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TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE I. INTRODUÇÃO AO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE II. NEUROPSICOLOGIA DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE III. PSICOFARMACOLOGIA DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE IV. TRATAMENTO CLÍNICO DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE 1.Código de ética De acordo com o Art 1º, item c, é responsabilidade do psicólogo: “prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional”. Dessa forma, uma prática profissional baseada no conhecimento científico é uma responsabilidade ética do psicólogo. A Prática Baseada em Evidências é uma expressão nascida na prática médica e difundida em todas as áreas da saúde. Refere-se ao método de tomada de decisão sobre qual o melhor tratamento para aquele determinado caso. A PBE inclui três componentes essenciais. A expertise clínica é o conjunto de capacidade do terapeuta, como conceitua o caso, sua capacitação para fornecer um determinado tratamento. As características individuais do paciente também precisam ser levadas em consideração. A consulta ao paciente se dá pela apresentação de possibilidades de tratamentos que tem eficácia comprovada em pesquisas atuais e escolha do paciente pela que ele mais se identifica. O último componente se refere a melhor evidência disponível. Esse componente é fundamental, pois a ciência muda constantemente, o que pode ser o melhor tratamento hoje podem mudar amanhã (Leonardi & Meyer, 2015) Saber ler e selecionar as melhores evidências, os estudos com os melhores procedimentos metodológicos é uma das capacitações que o psicólogo deve ter. O psicólogo não precisa ser um pesquisador, mas precisa reconhecer uma boa pesquisa e distingui-la de uma pesquisa com erros metodológicos. Diversos manuais, atualmente, reúnem os resultados das principais pesquisas clínicas para indicar os melhores tratamentos para cada tipo de transtorno. O Manual Clínico de Transtornos Psicológicos (Barlow, 2016) destaca a Terapia Comportamental Dialética como o protocolo que mais mostrou resultados positivos em ensaios clínicos randomizados em comparação a abordagens concorrentes. 2. Teoria TCD A TCD evolui da Terapia Cognitiva-Comportamental como possibilidade de tratamento para pessoas com Transtorno de Personalidade Borderline e adultos com tendências suicidas pela autora Marsha Linehan (2010). A teoria mescla a ciência comportamental com o conceito de mudança, a prática oriental Zen que trabalha a aceitação e a filosofia dialética como uma possibilidade de equilíbrio entre aceitação e mudança. A TCD conceitua o TPB de acordo com a teoria biossocial de Lineham em que se assume que o TPB representa um colapso sistêmico de regulação emocional e predispostos genético-biológicos como vulnerabilidade emocional e/ou derivante da interação indivíduo/ambiente em que o ambiente não proporciona a validação emocional, estão relacionados com a etiologia do transtorno. A dialética na TCD pode ser observada como natureza fundamental da realidade regida em três princípios: Princípio de inter-relação e totalidade em que se vê o sistema e a forma como o indivíduo se relaciona com o todo; o princípio de polaridade em que se admite que dentro de cada coisa isolada ou sistema há polaridades, assim uma tese e uma antítese avançam em busca de uma síntese; e o princípio de mudança contínua em que uma síntese é exposta a novas forças opostas que se direcionam a outras sínteses possíveis em um movimento contínuo de mudança. Como método de tratamento, a dialética busca ajudar o cliente a encontrar uma síntese e abandonar uma verdade absoluta polarizada. Sempre em um movimento contínuo de mudança sempre retomando a questão “o que está ficando de fora da nossa compreensão?”. 3. Metas do tratamento O tratamento na TDC com pacientes portadores do TPB é estruturado em estágios de acordo com seus níveis de transtorno. Barlow (2016) divide a terapêutica em cinco estágios, sendo o primeiro deles um “pré-tratamento”, focado em preparar o paciente para a terapia, dando as orientações e assumindo um compromisso do sujeito com o trabalho terapêutico em busca dos objetivos e, acima de tudo, consigo mesmo. Geralmente, este pré-tratamento ocorre nas primeiras sessões, onde paciente e o terapeuta visam chegar a uma decisão conjunta de trabalharem juntos, além de definirem o ritmo e a magnitude da mudança que podem ser esperadas, elucidando os processos e dúvidas expressadas pelo paciente. A visão dialética/biossocial do TPB também é apresentada. Assim, o paciente e o terapeuta podem seguir juntos para o primeiro estágio, que visa a estabilização do paciente e a obtenção do controle comportamental para conduzir o paciente a um padrão de vida que seja funcional e estável. Para atingir esse objetivo, o terapeuta deve dirigir o tratamento para metas comportamentais em acordo com o paciente. As metas específicas da TDC são: reduzir comportamentos que ameacem