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CURRÍCULO E PLANEJAMENTO NO ENSINO SUPERIOR W B A 04 94 _v 1. 0 2 Neide Rodriguez Barea Tavares Londrina Editora e Distribuidora Educacional S.A. 2020 CURRÍCULO E PLANEJAMENTO NO ENSINO SUPERIOR 1ª edição 3 2020 Editora e Distribuidora Educacional S.A. Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza CEP: 86041-100 — Londrina — PR e-mail: editora.educacional@kroton.com.br Homepage: http://www.kroton.com.br/ Presidente Rodrigo Galindo Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Carolina Yaly Giani Vendramel de Oliveira Henrique Salustiano Silva Juliana Caramigo Gennarini Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Giani Vendramel de Oliveira Revisor Vanessa Moreira Crecci Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Gilvânia Honório dos Santos Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) __________________________________________________________________________________________ Tavares, Neide Rodriguez Barea. T231c Currículo e planejamento no ensino superior/ Neide Rodriguez Barea Tavares, – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2020. 64 p. ISBN 978-65-87806-48-8 1. Currículo 2. Planejamento 3. Ensino I. Título. CDD 378.81 ____________________________________________________________________________________________ Raquel Torres – CRB 6/2786 © 2020 por Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. 4 SUMÁRIO Organização curricular no ensino superior __________________________ 05 Currículo: possibilidades e desafios na atualidade __________________ 21 Planejamento de disciplina no Ensino Superior _____________________ 36 O planejamento de aula no Ensino Superior ________________________ 50 CURRÍCULO E PLANEJAMENTO NO ENSINO SUPERIOR 5 Organização curricular no ensino superior Autoria: Neide Rodriguez Barea Leitura crítica: Vanessa Moreira Crecci Objetivos • Identificar as diferentes teorias que explicam o currículo. • Compreender o conceito de currículo. • Entender como se constitui a organização curricular no ensino superior. 6 1. Introdução Seja bem-vindo (a) a esta Leitura Digital! Currículo é sempre um tema desafiante a ser aprendido, discutido e, principalmente, colocado em prática. No ensino superior, esta temática se reveste de maior complexidade, já que currículo é, muitas vezes, confundido com planejamento ou sequência didática, ou ainda, com cronograma. De acordo com o dicionário Michaelis (2020), a palavra currículo significa: 1. ato de correr; corrida, curso; 2. pequena carreira; atalho; 3. programa de um curso; 4. conjunto de matérias incluídas em um curso de uma escola, de uma faculdade etc.; 5. documento no qual se incluem dados pessoais, educacionais e profissionais e cargos anteriores de quem se candidata a um emprego, a um curso de pós- graduação etc.; curriculum vitae. Atente ao campo educacional: curso e conjunto de matérias (disciplinas ou componentes curriculares). De acordo com Sacristán (2000), esse é o currículo prescrito, ou seja, um conjunto de documentos oficiais que trazem as orientações nacionais ou estaduais sobre a estruturação dos mais diversos cursos. Parece simples e objetivo, não? Entretanto, você já refletiu, como docente do ensino superior ou aspirante à docência, como são escolhidos, organizados e planejados os objetivos e objetos de aprendizagem? Mais do que isso, o que leva professores a fazerem escolhas sobre o que vão ensinar e como vão ensinar? O que gerencia as escolhas que os docentes fazem acerca dos temas a serem trabalhados, das leituras indicadas, da metodologia de ensino a ser aplicada e do processo de avaliação a ser executado? 7 A partir dessas questões, é possível perceber que o estudo sobre currículo é tanto amplo quanto profundo, concorda? Este material propiciará o estudo das diferentes correntes sobre o currículo, a fim de permitir que você compreenda seu conceito, entendendo as forças que o influenciam e como o docente é capaz de estruturar seu trabalho pedagógico de forma que seja capaz de respeitar os educandos e suas necessidades de aprendizagem, favorecendo processos educacionais voltados à melhoria dos educandos e à transformação social. 2. Currículo Tradicional e Currículo Oculto: o começo da discussão Antes de tratar das ações práticas sobre o currículo, que se inicia com o planejamento e com a docência propriamente dita, é importante compreender as visões teóricas e, muitas vezes, políticas, que subsidiam sua construção do e que nem sempre estão claras para o próprio docente. É fato também que as teorias curriculares estão submetidas a determinados períodos históricos, conforme aponta Sacristán (2000, p. 17): “os currículos são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que através deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado”. Sacristán (2000, p. 17) é conhecido como um dos maiores estudiosos sobre currículo, mas o que será que o autor quer expressar com “interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento”, como mencionado acima? Para compreender a proposta do autor, é importante adquirir a perspectiva da evolução teórica e crítica sobre o currículo. 8 Os estudos sobre o currículo têm início a partir da constituição das primeiras experiências educacionais: trata-se do fato de organizar os objetivos e objetos de aprendizagem para o melhor aproveitamento pelos alunos. No entanto, a partir do início do século XX, observa- se uma visão crítica sobre as propostas que subsidiam os materiais educacionais e a forma como os professores ensinam. É chamado Currículo Tradicional ou Teoria Tradicional do Currículo aquela que não exerce nenhum tipo de crítica sobre o que se ensina, para quem se ensina e a forma como se ensina. É considerada uma visão neutra, puramente científica e técnica e desinteressada, segundo Moreira e Tadeu (2011). Essa perspectiva durou até por volta de 1920, no mundo, e por volta de 1940, no Brasil. Nela, não há uma análise sobre o processo de ensino e aprendizagem, aquilo que o professor decidir ensinar deverá ser aprendido pelos alunos, desconsiderando-se quaisquer outros fatores que possam exercer influência nesta aprendizagem. Dessa forma, todo o processo de organização da educação é pautado na visão de um pequeno grupo de pessoas (professores, coordenadores), sem amplitude de debate ou incorporação de outras ciências (como a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, por exemplo). Nessa época, começa-se a desvendar a existência de um currículo oculto, ou seja, a partir de debates políticos, sociológicos e até mesmo de professores preocupados com o rumo da educação, questiona- se se o currículo é tão desinteressado e neutro assim, reproduzindo apenas os conhecimentos construídos pela humanidade. 9 Figura 1–Infográfico – Desvendando o currículo oculto Subdivisão de classes sociais e hierarquização compreendidas como natural, controle econômico e social na mão dos mais aptos. Ausência de questionamento, de criticidade, tendência a identificar tudo como normal. Transmissão de ideias opressoras de forma sutil,tanto em materiais didáticos quanto na atuação docente. Hierarquia social e relações trabalhistas reproduzidas na escola, de forma a moldar o futuro trabalhador submisso e apolítico. Currículo Oculto Fonte: adaptado de Moreira e Tadeu (2011). Toda a organização escolar, desde a educação infantil até o ensino superior, é, em maior ou menor escala, influenciada por essas ideias, então a construção do planejamento, a escolha das técnicas de ensino e dos livros didáticos, bem como as avaliações, sofre, embora isso possa não estar completamente claro para seus atores. Você já refletiu sobre o material didático que utilizou para estudar e a forma como a escola foi organizada para recebê-lo (a)? Consegue identificar aspectos do currículo oculto? 10 Figura 2–A transmissão de ideias a partir de uma simples imagem Fonte: Campwillowlake/iStock.com. É importante compreender como mensagens são transmitidas de forma sutil. Apesar de ser uma imagem bucólica, é recheada de informações, tais como: o aluno que não aprende, sofre as consequências e é isolado em uma situação vexatória; alunos devem estudar de forma isolada, sem compartilhar ou cooperar com os colegas; a professora está sempre acima, por este motivo fica no tablado. A imagem ensina que é preciso seguir as orientações para ser bem-sucedido, que há um líder (a professora) e os demais devem seguir suas orientações, sugerindo uma forma de posicionamento social. Da mesma forma que uma imagem é capaz de transmitir muitas mensagens, os livros didáticos também são. Agora, imagine o que um professor é capaz de transmitir com suas aulas? Determina o que deve ser estudado ou não, a forma como conduz a aula pode ser mais 11 tradicional, indicando que existe uma relação de autoridade pautada no saber, que não há espaço para discussão de ideias ou questionamentos. Você, como professor (a) ou futuro (a) professor (a) do ensino superior, já refletiu sobre como suas escolhas influenciam a formação educacional e social dos alunos? Já teve professores que o levaram a refletir sobre as questões de classe social e a opressão, sobre regimes políticos, oportunidades sociais e minorias desfavorecidas? Essas discussões mudaram suas perspectivas ou pontos de vista, oferecendo alternativas diferenciadas? O currículo oculto passou a ser evidenciado e questionado e novas teorias sobre o currículo foram construídas. 