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INFECTOLOGIA Equipe SJT Editora Infectologia. São Paulo: SJT Editora, 2016. ISBN 978-85-8444-099-3 Copyright © SJT Editora 2016 SJT Editora Todos os direitos reservados. Diretor editorial e de arte: Júlio César Batista Diretor acadêmico: Raimundo Araújo Gama Editor de arte: Carlos Renato Projeto gráfico: Rafael Costa Capa: Erick Balbino Pasqua Editoração eletrônica: Ítalo Frediani, Reginaldo Diniz e Thomás Basile Contato com o departamento editorial: editora@sjtresidencia.com.br Contato com o departamento acadêmico: aluno@sjtresidencia.com.br Avenida Paulista, 949 – 9º andar Cerqueira César – São Paulo/SP CEP: 01311-917 Fone: (11) 3382-3000 http://www.sjteducacaomedica.com.br Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. É expressamente proibida a reprodução ou transmissão deste conteúdo, total ou parcial, por quaisquer meios empregados (eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação e outros), sem autorização, por escrito, da Editora. Este material didático contempla as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que vigora no Brasil desde 2009. Apresentação à 16ª edição Apresentamos, à comunidade médica, a mais nova edição do conteúdo didático SJT Preparatório para Residência Médica. Entendemos que nossa função não consiste apenas em prepará-lo(a) para as provas de Residência Médica, mas possibilitar conhecimento e cultura para o desenvolvimento de sua carreira profissional. O corpo docente do SJT, composto por professores das melhores instituições de São Paulo, tem como meta de trabalho fornecer o melhor preparo a você, fazendo com que seus planos se tor- nem realidade, por meio de muito esforço, determinação e vontade. O material didático SJT 2016 está atualizado com as últimas questões dos concursos de Residên- cia Médica de todo o país. Estude com atenção e entusiasmo. Respeite sua agenda, pois aprendizado requer dedicação. O maior responsável pelo seu sucesso é você. Participe regularmente das atividades do site – o me- lhor programa on-line de atividades acadêmicas. Estamos juntos neste objetivo: Residência Médica 2017! O contato com o departamento acadêmico deverá ser feito pelo email: aluno@sjtresidencia.com.br. Você será Residente em 2017! un i verso sjt online www.sjteducacaomedica.com.br Login CPF sem pontos e traço. 4 primeiros números do CPF. Relação de cursos SJT. Encontre o seu. Meu perfil Calendário com atividades, agenda de aulas, atualizações, eventos, etc. Novidades Notícias atualizadas sobre os temas dos cursos. Meu perfil Perfil do aluno, informações sobre aces- so, atividades, notas, etc. Mensagens: Por aqui o aluno poderá trocar mensagens com professores, tutores e colegas de curso. Curso atual Nesta opção você poderá encontrar to- dos os participantes do curso e navegar pe- los temas que serão abordados no mesmo. Meus cursos Caso você esteja matriculado em mais de um curso, poderá acessá-los por aqui. 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...................................................................................................................................................... 74 6 Dengue ................................................................................................................................................................. 80 7 Febre amarela ................................................................................................................................................. 86 8 Hepatites virais .................................................................................................................................................92 9 Mononucleose infecciosa .....................................................................................................................116 10 Citomegalovirose .........................................................................................................................................122 11 Febre tifoide .....................................................................................................................................................126 12 Rubéola .............................................................................................................................................................. 130 13 Sífilis .......................................................................................................................................................................133 14 Toxoplasmose ................................................................................................................................................139 15 Doença de chagas ..................................................................................................................................... 