Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O68 A organização do trabalho escolar [recurso eletrônico] : uma oportunidade para repensar a escola / Organizadores, Monica Gather Th urler, Olivier Maulini ; tradução: Fátima Murad ; revisão técnica: José Fernando B. Lomônaco. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Penso, 2012. Editado também como livro impresso em 2012. ISBN 978-85-65848-07-7 1. Educação. 2. Gestão educacional. 3. Organização das instituições educacionais. I. Th urler, Monica Gather. II. Maulini, Olivier. CDU 37.091 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 P ara aprender é preciso trabalhar. E para trabalhar é preciso que o traba- lho seja organizado. Disciplinas, cur- sos, ciclos, séries, programas, aulas, horá- rios, lições: a escola recorta o espaço e o tempo; organiza o trabalho dos professo- res1 que, por sua vez, organizam o dos alu- nos. Ao final, é na interação que advêm as aprendizagens, mas no momento e nas condições produzidas pelo trabalho de fun- do que pré-estrutura a relação. Por que questionar a organização do trabalho escolar? Porque esse é um forte determinante do que a escola produz, por- que subentende o trabalho que está sendo feito e geralmente fica de fora das reformas e dos debates sobre as melhores maneiras de ensinar. Sua opacidade é sua força: ela cria a ordem de coisas na qual se apoia posteriormente a parte visível das ativida- des. O projeto deste livro é apresentar um panorama do estudo empírico do trabalho escolar para com preender e conceitualizar as relações entre a organização do ensino e as forças que podem orientar ou contrariar sua evolução. A OrgAnizAçãO, COnCeiTO e PrOblemA Conceitualmente, a organização é, an- tes de tudo, uma forma herdada, ancorada na história, nos costumes, nas leis, nos mu- ros e nos móveis dos estabelecimentos. É “uma estrutura hierarquizada, que dispõe de regras de trabalho precisas e que permi- te padronizar, coordenar e planejar ativida- des” (Alter, 2002, p. 131). Mas é também um processo, uma ação, um trabalho, aque- le “que consiste em empregar racionalmen- te meios para obter um resultado” (Alter, 2002, p. 151). Em um coletivo, cada opera- dor organiza seu trabalho, mas alguns têm introdução a organização do trabalho escolar: pensá-la para fazê-la evoluir Monica Gather Thurler Université de Genève Olivier Maulini Université de Genève 12 Monica Gather Thurler e Olivier Maulini ainda o poder de estruturar e de prescrever a tarefa dos outros. A organização do traba- lho depende, ao mesmo tempo, da atividade cognitiva das pessoas e da racionalização da atividade comum mediante serviços ou uma hierarquia criados para esse fim. A organização é, simultaneamente, a ordem e a mudança, o princípio ativo que mantém e transforma a dinâmica das inte- rações: é a parte do trabalho que permite o trabalho2, que o “fecha em si mesmo” (Mo- rin, 1977, p. 136), que o torna autônomo, mas também o limita em suas ambições. “A organização do trabalho é uma construção social, o resultado de um outro trabalho, chamado de trabalho de organização” (Du- jarier, 2006, p. 49). Portanto, transformar a organização do trabalho é, stricto sensu, transformar as condições de produção do trabalho, ou ainda, produzir uma outra maneira de produzir a atividade humana de produção. Que o homem produza a si mesmo pelo trabalho de formação comple- ta a reflexão e mostra que não se mexe im- punemente nas maneiras como se organiza o trabalho nos estabelecimentos de ensino. Mais precisamente, este livro nasceu de um problema, em outras palavras, de uma meta e de uma dificuldade, de uma intenção e de um obstáculo resistente à sua realiza- ção. A meta, a intenção é a luta contra o fra- casso escolar: os levantamentos internacio- nais destes últimos anos (OCDE, 2001) mostraram que alunos saem da escola sem ter adquirido os saberes necessários para vi- ver dignamente, conseguir um emprego, co- nhecer seus deveres, exercer seus direitos; não é possível aceitar isso. E o obstáculo, a dificuldade está no fato de que os sistemas educacionais funcionam geralmente como se a exclusão não fosse o problema mas a solução (Hutmacher, 1993; Crahay, 1996; Draelants, 2006): o aluno que não “acom- panha” deve refazer o programa, repetir o ano, mudar de curso, em suma, sair do gru- po que não pode mais integrá-lo. Tirar alguém da célula-classe é, literal- mente, “desclassificá-lo”, colocá-lo à mar- gem de seus colegas, mostrar-lhe sua dife- rença, transformá-la em desigualdade, di- minuir o grau de exigência que se espera dele, daquilo que se considera que é possí- vel ensinar-lhe – sentimento de incapaci- dade que ele próprio pode acabar incorpo- rando. Ao mesmo tempo, essa maneira de controlar é difícil de ser modificada, mes- mo pelos professores que a julgam injusta ou duvidam de sua eficácia. Diante dessa realidade, não se pode di- zer que a escola e os professores tenham fi- cado de braços cruzados. Ao contrário, con- tam-se numerosas iniciativas que encontram suas raízes mais ou menos longinquamente no passado. Citemos os seguintes, na desor- dem, justamente sem pré-julgar a maneira como se organiza o conjunto: – A consideração da atividade dos alu- nos no processo de aprendizagem, modalidades de gestão de classe al- ternando ou combinando lições e pesquisas, exercícios e projetos, tra- balho pessoal e coletivo, regras im- postas e conselho cooperativo. – O reconhecimento da heterogenei- dade social e cultural por uma peda- gogia diferenciada, apoios direcio- nados e moduláveis, adaptados às necessidades de pessoas e de grupos constituídos