3. Teorias do Currículo e as perspectivas críticas No início do século XX, o processo de democratização escolar começa a ocorrer em todo o mundo e teorias filosóficas e econômicas sobre divisão de classes sociais, opressão sobre camadas mais vulneráveis, distribuição de renda, mais-valia, entre outras, passam a ser divulgadas com mais intensidade. No Brasil, por volta dos anos de 1950, e no resto do mundo, por volta dos anos de 1970, começa a existir um processo de crítica sobre o currículo escolar, justamente por compreendê-lo como um mecanismo reprodutor do status quo (o estado das coisas, aquilo que não se altera). Bordieu e Passeron (1975) criticaram duramente aspectos do sistema educacional francês, que reproduzem as hierarquias e a dominação social, favorecendo o capitalismo e concentração de renda para uma minoria, enquanto a maioria da população, responsável pela força de 12 trabalho, não tem acesso a uma educação de qualidade que poderia desenvolver maior consciência crítica e, consequentemente, justiça social. Nas palavras de Lopes e Macedo (2011): Para os autores, a escola opera com códigos de transmissão cultural familiares apenas às classes médias, dificultando a escolarização das crianças de classes populares, mas, principalmente, naturalizando essa cultura e escondendo seu caráter de classe. Os sistemas dos arbitrários culturais de uma determinada formação social são, assim, definidos como legítimos e sua imposição é ocultada pela ideologia. Nesse sentido, a reprodução cultural opera de forma semelhante à reprodução econômica: o capital cultural das classes médias, desigualmente distribuídos, favorece aqueles que o possuem e, com isso, perpetua a desigualdade dessa distribuição. (LOPES; MACEDO, 2011, p. 28) Percebe-se, aqui, que a ideia de currículo é maior do que informações inseridas no planejamento (objetivos e objetos de aprendizagem, metodologia de ensino, processo de avaliação e bibliografia): trata-se da ideologia que permeia as escolhas,muitas vezes, inconscientes, dos professores, acerca do que e como ensinar. As críticas acerca do papel reprodutivista da escola foi chamada de Teoria Crítica do Currículo, segundo Tadeu (2011). A fase crítica estabelece-se a partir dos anos de 1950 e perdura até os anos de 1990. O surgimento de novas perspectivas, tais como o neomarxismo (marxismo é a visão crítica sobre a economia, a cultura e a política que valorizam e favorecem a burguesia; novas teorias, como a própria teoria reprodutivista de Bourdieu e Passeron -1975, a psicanálise, a sociologia inglesa e a fenomenologia, foram incorporadas, dando origem ao neomarxismo, um olhar mais aprofundado sobre os impactos da hegemonia de classes). Preocupa-se com a violência simbólica, a castração e a opressão que a escola exerce sobre os alunos, a partir de um currículo que não é neutro. Para Moreira e Tadeu (2011) 13 O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais, particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. (MOREIRA; TADEU, 2011, p. 14) Essas afirmações propiciam questionamentos sobre a manifestação deste currículo, ou seja, como é que isso ocorre na prática? Abaixo, um exemplo que ilustra claramente esta situação: Quadro 1 – Exemplo de currículo oculto no ensino superior Aula expositiva Seminário O que é: o professor escolhe o tópico a ser ensinado, posiciona- se na frente da sala, escreve e disserta sobre o tema (neste momento, faz as escolhas sobre como vai abordar a questão, eliminando aspectos que podem ser tensos ou levantar questionamentos), solicita exercícios e faz avaliações nas quais o aluno apenas reproduz o que foi exposto; alunos sentados, quietos, não interagem, não questionam (podem ser punidos caso manifestem opiniões diferentes do professor), não aprofundam o conhecimento e precisam decorar as informações que serão reproduzidas nas provas. O que é: professor e/ou alunos decidem o tema a ser investigado, realizam pesquisa, debatem em grupo, estruturam uma linha de raciocínio, apresentam em formato de painel e submetem a debate com a classe. Professor pode indicar o tema e as referências de pesquisa, mas não é obrigatório. Alunos em papel ativo, protagonistas da aprendizagem, responsáveis pela divulgação do conhecimento, promovem o debate com toda a turma ou até mesmo, em grupos maiores. Trabalho realizado em grupo, a turma toda é dividida em vários grupos que podem investigar o mesmo tema, temas correlatos ou completamente diferentes. 14 Ideias subentendidas: estudantes não são capazes de aprender por conta própria, precisam ser guiados por alguém melhor do que eles–adultos não podem fazer escolhas, pessoas mais capacitadas (políticos? Empresários?) precisam tomar decisões por eles; alunos educados a não participar, a não questionar, são oprimidos, de forma que não aprendem a exigir seus direitos, não conseguem fazer boas escolhas políticas nem tampouco conseguem modificar sua realidade de vida. Ideias subentendidas: o papel ativo e o protagonismo dos estudantes inspiram aprendizagens sociais e de posicionamento político, bem como estrutura de processos organizacionais; os debates em pequeno e grande grupo permitem que os alunos aprendam a se posicionar, se manifestar e construir ideias alternativas, estimulando a criticidade ao sistema imposto; permite também a construçãosignificativa dos conhecimentos, conhecimentos estes relevantes para o presente e o futuro, capazes de formar o cidadão ativo e participativo. Fonte: elaborado pela autora. A Teoria Crítica do Currículo enfoca diretamente os processos opressores que a escola exerce sobre o indivíduo que passa por ela, numa visão política e econômica de luta de classes. Entretanto, por volta dos anos de 1990, novas perspectivas foram incorporadas à visão crítica do currículo, entendendo que a opressão não ocorre apenas entre classes econômicas (burgueses versus proletários). Passam a ser incluídas todas e quaisquer formas de opressão: contra minorias étnicas, contra identidade de gênero, contra as mulheres e crianças. Considera-se também que a sociedade não é, 15 se organiza em dois polos (burguesia e proletariado), há várias formas de organização social e de identidade social. Essa nova perspectiva é chamada Teoria Pós-Crítica do Currículo, segundo Tadeu (2011). Assim, o olhar sobre o currículo vai evidenciar e combater outras formas de opressão. Por exemplo, imagine uma aula de educação física na qual dois times jogam futebol, o jogo é organizado e acompanhado pelo próprio professor. Entretanto, apenas meninos jogam futebol, as meninas estão sentadas no banco e torcendo para os times. Qual a mensagem implícita aqui? Meninas não jogam futebol. Mulheres não fazem as mesmas coisas que homens. Mulheres são passivas (ficam na torcida), homens são ativos (jogam efetivamente). São mensagens transmitidas de forma insistente e por tantas vias que acabam exercendo força coercitiva contra as meninas e mulheres. Negros, índios, idosos, crianças, LGBTQIAP+ (Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/ Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Poli e mais), deficientes, crianças com dificuldade de aprendizagem, também são grupos focais da Teoria Pós-Crítica do Currículo. Como se vê, a criticidade sobre o currículo é um processo em constante de análise e exige reformulações frequentes. 4. O conceito de currículo e a organização curricular no ensino superior Você deve ter percebido que conceituar currículo não é uma tarefa simples. A concepção mais habitual é que currículo é o programa de conteúdos (objetos de aprendizagem) a serem introjetados pelos estudantes (objetivos de aprendizagem), organizados em um plano didático. Entretanto, após estudar como a visão sobre o currículo evoluiu com o tempo, adequando-se às transformações da sociedade, e entendendo a perspectiva crítica, pode-se pensar em conceituação mais complexa para currículo. 16 Lopes e Macedo (2011) compreendem que: [...] currículo é, ele mesmo, uma prática discursiva. Isso significa que ele é uma prática de poder, mas também uma prática de significação, de atribuição de sentidos. Ele constrói realidade, nos governa, constrange nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo sentidos. Trata-se, portanto, de um discurso produzido na intersecção entre diferentes discursos sociais e culturais que, ao mesmo tempo, reitera sentidos postos por tais discursos e os recria. Claro que, como essa recriação está envolta em relações de poder, na intersecção que ela se torna possível, nem tudo pode ser dito. (LOPES; MACEDO, 2011, p. 41) Para as autoras, currículo é uma prática discursiva, aparece na relação entre as pessoas, na forma como fatos são apresentados e tratados. Sacristán (2000, p. 17) entende que “os currículos são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto que através deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado”. Interessante observar que Sacristán (20200) aponta que o currículo não pode deixar de enxergar os conflitos de classe e os mecanismos de opressão que, normalmente, estão ocultos. Pelo contrário, deve evidenciá-los para que possam ser debatidos e enfrentados. Moreira e Tadeu (2011, p. 13) entendem que “o currículo é considerado um artefato social e cultural”. O que artefato significa? Artefatos são elementos percebíveis, ou seja, quando se trata de currículo, é tanto o papel que contém o planejamento de ensino quanto os exemplos escolhidos pelo professor para ilustrar um objeto de aprendizagem, um exemplo é uma expressão cultural do repertório do professor. Assim, currículo é uma produção de sentidos, segundo Lopes e Macedo (2011). Currículo pode ser definido como conjunto de informações sobre o que se vai ensinar e como isso será feito, incorporando tanto os documentos pedagógicos (planos de ensino, planos de aula) quanto ações docentes e 17 de outros participantes da escola, como a equipe técnico-administrativa e a própria comunidade de alunos. Nesse momento, vamos focar a organização curricular no ensino superior. O melhor ponto de partida é ter em mente os fins e objetivos da educação superior, conhecendo a proposta nacional que fortalece a ação didática do professor universitário e combate o currículo oculto. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no. 9394 (Brasil, 1996) é o documento que organiza as diversas dimensões da educação no Brasil. Abaixo, foram selecionadas algumas finalidades da educação superior: Art. 43. A educação superior tem por finalidade: I–estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; II–formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III–incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; [...] VI–estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade. (BRASIL, 1996) Em linhas gerais, os objetivos da educação superior visam a formação de um indivíduo culto, reflexivo e pesquisador em diversas áreas de conhecimento, para o enfrentamento dos problemas atuais, sociais, 18 regionais e nacionais. Assim, a perspectiva do currículo escolar no ensino superior não pode ser atrelada a problemas e valores do passado, deve considerar a realidade presente e buscar elementos de estudo capazes criar respostas às problemáticas atuais. Outro documento norteador e que compõe a organização curricular do ensino superior é o Projeto Pedagógico da Instituição (também pode ser chamado de Projeto Político Pedagógico ou Projeto Pedagógico Institucional). Esse documento é redigido por cada instituição de ensino superior, determina a filosofia educacional da instituição, a quem atende e como executa seu trabalho. Cada curso de ensino superior possui um Plano Pedagógico de Curso (PPC). Ali, encontram-se orientações específicas do curso no qual o professor leciona, com elementos particularizados da formação profissional dos graduandos. Esse documento também forma o currículo no ensino superior. Sacristán (2000) identifica algumas esferas do currículo: • Currículo prescrito: documentos oficiais que estruturam a organização de cursos em âmbito nacional, estadual e municipal. • Currículo institucional: documentos internos da escola, incluindo a de ensino superior, tais como o Projeto Político Pedagógico (PPP), o PPC (citado acima), a matriz curricular (conjunto de disciplinas ou componentes curriculares que serão ministrados no curso) e os planejamentos dos professores. • Currículo realizado: trata-se das práticas didáticas e metodológicas que os professores executam, que também são influenciadas pelos alunos, momento histórico e outras condições. 19 • Currículo oculto: mensagens transmitidas de forma sutil, que representam a ideologia da classe dominante. Para encerrar, é importantedestacar que momentos históricos e transformações sociais também fazem parte do currículo: quando há ascensão financeira das camadas menos favorecidas da população, há busca pelo ensino superior, o que costuma lotar as salas de aula. Como garantir a qualidade do processo de ensino-aprendizagem em salas numerosas? Essas e outras questões similares fazem parte da estruturação do currículo. Não se pode esquecer que as perspectivas dos alunos e até mesmo a composição da turma (particularidades de cada estudante) também fazem parte do currículo. Uma questão simples que se levanta é: por que os cursos de Enfermagem, Pedagogia e Letras são mais procurados por mulheres? Por que os cursos de Engenharia, Economia e Física são mais procurados por homens? Esta, entre outras tantas, é uma questão que o currículo precisa entender e responder. Como se vê, a organização do currículo no ensino superior permeia tanto os documentos oficiais da instituição, quanto os documentos federais. Incorpora também momentos históricos e sociais, bem como elementos internos e particularizados, como a composição dos alunos da turma para a qual se leciona. O currículo também se concretiza em um planejamento de disciplina, em planos de aula, na metodologia de ensino, nos processos avaliativos e nas referências de estudo. Embora esses temas façam parte do planejamento de ensino e da prática docente, não podem ser ignorados quando se discute a organização do currículo no ensino superior. 20 Referências Bibliográficas BOURDIEU, Pierre. PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 9394, de 12 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 28 jul 2020. DICIONÁRIO MICHAELIS da Língua Portuguesa. Editora Melhoramentos: 2020. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues- brasileiro/curr%C3%ADculo/. Acesso em: 28 jul 2020. LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth. Teorias do currículo. São Paulo: Cortez Editora, 2011. MOREIRA, Antonio Flavio; TADEU, Tomaz. (Orgs.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 2011. SACRISTÁN, José Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000. TADEU, Tomaz. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/curr%C3%ADculo/ https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/curr%C3%ADculo/ 21 Possibilidades e desafios na atualidade Autoria: Neide Rodriguez Barea Leitura crítica: Vanessa Moreira Crecci Objetivos • Conhecer o que são e qual a importância das diretrizes curriculares no ensino superior. • Compreender as especificidades em relação às diretrizes curriculares para diferentes cursos e áreas do conhecimento. • Discutir as possibilidades e desafios do currículo na atualidade, visando o ensino superior. 22 1. Introdução Currículo no ensino superior pode ser entendido como a escolha e organização das experiências de aprendizagem que vão ser indicadas aos graduandos, envolvendo os conteúdos (ou objetos de aprendizagem), a metodologia de ensino do professor, a forma como a aprendizagem vai ser avaliada e as referências básicas de estudo. Parece simples a princípio, mas você já imaginou se cada instituição ou cada professor decidir o que ensinar para o aluno de acordo com o que acredita ou pensa ser o melhor para ele? Teríamos bons médicos se os professores e as faculdades decidissem que é mais importante estudar o sistema cardíaco do que o sistema nervoso? Teríamos bons professores se a sua formação acadêmica fosse apenas política e não incluísse didática? Veja, deixar todas as escolhas na esfera das instituições pode ser muito comprometedor ou mesmo perigoso para a formação dos futuros profissionais. Como garantir que o professor organizou o melhor currículo para seus alunos? Como garantir que o currículo de uma disciplina está em coerência com a proposta formativa do curso e com as outras disciplinas? Para nortear a elaboração do currículo escolar no ensino superior existem as diretrizes curriculares nacionais para cada curso. São documentos norteadores para que as instituições de ensino superior possam criar seus próprios programas. Neste estudo, a proposta é conhecer o que são as diretrizes curriculares nacionais do ensino superior, compreendendo suas especificidades em relação aos diversos cursos e áreas do conhecimento e discutir as possibilidades e desafios do currículo no ensino superior no momento atual. 23 2. As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para o Ensino Superior Existem DCNs para cada segmento de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos e para o Ensino Superior. São orientações que têm caráter normativo, isto é, não podem ser alteradas, que servem para organizar os programas curriculares em cada instituição de ensino superior (IES). As DCNs partem da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) e são definidas e apresentadas pelo Conselho Nacional da Educação (CNE) após amplo debate. Para entender melhor o papel do CNE, veja suas atribuições: As atribuições do Conselho são normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação, no desempenho das funções e atribuições do poder público federal em matéria de educação, cabendo-lhe formular e avaliar a política nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino, velar pelo cumprimento da legislação educacional e assegurar a participação da sociedade no aprimoramento da educação brasileira. (MEC, 2018, A) Você já refletiu sobre desigualdade na formação do ensino superior? Pense no seguinte: como seria se cada faculdade decidisse o que ensinaria para seus alunos? Teríamos uma divergência muito grande de formação, talvez até mesmo descompassada do mercado de trabalho. Por um lado, poderia existir centros de excelências em termos de educação superior, mas poderiam existir faculdades que não se preocupariam com a qualidade da formação, apenas em recolher a mensalidade dos alunos. \Imagine uma IES que decide por não desenvolver atividades práticas e estágios. Como se formariam os profissionais com um mínimo de vivência profissional (médicos, enfermeiros, dentistas, professores, entre outros)? Por esses motivos, o CNE elabora as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs). 