146 16 Esquistossomose ........................................................................................................................................ 150 17 Leishmaniose visceral .......................................................................................................................................153 18 Paracoccidioidomicose ...................................................................................................................................161 19 Infecção pelo HIV................................................................................................................................................. 165 20 Doenças neurológicas e aids.............................................................................................................. 191 21 Doenças gastrointestinais e aids.....................................................................................................204 22 Manifestações dermatológicas em aids .................................................................................... 211 23 Alterações hematológicas e aids ....................................................................................................218 24 Manifestações oftalmológicas e aids .......................................................................................... 223 25 Pneumocistose .............................................................................................................................................226 26 Histoplasmose ...............................................................................................................................................231 27 Piomiosite tropical ......................................................................................................................................23628 Erisipeloide ......................................................................................................................................................239 29 Doenças sexualmente transmissíveis .........................................................................................240 30 Tuberculose ....................................................................................................................................................249 31 Hanseníase ......................................................................................................................................................268 Caderno de imagens Figura 4.2 Mosquito anófeles de hábito noturno responsável pela transmissão da malária. Figura 4.4 Parasitas intraeritrocitários volumosos detectados em um paciente portador de malária por P. falciparum. A B C FED Figura 4.5 Esfregaço finos de Plasmodium falciparum. A: Trofozoítos jovens. B: Trofozoítos maduros. C: Pigmento em células polimorfonucleares e trofozoítos. D: Esquizontes maduros. E: Gametócitos femininos. F: Gametócitos masculinos. A B C Figura 4.6 Esfregaços espessos de Plasmodium vivax. A: Trofozoítos. B: Esquizontes. C: Gametócitos. A B C Figura 4.7 Esfregaços espessos de Plasmodium malarie. A: Trofozoítos. B: Esquizontes. C: Gametócitos. 10 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 Distribuição do Aedes aegypti Mapa mundial Área infestada Oceano Pacífico Oceano Pacífico Oceano Índico Oceano Atlântico (norte) América do Norte América do Central América do Sul África Europa Ásia Oceano Atlântico (sul) Figura 6.1 Figura 7.2 Casos reportados pela OMS entre 1990 e 1999. As aréas dentro dos círculos vermelhos representam as regiões endêmicas da doença 11 Atlas SJT Residência Médica – 2016 © Figura 7.3 Mapa da situação da febre amarela no Brasil Figura 8.2 Estrutura do HVB. 12 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 Figura 9.2 Mononucleose infecciosa. Numerosas hemorra- gias petequiais são vistas no palato duro. Em muitos pacientes há também uma amigdalite, indistinguível daquela vista na far- ingite estreptocócica aguda. Figura 9.3 A erupção na mononucleose infecciosa pode ser resultado da própria infecção, como neste caso. A erupção mac- ulopapular usualmente emerge durante a segunda semana de doença, e é muitas vezes indistinguível daquela da rubéola. Figura 8.7 Vírus da he patite C (VHC); podemos ver o enve- lope em cas tanho, em azul o nucleocapsídio e em vermelho o RNA. Figura 9.1 Distensão de sangue periférico na mononucleose infeccio sa mostrando linfócitos atípicos (virócitos): A: células pleomórficas, com citoplasma abundante, sendo que a maior delas tem citoplasma vacuolizado moderadamente basófilo e nú cleo lobulado com um nucléolo; B: um pequeno linfócito normal e um linfócito atípico com citoplasma vo lumoso e bor- das recortadas. 