provisoriamente. – O questionamento da formação por e para as disciplinas incitando a criar dispositivos mistos, pluri ou interdisci- plinares: atividades-padrão, centros de interesse, pesquisas documentais, tra- balhos pessoais padronizados, planos de trabalho, itinerários pedagógicos. – O remanejamento de planos de estu- dos, a ênfase dada a objetivos mais A organização do trabalho escolar 13 amplos, uma lógica de imersão e de progressão em espiral, algumas ve- zes sobre currículos concebidos em termos de integração de saberes em práticas e competências duradouras. – A revisão dos prazos, dos modos de controle das aprendizagens e de orien- tação, o desenvolvimento da avaliação formativa, provas criteriosas, portfó- lios, comunicação famílias-escola. – O trabalho de equipe dos professo- res, uma maior responsabilização coletiva em forma de gestão de ci- clos, de acompanhamento colegiado, de conselhos de professores, de ava- liação pactuada. – A delegação de autonomia aos esta- belecimentos escolares, a incitação a organizar o trabalho no nível local, em função das necessidades e dos recursos existentes, da capacidade e da vontade dos professores (e dos diretores) de inovar nesse nível, de levar mais em conta as necessidades dos alunos e de transformar suas práticas a fim de assegurar a pro- gressão de todos. – A tendência declinante de controlar o trabalho dos professores e dos alu- nos em função dos resultados alcan- çados na forma de injunção e de medidas externas (definição de pa- drões, controle da qualidade, pres- crições quanto à organização de programas e horários, submissão dos estabelecimentos à obrigação de prestar contas, etc.). – A formação de professores para um ofício que pode se transformar con- tra sua vontade ou sob seu impulso, de maneira coerente ou por tensões e contradições das quais só podem se livrar pensando a maneira como trabalha e se organiza a instituição. Pois os níveis de mudanças não são todos equivalentes. Pode-se imaginar que a organização celular em classes, cursos e sé- ries será a última a resistir, não somente porque é antiga e bem ancorada, mas, so- bretudo, porque as outras mudanças são tanto melhor aceitas na medida em que o modo principal de regulação não é ele pró- prio ameaçado. A regulagem dos fluxos pela repetên- cia e separação de turmas – o que foi com- parado a um mecanismode “destilação fracionada” – não contribui somente para reagrupar e isolar os alunos em dificulda- de. Ela condiciona o trabalho dos profes- sores, seja porque o esforço consentido para ajudar os mais fracos a progredir pode ser aniquilado no final do ano, seja porque que esse prazo incita a “seguir o programa”, tornando cada aluno – e ape- nas ele – responsável por aproveitar ao máximo o que lhe é ensinado. A questão que nos colocamos nesta obra coletiva pode, assim, parecer paradoxal, mas ela apenas expressa a complexidade de uma mudança de paradigma: se a forma como o trabalho escolar é organizado cria obs- táculo à pedagogia diferenciada, será que a organização desse trabalho não é uma alavanca difícil de acionar, mas poderosa, importante de questionar? TrAbAlhAr nA esCOlA: umA duPlA evOluçãO Sabe-se que não basta falar de “colégio único” ou de “ciclos de aprendizagem”, nem de cooperação entre professores, de projeto de estabelecimento ou de controle da qua- lidade para que a organização da escola seja ipso facto menos seccionada, mais fle- xível, mais compatível com uma pedagogia diferenciada. Quando as boas intenções 14 Monica Gather Thurler e Olivier Maulini terminam em ficções, acaba-se por rejeitar a ficção e a intenção (Dubet e Duru-Bellat, 2000). Para aquém e para além das metas, é preciso ter meios, recursos, ideias e compe- tências que permitam conduzir melhor as aprendizagens, regulá-las de forma diferen- te, de maneira mais fina, melhor direciona- da, hierarquizando os objetivos e variando, se necessário, as progressões. Vemos antes e depois reformas de estruturas, ali onde elas existem ou onde têm dificuldade de se instaurar verdadeiramente. entre gestão de classe e comando do sistema Primeiro, o depois. Pode-se decretar um ciclo e não mudar nada naquilo que or- ganiza fundamentalmente o trabalho dos alunos e dos professores. O novo espaço- -tempo nada mais é, então, que a soma das séries anteriores, a justaposição de classes homogêneas que cada titular conduz sozi- nho durante um ano e de onde retira os elementos piores para enviar um grupo “de nível” ao colega da série seguinte. Essa ló- gica linear prolonga a que pode prevalecer nas próprias classes, quando se julga que o curso da aprendizagem segue o do ensino, o encadeamento regular dos capítulos do programa, das páginas do livro, das lições, dos exercícios e das recitações. Se “a indiferença às diferenças”, segun- do a expressão feliz de Bourdieu (1966), é a norma no interior de um ano, se tudo deve ser aprendido no mesmo ritmo e na mes- ma ordem, sem hierarquia de prioridades, o ciclo longo não tem nenhuma utilidade: ele fica sujeito inclusive ao processo de re- tardar o prazo, de deixar que se acumulem lacunas proporcionais ao tempo passado sem regular. A inovação só se torna um re- curso se os professores estão concentrados em uma única série, se eles encontram os meios de se acomodar a – ou mesmo tirar partido – de uma certa heterogeneidade. Comunidades de aprendizagem, pedagogia interativa, classe cooperativa, trabalho de grupos, atividades-padrão, projetos, conse- lhos, situações-problema, sequências didáti- cas, avaliação formativa, ensino mútuo, tu- torado, fichários, contratos, certificados, pa- dronizações, planos