24 As DCNs são uma garantia de que as aprendizagens essenciais serão ensinadas em todos os cursos. São documentos norteadores para as IES. Por este motivo, as Diretrizes Curriculares Nacionais são tão importantes, pois são parâmetros que estruturam os programas de formação das instituições de ensino superior. Trazem, em si, aspectos que precisam ser seguidos por todas as IES, de acordo com os cursos que oferecerem, promovendo equidade ao mesmo tempo que respeita os contextos locais. Existe uma DCN para cada curso, pois é necessário respeitar as especificidades de cada curso e de cada área de conhecimento. Por exemplo, um curso na área da saúde possui uma grande carga horária dedicada a estágios e práticas maior do que os cursos da área de administração, por exemplo. Uma DCN versa sobre os seguintes aspectos: • Perfil do egresso: o que se espera que o formando tenha aprendido e seja capaz de executar após encerrar seu curso. • Competências, habilidades e atitudes: trata-se do que deveria ser capaz de executar após formado, envolvendo as competências gerais e específicas, além das habilidades que compõem cada uma delas. • Objetos de aprendizagem: aquilo que precisa ser aprendido, não há uma relação específica deconteúdos, mas orientações para que cada IES estruture seu programa de curso. • Duração do curso: quantidade de horas total, horas de estágio, horas de prática, horas de atividades complementares e outras especificidades, se houver. 25 • Aborda ou propõe uma estruturação dos cursos (modular, semestral, anual). • Estabelece a relação com o processo de avaliação institucional, isto é, a IES pode ser avaliada a partir da forma como elabora seus currículos em conformidade com as DCNs. Você deve estar se perguntando quem e como se constrói uma diretriz curricular. Ela é redigida por um grupo de profissionais extremamente experientes e competentes, que compõe o Conselho Nacional da Educação (CNE) e a Câmara do Ensino Superior (CES) a partir das recomendações feitas por comissões (comitês organizados temporariamente para ajudar a elaboração da DCN) e por sugestões enviadas pelas IES, Ministério da Educação (MEC), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), especialistas e pelos Conselhos de Classe profissionais (na verdade, as sugestões são abertas e os interessados podem mandar suas sugestões individualmente ou como instituição). Isso significa que não é um processo simples e nem rápido: uma DCN só é elaborada após um grande debate nacional. Da mesma forma, caso haja necessidade de realizar alguma alteração na DCN, o grupo é reunido, abre-se o espaço para sugestões, os comitês são convidados e a DCN é reorganizada. O Ministério da Educação possui uma página na qual se arrolam as Diretrizes Curriculares Nacionais de todos os cursos (MEC, 2018, B), inclusive as alterações que as edições anteriores das DCNs sofreram. 26 Figura 1–Fluxo da construção de uma DCN CNE convoca uma comissão específica que inicia o processo de construção da DCN. A comissão elabora a primeira versão da DCN. Texto inicial é divulgado e submetido a ampla discussão. A Comissão recebe as sugestões recebidas por diversas instituições. A Comissão elabora o texto final. O texto final é publicado e homologado pelo CNE/CES e entra em vigor a partir de sua publicação no Diário Oficial da Nação. A partir daí, as IES têm um prazo para regularizar seus cursos em função da nova normativa. Fonte: elaborada pela autora. Para encerrar este tema, é importante tratar da matriz curricular, pois são termos que o professor do ensino superior escuta com muita frequência. A partir das DCNs de um curso, cada IES elabora sua matriz curricular, que é composta pelo título das disciplinas e a carga horária de cada uma delas. A matriz curricular é organizada por semestre, de forma que as disciplinas (ou componentes curriculares) são arrolados por semestre, por exemplo Curso Alfa 1º Semestre: Disciplina A – Carga horária: 40 horas. Disciplina B – Carga horária: 60 horas. 27 E assim por diante. A matriz curricular é refeita sempre que ocorre alteração nas DCNs do curso. 3. Outros documentos formais que estruturam o currículo Há dois documentos importantes que o professor do ensino superior precisa conhecer para poder compreender como o currículo é estruturado e para que possa estruturar seu planejamento e plano de trabalho. Estes documentos são: • Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI). • Plano Pedagógico Institucional (PPI). • Plano Pedagógico de Curso (PPC). O PDI é um dos principais documentos que estruturam uma instituição de ensino superior. De acordo com Zainko (2013) o PDI possui as seguintes seções: Perfil institucional, gestão institucional (administração, organização e gestão de pessoal, política de atendimento ao discente), organização acadêmica (organização didático-pedagógica, oferta de cursos e programas presenciais e a distância), infraestrutura, aspectos financeiros e orçamentários, sustentabilidade econômica, avaliação e acompanhamento do desempenho institucional, cronograma de execução. (ZAINKO, 2013, p. 14) A autora também aponta que o Plano de Desenvolvimento Institucional é associado à missão, visão e valores da IES também devem apresentar suas perspectivas de crescimento e as ações que demonstrem compromisso de qualidade com a educação. 28 Esse documento permite que o professor tenha uma visão global da IES e compreenda os caminhos que ela pretende trilhar. Além disso, esses dados orientam o planejamento e a linha de ação do professor. Já o Projeto Pedagógico Institucional (PPI), é um documento que se origina por determinação na própria LDB (Brasil, 1996): “Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I–elaborar e executar sua proposta pedagógica”. Veiga (2004) explica que uma proposta pedagógica ou projeto pedagógico deve expressar a organização do trabalho educacional da instituição, compondo duas esferas: a escola como um todo (direcionada à equipe técnico-administrativa) e o trabalho realizado diretamente em sala de aula (direcionada aos professores). A autora explica que o PPI é um projeto que se tem a intenção de realizar, ou seja, um compromisso com metas a serem atingidas pela comunidade acadêmica. Para ela, todo projeto pedagógico tem uma perspectiva política, apartidária. É isso que o professor do ensino superior precisa compreender: qual a visão de formação a IES defende? Trata-se de um projeto democrático, construído democraticamente ou é um projeto centralizador, voltado à burocracia e estatísticas? Segundo Veiga (2004), um PPI, normalmente, é composto por: proposta filosófica e pedagógica da instituição de ensino superior, público-alvo, estrutura organizacional (departamentos, laboratórios, setores, bibliotecas, quadra esportiva, enfermaria, secretaria, coordenação, direção, entre outros), currículo (separado por cursos), calendário escolar e os períodos de funcionamento e férias, como se organiza o processo de decisão, as relações de trabalho e o processo de avaliação do PPI. O ideal é o que o Projeto Pedagógico Institucional seja elaborado com a participação de alunos (comunidade acadêmica), de professores 29 (equipe pedagógica) e diretores e coordenadores (equipe de gestão). Entretanto, nem sempre isso acontece. O PPI é um documento importante para o professor compreender a perspectiva pedagógica da instituição, ou seja, se ela admite uma visão mais emancipatória e democrática da educação, as linhas gerais de avaliação e a organização da IES. O último documento institucional que o professor do ensino superior precisa conhecer é o PPC, ou Projeto Pedagógico de Curso. O PPC é intimamente relacionado ao PPI, como aponta Zainko (2013): Identidade formativa nos âmbitos humano, científico e profissional, as concepções pedagógicas e orientações metodológicas e estratégicas para o ensino e a aprendizagem e sua avaliação, o currículo e a estrutura acadêmica do seu funcionamento. (ZAINKO, 2013, p. 75) Igualmente ao PPI, o ideal é que o PPC seja constituído coletiva e democraticamente, embora nem sempre isso ocorra. Zainko (2013) aponta que um Projeto Pedagógico de Curso é composto por determinadas seções: • Histórico do curso: quando foi constituído e quais alterações foram realizadas ao longo do tempo. • Contextualização da comunidade escolar: origem geográfica e escolar do aluno e perfil econômico. • Contextualização do entorno institucional: localização da IES, espaço geográfico e ocupação humana, características gerais. • Competências, habilidades e atitudes a serem desenvolvidas pelo graduando. 30 • Componentes e conteúdos curriculares: relação de disciplinas e conteúdos que precisam ser trabalhados no curso. • Práticas e estágios: esclarece como as práticas e estágios serão realizados, em qual momento do curso, objetivos e processo de avaliação. • Periodicidade: informa se o curso se organiza de forma semestral ou anual. • Processos e instrumentos de avaliação:detalhamento de como a média é calculada e como ocorre o processo de recuperação (exame). O PPC precisa ser um documento flexível e facilmente ajustável, respondendo diretamente às necessidades que se impõem. Então, por exemplo, quando uma DCN sofre alteração, isso impacta diretamente o Projeto Pedagógico de Curso ao qual está relacionada. Da mesma forma, quando se altera uma perspectiva profissional, como a introdução de uma nova técnica, isso também provoca alteração no PPC. O professor do ensino superior precisa conhecer o Projeto Pedagógico do Curso no qual leciona. É no PPC que encontrará orientações sobre sua disciplina (componente curricular), como a ementa, os objetivos e as referências básicas. Também consegue entender se sua disciplina é ofertada no início da formação, tratando-se uma disciplina básica e introdutória, ou se é uma disciplina de meio de curso, tratando-se de uma disciplina de estudo a aprofundamento, ou se é uma disciplina de fim de curso, que formaliza o processo de formação profissional. A partir do PPC, o professor entende como sua disciplina se correlaciona com outras disciplinas, com as práticas e com os estágios. 