13 Atlas SJT Residência Médica – 2016 Figura 9.4 As erupções na mononucleose infecciosa são mais comumente causadas pela administração de ampicilina ou compostos correlatos de penicilina (estes são muitas vezes administrados no início da doença, na presunção de que o pa- ciente tem faringite bacteriana). Erupções com a ampicilina ocorrem mais comumente em pacientes com mononucleose infecciosa que em outros pacientes, de modo que o apareci- mento deste tipo de erupção em um paciente com sintomas típicos aponta fortemente para o diagnóstico de mononu- cleose infecciosa. Figura 13.1 Sífilis primária: cancro duro. Figura 13.2 Sífilis secundário: Roséolas sifilíticas. Figura 13.3 Sífilis secundário: Roséolas sifilíticas. Figura 17.1 Amastigotas (o estágio tecidual dos parasitos do gênero Leishmânia) em um esfregaço corado pelo Giemsa de te- cido de um paciente com Leishmaniose cutânea. Os amastigotas são ovalados e medem cerca de 2 a 4 µm de comprimento. Suas organelas internas incluem um núcleo (seta grossa) e um cineto- plasto em forma de bastão (seta fina). Deve-se visualizar em par- ticular o cinetoplasto, uma estrutura mitocondrial que contém DNA extranuclear. É provável que os amastigotas extracelulares tenham sido liberados de macrófagos durante a manipulação da amostra. Ampliado 1.000 vezes, imagem obtida com objetiva de 100 vezes em imersão em óleo. 14 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 Figura 17.2 Fase aguda: paciente com Leishmaniose Vis- ceral. Figura 17.3 Leishmaniose visceral clássica: hepatoesple- nomegalia e desnutrição. Figura 16.4 A: esplenomegalia maciça em um menino de 18 meses com Leishmaniose visceral. B: Leishmaniose cutâ- nea pós-calazar em um paciente que tinha sido tratado de Leishmaniose visceral 2 anos antes. O paciente foi completa- mente curado por terapia adicional. C: Leishmaniose cutânea. Esta lesão na face de uma mulher da Índia ocidental resultou de infecção por Leishmania trópica. Este parasita muitas vezes produz uma lesão única seca, que representa uma resposta granulomatosa à infecção inicial. A lesão pode curar-se espon- taneamente, e pode às vezes ser tratada por crioterapia, mas a terapia sistêmica com sais antimoniais é muitas vezes neces- sária para tratamento definitivo. Figura 17.1 Distribuição geográfica da paracoccidioidomi- cose. Fonte: Consenso Barsileiro de Paracoco. 15 Atlas SJT Residência Médica – 2016 Caribe 230.000 Sul e Sudeste da Ásia 4.000.000 América do Norte 1.300.000 América Latina 1.600.000 Europa Ocidental 760.000 Oriente Médio & Norte da África 380.000 África Sub-Saara 22.500.000 Europa Oriental & Ásia Central 1.600.000 Ásia Oriental 800.000 Oceania 75.000 Figura 1.1 Número estimado de adultos e crianças vivendo com infecção pelo HIV – dezembro de 2007. 50.000 450.000 50.000 100.000 400.000 SE Ásia: 2,3 milhões SS África: 9,5 milhões 5.000 Total: 13 milhões Figura 1.2 Estimativa da distribuição de adultos infectados com HIV e M. tuberculosis. Atualmente a prevalência global de Aids no mundo é de 0,8%. HTLV-I gp46 p21 p15 p14 p95 p19 p24 9kb SU TM NC PR RT IN MA CA RNA gp120 gp41 p7 p10 p66 p32 p17 p24 10kb HIV-1 Figura 1.7 Ilustração esquemática da estrutura dos retrovírus humanos. A glícoproteína de superfície (SU) é responsável pela ligação aos receptores das células hospedeiras. A proteína transmembrana (TM) ancora a SU ao vírus. A NC é uma proteína de ligação dos ácidos nucleicos encontrada em associação com o RNA viral. Uma protease (PR) diva as poliproteínas codificadas pelos genes gag, pol e env para gerar seus componentes funcionais. RT é a transcriptase reversa e IN é uma integrase presente em alguns retrovírus (exemplo: HIV-1), que facilita a in serção do provírus no genoma do hospedeiro. A proteína matricial (MA) é uma proteína Gag diretamente associada ao lipídio do envoltório. A proteína capsídica (CA) constitui a estrutura interna predominante do vírus, também conhecida como cápsula nuclear. 16 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 gp41 Membrana lipídica Transcriptase reversa gp120 Matriz Capsídio Figura 1.8 Estrutura do HIV-1, incluindo a membrana ex- terna de gp120, os componentes transmembrânicos gp41 do envoltório, o RNA genômico, a enzima transcriptase re- versa, a membrana interna p18(17) (matriz) e a proteína do cerne p24 (capsídio). Figura 4.1 Leucoplasia oral pilosa. É uma manifestação da in- fecção pelo vírus Epstein-Barr em indivíduos infectados pelo HIV. Figura 4.2 Sarcoma de Kaposi. Figura 4.3 Verrugas vulgares em homem infectado pelo HIV. Figura 4.4 Candida albicans em um paciente infecta- do pelo HIV. Figura 4.5 Sarcoma de Kaposi. 17 Atlas SJT Residência Médica – 2016 Figura 4.6 Herpes-Zóster. Figura 4.7 Síndrome lipodistrófica: Giba. Figura 7.3 Pneumocystis jiroveci. Figura 11.1 A e B: condiloma acuminado. Figura 11.2 Linfogranuloma venéreo. 