de trabalho, ateliês, etc.: foi na e pela renovação da “gestão de classe” (Dupriez e Dumay, 2006; Fijalkow e Nault, 2002; Nault e Fijalkow, 1999) que o trabalho escolar evoluiu, em parte. Reunir em vez de separar depende, sem dúvida, de grandes princípios e de pequenos gestos repetidos milhares de vezes, de uma sutil alquimia entre desejo de aprender e projeto de ensinar, relações sociais e encon- tro de subjetividades, vontade implacável de elevar o nível e recusa da exclusão. É tam- bém questão de organização: visto que o professor não pode se formar em lugar dos alunos, ele deve se empenhar em organizar situações, procedimentos, dispositivos, em suma, as condições coletivas de um trabalho fecundo. O paradoxo da lição é que o audi- tório trabalha geralmente menos que o pro- fessor: ele ouve em vez de ler, espera em vez de procurar, deixa ao orador o essencial da atividade. Repartir o trabalho de outra ma- neira é envolver os alunos nas práticas inte- lectuais, no processo de pesquisa, de reda- ção, de comunicação, de seleção e de com- paração das informações. É fazê-los entrar ativamente na razão gráfica (Goody, 1979) não “dando” uma aula a pegar ou a largar. Como levar em conta necessidade se, simul- taneamente, visar os mesmos objetivos para todos? “É a partir dessa pergunta e somente dela que é legítimo organizar o trabalho es- colar” (Meirieu, 2004, p. 115). Pode-se transpor o raciocínio para aquém da classe e do ensino. Os sistemas educacionais são os herdeiros de uma lógi- A organização do trabalho escolar 15 ca burocrática na qual o trabalho de baixo é regulado de cima por uma convergência de normas e de prescrições. O ofício de aluno (Perrenoud, 1994) é colocado sob o controle do professor, mas não se deve es- quecer que ele próprio é submetido a um conjunto de exigências e de injunções que pré-estruturam sua ação. É bem possível que o poder dos professores sobre a ativi- dade das classes oculte o fato de que seu próprio trabalho é sobredeterminado. Res- ta-nos compreender melhor se, no fim das contas, ele é antes pouco dominado ou, ao contrário, falsamente liberado… É a ambi- guidade das “anarquias organizadas”, difí- ceis de entender, tanto em suas causas quanto em seus efeitos. A experiência e a pesquisa mostraram que o poder real não é sempre e tão somen- te descendente, que a base administrada tem sua margem de manobra e que pode – conscientemente ou não, com o conheci- mento ou não da hierarquia – aproveitar sua margem de liberdade para fazer mais, menos ou diferente do que lhe é explicita- mente solicitado (Crozier e Friedberg, 1977; Barthassat, Capitanescu Benetti e Gather Thurler, 2007). Mas é justamente esse tipo de constatação que vem justificar, na escola como em outras organizações, modelos alternativos de gestão. Se a competência qualifica o distancia- mento entre a prescrição e o trabalho real, se as aprendizagens visadas dependem tan- to (se não mais) de iniciativas locais quanto de diretrizes anônimas, se, enfim, é mais importante atingir os objetivos do que apli- car rigorosamente um procedimento im- posto, então é preciso comandar o sistema subordinando as modalidades às finalida- des, regulando os meios pelos resultados efetivamente observados. Também aqui, a escola pode querer se reorganizar no inte- resse dos alunos, mas igualmente dos pro- fessores que padecem menos do trabalho em si do que da distância entre a atividade desejada e a atividade realmente realizada, da contradição entre os valores estabeleci- dos pela instituição (igualdade, emancipa- ção, direito à instrução) e um sentimento crescente de impotência diante dos alunos que não seguem o curso normal do ensi- no (Blanchard-Laville, 2001; Rayou e Van Zanten, 2004). Embora, e sobretudo, ela não seja una- nimidade, há uma relação entre o trabalho que o professor efetua e o da noosfera que pretende torná-lo mais justo, mais eficaz ou gratificante. Padrões nacionais ou internacio- nais, planos de estudos-padrão, referenciais de objetivos, controle da qualidade, avalia- ções externas, autonomia e conselhos de esta- belecimentos, projetos de escolas, parcerias, trabalho de equipe, profissionalização dos professores e terceirização de sua formação: o trabalho escolar evolui igualmente fora da classe, em um segundo nível, em primeiro lu- gar porque o ministério, a sala dos professo- res ou o conselho de direção são também lu- gares de transformação do mundo e, em se- gundo lugar, porque as práticas pedagógicas que formam ao final os alunos são articula- das à evolução das relações de poder no resto da instituição (Gather Thurler, 2000a; Barrè- re, 2002; Marcel, 2004). Nada indica,porém, que todas as mu- danças vão na mesma direção. E os pró- prios professores podem ter hesitações. Menos imposições para agir aqui e agora significa também mais contas a prestar em outro lugar e em um segundo momento. Como navegar entre a super e a sub regu- lação, entre igualdade de fins e adequação dos meios? Também aqui por “uma orga- nização do trabalho ao mesmo tempo mais transdisciplinar e melhor adaptada às necessidades dos alunos” (Lessard e Tardif, 2001). 