31 DCN, PDI, PPI e PPC são documentos norteadores para que o professor faça suas pesquisas, encontre informações para ajudá-lo a construir seu planejamento e seu plano de ação didático. Além disso, para você compreender a importância desses documentos, saiba que existe um processo de avaliação que o Ministério da Educação realiza de tempos em tempos nas IES e nos seus cursos. Esse processo de avaliação é estruturado a partir da organização de Comissões de Avaliação Institucionais, que vão presencialmente às IES e analisam os documentos: PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional), PPI (Plano Pedagógico Institucional) e PPC (Plano Pedagógico de Curso), além de visitarem as instalações e entrevistarem professores e alunos. 4. Possibilidades e desafios do currículo do ensino superior na atualidade Você se lembra da definição de currículo? Currículo pode ser definido como conjunto de informações sobre o que se vai ensinar e como isso será feito, incorporando tanto os documentos pedagógicos (planos de ensino, planos de aula) quanto às ações docentes e de outros participantes da escola, como a equipe técnico-administrativa e a própria comunidade de alunos. O currículo formal de um curso é apresentado no PPI e/ou no PPC. Apesar de estar pronto, não quer dizer que todas as respostas se encontram nele, pois há grandes desafios para o currículo. O primeiro desafio que se apresenta ao currículo trata do dinamismo. Como você percebeu, o currículo é um documento formal que não passara por alterações constantemente. É necessário que haja 32 alguma orientação nova por parte do Conselho Nacional da Educação ou que uma revisão seja prevista de tempo em tempo. Entretanto, as transformações sociais ocorrem em seu próprio ritmo e a IES precisa se adaptar. Então, este é um dos grandes desafios: tornar os currículos mais dinâmicos. Veja um exemplo: imagine um que estamos em um ano no qual se elegerá um novo presidente; os alunos não param de discutir sobre a eleição e os impactos para os vários setores nacionais, porém, o professor precisa seguir o currículo e continuar ensinando conteúdos. Nesse caso, em um currículo que já estivesse organizado por competências e não por conteúdos, como acontece com algumas IES mais avançadas e modernas, a discussão poderia ser inserida sem prejuízo à aprendizagem dos alunos. Isso significa que em IES conservadoras não há espaço no currículo para outros assuntos senão aqueles que já estão decididos. Mesmo quando ocorrem alterações importantes, os currículos demoram a ser atualizados. Um exemplo claro é o uso da tecnologia, que já é empregado em todos os setores da sociedade, mas ainda é pouco empregada como recurso para favorecer a aprendizagem. Isso quer dizer que diante das crises mundiais, o currículo permanece pouco alterado, não é flexível para incorporar as questões críticas mundiais ou sociais. 33 Figura 2–Crises mundiais ou sociais EDUCAÇÃO PRECÁRIA POBREZA MUDANÇAS CLIMÁTICAS DESEMPREGO ALTOS ÍNDICES DE MORTALIDADE POLUIÇÃO SAÚDE PÚBLICA DESABRIGADOS ACESSO À ÁGUA E ALIMENTAÇÃO SEGURA Fonte: leremi/iStock.com. O primeiro desafio do currículo é ser flexível ao ponto de poder incluir rapidamente temas críticos e emergenciais, sendo capaz de se adaptar as necessidades do público acadêmico. Pode-se dizer que o segundo desafio do currículo é combater sua faceta oculta. A comunidade acadêmica, incluindo professores e alunos, precisa aprender a combater a ideologia que permeia o currículo. É preciso um esforço para identificar novas referências e incorporá-las ao discurso pedagógico, questionar modelos ultrapassados, criticar discursos opressores, posicionar-se contra o preconceito e a violência. Este não é um movimento a ser executado exclusivamente pelo professor (se esta responsabilidade for só do professor, o currículo 34 continuará representando uma única visão, a do professor, por mais bem intencionado que ele seja). Graduandos também precisam ser autônomos frente ao processo de aprendizagem, buscando novas referências; precisam ser questionadores para não aceitarem a mesma proposta que formou seus pais e avós (quem não teve um professor que lecionava sempre do mesmo jeito, semestre após semestre, propondo as mesmas leituras, as mesmas avaliações, seguindo as anotações de seu antigo caderninho?) e serem ativos para propor novos temas e novas perspectivas. É justamente nesse desafio que se encontram possibilidades de construir um novo currículo, mais flexível, voltado às necessidades dos graduandos, envolvendo a participação de todos e construção de um documento mais atualizado. A discussão sobre o currículo acadêmico para o ensino superior é repleta de questionamentos e debates, que partem desde a sua origem, ou seja, a forma como um currículo é estruturado, até sua aplicação prática. Questões como flexibilização do currículo e currículo oculto fazem parte da pauta desses questionamentos e discussões. O estudo sobre currículo, DCNs, PDI, PPI e PPC são ferramentas fundamentais para que o professor do ensino superior possa executar suas ações práticas de forma coesa, crítica e emancipatória. Referências Bibliográficas BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei n. 9394, de 12 de dezembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 28 jul 2020. BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Conselho Nacional de Educação (CNE). 2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/ apresentacao. Acesso em: 28 jul 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/apresentacao http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de-educacao/apresentacao 35 BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Diretrizes curriculares – cursos de graduação. 2018. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/ article?id=12991. Acesso em: 28 jul 2020. VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Educação básica: projeto político-pedagógico; educação superior: projeto político-pedagógico. Campinas: Papirus, 2004. ZAINKO, Maria Amélia Sabbag. Gestão da instituição de ensino e ação docente. Curitiba: Intersaberes, 2013. http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12991 http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=12991 36 Planejamento de disciplina no Ensino Superior Autoria: Neide Rodriguez Barea Leitura crítica: Vanessa Moreira Crecci Objetivos • Identificar as dimensões do planejamento de ensino e sua importância na prática docente. • Reconhecer os níveis e etapas do planejamento de ensino da unidade ou da disciplina e sua importância na práxis docente. • Aprender a estruturar um planejamento de ensino.37 1. Introdução Olá, seja bem-vindo (a)! Você já parou para refletir como é que o professor se organiza antes de entrar em sala de aula? Como ele sabe exatamente o que precisa ser ensinado? Como elaborou as propostas de pesquisa e avaliação para apresentar aos seus alunos? O que ele faz nos períodos de planejamento? Nesta Leitura Digital, desvendaremos um dos processos que ocorrem nos bastidores da docência do ensino superior. A docência no ensino superior, há muito tempo, deixou de ser uma complementação de renda, um serviço extra, uma prática repetitiva de experiências anteriores do próprio docente. Atualmente, a docência no ensino superior exige dedicação, pesquisa, atualização, consciência crítica e criatividade. O professor do ensino superior tem papel fundamental nos processos de elaboração do planejamento de ensino. É o responsável pela criação do plano de ensino, documento oriundo do processo de planejamento. Há muita informação, muito material, propostas institucionais e até mesmo diretrizes que orientam a organização do trabalho pedagógico do professor, porém o docente é o responsável por elaborar os planos que estão sob sua responsabilidade. Neste material, você conhecerá as três dimensões do planejamento e enfocará o planejamento de ensino de disciplina ou de unidade, conhecendo suas etapas. Compreenderá também a importância de construir seu próprio planejamento e ter autonomia e proatividade frente aos processos de ensino. 38 2. As dimensões do planejamento de ensino e suas relações Para o professor, o planejamento de ensino é a organização metodológica de seu trabalho pedagógico e é expresso em três dimensões. Figura 1 – Dimensões do planejamento de ensino Fonte: elaborada pela autora. O planejamento de curso está relacionado à estruturação da matriz curricular do curso, a distribuição de horas de cada componente curricular (unidade ou disciplina) e a distribuição dos componentes ao longo dos semestres. Versa também sobre as atividades práticas e os estágios a serem realizados pelos graduandos. Pode conter projetos e programas específicos, tais como Núcleo Jurídico nos cursos de Direito; Brinquedoteca nos cursos de Pedagogia; Laboratório de Línguas nos 39 cursos de Língua Portuguesa e suas respectivas habilitações; Laboratório de Atendimento Psicológico nos cursos de Psicologia. O planejamento de curso é realizado sempre que um curso novo é implantado. Entretanto, algumas vezes é preciso replanejá-lo, o que não é realizado com frequência. Ocorre apenas se houver comprovação de sua desatualização ou caso ocorra alguma alteração nas diretrizes curriculares do curso. O documento final, originado neste planejamento, é conhecido como plano de curso ou projeto pedagógico de curso (PPC) e só é aprovado após a equipe pedagógica da instituição de ensino superior (IES) aprová-lo. Em caso de replanejamento de curso, os respectivos professores e coordenadores criam comitês para reelaboração do plano de curso, alunos podem participar, indicando suas opiniões e propostas. Este documento também é enviado para aprovação da equipe pedagógica da IES. Os outros dois planejamentos são elaborados diretamente pelo professor, sendo que o planejamento de ensino de unidade ou disciplina é realizado antes de o professor ministrar aulas ou logo no seu início. O planejamento de ensino de unidade, disciplina ou de componente curricular é aquele no qual o professor organiza metodologicamente seu trabalho em determinado período de tempo, contemplando todos os objetivos e objetos de aprendizagem propostos, levando os graduandos a aprender e a evidenciar sua aprendizagem em processos avaliativos. Esse planejamento dá origem ao documento chamado de plano de ensino na maior parte das IES. Pode ser refeito a qualquer tempo, desde que haja necessidade. O plano de ensino é um documento intimamente relacionado à matriz curricular e ao plano de curso, precisa corresponder à ementa, objetivos e referências organizados no plano de curso. Será bem detalhado logo abaixo. 