18 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 Figura 11.3 Molusco contagioso. Figura 11.4 A e B: cancroide. Figura 11.5 Granuloma inguinal. Figura 12.1 Linfonodomegaliascom sinais 19 Atlas SJT Residência Médica – 2016 flogísticos. Figura 13.2 Hanseníase tuberculoide. Figura 13.3 Hanseníase lepromatosa, hiperpigmentação por clofazimia. Figura 13.4 Hanseníase lepromatosa, múltiplas pápulas e nódulos. Figura 13.5 Hanseníase lepromatosa, aumento de volume do lóbulo da orelha. Figura 13.6 Hanseníase lepromatosa com colapso 20 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 do dorso no nariz. Figura 13.7 Fácies lepromatosa. Hanseníase Virchowiana. Figura 13.8 Eritema nodoso leproso. Figura 13.9 Fenômeno de Lúcio, lesões bolhosas iniciais. 21 Atlas SJT Residência Médica – 2016 CAPÍTULOCAPÍTULO Introdução às doenças infecciosas 1 Febre versus hipertermia Febre e hipertermia têm conceitos diferentes. A febre implica um hipotálamo funcionante, que eleva a temperatura corporal em resposta a um estado de agressão orgânica. Respeita, portanto, os limites má- ximos do set-point hipotalâmico (41ºC ou 42oC). Eventos necessários à indução da febre Infecção, toxinas microbianas, mediadores da in�amação, reações imunes Monócitos/macrófagos, células endoteliais, outros Circulação Endotélio hipotalâmico AMP cíclico FebreToxinas microbianas Conservação de calor, produção de calor Elevação do ponto de ajuste termorregulador PGE2Citocinas pirogênicas IL-1, IL-6, FNT, IFN Figura 1.1 Cronologia dos eventos necessários à in- dução da febre. AMP: 5’-monofosfato de adenosina; IFN: interferona; IL: interleucina; PGE2: prostaglandina E2; FNT: fator de necrose tumoral. A hipertermia implica uma falência do hipotálamo em manter a temperatura corporal em níveis normais, sendo observada em várias situações clínicas como por exemplo hipertermia exercional e hipertermia maligna. Causas das síndromes de hipertermia Intermação Por esforço: exercícios em ambientes com calor e/ou umidade acima do normal Sem esforço: anticolinérgicos, incluindo anti-histamí- nicos; fármacos antiparkinsonianos: diuréticos; feno- tiazínicos Hipertermia induzida por fármacos Anfetaminas, cocaína, fenciclidina (PCP), metilenodio- ximetanfetamina (MDMA; ecstasy), ácido lisérgico-die- tilamida (LSD), salicilatos, lítio, anticolinérgicos, sim- paticomiméticos Síndrome neuroléptica maligna Fenotiazinas; butirofenonas, incluindo haloperidol e bromperidol; fluoxetina; loxapina; dibenzodiazepíni- cos tricíclicos; metoclopramida; domperidona; tiotixe- no; molindona; retirada de agentes dopaminérgicos Síndrome da serotonina Inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), inibidores da monoaminoxidase (IMAO), antidepressi- vos tricíclicos Hipertermia maligna Anestésicos inalantes, succinilcolina Endocrinopatia Tireotoxicose, feocromocitoma Lesão no sistema nervoso central Hemorragia cerebral, estado de mal epiléptico, lesão hipotalâmica Tabela 1.1 Etiologias infecciosas e não infecciosas Considerar etiologias não infecciosas para a febre: � Conectivopatias (lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide etc.); � Neoplasias (linfomas, carcinoma de células re- nais etc.); � Drogas (anfotericina B, vancomicina, antide- pressivos tricíclicos, penicilina, fenitoína, alo- purinol, vitamina C etc.); � Desordens inflamatório-imunológicas (reações de hipersensibilidade); � Hemorragias (retroperitoneal, aracnoidea); � Desordens metabólicas (abstinência alcoólica); � Doença tromboembólica (tromboembolismo pulmonar); � Trauma e lesões teciduais (pancreatite, infartos). Magnitude da febre A magnitude da febre não diferencia etiologias infecciosas e não infecciosas. � A tuberculose, por exemplo, costuma cursar com febre baixa. A magnitude da febre não diferencia o grau de gravidade da doença em questão. � Difteria (grave e letal): febre baixa e insidiosa. � Angina estreptocócica (menos grave): febre alta. A hipotermia (temperatura retal abaixo de 36ºC) é um sinal, no mínimo, equivalente à febre, se não car- regado de pior prognóstico. A homeostase termorregulatória pode estar comprometida em determinadas situações clínicas, nas quais a febre pode NÃO aparecer: � uso de drogas (anti-inflamatórios não hormo- nais, corticosteroides, imunossupressores); � extremos de idade (idosos e neonatos); � pacientes com insuficiências orgânicas (renal e hepática). Resposta a antipiréticos Na hipertermia há resposta pobre a antipiréti- cos, diferente do que se observa na febre. Tentativas de redução do ponto de ajuste hipotalâ- mico normal têm pouca utilidade. O resfriamento físico com esponjas úmidas, ventiladores, mantas resfriadoras e até mesmo banhos de gelo deve ser iniciado imediata- mente, combinado com a administração de líquidos IV e fármacos apropriados. Caso o resfriamento externo não consiga abaixar suficientemente a temperatura, o res- friamento interno pode ser realizado por lavagem gástri- ca ou peritonial com soro fisiológico gelado. Nos casos extremos, podem-se realizar