16 Monica Gather Thurler e Olivier Maulini O escalonamento do ciclo: um ponto de dificuldade A organização do trabalho está, por- tanto, no cruzamento de duas evoluções: a da gestão de classe, que procura acabar com as divisões e a do comando do sistema, que redistribui os papéis na instituição. A passa- gem das séries aos ciclos seria apenas um problema entre outros ou um ponto de difi- culdade? Uma simples formalidade ou o tes- te de uma nova maneira de formar (Maulini e Perrenoud, 2005; Perrenoud, 2002)? Isso depende dos sistemas educacionais, de suas normas de excelência, de seus critérios de justiça, de escolhas políticas e de um contex- to social que condicionem historicamente as práticas dos professores. Mas está ligado também a essas próprias práticas, às inten- ções e ao sentimento de competência de que podem se valer os profissionais – individu- almente ou coletivamente – para denunciar os efeitos de propaganda e reclamar mudan- ças verdadeiras. A inovação é um fenômeno complexo precisamente por essa razão: ela deve se antecipar às práticas das quais depende em parte, levar em conta o estado da arte e atribuir-lhe, ao mesmo tempo, a capacida- de e o desejo de proceder de maneira dife- rente (Alter, 2000, 2002; Hall e Hord, 2001). Isso deixa duas maneiras de preservar a or- dem escolar existente: decretar os ciclos e garantir aos professores que eles já são competentes; não empreender nada en- quanto não se conhecer cada uma das eta- pas que conduzem às novas práticas. De fato, é entre esses dois polos – no cruza- mento de imposições e recursos – que se negociam a amplitude e a distribuição das mudanças. O trabalho que os professores devem fazer e o que querem fazer são in- terdependentes, e todo trabalhador pode ser ambivalente quanto a isso: a ordem her- dada limita sua liberdade, mas também re- duz a incerteza a assumir. É preciso ter for- tes convicções para criar para si problemas que o status quo atribui ao sistema, isto é, a parte de trabalho pela qual ninguém é res- ponsável nominalmente. Nós nos colocamos, neste livro, do lado das práticas inovadoras, a fim de en- tender como se reorganiza o trabalho dos alunos e o dos professores quando os ciclos de aprendizagem são considerados possí- veis e ao mesmo tempo necessários para enfrentar melhor o fracasso escolar. O que se passa nas classes e nos estabelecimentos? O que advém das maneiras de aprender e de ensinar, dos objetivos, dos métodos, das situações de formação, dos critérios de ava- liação? Qual a relação entre a atividade de “primeira linha” (as operações cotidianas, o encontro professor-alunos, as interações didáticas) e o trabalho de fundo (as fun- ções de engenharia, direção, prescrição, con- trole, apoio, etc.)? Em cada escalão, como se combinam o trabalho organizado e o tra- balho de organização, a parte da atividade que depende da de outro e aquela da qual outros atores são, por sua vez, dependen- tes? Procuraremos descrever, mas também conceitualizar as práticas de vanguarda, os problemas que elas resolvem e aquelas que levantam simultaneamente. Os capítulos desta obra nos conduzi- rão da história da organização escolar às competências emergentes, passando pelas teorias da aprendizagem, a reelaboração dos programas, os dispositivos de gestão de classe, o planejamento do ensino, os ci- clos longos, os módulos transdisciplinares, o trabalho de equipe, os projetos de esta- belecimento, os modos de prestação de contas e de prescrição. Nós os apresentare- mos depois de situar esta pesquisa em um contexto social, pedagógico e político que explique porque a organização do trabalho A organização do trabalho escolar 17 se tornou um desafio de primeira linha para a escola. TrAnsfOrmAr A OrgAnizAçãO? Origem e COnTexTO dA PesquisA Nosso Laboratoire de Recherche Inno- vation-Formation-Éducation [Laboratório Inovação-Formação-Educação] (LIFE, 2003) estuda a maneira como a escola evolui, o modo como emergem, se instalam, re- fluem, se discutem, se negociam ou não as inovações. Ele reuniu, no âmbito de um se- minário de pesquisa organizado em forma de encontros mensais, três dezenas de prá- ticos e pesquisadores em educação de Ge- nebra e de outras partes3 para tentar com- preender melhor como o trabalho escolar é organizado, como procedem e pensam aque- les que tentam transformá-lo. Esta obra apre- senta o essencial desse procedimento cole- tivo, a meio caminho entre a preocupação prática (Como se organizar?) e o interesse teórico (O que se organiza, como, a que efeito, para qual proveito?). Ela reúne 14 contribuições de nossa equipe, às quais fa- zem eco quatro artigos de pesquisadores em educação de Quebec. De onde veio o impulso? Toda pesqui- sa, mesmo a mais desinteressada, tem um sentido, uma gênese, razões. A nossa ins- creve-se em uma longa tradição: tratar in- diferentemente crianças diferentes significa condenar-se a privar de instrução aquelas que se distinguem mais do que os professo- res esperam. A escola não se torna equitati- va dando a todos os alunos as mesmas chances de fracassar, mas fazendo “o me- lhor” (Dubet, 2002; Duru-Bellat, 2006; Vellas, 2002) para que todos tenham acesso aos saberes de base que têm a obrigação de es- tudar. A democratização do ensino foi o grande progresso do século passado (Lelièvre, 2004; Magnin, 2001). Mas, em um mundo cada vez mais complexo, em que a liberda- de do sujeito supõe a capacidade de esco- lher e de discutir (Habermas, 1991; Sen, 1992/2000; Touraine, 1997), a generaliza- ção das competências continua sendo um objetivo a atingir, um ideal a visar. As desigualdades não vêm nem da es- cola, nem da sociedade, mas da relação en- tre o que se espera dos alunos e os recursos culturais de que cada um dispõe e sabe uti- lizar ou não na situação. A pedagogia e a pesquisa em educação se aliaram há muito tempo para compreender o que pode im- pedir ou, ao contrário, sustentar a intenção de aprender. A “fabricação da excelência escolar” (Perrenoud, 1984) não é simples- mente um fato a constatar. É também uma prática a questionar e, portanto, de