40 Já o planejamento de aula é realizado para que o professor possa organizar os processos a serem realizados diretamente com os graduandos. Esse planejamento é realizado por aula ou bloco de aulas (unidades didáticas) e precisa estar articulado com o plano de ensino da disciplina. O planejamento de aulas dá origem a um documento intitulado plano de aulas. O plano de aulas também é um documento que pode ser reelaborado quando necessário e, normalmente, acontece, pois a realidade da sala de aula é multifatorial e está em constante mudança. 3. Planejamento de unidade (disciplina ou componente curricular) Como dito acima, o planejamento de unidade ou disciplina ou ainda componente curricular gera um documento chamado plano de ensino, composto por informações pedagógicas organizadas e detalhadas. Ao elaborar o plano de ensino se sua unidade, o professor vai preenchendo campos específicos, detalhando informações e organizando toda sua linha de pensamento, seus conhecimentos e sua intencionalidade pedagógica. O planejamento, normalmente, inicia com o preenchimento de dados de identificação da IES, do curso, título da disciplina, semestre do curso em que ocorre (por exemplo, sexto semestre) e ano em que ocorre. Aparece também o nome do professor e o código interno da disciplina. Em seguida, o professor preenche a ementa, que apresenta os tópicos principais abordados tratados durante a execução. Pode ser escrito por pontos essenciais ou no formato de pequena descrição, trata-se de uma sinopse da disciplina. O próximo item a compor o plano de ensino da disciplina é a relação de objetivos educacionais a serem alcançados pelos alunos. Normalmente, se 41 escreve um objetivo geral e pelo menos três objetivos secundários. A escrita dos objetivos precisa ser muito conscienciosa e refletir uma perspectiva mais emancipatória para os graduandos, ou seja, devem ser centrados nos estudantes e não nos professores. Por exemplo: ensinar aos estudantes o conceito de currículo oculto é um objetivo centrado na ação do professor. Já compreender e discutir o conceito de currículo oculto é centrado na ação cognitiva dos graduandos. Observa-se uma grande transformação no ensino superior: os objetivos deixaram de ser conteúdos a serem aprendidos e passaram a ser competências a serem adquiridas ou desenvolvidas, já que o mercado de trabalho procura por profissionais cada vez mais competentes. Antes do conceito de competência ser disseminado, acreditava-se que os bons profissionais possuíam um dom ou uma capacidade extra. Entretanto, investigando mais detalhadamente os trabalhadores que se destacavam, descobriu-se que apresentavam determinadas características que os distinguiam: eram profundos conhecedores do assunto ou ramo de trabalho, sabiam executar suas tarefas com excelência e respeitavam as normas e eram proativos e éticos. Assim, o indivíduo passou a ser chamado de competente em sua área. A competência profissional é formada por três âmbitos que se inter- relacionam, se completam e se retroalimentam: o conhecimento, as habilidades e a atitude. Dessa forma, o desenvolvimento de uma competência precisa contemplar: a aquisição de conhecimentos (ou conteúdos, temas), a capacidade de realização (habilidades) e um fazer moral e ético, com empenho e valor. No campo educacional, o conceito de competência passou a ser considerado há bem pouco tempo, mas alguns teóricos já o incorporaram em suas produções, e é o que veremos a seguir. 42 Assim, Pacheco (2016), introduz a discussão sobre quais tipos de conhecimentos escolares precisam ser desenvolvidos: Em qualquer debate sobre o conhecimento escolar e, sobretudo, sobre a pluralidade de conhecimentos que a escola tem de integrar no seu projeto de formação ampla, surge o conflito entre conhecimento orientado para a formação social e pessoal dos alunos, com ênfase na dimensão da educação para a cidadania,e conhecimento instrucional, circunscrito a uma dimensão cognitiva, de domínio de saberes específicos, organizados em disciplinas. (PACHECO, 2016, p. 73) Considerando os apontamentos do autor, os objetivos de aprendizagem estruturam os conhecimentos a serem adquiridos ou desenvolvidos e, portanto, precisam ser organizados de acordo com alguma perspectiva teórica, tais como a Taxonomia dos Objetivos Educacionais de Bloom ou a Tipologia dos Conteúdos de Zabala. Benjamim S. Bloom (e equipe) e Antoni Zabala são pesquisadores do campo educacional que se dedicaram a entender e explicar com a intencionalidade dos objetivos afeta o processo educacional, ou seja, o professor precisa ficar atento para escolher processos educacionais que levem o aluno ao máximo de aprendizagem e ação possíveis. Figura 2–Taxonomia dos objetivos educacionais de Bloom Conheci- mento Compreen- são Síntese Análise Avaliação Aplicação GRAU DE COMPLEXIDADE Fonte: adaptado de Bloom et al., 1972. 43 Quadro 1–Exemplos Definir. Relatar. Nomear. Identificar. Descrever. Discutir. Examinar. Pesquisar. Compreender. Demonstrar. Ilustrar. Resolver. Aplicar. Calcular. Distinguir. Investigar. Comparar. Analisar. Criar. Organizar. Planejar. Apresentar. Sintetizar. Julgar. Ordenar. Selecionar. Qualificar. Avaliar. Fonte: adaptado de Bloom et al., 1972. Na perspectiva de Bloom et al. (1972), o ideal é que os objetivos de aprendizagem sejam organizados a partir de uma proposta mais simples (objetivos iniciais) e atingir uma proposta mais complexa. Por exemplo: Definir o conceito de Globalização (objetivo relacionado ao nível inicial: Conhecimento) é um processo mais simples do que Discutir os impactos da Globalização nos países em desenvolvimento (objetivo relacionado ao nível intermediário: compreensão). Da mesma forma, Demonstrar os impactos da Globalização nos países em desenvolvimento (objetivo relacionado ao nível intermediário: aplicação) é mais simples do que Comparar os impactos da Globalização nos países em desenvolvimento (objetivo relacionado ao nível intermediário: análise). Um processo mais complexo seria Avaliar os possíveis impactos da Globalização nas tribos nômades africanas (objetivo relacionado ao nível final: avaliação). Já Zabala (1998) considera que os objetivos de aprendizagem precisam atender a três tipos de conteúdo, que ele chama de Conteúdos Conceituais (ou Factuais), Conteúdos Procedimentais e Conteúdos Atitudinais. 44 Quadro 2–Tipologia dos conteúdos, segundo Antoni Zabala Conceituais Procedimentais Atitudinais Capacidade de conhecer dados, informações acontecimentos. Capacidade de refletir e executar tarefas, ações e habilidades. Capacidade de expressar valores e agir de acordo com eles. Classificar, interpretar, resumir, aplicar. Elaborar, construir, demonstrar, simular. Respeitar, envolver- se ter autonomia, ser organizado. Fonte: elaborado pela autora. Ao elaborar os objetivos de aprendizagem, o professor do ensino superior precisa decidir a abordagem que dará ao processo de ensino de seus alunos e isso se reflete nos objetivos que ele pretende que sejam alcançados. Assim, suas escolhas, expressas na forma como escreve os objetivos de aprendizagem, devem abarcar o máximo possível de competências que o graduando deve desenvolver. Até este momento, estudamos os dados que compõem o plano de ensino, tais como: informações da disciplina, ementa e objetivos. Em seguida, precisa apresentar qual metodologia utilizará. A metodologia é a forma como o professor pretende desenvolver os conteúdos que apresentará a seguir. Precisa esclarecer se as aulas serão expositivas (isto é, o foco é centrado no professor, que expõe a matéria) ou dialógicas (os alunos participam com frequência, dialogando, questionando e debatendo os conteúdos estudados). Também poderá explicar se sua tendência é mais voltada ao construtivismo (os alunos são responsáveis por desenvolver a aprendizagem de forma mais individual, respeitando a evolução de cada um) ou voltada ao socio- interacionismo (os alunos trabalham mais em grupo, apoiando-se mutuamente nos processos de aprendizagem). Neste tópico, pode 45 apresentar se utilizará, por exemplo, algum recurso pedagógico diferenciado, tal como as metodologias ativas, que envolvem a aprendizagem baseada em projeto (os alunos devem desenvolver um projeto escolhido pelo professor ou pelos próprios alunos), a aprendizagem baseada em problemas (o professor elenca um ou mais problemas que precisam ser