hemodiálise ou mesmo cir- culação extracorpórea com resfriamento do sangue. A hipertermia maligna deve ser tratada ime- diatamente por interrupção da anestesia e adminis- tração por via intravenosa do dantroleno sódico. A dose recomendada para esse fármaco é de 1 a 2,5 mg/ kg administrados por via intravenosa a cada 6 horas, durante no mínimo 24 a 48 horas – até que o paciente possa usar a preparação oral, se ainda for necessário. A procainamida também deve ser administrada aos pacientes com hipertermia maligna, tendo em vista a possibilidade de fibrilação ventricular nessa síndro- me. O dantroleno em doses semelhantes é indicado no tratamento da síndrome neuroléptica maligna e da hipertermia medicamentosa e ainda pode ser eficaz na hipertermia da síndrome de serotonina e da tireotoxi- cose. A síndrome neuroléptica maligna também pode ser tratada com bromocriptina, levodopa, amantadina ou nifedipina, ou por indução de paralisia muscular com curare e pancurônio. A overdose de antidepressi- vos tricíclicos pode ser tratada com fisostigmina. Resposta ao naproxeno: � A não resposta ao naproxeno, inibidor de pros- taglandinas, indicaria febres de origem infec- ciosa aguda. � A resposta sugeriria etiologia inflamatória (tu- mores, conectivopatias etc.) ou doenças infec- ciosas mais crônicas, como a tuberculose. � Nem sempre é verdade; cautela na interpretação. Padrão da febre (curva febril) Algumas doenças assumem padrões clássicos de curva febril. Isso não quer dizer que sempre se com- portem assim, nem que estes padrões sejam patogno- mônicos destas doenças; Malária: após o PP, em que a febre é inespecífica (ver capítulo correspondente), as malárias passam a ciclar (acessos palúdicos típicos). Os acessos palúdicos passam a ocorrer tipicamente a cada dois dias (dia sim, dia não, dia sim – febre terçã) nas malárias por P. vivax e P. falciparum, ou a cada três dias (dia sim, dia não, dia não, dia sim – febre quartã). 23 1 Introdução às doenças infecciosas SJT Residência Médica – 2016 Há doenças de comportamento febril bifásico, como a febre amarela (forma clássica), a poliomielite e a leptos- pirose (forma meníngea) - ver capítulos correspondentes. PP febril e inespecífico de dias, ao qual se segue um período afebril de horas ou dias. Em seguida, rea- parecem a febre e os sintomas no PE (insuficiência he- pática aguda na febre amarela, meningite na leptospi- rose e paralisias flácidas assimétricas na poliomielite). A febre tifoide (febre tifoide) exibe um padrão febril característico. A febre é escalariforme (ascende um pouco a cada dia, como se subisse degraus) no PP, chegando a um platô após uma semana. Doenças agudas abscedadas tendem a produzir curvas febris com picos altos, sintomáticos e cíclicos em frequências relativamente regulares. Doenças crônicas podem também exibir padrões distintos de curva febril. A Leishmaniose visceral (calazar) tem um padrão caótico. A febre vem em cer- tos dias e desaparece em outros. Atenção para o início do quadro febril: algumas doenças, como as leptospi-roses, são famosas pelo seu início súbito, enquanto outras doenças, ao contrário, têm como regra quadros febris insidiosos (febre tifoide e a difteria). É conveniente lembrar que as curvas febris po- dem modificar-se substancialmente com o uso de an- tipiréticos. Cronicidade da febre A duração do quadro febril é um dos fatores mais importantes. É um divisor de águas ao se considera- rem hipóteses etiológicas: agudas ou crônicas. Algumas febres crônicas são classificadas como de origem indeterminada (FOI). São febres (geralmen- te superiores a 38,3ºC) em várias ocasiões, por pelo menos três semanas, sem um diagnóstico estabele- cido, apesar de as investigações serem pertinentes por pelo menos uma semana. Antecedentes pessoais do paciente febril Levar em conta os antecedentes pessoais do pa- ciente. A febre em um paciente esplenectomizado é um sinal/sintoma de um quadro de potencial evolução gra- ve e rápida. Frequentemente estará associado a bacte- riemias por germes capsulados, como o pneumococo. Pacientes neutropênicos febris são uma emer- gência médica. São merecedores de terapia antibió- tica empírica e deixarão poucas pistas propedêuticas de onde seus focos infecciosos localizam-se. Apontam para etiologias variadas, como bacilos Gram-negativos (que devem ser cobertos rapidamente), seguidos de estafilococos, leveduras e vírus. Há padrões infecciosos peculiares a pacientes com insuficiência hepática crônica, insuficiência renal crôni- ca, síndrome nefrótica, insuficiência adrenal, diabete, anemias hemolíticas, gestação, etilismo, uso endoveno- so de drogas ilícitas, infecção pelo HIV/AIDS etc. História ocupacional A ocupação profissional dos pacientes é relevan- te. Profissionais de saúde estarão mais propensos a doenças como a tuberculose e a hepatite B. Febre em veterinários deve