um pon- to de vista científico, a confrontar com o projeto da instrução pública de conduzir o maior número de alunos a competências compartilhadas. Assim, nossa equipe passou da análise das normas de excelência à das práticas ordinárias de avaliação, e depois, passo a passo, à do currículo real, do sentido do trabalho escolar, do ofício do aluno, das pedagogias ativas e diferenciadas, das ma- neiras prospectivas de organizar os saberes visados ao mesmo tempo que o sistema de ação supõe produzi-los e controlá-los (Bols- terli e Maulini, 2007; Bronckart e Gather Thurler, 2004; Fabre e Vellas, 2007; Gather Thurler, 2000a, 2007; Maulini, 2005; Perre- noud, 1984, 1994, 1997, 2002). renunCiAr às séries: COndiçãO de umA renOvAçãO No Cantão de Genebra, contexto de nossos trabalhos, a realidade resiste, como em outros lugares, à luta contra o fracasso escolar. As políticas de redução de efetivos 18 Monica Gather Thurler e Olivier Maulini de classe, de formação de professores para novas abordagens didáticas e de apoio in- dividual aos alunos em dificuldade não fo- ram suficientes para “tender a corrigir as desigualdades de oportunidade de êxito es- colar” como é a intenção expressa pela lei sobre a instrução pública. Um estudo sobre a repetência, no início dos anos 1990, mos- tra, inclusive, que sua frequência está em alta, que as desigualdades sociaisdiante do êxito tendem a se agravar e que o único exemplo em que os últimos da classe não precisam repetir uma série é aquele em que o professor segue seu grupo por mais um ano (Hutmacher, 1993). Esse estudo não indica o que os alunos repetentes sabem ou ignoram, mas põe em questão a maneira como a escola organiza a regulação e a esti- mula a reorientar sua pedagogia mudando antes de tudo sua organização: No plano da organização escolar, a repe- tência está diretamente ligada ao quadro temporal em que a escola organiza a divi- são do trabalho entre professores. Como medida de flexibilização do tempo, está em sincronia com o relógio anual que marca o ritmo de vida do sistema. Basta que os/as professores/as conservem os mesmos alunos por dois anos para que a repetência quase desapareça, não porque, evidentemente, os alunos têm mais êxito nesses casos, mas porque, em um horizon- te temporal mais longo, os/as professores/as podem adaptar melhor os ritmos aos alu- nos sem serem obrigados/as a prestar con- tas sobre cada um já por ocasião da mu- dança de ano. Essa observação não é nova. Há muito tempo, parte dos professores rei- vindica acabar com as divisões de séries, lá onde, em uma lógica taylorista e burocrá- tica, outros protagonistas, sob pretexto de homogeneização das classes, tendiam, ao contrário, a enrijecer as divisões entre sé- ries e entre classes. Deve-se perguntar se, de fato, é por causa da heterogeneidade dos alunos ou por causa de freios institu- cionais que o fim das divisões tem tanta dificuldade de se afirmar nas práticas. Não seria preciso […] examinar o lado dos adultos envolvidos? Sobretudo nas gran- des escolas urbanas, o fim das divisões su- põe uma cultura viva do pacto profissional e da cooperação entre professores que falta em muitos lugares. Implica também uma responsabilidade (coletiva e individual) dos professores sobre o conjunto do per- curso escolar ou, pelo menos, sobre uma extensão mais longa desse percurso. Ora, estendida a quatro ou cinco anos, essa res- ponsabilidade pode mudar de natureza. Mais do que quando se tem os alunos ape- nas por um ano, tende-se a ir além do âm- bito da instrução stricto sensu e a conside- rar o futuro global dos alunos. […] Esse não é apenas um problema de pedagogia, mas também de organização. (Hutmacher, 1993, p. 153-154 e 161) Acabar com as divisões em etapas da escolaridade para assegurar – de maneira mais flexível e melhor ajustada – a forma- ção global de cada aluno: esse raciocínio será retomado um ano mais tarde pela Di- reção do Ensino Primário. Visto que a tria- gem e a separação escolares dissuadem a “máquina-escola” (Meirieu e Le Bars, 2001) de procurar outros meios de funcionar, é preferível abdicar dessa solução para colo- car de outro modo (verdadeiramente?) o problema da diferenciação. Assim, a escola genebrina se fixa em “três eixos de renova- ção” (DEP, 1994), que são, de fato, três tem- pos de um mesmo raciocínio. – Eixo 1: Individualizar os percursos de formação. Visto que a repetência é uma forma sumária demais de regu- lação, é preciso reorganizar a escola- ridade em ciclos plurianuais, em vez de séries. “Essa nova estrutura não é um fim em si, mas um meio de dar mais tempo e espaço para diferen- A organização do trabalho escolar 19 ciar, para permitir percursos mais in- dividualizados. [Ela] só representará um progresso caso consiga organizar progressões flexíveis e individualiza- das” (p. 8). – Eixo 2: Aprender a trabalhar melhor junto. Dado que o espaço da classe impede essa flexibilização, pretende- -se confiar cada ciclo a uma equipe de professores encarregados de pla- nejar e de controlar juntos as apren- dizagens das crianças. “A organização em ciclos de aprendizagem supõe um verdadeiro trabalho de equipe, visto que um grupo de professores será co- letivamente responsável pela pro- gressão do conjunto dos alunos que frequentam o mesmo ciclo na mes- ma escola” (p. 11). – Eixo 3: Colocar as crianças no centro da ação pedagógica. Na medida em que a progressão não decorre do ci- clo, mas do fato de que ele permite e obriga a ensinar mais eficazmente, o trabalho dos professores deve, antes de tudo, sustentar o engajamento dos alunos em sua formação. Deve- se “estabelecer