os perfumes, experimentar sensações que criam laços. Para isso seria realmente importante começar (ou recomeçar) a fazer excursões a pé. (ZAVALLONI, p. 33, 2014). O que notamos dentro do ambiente escolar hoje são crianças cada vez mais insatisfeitas com a forma, se as questionarmos sobre o que elas mais gostam durante as aulas, respostas como o recreio, a aula de artes ou a educação física serão recorrentes, e o que elas nos mostram? Que a pressa de ensinar os conteúdos, principalmente os materiais apostilados podam a reflexão, a criatividade, a espontaneidade, a curiosidade e a brincadeira. Compreender os tempos de aprender acolhendo a diversidade e multiplicidade humana, partindo para um caminho mais lento do processo pode se transformar em recurso até mesmo psicossocial. Saber desacelerar pode criar situações e olhares que quando estamos correndo ou ligados no modo automático não seríamos capazes de enxergar. A partir disso Zavalloni (2014) lista formas de como poderíamos perder tempo dentro da escola: perder tempo escutando, respeitando a todos, partilhando descobertas, brincando, caminhando e crescendo. 14 Em uma sociedade baseada no sucesso, no ganhar e no vencer, já refletimos sobre a importância e sobre os valores pedagógicos do “perder”? Perder tempo, perder uma partida, perder um trem, perder um objeto, perder um encontro, perder alguém, perder e basta... Perder. (ZAVALLONI, p. 44, 2014). A escola em ciclos defende novos espaços-tempos de aprendizagem e de formação, tempos esses que favoreçam a igualdade por meio de uma pedagogia atenta e diferenciada com percursos diversificados cuja meta é que todos os alunos possam atingir os objetivos ao final do ciclo mesmo que seja por caminhos diferentes, no entanto Perrenoud (2004) nos alerta: Se for mal administrado, se deixar os alunos “ao abandono” – não voluntariamente, mas devido a uma gestão aproximada das progressões e a um otimismo infundado sobre as virtudes do tempo que passa –, um ciclo de aprendizagem pode provocar um aumento dos fracassos e das desigualdades. (PERRENOUD, p. 42, 2004) Por isso na escola em ciclos, é fundamental a construção de uma equipe pedagógica que saiba trabalhar em equipe, que seja estimulada ao planejamento de suas ações ao longo dos anos, que saibam antecipar e identificar problemas, que sejam pesquisadores e que estejam em constante processo de formação. Dizer nos documentos que uma escola é cíclica não garante seu funcionamento como tal, sua implantação real virá de como todos os atoresdaquela comunidade escolar exerçam sua função. É importante destacar aqui que os ciclos como estrutura tem como função principal possibilitar o maior número de alunos possíveis em melhores condições de aprender. Um olhar atento para a bagagem sociocultural dos alunos ajuda na compreensão das condições de sua aprendizagem, com um espaço-tempo mais amplo e respeitoso é possível criar estruturas de acolhimento, oferecendo espaços de 15 expressão, por meio das artes, por exemplo, para os alunos que em um determinado dia, semana ou um período maior não esteja em condições psicológicas de aprender. Todos os envolvidos na comunidade escolar devem compreender que o aluno é formado por meio de suas experiências de vida. O seu desenvolvimento tem ligação direta com os ambientes em que vive. O respeito ao ritmo de aprendizagem de cada indivíduo se mostra cada vez mais urgente, necessitando uma busca de estratégias que melhorem o desempenho que quem apresenta uma evolução diferente da maioria. 16 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Se perguntarmos para cada um de nós, qual seria a nossa escola ideal, certamente teríamos uma resposta, pois a educação e seu espaço físico faz parte do nosso imaginário e da nossa construção enquanto seres sociais, na escola em ciclos a escola ideal seria onde toda a comunidade trabalhasse junta para a construção de espaços-tempos de aprendizagem e formação para todos os seus integrantes: merendeira, limpadora, secretárias, professores, estudantes, familiares e comunidade do entorno, entendendo que a construção dos saberes é função de todos. Não temos como etiquetar ou depositar conhecimentos, mas temos como reelabora-los para que se transformem em instrumentos de formação e não somente de informação. Só compreendemos um modelo de escola quando o vivemos, imaginem um lugar onde as pessoas entrassem agressivas, racistas, misóginas, competitivas e porque estudaram e planejaram juntas a partir de necessidades e interesses em comum saíssem amigas e tolerantes, pode parecer utopia, mas ao imaginarmos somos capazes de concretizar, sempre buscando aporte da teoria e analisando resultados práticos, por isso é urgente que se redescubra a escola enquanto campo de pesquisa. Precisamos de pessoas reais, que trazem suas experiências pessoais, suas paixões, suas competências e suas fraquezas, que criem conexões, que escutem e que enxerguem o outro, precisamos dessas pessoas em todas as esferas, mas dentro da escola elas são fundamentais. Apesar de todos os estudos concluímos que os ciclos de aprendizagem, ainda é uma promessa e nos traz muitas questões, no entanto nos mostrou que é possível conseguir progressos principalmente contra o fracasso escolar e no programa de formação de professores, uma vez que são necessárias o desenvolvimento de novas competências pedagógicas e emocionais para a atuação na escola. 17 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Camila Santana; CARVALHO, Jefferson Roberto; MENEGHEL, Júlia Beranek. Uma análise sobre a estagnação da aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental no Brasil. Ensaios Pedagógicos. Sorocaba: vol.1, n.2, mai./ago. p.49-58, 2017. BARRETO, Elba Siqueira de Sá; SOUSA, Sandra Zákia. Reflexões sobre as políticas de ciclos no Brasil. Cadernos de Pesquisa Usp. São Paulo: v. 35, n. 126, p. 659- 688, set./dez. 2005. BRASIL. Conselho Federal de Educação. Parecer n. 360/74, item I: relatório. Brasília, 1974. BRASIL. Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus. Brasília, 1971. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Diário Oficial da União, v. 134, n.248, 23 dez., 1996. COTO, Rosana Fernández. Pedagogia Positiva: creando aulas emocionalmente saludables. 2ª ed. Buenos Aires. Bonum. 2017. Edição do Kindle. FARIAS, Flávia Bento. Ciclo de Formação: Desafios, limites e possibilidades. Disponível em: https://entretantoeducacao.com.br/educacao/ciclo-de-formacao- desafios-limites-e-possibilidades/. Acesso em 15 Dez. 2021. HOÇA, Liliamar. Tempo e aprendizagem no ensino organizado em ciclos. IX Congresso Nacional de Educação. Paraná. 2009. Disponível em: https://educere.bruc.com.br/cd2009/pdf/3540_1998.pdf. Acesso em 15 Dez. 2021 MAINARDES; Jefferson. Escola em ciclos: fundamentos e debates. São Paulo: Cortez, 2009. MENEZES, Ebenezer Takuno de. Verbete sistema de ciclos. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix Editora, 2001. Disponível em <https://www.educabrasil.com.br/sistema-de-ciclos/>. Acesso em 09 dez 2021. PERRENOUD, Philippe. Os Ciclos de Aprendizagem: Um Caminho para Combater o Fracasso Escolar (p. v). Edição do Kindle. 2004 ZAVALLONI, Gianfranco. A Pedagogia do Caracol: por uma escola lenta e não violenta. Adonis. Edição do Kindle. 2014 https://entretantoeducacao.com.br/educacao/ciclo-de-formacao-desafios-limites-e-possibilidades/ https://entretantoeducacao.com.br/educacao/ciclo-de-formacao-desafios-limites-e-possibilidades/ https://educere.bruc.com.br/cd2009/pdf/3540_1998.pdf