prever doenças geral- mente raras na população geral, como o carbúnculo e a brucelose. Profissionais que têm contato com águas para- das, como recolhedores de lixo e técnicos de linhas te- lefônicas, podem expor-se à leptospirose mesmo fora de períodos sazonais de surtos. História de imunizações, profilaxias e uso de fármacos História de imunizações prévias ajuda a afastar, ainda que nem sempre definitivamente, algumas pos- sibilidades etiológicas. Se o uso de imunobiológicos (soros e vacinas) deu-se mais recentemente, deve-se ainda atentar para a possibilidade de o quadro febril ser consequente a este uso: vacinas têm efeitos adversos febris. Podem produzir quadros clínicos pós-vacinais com manifes- tações artropáticas e mesmo neurológicas. Soros produzem complicações febris precoces (reações anafiláticas) e mais tardias (doença do soro). Fármacos podem dar febre, como a vancomicina, penicilinas, fenitoína, alopurinol entre outros (Tabela 1.3). Quadros febris admissionais versus hospitalares Quando se trata de etiologia infecciosa, os agen- tes infecciosos em um e outro caso são bastante di- ferentes, tanto em natureza quanto em sensibilidade aos antimicrobianos. Pneumonias admissionais (de comunidade), em adul- tos, tenderão a ser pneumocócicas, enquanto pneumonias hospitalares costumam estar associadas a bacilos Gram- -negativos (incluindo as Pseudomonas) e Estafilococos. Nos quadros febris hospitalares, algumas ques- tões propedêuticas são importantes, como a presença de cateteres de longa duração, sondas e procedimen- tos (cirurgias, paracenteses e diálise). 24 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 Surtos e epidemias Atenção para surtos e epidemias que estejam ocorrendo. Pode-se suspeitar de doenças de evolução potencialmente grave ao menor sinal de adoecimento, mesmo que o paciente febril encontre-se ainda no está- gio indiferenciado prodrômico da doença em questão. Diante de um surto de meningite meningocóci- ca, o médico em ambiente de pronto atendimento ou pronto-socorro será sempre mais cuidadoso antes de dispensar um paciente. Durante um surto sazonal de leptospiroses, qua- dros gripais inespecíficos podem ser investigados mais profundamente. Viagens: febre no viajante Cerca de 50% das febres em pacientes viajantes são atribuíveis a doenças habituais, de distribuição ubíqua, como infecções respiratórias, diarreias, doenças sexual- mente transmissíveis e infecções do trato urinário. O episódio da viagem e a mudança de hábitos e meio ambiente que ela impõe ao viajante seguramente determinam ou contribuem para o aparecimento des- tas doenças, já que a exposição a agentes infecciosos pode ser mais fácil na viagem do que em casa. Outros 25% dos quadros febris persistem nas casuísticas como quadros indeterminados que acabam por desaparecer. O restante dos pacientes febris terão doenças di- retamente relacionadas às regiões que visitaram. En- tre estas doenças encontram-se a malária, a dengue e a febre tifoide, entre outras. A evolução temporal dos sinais e sintomas em re- lação à viagem é de extrema importância. Considerações sobre os períodos de incubação (PI) das doenças chegam a descartar possibilidades diagnósticas neste contexto. Há doenças de PI tipicamente ultracurtos (3 a 5 dias), como a febre amarela. Nestes casos, o paciente acaba de voltar de viagem ou adoece durante a viagem e retorna pelo adoecimento. Doenças de PI curtos (7 a 10 dias) como a febre tifoide e a leptospirose necessitam de viagens recentes. Outras doenças têm PI intermediário (2 a 3 se- manas), como a malária e a infecção aguda pelo HIV. PI longos são vistos com a hepatite A (1 mês) e a esquistossomose aguda. PI ultralongos com a hepatite B (4 a 6 meses) e a Leishmaniose visceral. Sempre descartar a possibilidade de malária em um viajante febril, independentemente de o quadro febril ser típico ou não. Diferenciar sinais e sintomas não específicos (SIRS) daqueles mais relevantes A febre faz parte de uma resposta padronizada do paciente a uma agressão. Outros sinais e sintomas de SIRS podem e cos- tumam estar presentes nos pacientes febris. Pela sua inespecificidade, acrescentam pouco à propedêutica do paciente. Existem ainda sinais e sintomas decorrentes da própria febre que devem ser valorizados com cuidado. Como aumenta as perdas insensíveis de fluidos, a fe- bre pode trazer consigo sinais e sintomas de desidra- tação, urina escurecida e hipotensão. Quadros febris podem vir rotineiramente acom- panhados de cefaleia, mialgia, artralgia, confusão men- tal e mesmo convulsões, principalmente nas crianças. É preciso discernir estes sinais e sintomas ines- pecíficos daqueles que acompanham, por exemplo, as meningites (cefaleia), a doença de Weill (mialgia), co- nectivopatias (artralgias) e as encefalites (convulsões). Fases da doença aguda Doenças infecciosas agudas