situações de aprendi- zagem, elas próprias integradas a dispositivos e sequências didáticas, que se apoiem, por sua vez, em mo- dos de gestão de classe e opções pe- dagógicas” (p. 13). Gerir a classe, o ciclo, os dispositivos, as situações, as sequências, as progressões, o trabalho dos alunos e o dos professores: renunciar às séries é apresentado primeira- mente não como um remédio provado, mas como um problema que a escola se impõe para encontrar pouco a pouco ou- tras maneiras de se organizar, portanto, uma ordem escolar em parte revisada. A principal vantagem das séries é sua simplicidade e sua familiaridade: todo mun- do conhece e compreende o sistema: a pessoa vai bem ou vai mal no ano, portanto, é pro- movida ou reprovada. A gestão também é simplificada: um professor, uma classe, o pro- grama de uma série. Criar ciclos de aprendi- zagem é abandonar esses funcionamentos conhecidos para substituí-los por uma orga- nização mais flexível, e por isso mais comple- xa. Isso perturba os hábitos de todos, obriga a reconstruir modos de agrupamento de alu- nos, de avaliação, de gestão de classe, e impõe aprender junto a falar de outro modo dos alunos (DEP, 1994, p. 12-13). “Perturbação”, “abandono”, “reconstru- ção”; menos familiaridade, mais incerteza: se- ria demorado resumir uma reforma dessa amplitude. O processo levou inicialmente quatro anos de exploração durante os quais 15 escolas voluntárias, um grupo de acompa- nhamento e um comitê de comando estraté- gico da mudança buscaram juntos um cami- nho que conduzisse dos ciclos anunciados aos ciclos realizados na prática. Após um ano de transição, o processo deveria se generali- zar progressivamente às 200 escolas (35 mil alunos) do Cantão. Encontra-se o relato e a análise desse processo em outras publicações (Allal, 2006; Favre, Jaeggi e Osiek, 2005; Gather Thurler, 2000b, 2004, 2005; Lessard, 1999a; Perrenoud, 2005). Diversos imprevistos confirmaram que a organização do trabalho não se deixa mo- dificar mecanicamente: os debates entre profissionais, nem todos convencidos da pertinência ou da factibilidade da mudan- ça; os dilemas da instituição, entre diferen- ciação e padronização, coerência do siste- ma e autonomia dos estabelecimentos, ino- vação e manutenção da ordem; as negocia- ções entre grupos (professores, funcioná- rios, diretores, especialistas, pais, sindicatos e associações), eles próprios permeados 20 Monica Gather Thurler e Olivier Maulini por diversas correntes; controvérsias públi- cas sobre o desempenho do sistema escolar, as questões de método, de autoridade e de justiça na educação – tudo isso em um con- texto de precarização das condições de vida nos bairros populares; e, para completar, o lançamento de uma iniciativa cantonal,* ma- neira de politizar a contestação – em demo- cracia direta. Inscrever na lei a divisão em séries e a seleção anual pelas médias numé- ricas foi uma maneira, para os mais conser- vadores, de rejeitar a reforma, mas também a escola tal como ela evoluiu e suas melho- rias, retornando às práticas e às estruturas do passado (para uma intervenção nesse de- bate, ver LIFE, 2003). A inscrição da repe- tência e das médias trimestrais no novo re- gulamento do ensino primário genebrino para o ano letivo de 2007 mostra, à sua ma- neira, que a organização das escolas poderia ser o núcleo duro de concepções distintas do trabalho pedagógico e da igualdade em face da formação. TudO se mOve, POis TudO esTá ligAdO: um sisTemA, nOve CAnTeirOs Deixemos de lado as contingências da política local para voltar à questão que nos interessa no âmbito desta obra: em que me- dida a transformação da organização do tra- balho escolar – compreendidosseus mean- dros, seus conflitos, suas objeções – coloca os profissionais diante de problemas didáti- cos e pedagógicos que transcendem as con- junturas, que são identificáveis, se não iden- tificados, em toda parte, que se enraízam na história da escola e podem ocupá-la de for- ma duradoura? No momento de expandir a reforma, o grupo de comando confirmou que a mudança de organização não era su- perficial, visto que o plano-padrão não dei- xaria espaço à imutabilidade e que todas as escolas seriam obrigadas progressivamente a se inspirar nele. No fim das contas, oposito- res e partidários não estavam de acordo so- bre nada, salvo sobre o fato de que tudo se move, pois tudo está ligado. Para propor uma reforma de envergadura, é preciso abordar todos os aspectos que parecem pertinentes para compreender seus fundamentos e verificar sua factibili- dade. A visão sistêmica dará a impressão, às vezes, de que o grupo de comando “se intromete em tudo”. É simplesmente por- que uma reforma de tal amplitude tem in- cidências sobre um grande número de componentes da escola. […] Assim, o gru- po optou resolutamente por uma extensão progressiva. Examinou vários cenários e, por fim, decidiu-se pela ideia de propor aos estabelecimentos que aplicassem o conjunto do plano-padrão. […] Esse cená- rio não fraciona a inovação e aposta na coerência sistêmica (GPR, 1999, p. 3 e 43). Vejamos rapidamente como essa coe- rência procurou se desdobrar em nove ei- xos. As contribuições desta obra farão cons- tantemente referência a esses dados empíri- cos, seja para situar suas questões, seja para escrever o material que subentende suas conclusões. 