a vida (ex: ideação suicida, tentativa de suicídio); reduzir comportamentos que prejudiquem a terapia (ex: atrasos, faltas); e reduzir comportamentos que interfiram na qualidade de vida (ex: abusos de substâncias, transtornos alimentares); e de aumentar as habilidades comportamentais. Além dessas metas, o objetivo de aumentar o comportamento dialético é intrínseco a todas as formas de tratamento na TDC, tarefa que não é fácil no que diz respeito aos pacientes TPB, que costumam pensar de maneira extrema e dicotômica. Já o segundo estágio consiste em substituir o “desespero silencioso” pela experiência emocional não traumática. O desespero silencioso é definido por Linehan como “um sofrimento emocional extremo na presença de controle da ação”. O estágio dois aborda quatro objetivos: lembrar e aceitar os fatos de eventos traumáticos anteriores; reduzir a estigmatização e a autorrecriminação geralmente associadas a invalidação social traumática; reduzir as síndromes de negação oscilante e resposta intrusiva e esclarecer as tensões dialéticas que envolvem culpa por dificuldades anteriores. No terceiro estágio, o foco é adquirir uma regulação nos sentimentos de felicidade ou infelicidade e reduzir os atuais transtornos e problemas da vida. Nesse estágio, o paciente com TPB já fez o trabalho para resolver problemas nos dois estágios anteriores. O objetivo é que o paciente alcance um nível de felicidade e infelicidade regular, assim como um respeito próprio independente. Com esse objetivo, ele pode valorizar, acreditar, confiar e validar a si mesmo. A conquista da autoconfiança por parte do paciente é deveras importante para seu relacionamento com outras pessoas. O estágio final pretende desatar uma sensação de incompletude que possa ser sentida pelo paciente e promover sua liberdade. Os objetivos são a consciência ampliada, a realização espiritual e o movimento rumo a vivenciar o fluxo do que se está fazendo. Para pacientes que se encontram no estágio quatro, a psicoterapia de longo prazo, a orientação às práticas espirituais ou outros tratamentos vivenciais e/ou experiências de vida podem ser úteis. Resumindo, a orientação do tratamento é inicialmente obter controle sobre a ação, depois ajudar o paciente a se sentir melhor, resolver problemas da vida e no transtorno residual e encontrar a liberdade. 4. Técnicas utilizadas A responsabilidade por realizar funções e atingir as metas do tratamento na TCD padrão é distribuída entre vários modos de Barlow (2016) define três modos de tratamento que se constituem em: terapia individual, o treinamento de habilidades e o modo de consultoria/supervisão. A terapia individual compreende o estabelecimento de metas e, em conjunto com o paciente formula estratégias e direciona o tratamento para que todas as metas sejam alcançadas, levando em conta, é claro, os desarranjos no que diz respeito às habilidadescomportamentais e motivacionais do paciente. As sessões são realizadas uma vez por semana, por 50 a 90 minutos, podendo ser realizadas duas sessões semanais em períodos de crise ou no início da terapia. O foco nas sessões é designado pela meta de tratamento que ocupa a posição prioritária naquele momento. Essa prioridade em relação à meta é definida pelo comportamento recente do paciente ou pelo comportamento do mesmo durante a sessão. Com o progresso em uma meta, o terapeuta muda o foco para outra meta de tratamento de acordo com a hierarquia das metas específicas da TCD (já apontadas no tópico anterior). Caso esses comportamentos estiverem ausentes, o paciente é quem estabelece os tópicos a serem discutidos. O foco terapêutico, por sua vez, depende do estágio do tratamento e das habilidades pretendidas a serem aperfeiçoadas. Um instrumento de apoio que pode ser utilizado na terapia é o uso de cartões-diario, que consistem em cartões preenchidos pelo paciente e trazidos às sessões. Os cartões-diários registram exemplos cotidianos de comportamento autolesivo não suicidário (NSSI) ou com tendência suicida, premência de causar dano a si próprio ou de ter comportamentos suicidas, sofrimento psíquico, uso de substâncias e uso de habilidades comportamentais. Outros comportamentos alvo também podem ser registrados no espaço em branco do cartão. O terapeuta deve desenvolver um padrão de sempre revisar o cartão no início de cada sessão. Já o treinamento de habilidades tem como finalidade um conjunto diferente de metas. Este componente do tratamento tem como objetivo a aquisição de habilidades comportamentais. São sessões em grupo semanais para treinamento para treinamento de habilidades, com duas horas ou duas horas e meia de duração, as quais os pacientes devem frequentar no mínimo seis meses. Quando o paciente tiver completado todos os módulos de habilidades duas vezes, a continuidade no treinamento de habilidades é uma questão de preferência pessoal e necessidade. Alguns programas também incluem um grupo de treinamento de habilidades separado para amigos e familiares. O treinamento de habilidades na