geralmente têm uma evolução temporal (timing) característica; Período de incubação (PI): sem nenhum sintoma. Período prodrômico (PP), quando sinais e sin- tomas aparecem. � Estes sinais e sintomas são, por definição, ines- pecíficos e não lançam luz sobre a etiologia da doença em questão; � São de natureza geral e podem ser bastante intensos; � Febre, mialgias difusas, artralgias, cefaleia, su- dorese, prostração, anorexia entre outros. � Geralmente, estes sinais e sintomas derivam diretamente do quadro de SIRS em que o orga- nismo se coloca (ver capítulo correspondente). Período de estado (PE): aparecem sinais e sin- tomas que caracterizam a doença em questão. � No sarampo e na rubéola, por exemplo, aparece o exantema; 25 1 Introdução às doenças infecciosas SJT Residência Médica – 2016 � Nas hepatites agudas, a icterícia; � Na doença de Weil, a disfunção de múltiplos ór- gãos hemorrágica e ictérica; � Na febre amarela clássica, a insuficiência hepá- tica fulminante. Período de convalescença (PC): há doenças em que há um período de melhora entre PP e PE: as doenças bifásicas. Há doenças que evoluem do PP para o PC, sem um PE: são chamadas de doença oligossintomáticas Abordagem inicial HDA O HDA é talvez o mais importante instrumentona avaliação de pacientes febris. É bastante sensível, mais do que a maioria dos exames laboratoriais. Exame físico (EF) Também o EF deve ser o mais completo possível nos pacientes febris. Consegue-se, desta maneira, detectar a origem de alguns quadros febris caprichosos, como abscessos periapicais (dentes), doenças perianais, coriorretinites e epididimo-orquites, entre outros. Ainda no exame fí- sico podemos detectar sinais bastante esclarecedores, como exantema, enantema, adenopatia, hepatoesple- nomegalia, ou icterícia, da mesma que detectam sinais classicamente patognomônicos de doenças, como o si- nal de Koplik (sarampo). Sindromizar o paciente febril Significa alocar relevância a cada um dos sinais e sin- tomas já obtidos e reorganizá-los em conjuntos maiores, que façam sentido diante do quadro febril do paciente. Estes conjuntos maiores são quadros sindrômi- cos, que passam a representar a doença do paciente em questão; Com esta sindromização é possível alargar o diagnóstico diferencial, procurando alternativas diag- nósticas que se encaixem mais adequadamente ao quadro do paciente. São exemplos de grandes síndromes: � As febres com exantema (rubéola, saram- po, enteroviroses, dengue, meningococcemia, escarlatina, febre tifoide, reação a droga, lues, rickettsioses etc.); � As febres com adenopatia aguda (mononu- cleose e doenças símiles, infecção aguda pelo HIV, rubéola, Chagas agudo, lues secundária, doença de Still etc.); � As febres com adenopatia crônica (tubercu- lose, linfomas etc.); � As febres com hepatoesplenomegalia agu- da (malária, febre tifoide, esquistossomose aguda, endocardite bacteriana etc.); � As febres com hepatoesplenomegalia crôni- ca (Leishmaniose visceral, histoplasmose disse- minada, leucemia, hepatopatias crônicas etc.); � As febres com icterícia (Weil, febre amarela, anemias hemolíticas, colangites, hepatites etc.). Hemograma O padrão leucocitário no hemograma é um parâ- metro indicativo, ainda que não completamente especí- fico, da direção do diagnóstico diferencial a ser seguido. Hemogramas com leucocitose, aneosinofilia e desvio à esquerda sugerem doenças por bactérias Gram-negativas, entre elas a febre tifoide. Leucocitose com linfocitose e presença de linfócitos atípicos chama atenção para as doenças mononucleose-símiles. Eosinofilias notáveis trazem à mente quadros alérgicos, paracoccidioidomicose juvenil e quadros helmínticos (esquistossomose aguda, toxocaríase, síndrome de Löeffler) e vasculite sistêmica (síndrome de Chürg-Straüss). Hemogramas leucopênicos e neutropênicos su- gerem quadros de gravidade e apontam para a necessi- dade de intervenção antibiótica empírica. Linfopenias podem estar associadas a conectivopatias em atividade e síndrome de imunodeficiência adquirida. Febre de origem indeterminada (FOI) Febres prolongadas de origem obscura (FOI) repre- sentam 1 a 8% das doenças febris dos que procuram os hospitais gerais, participação muito menor quando se considera os atendimentos em ní vel primário ou secun- dário. Apesar do progresso da medicina, constituem um dos maiores desafios para o clínico, e até hoje um número considerável de ca sos fica sem esclarecimento. Conceito Em 1961, Petersdorf e Beeson definiram febre de origem obscura (FOI) como aquela de intensida- de maior do que 38,3°C, aferida em várias ocasiões, com duração de, pelo menos, três semanas e sem diagnós tico após sete dias de investigação hospita- lar. Esse conceito teve o grande mérito de permitir a compara ção de inúmeros trabalhos sobre a FOI nos 42 anos que se seguiram. A análise crítica dessa definição 26 