1. Os ciclos de aprendizagem como or- ganização pedagógica. A escola primária genebrina deveria ser organizada em dois ciclos de quatro anos: o ciclo elementar (níveis –2 a +2) e o ciclo médio (níveis +3 a +6). Sem repetência no ciclo, percursos individualizados, um prolongamento excep- * N. de R.T.: O termo “iniciativa cantonal” refere-se a iniciativas propostas por um certo número de cidadãos para de- liberar sobre algum assunto considerado relevante e/ou controverso. No presente caso, parece dizer respeito à adoção de ciclos no sistema escolar suíço. Corresponde, de certa maneira, ao que entendemos por “plebiscito”. A organização do trabalho escolar 21 cional em função de necessidades particu- lares, bem identificadas. Jamais se refaz um ano: é preciso cuidar das dificuldades mais cedo, de maneira dirigida, ou mesmo indi- vidualizada. 2. Os objetivos-núcleo, os programas e as situações de aprendizagem. Só é possível di- versificar as progressões se os objetivos forem hierarquizados e se dispuser de meios de en- sino que não sejam, eles próprios, separados em séries. Assim, o próprio plano de estudos é reorganizado sob a forma de objetivos em espiral e de expectativas de fim de ciclo. O plano de estudos romando (Plan d’études ro- mand – PER)4 e, pouco tempo depois, o pro- jeto federal HarmoS5 serão concebidos no mesmo espírito: integrar os saberes a serem aprendidos em campos disciplinares, concei- tos ou competências-chave. O ensino torna- se estratégico: não se segue o professor passo a passo; ele fixa uma direção e varia os cami- nhos caso necessário. 3. A diferenciação do ensino. Os dispo- sitivos de trabalho devem alternar as situa- ções complexas, o ensino explícito de sabe- res a mobilizar, a identificação de erros, de obstáculos e a construção daquilo que per- mita superá-los. É o que propõem as se- quências didáticas que completam os meios de ensino, ciclo por ciclo, objetivo por ob- jetivo (“produzir uma carta para dar sua opinião”, “ler e escrever números inteiros”, “analisar uma paisagem”, etc.). Para não deixar os professores decidirem sozinhos a progressão, a Diretoria do Ensino Primário mandará também editar, por seus serviços, “sugestões de planejamento”, padronizan- do, a título indicativo, o encadeamento das sequências em um, dois ou quatro anos. 4. A avaliação dos alunos nos ciclos de aprendizagem e a passagem ao primeiro se- cundário. Se o problema já não é tanto san- cionar o aluno em dificuldade, mas apre- sentar o diagnóstico que o ajudará, onde quer que esteja, a progredir, as maneiras de avaliar devem ser aprimoradas, tornar-se mais qualitativas, menos esquemáticas que uma média numérica. Desde a fase de ex- ploração, as escolas abriram mão de dar no- tas aos trabalhos em proveito de uma obser- vação formativa, de um julgamento criterio- so, de balizas e de provas padronizadas, de registros e de portfólios comentados, de en- trevistas tripartites professor-alunos-pais. Em francês e matemática, as apreciações (“atingiu, quase atingiu, não atingiu os obje- tivos”) continuaram sendo traduzidas em notas globais no final do ciclo médio a fim de orientar os alunos para um dos cursos (ginasial ou não) do primeiro secundário. Foi na extensão dessas novas práticas que se cristalizou em seguida o debate político. 5. A gestão dos grupos, do tempo e dos espaços nos ciclos. Como conciliar as ideias de “evitar a segregação” e “colocar todos os alunos em situação de progredir”? Séries múltiplas, classes multi-idades, transdisci- plinaridade, grupos de necessidades, de ní- veis, de projetos, módulos de aprendizagem ou de avaliação: as escolas são estimuladas a examinar e rever permanentemente sua pró- pria organização, para que o ciclo não seja nem a camuflagem de classes sempre justa- postas, nem uma simples dilatação do espa- ço-tempo. Objetivos comuns e diversidade de necessidades requerem uma diferencia- ção constante no interior das lições, das se- quências, das atividades, mas também entre elas, pois sem isso fecham-se as classes nelas mesmas e a organização do trabalho não é uma questão apreendida coletivamente. É a articulação entre grupos de base e outras reuniões, estáveis ou efêmeros, que deve evi- tar a dupla armadilha do todo homogêneo – que evita diferenciar – e do todo heterogê- neo – que impede circunscrever. 6. A questão das crianças migrantes e das estruturas de acolhimento. Mais de 40% 22 Monica Gather Thurler e Olivier Maulini dos alunos genebrinos têm uma língua ma- terna diferente do francês. A proporção chega a mais de 80% em certos bairros da cidade ou de sua periferia. Por muito tem- po integrados em uma classe de sua idade, os recém-chegados são agora parcialmente e provisoriamente agrupados em estruturas de acolhimento nas quais professores for- mados são especialmente incumbidos de garantir a transição, não apenas entre as línguas, mas também, com muita frequên- cia, entre as condições de vida locais e as de um país de origem de onde os emigra- dos fogem da violência ou da pobreza. A abertura para as línguas é valorizada pela escola e por uma Genebra internacional orgulhosa de promover a pluriculturalida- de, o humanismo e a paz. Isso não impede questionamentos da política de integração pelo fato de que as pesquisas PISA6 dão uma classificação pior aos alunos da cidade do que aos dos cantões rurais, mais homo- gêneos socialmente. 