TCD segue um formato psicoeducativo. As habilidades treinadas são: habilidades fundamentais (consiste em atividades de mindfulness, que refletem a capacidade de vivenciar e observar os próprios pensamentos, emoções e comportamentos sem julgamento e sem tentar mudá-los ou controlá-los); habilidades de tolerância à aflição (sobrevivência em crises e aceitação da realidade); habilidades de regulação das emoções (identificar e nomear os afetos, identificar os obstáculos à mudança das emoções, potencializar resiliência e agir no sentido oposto da emoção); habilidades de eficácia interpessoal (decidir sobre objetivos dentro de situações de conflito); habilidades de automanejo (capacidade de estabelecer objetivos realistas, realizar a própria análise comportamental e implementar planos de administração de contingência). O modo de consultoria/supervisão parte do princípio que o tratamento eficaz do TPB deve dar tanto atenção ao comportamento e à experiência do terapeuta quanto à do paciente. Tratar os pacientes com TPB é muito estressante e permanecer dentro da estrutura terapêutica da TCD pode ser extraordinariamente difícil. Assim, uma parte integrante da terapia é o tratamento do terapeuta. Cada terapeuta deve estar em uma equipe de consultoria com outra pessoa ou com um grupo. As reuniões de consultoria da TCD são semanais e participam delas os terapeutas que estejam atendendo pacientes com TCD. Assim, o modo de consultoria/supervisão visa os comportamentos dos terapeutas. 5. Relação terapêutica Um dos pilares da TDC no tratamento de TPB é a relação terapêutica, sendo uma de suas principais estratégias de tratamento. Trabalhar o vínculo colaborativo entre paciente e terapeuta é essencial para que as metas estabelecidas não acabem ficando comprometidas e difíceis de serem alcançadas. Devido às características do TPB, a relação terapêutica é permeada por particularidades que recebem especial atenção dentro da abordagem da TDC. De acordo com o levantamento bibliográfico realizado por Cavalheiro e Melo (2016), a TCD aponta que o terapeuta deve ser empático e validar os sentimentos do sujeito, expressando que o entende e que está tentando ajudá-lo a compreender que suas respostas emocionais fazem sentido. É importante salientar que validar as emoções do paciente não é o mesmo que aprovar seus comportamentos. Esta tarefa pode ser complicada justamente porque necessita que o terapeuta tenha sensibilidade para perceber o que o paciente está precisando em cada momento. O terapeuta deve possuir a habilidade de ser empático com os sentimentos do paciente e, no caso dos pacientes TPB, validar seus sentimentos pode despontar como uma forma de demonstrar empatia. Além da empatia, outros elementos importantes para a relação terapêutica são a proteção e o cuidado. Há, por parte dos pacientes, uma certa expectativa de que seus terapeutas se apresentem como figuras cuidadosas e/ou de proteção. Entretanto, no caso do TPB, a demanda de cuidado é maior do que em outros transtornos devido à vulnerabilidade emocional acentuada. Dessa forma, alguns comportamentos que são tomados naturalmente pela maioria dos pacientes podem ser vivenciados pelos pacientes com TPB como aniquiladores. De acordo com protocolo de tratamento da TDC, essas situações já devem ser previstas e trabalhadas em sessão com antecedência. A conduta cuidadosa, por parte do terapeuta, que deve fazer parte de qualquer relação terapêutica, no caso de pacientes borderlines, toma proporções muito maiores e exige uma acentuada atenção. Outro ponto importante é a flexibilidade, que deve ser trabalhada pois é característica do TPB uma rigidez cognitiva e pensamentos dicotômicos. A criação de um ambiente flexível é necessária para discutir e resolver os impasses que possam surgir ao longo do tratamento, pois, conflitos que para alguns pacientes poderiam ser resolvidos com naturalidade e tranquilidade, para eles podem demandar mais tempo e energia. Dessa forma, o terapeuta necessita ser ainda mais flexível e versátil para conseguir manejar os impasses que emanam na sessão. V. REFERÊNCIAS Barlow, D. H. (2016). Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo. Artmed Editora. Cavalheiro, C. V., & Melo, W. V. (2016). Relação terapêutica com pacientes borderlines na terapia comportamental dialética. Psicologia em Revista, 22(3), 579-595. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética profissional dos Psicólogos, Resolução 10/05, 2005. Psicologia, ética e direitos humanos. Linehan, M. M., & Costa, R. C. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para transtorno da personalidade Borderline: guia do terapeuta. In Terapia cognitivo-comportamental para transtorno da personalidade Borderline: guia do terapeuta (pp. xii-511). Leonardi, J. L., & Meyer, S. B. (2015). Prática baseada em evidências em psicologia e a história da busca pelas provas empíricas da eficácia das psicoterapias. Psicologia: Ciência e Profissão, 35, 1139-1156.
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