resolvidos pelos alunos individualmente ou em grupo), a gameficação (utilização de softwares e aplicativos capazes de ilustrar e significar os conteúdos a serem aprendidos) e a metodologia da sala de aula invertida (processo no qual os alunos estudam antes de vir para a aula e utilizam o tempo na IES para debater, aprofundar os estudos e realizar projetos). Agora, é o momento de nos dedicarmos à seleção de conteúdos ou objetos de aprendizagem. Os conteúdos precisam estar articulados com os demais elementos do plano de ensino. Assim, ao eleger os conteúdos, é preciso refletir quais são mais importantes e mais adequados para desenvolver as competências que os graduandos precisam. Não podemos subestimar a escolha dos conteúdos, segundo Pacheco (2016, p. 71): “sendo a escola uma instituição de socialização, o conhecimento pode ser visto como formação que enriquece a vida de um educando, fornecendo-lhe poder na exploração do mundo”. Para o autor, conhecimento e poder estão associados, por este motivo merecem muita atenção do professor do ensino superior. Os conteúdos podem ser organizados em itens e subitens, em uma organização que faça sentido para quem faz a leitura do plano, embora o professor possa desenvolver os conteúdos em uma sequência que seja mais apropriada à aprendizagem. Após a apresentação dos conteúdos que serão trabalhados, o professor precisa elencar os recursos pedagógicos que utilizará. Neste tópico, pode abordar os materiais necessários para desenvolver sua disciplina. Elencam-se desde computadores até materiais mais importantes de 46 laboratório. Um professor que lecione no curso de Educação Física pode detalhar os equipamentos de ginástica, um professor que lecione no curso de Física pode elencar instrumentos específicos, um professor que lecione no curso de Arquitetura pode elencar diversos tipos de régua e canetas, um professor que lecione no curso de Tecnologia da Informação pode elencar os principais softwares que utilizará. Se for projetar um filme, usa uma canção ou outro recurso pedagógico, é aqui que o professor precisa discriminar. Em seguida, o professor precisará determinar como realizará a avaliação da aprendizagem dos alunos, ou seja, como os alunos evidenciarão o que aprenderam. Em algumas instituições, o processo de avaliação precisa contemplar alguns quesitos, tais como eleger, ao menos duas avaliações distintas. O professor pode apresentar os instrumentos de avaliação, tais como prova dissertativa ou de múltipla escolha, autoavaliação, seminário, apresentação de projeto, resumo e resenha de materiais, entre outros. No campo de avaliação, o docente também determina como será a distribuição de valores entre cada instrumento, por exemplo: o trabalho de pesquisa e apresentação comporão 50% da nota e a prova dissertativa final comporá os outros 50% da nota. A divisão de valores depende de quantos e quais instrumentos de avaliação serão utilizados. Por fim, é o momento de apresentar as referências bibliográficas da disciplina. A referência bibliográfica indica os materiais que serviram de base para elaboração do planejamento de ensino e que serão lidos e estudados. Normalmente, se dividem em referências básicas com indicação de cinco a dez títulos e referências complementares, com indicação de outros cinco a dez títulos. As referências bibliográficas precisam ter menos de dez anos de publicação,exceto obras de referência que não são mais editadas. Algumas instituições solicitam que o docente apresente, como anexo, um cronograma de aulas, no qual aponta as datas letivas e os conteúdos a serem trabalhados em cada uma delas. 47 Ao elaborar o plano de ensino, o professor já possui grande parte dos elementos necessários para elaborar o (s) plano (s) de aula. Entretanto, não vamos introduzir este assunto agora, pois antes é fundamental refletir sobre a importância de elaborar o planejamento para o professor. 4. A importância de planejar e elaborar o plano de ensino de disciplina Neste momento, cabe retomar a diferença entre o processo de planejar o processo de ensino e aprendizagem de uma disciplina e elaborar seu plano de ensino, pois é nessa diferenciação que percebemos os primeiros aspectos importantes para a reflexão e prática do professor. Vejamos: o processo de planejamento envolve o trabalho de fazer escolhas e organizar ideias, pensando no encadeamento de todas as demandas próprias do ensino e da aprendizagem. O planejamento é um processo reflexivo e pode ser iniciado por onde o professor preferir: pelas referências, pelo produto final a ser elaborado pelos alunos, pela ementa. Entretanto, se essas ideias não forem organizadas em um documento, se tornam frágeis e passíveis de esquecimento. Afinal, quem nunca teve uma ideia a qual considerou brilhante, mas, por não a anotar, acabou esquecendo? Assim, é importante que o professor tenha o tempo adequando para realizar seu planejamento, o que, muitas vezes, o leva a fazer pesquisas, consultar livros, assistir filmes, para se preparar para ministrar a disciplina. Ao mesmo tempo, é importante que este planejamento seja materializado em um plano de ensino, para dar organização e sentido às ideias. Um segundo ponto que precisa ser considerado é que ao elaborar o plano de ensino, o professor identifica claramente para si, para a coordenação e para a comunidade acadêmica quais são os objetivos e os 48 objetos de aprendizagem (conteúdos), bem como se darão os processos avaliativos, tornando suas intenções transparentes e abertas ao diálogo. O professor precisa saber que o plano de ensino é um documento formal da instituição, desenvolvido a cada vez que a disciplina é ministrada. E, como tal, é consultado para dirimir quaisquer dúvidas da comunidade acadêmica sobre as intenções pedagógicas do professor. Você, como docente ou futuro docente do ensino precisa saber que seu plano de ensino é avaliado pela coordenação pedagógica do curso, que assina e valida sua proposta. É uma forma de oficializar e respaldar o trabalho do professor. O plano de ensino é o que norteia as ações do professor, mas também é um instrumento que permite ao próprio docente avaliar suas concepções acerca do que ensina e como ensina, permitindo a análise crítica sobre o currículo oculto e favorecendo a criação de mecanismos para enfrentá-lo. A produção do plano de ensino estimula o processo reflexivo do professor e permite o surgimento de questionamentos, tais como: por que ainda utilizo a mesma referência bibliográfica que eu li na graduação? Por que a instituição determina que se aplique prova sem consulta em todas as disciplinas? Como posso agir para que os alunos leiam e estudem sem ameaçá-los com a obtenção de notas baixas? Tais questionamentos permitem ao professor criar novas e melhores estratégias didáticas. Algumas instituições permitem e estimulam que os docentes partilhem suas experiências, pensamentos e planejamentos, de forma a propiciar processos criativos que valorizam a articulação das disciplinas e uma abordagem interdisciplinar. Se isso não ocorre oficialmente na sua IES, você pode propor aos seus colegas professores que se encontrem para desenvolver seus planejamentos de forma compartilhada. Por fim, um processo muito importante, mas pouco realizado, é a avaliação do plano de ensino. A ideia é que após o encerramento da 49 disciplina, o professor avalie seu plano de ensino, analisando se os graduandos alcançaram os objetivos propostos, se houve necessidade de alterações durante o processo (o plano de ensino pode ser revisto e alterado ao longo de sua execução, ele não é um documento estático), se houve necessidade de introdução de novos temas e de novas referências. É o momento em que o professor também faz sua autoavaliação, refletindo sobre os processos metodológicos e didáticos que podem ser aprimorados, com foco em produzir as alterações necessárias quando a disciplina for realizada novamente. Iniciamos esta Leitura Digital afirmando que a docência no ensino superior, há muito tempo, deixou de ser uma complementação de renda, um serviço extra, uma prática repetitiva de experiências que o docente experimentou em sua graduação e que agora repete para seus alunos. Agora você já deve ter percebido que não é nada disso que ocorre! A docência no ensino superior é complexa, exige do professor mecanismos arrojados e profundo conhecimento da área, bem como grande dedicação e elaboração mental! Referências Bibliográficas BLOOM, Benjamin S. et al. Taxonomia dos objetivos educacionais: domínio cognitivo. Porto Alegre: Globo, 1972. PACHECO, José Augusto. Para a noção de transformação curricular. Cadernos de Pesquisa, v.46, n.150, jan/mai, 2016. p. 54-77. ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2018. 50 O planejamento de aula no Ensino Superior Autoria: Neide Rodriguez Barea Leitura crítica: Vanessa Moreira Crecci Objetivos • Reconhecer os princípios do planejamento de ensino para atuar como mediadores e estratégias didáticas pertinentes ao ensino superior. • Conhecer a estrutura de um plano de aula. • Elaborar planos de aula que respeitem as normas e legislações específicas dos cursos. 