7. O ensino especializado no ensino pri- mário renovado. Até onde apostar na inte- gração? A passagem aos ciclos pode dar a sensação de que uma estrutura flexível po- derá se encarregar de tudo, incluindo o tra- balho com os alunos mais especiais, psico- logicamente frágeis ou em situação de defi- ciência. Contudo, o sistema ainda é organi- zado em forma de unidades particulares: em Genebra, 2,4% dos alunos são escolari- zados em classes ou instituições de ensino especializado. É uma taxa baixa em compa- ração com a maioria dos cantões suíços e outros países da comunidade europeia ou da OCDE. 8. A informação e a associação de pais no quadro dos ciclos. A mudança da escola não pode mais ser pensada sem o apoio – portanto a participação – dos pais. Eles têm previamente um julgamento sobre a ma- neira como é organizado o trabalho dos professores e das crianças: se não se deseja que o exerçam por meiosindiretos (por es- tratégias de esquiva, de pressão, de politi- zação, etc.), é preciso organizar na escola espaços de diálogo e de acordo. Reuniões coletivas, entrevistas e dossiês de avaliação, cadernos para troca de correspondência, comissões paritárias, ajuda nos deveres, re- des de tradução, vínculos com as associa- ções e sua federação: uma parte do traba- lho é organizada para e com as famílias, mas também graças a elas quando, por exemplo, os alunos produzem um jornal ou ateliês que mostrem o que estão aprenden- do e de que maneira. No futuro, o Departa- mento da Instrução Pública pretende dar um passo adiante em direção à parceria, instituindo em todos os lugares conselhos de estabelecimento. 9. A autonomia dos estabelecimentos, sua coordenação, a prestação de contas. A lógica taylorista coloca as classes sob o controle direto da via hierárquica. O pro- cesso de reorganização solicitou primeira- mente o espaço intermediário do estabele- cimento. São equipes – não pessoas – que empreenderam a exploração. Projetos de escola, ciclos e subciclos, coordenadores e depois zeladores, redes e grupos de acom- panhamento, supervisão colegiada dos alu- nos, formações coletivas, balanços e planos quadrienais: o trabalho foi coletivizado em dois níveis – interno aos grupos das esco- las; externo, por sua coordenação. Menos divisão na base implica mais prestação de contas nas camadas superiores, coman- do estratégico e delegação de responsabili- dades aos atores em todos os estágios do sistema. Essa maneira de inserir os níveis de análise e de intervenção talvez seja própria A organização do trabalho escolar 23 de Genebra, mas remete a questões reco- nhecíveis em outros sistemas escolares fran- cófonos (Arsenault e Lenoir, 2005; Lafortu- ne, 2004; Lessard, 1999b; Meirieu, 2005; Perraudeau, 1997; Quéva, 2003; Rey, Ivano- va, Kahn e Robin, 2003) e ainda na organi- zação da formação de base em todo o mun- do (Bruner, 1996; Coombs, 1973; Delors, 1996; OCDE, 2001; UNESCO, 1990). Ou se raciocina de maneira restritiva – e transfor- mar o trabalho escolar se torna um proble- ma entre outros, uma pedra do edifício, um item na longa lista de inovações ou se esten- de o conceito – e a organização do trabalho se torna a estrutura de acolhimento das de- mais mudanças, o que dá sentido a elas, que impulsiona ou, ao contrário, impede opera- ções de nível mais baixo. Passar da classe ao ciclo, no caso, não é uma variável isolada: em uma perspectiva sistêmica é uma “mudança de segundo grau” (Senge, 1991; Watzlawick, 1980) que redistribui, na escola, um bom número de tarefas e de responsabilidades. Compreende- -se melhor a importância disso quando se considera que a organização do trabalho é questão de luta e de negociação em todas as profissões: o ensino é, certamente, um “ofí- cio do humano”, portador de valores e de ideais, mas também requer um trabalho – uma ação sobre o mundo (produção) expos- ta ao julgamento de outro (relação) (Jobert, 1998, 2000) – do qual se pede ora a regula- mentação, ora a flexibilização. Pensar a or- ganização é também confrontar as condi- ções de trabalho dos alunos e a dos profes- sores, sem postular (ingenuamente?) que seus interesses são convergentes, nem (cini- camente?) que é um jogo soma zero e que todo bônus para o usuário é pago com um “malus” para o assalariado. Apontar os dile- mas ajudará provavelmente a compreender melhor as questões e sua complexidade. dAs esTruTurAs herdAdAs às COmPeTênCiAs emergenTes: enTrAdAs PlurAis e COmPlemenTAres Poderíamos “circunscrever” a proble- mática da organização do trabalho escolar mobilizando, uma a uma, certas disciplinas das ciências humanas. A ergonomia distin- guiria tarefa prescrita e trabalho real, pro- cedimentos e cursos da ação, planejamento e realização das operações. A abordagem psicossociológica enfatizaria a relação dos trabalhadores com sua atividade e com aqueles aos quais ela é dirigida, com o po- der, com a autonomia, com espaços-tem- pos que estruturam o cotidiano, com a or- ganização como para-angústia e suporte da identidade. O ponto de vista didático parti- ria do saber em jogo, das ligações entre a epistemologia de referência e uma organi- zação do trabalho que garanta a progressão racional do ensino. A abordagem sócio- -histórica tentaria compreender melhor a maneira como se constituíram, ao longo do tempo, os diferentes modos de organização do trabalho, suas hipóteses fundadoras, as respostas que eles deram aos problemas do momento. A pedagogia se preocuparia mais com a maneira como os professores pensam, concebem, modulam, improvi- sam, adaptam as situações e as ações a fim de estimular os alunos a aprender. A ciên- cia política, finalmente, questionaria a or- ganização do trabalho quanto à sua eficá- cia, sua equidade, sua pertinência, sua fac- tibilidade, os recursos humanos e materiais de que a escola deveria dispor. Preferimos nos inspirar nas ciências contributivas em função dos níveis de análise e dos proble- mas estudados. Nossa intenção não é fazer um inven- tário, e sim tornar visível, mais pensável e, eventualmente, transformável a organiza- Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
Compartilhar