51 1. Introdução O trabalho do professor do ensino superior é uma atividade de muita responsabilidade, não só porque forma futuros profissionais, mas porque essa formação é capaz de mudar a vida de muitos estudantes. A graduação em nível superior é conhecida como formação profissional inicial, porém, essa formação não se restringe a uma aprendizagem técnica ou limitada à execução de tarefas com excelência. No período da graduação, os estudantes aprimoram suas competências, refletem sobre questões sociais, políticas, filosóficas, científicas e outras questões fundamentais para a desenvolvimento e manutenção da cidadania. Nesse sentido, o professor do ensino superior, embora não seja o único responsável pela formação dos alunos, precisa cuidar do processo de ensino-aprendizagem para que seja efetivo. Para isso, precisará ter um bom conhecimento sobre metodologias e estratégias diversificadas, bem como a amplo conhecimento sobre planejamento de ensino da disciplina e capacidade para ministrar as aulas referentes à sua disciplina. Nesta aula, o enfoque está sobre: o papel de mediador que o professor exerce entre os aprendizes e o conhecimento, a organização de estratégias didáticas mais adequadas a cada tipo de formação e a construção de um planejamento detalhado de aulas. 2. A transmissão e a mediação de conhecimentos: o dilema do professor do ensino superior Pode ser que você já atue como professor do ensino superior ou pode ser que ainda esteja decidindo se vai iniciar nesta atividade, não é mesmo? De qualquer forma, já deve ter se deparado com a situação que apresentarei: 52 você, como professor do ensino superior, ou algum professor que lecionou para você na graduação, pediu que os alunos fizessem uma leitura prévia para ser discutida posteriormente, no próximo encontro, mas, no momento da aula, os alunos não haviam lido o texto. Alguns podem inclusive afirmar que o trabalho do professor é ensinar o que está no texto e não solicitar uma leitura prévia com vistas a um debate em sala de aula. Por que isso se coloca como dilema? Porque são duas situações opostas que se exprimem sentidos também opostosEsse é um dos dilemas que o professor do ensino superior vive, talvez o maior deles: desejar que seus alunos sejam protagonistas em sua aprendizagem, desenvolvam raciocínio e criticidade, façam o processo de significação da aprendizagem, comparem teorias, autores e aprendizagens já adquiridas. Este é o desejo do professor. O outro lado é que os alunos não tiveram oportunidade ou não foram estimulados a serem protagonistas da sua própria aprendizagem, o que os levou a ter uma postura acomodada, resistente, pouco participativa e dependente de que o professor decida e explique o que ele deve aprender. Figura 1–Resistência à inovação metodológica Fonte: vm/iStock.com. 53 Como se vê, a primeira perspectiva, na qual o aluno é o protagonista de sua aprendizagem, o professor atua como um mediador entre o conhecimento e o aprendiz. No outro extremo, naquele em que o aluno é passivo, professor atua como um transmissor do conhecimento. Não é preciso explicar que a primeira perspectiva é a mais potencializadora em termos de aprendizagem efetiva e para o desenvolvimento de competências. O quadro abaixo resume as características de duas perspectivas metodológicas: o ensino tradicionalista e o ensino mediado. Quadro 1 – Perspectivas educacionais metodológicas Ensino tradicionalista Ensino mediado Papel do professor. Transmissor do conhecimento. Orienta o processo de aprendizagem e cria situações para ampliá-la. Papel do aluno. Passivo, dependente, reprodutor. Proativo, responsável, crítico. Conhecimento. Estagnado, repetitivo, finito. Em construção constante, infinito, deve ser manipulado intelectualmente (questionado, criticado, aprofundado). Desenvolvimento de competências. 54 Papel da avaliação. Repetir ou devolver o conteúdo, medida de capacidade de decoração do aluno, coação, classificação. Evidência da aprendizagem a partir da aplicação de conhecimentos, práticas e atitudes em problemas ou projetos. Papel da escola. Reprodutora das estruturas de dominação da sociedade. Emancipatória e transformadora. Fonte: elaborado pela autora. A esta altura, você já deve ter percebido que a ação mediadora do professor entre os aprendizes para a aquisição do conhecimento e para o desenvolvimento de competências é a metodologia ideal e mais indicada para o processo de ensino e aprendizagem, pois é mais potencializadora do que a proposta tradicionalista. Além da escolha da metodologia, o professor também precisa optar por estratégias didáticas. No caso da mediação, há estratégias que se alinham de forma mais natural e que o professor pode usar em suas aulas e outras não (por exemplo: aulas expositivas não se alinham com a proposta mediada, porém breves momentos expositivos podem ser importantes). As estratégias didáticas mais naturalmente associadas à mediação do professor são: • Aula invertida – neste modelo de aula, o professor orienta que os alunos já venham para a aula com um texto lido, ou um vídeo assistido, com anotações e questionamentos feitos, para que o momento de aula seja rico em discussão, debate e esclarecimento 55 de pontos fundamentais que não tenham ficado claro, ou então para discussão prática dos conceitos teóricos. • Aprendizagem baseada em problema – nesta proposta, o professor ou os alunos apresentam um problema real ou fictício, normalmente, associado ao ambiente de trabalho, que precisa ser resolvido a partir da aquisição de conhecimentos, do desenvolvimento das habilidades e do aprimoramento das atitudes associados ao componente. Os alunos se colocam em posição ativa, criativa e inovadora, já que precisam mobilizar competências e até mesmo aprofundar o desenvolvimento delas para solucionar o problema proposto. • Aprendizagem baseada em projeto – nesta proposta, o professor ou os alunos optam pela criação de um projeto voltado ao ambiente de trabalho ou em benefício da comunidade, que é desenvolvido a partir dos aquisição de conhecimentos, do desenvolvimento das habilidades e do aprimoramento das atitudes associados ao componente, igualmente à aprendizagem baseada em problemas, os alunos se colocam em posição ativa, criativa e inovadora, já que, da mesma forma, precisam mobilizar competências e até mesmo aprofundar o desenvolvimento delas para criar um projeto. • Seminários – você já ouviu falar que a melhor aprendizagem é feita quando você precisa ensinar alguém? A proposta de realizar seminários é que o aluno ou o grupo de alunos se responsabilize por um objeto de aprendizagem e consiga explicá-lo para os colegas de sua turma, trazendo elementos que enriqueçam o tema; o seminário pode incorporar elementos da aula invertida e da aprendizagem baseada em problemas ou em projetos. Aqui, cabe uma problematização: estas estratégias didáticas não podem ser banalizadas, uma aprendizagem baseada na resolução de problema, por exemplo, não pode ser um estudo superficial, na verdade, requer 56 parte considerável do tempo de aprendizagem dos alunos, então é preciso considerar bem qual a melhor estratégia didática para cada turma, para cada contexto e, principalmente, para cada objetivo de aprendizagem. Até o momento, discutimos os contrapontos entre duas metodologias de ensino, uma tradicional e a outra mediadora, e algumas estratégias didáticas que subsidiam a proposta de mediação do conhecimento, mais rica e potencializadora para a aprendizagem dos graduandos. Entretanto, como é que o professor do ensino superior estrutura essas estratégias? Após elaborar seu plano de ensino, o docente também precisa organizar os processos pedagógicos e faz isso a partir do planejamento de aulas, é o que faremos a seguir. 3. O planejamento de aulas no ensino superior Embora não seja um documento obrigatório, algumas instituições do ensino superior trabalham com um planejamento de aulas, propondo documentos mais ou menos formais. Nesta aula, será apresentado um modelo formal de plano de aula. O professor também pode pensar em elaborar um grupo de aulas, conhecido como unidade didática, que é entendida como um bloco de conteúdos que se relacionam e formam um conjunto completo e coeso, mas nem sempre consegue ser desenvolvido em uma única aula. Então, independente do planejamento de uma única aula ou de uma unidade didática, o plano de aula possui os mesmos campos a serem preenchidos, que serão observados ao longo desta leitura. 57 Figura 2 – Processo de elaboração do plano de aula (s) Fonte: elaborado pela autora. O gráfico permite compreender que para se desenvolver um plano de aula é preciso que alguns processos e ações tenham sido realizados antes, como a elaboração do plano de ensino da disciplina e o processo reflexivo sobre o que será abordado em cada aula e como isso ocorrerá. De posse dessas informações, é o momento de o professor do ensino superior preencher seu plano de aula, lembrando que o plano pode ser elaborado por aula ou por unidade didática. A parte inicial do plano de aula é o cabeçalho. Nessa área, o professor preenche o nome da disciplina, o curso, a série ou semestre, a data em que o plano será executado, o tema da aula ou da unidade didática que está trabalhando, a quantidade de aulas que compõem a unidade didática (se for o caso). Outro dado importante é que o professor pode 58 definir o tema para o plano que está desenvolvendo, isso deixa a aula mais coesa. A partir daí, o professor precisa estabelecer os objetivos gerais que serão trabalhados na aula ou na unidade didática que está preparando. Esses objetivos precisam ser os mesmos apresentados no Plano de Ensino da Disciplina é isso que dá coerência e consistência ao trabalho do professor. É preciso lembrar que os objetivos precisam estar associados ao desenvolvimento de uma competência. Esses objetivos maiores são desmembrados em objetivos secundários, normalmente, associados a conhecimentos, habilidades e atitudes. Figura 3 – Competências – junção de conhecimentos, habilidades