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 ao longo dos anos motivou adaptações, inicialmente fei tas pelos próprios autores. Atualmente, pode-se dizer que as FOIs são caracterizadas por uma febre de existência indiscutível, de duração mínima de três se manas, com um quadro clínico inconcluso e que per manece sem diagnóstico após a realização dos exames e procedimentos indicados inicialmente para aquele caso particular. Esse rótulo é provisório, posto que as doenças febris são muito dinâmicas e o esclarecimento é feito porque novos sinais, sintomas ou alterações la boratoriais desenvolvem-se. Etiologia As infecções determinam entre 25 e 52% dos casos de FOI, e a ocorrência é maior nos estudos pe- diátricos e nos de países em desenvolvimento. A tuberculose (TB) é a causa mais frequente de FOI na maioria das séries publicadas. Predominam as formas miliar e extrapulmonar em geral. São mais rela- tadas em pacientes com HIV, na raça negra, em mulhe- res, idosos, diabéticos, alcoóla tras e desnutridos, embora possam ocorrer em in divíduos sem problemas prévios aparentes. A TB miliar torna-se um diagnóstico mais difí- cil quando faltam as alterações pulmonares sugestivas na radio grafia do tórax e quando imitam doenças hematoló- gicas e colagenoses. Nos idosos, tende a ser mais atípica clinicamente quando comparada aos jovens. Pode-se apresentar, após o uso de corticoides, como consequência da imunossupressão produzida. A VHS costuma ser elevada. As radiografias seriadas do tó rax podem mostrar infiltrados progressivos ou adenomegalias mediastinais de aumento lento, de- tectáveis somente quando se comparam as diferentes radio grafias. O PPD é positivo em somente 50% dos en- fermos com TB com FOI, comportamento esperado na TB miliar. O encontro do bacilo em es carro ou lavado broncoalveolar nesses pacientes ocor re em 25 a 50% dos casos; a cultura tem positividade maior, porém, apesar dos avanços, ain da é demorada na maioria dos centros que não dis põem de sistemas automatizados. As biópsias de pulmão e hepática exibem granulomas em 80 a 90% dos casos de TB miliar; cerca de metade deles mos tram BAAR e necrose de caseificação. A bióp- sia de medula óssea mostra granulomas em metade dos pa cientes; esses números aumentam se o enfermo ti- ver anemia, leucopenia e monocitose, achados comuns no hemograma TB miliar. Todo material retirado por biópsia deve ser estudado bacteriologicamente e cul- tivado. O PCR pode ser útil em alguns casos de FOI. Infelizmente, várias referências relatam casos só diag- nosticados em necropsia. Nas fases iniciais dos casos de TB extrapulmonar, a doença pode manifestar-se, durante semanas ou meses, apenas com febre, até sur- girem sinais de localização que a denunciem. As topo- grafias mais frequentes são renal, ganglionar, hepática, esplênica, intestinal, do sistema nervoso, pericárdica e ginecológica; correspondem a cerca de 15% dos casos notificados de TB em alguns países. A TB pulmonar ha- bitualmente não frequenta as séries de FOI, porque a radiografia de tórax deve fazer parte de qualquer inves- tigação inicial de doença febril de causa não evidente. Etiologias da FOI Infecções (25 a 52%) Tuberculose extrapulmonar, tuberculose miliar, absces- sos abdominais, abscessos pélvicos, vírus Epstein-Barr, infecções das vias biliares, paracoccidioidomicose, osteo- mielites, citomegalovírus, infecção urinária, endocardite infecciosa, otite, sinusite, prostatite, outros abscessos, histoplasmose, esquistossomose, abscesso dentário, to- xoplasmose, infecções dentárias, doença de Chagas, fe- bre tifoide, malária, calazar, colangite, brucelose, HIV, criptococose, enterobacteriose septicêmica prolongada Neoplasias (2 a 33%) Linfoma Hodgkin, linfomas não Hodgkin, hepatomas, car- cinomatose, leucoses, tumores do cólon, tumores do apa- relho digestório, linfadenopatia imunoblástica, hipeme- froma, mixoma atrial, tumor de Wilms, retinobiastoma Doenças inflamatórias não infecciosas (4 a 35%) Doença de Still com início na idade adulta, lúpus eri- tematoso sistêmico, polimialgia reumática, febre reu- mática, artrite reumatoide, arterite de células gigantes, doença de Wegener, poliarterite nodosa, outras vascu- lites, doença inflamatória intestinal, sarcoidose, hepa- tite granulomatosa Miscelânea (3 a 31%) Febre por drogas, febre factícia, febre doMediterrâneo, trombose venosa profunda e embolia pulmonar, tireoidite subaguda, cirrose, hematomas, hipertireoidismo, hiper- termia habitual, hepatite alcoólica, síndrome de Reiter, síndrome de Sweet, síndrome hiper IgD, síndrome de Ka- wasaki, síndrome de Kikuchi, doença de Castleman, ane- mias hemolíticas, febre psicogênica Sem diagnóstico (3 a 33%) Tabela 1.2 Agentes selecionados associados à febre medicamentosa Comuns Menos comuns Antimicrobianos Anfotericina B Betalactâmicos Sulfonamidas Clindamicina Fluoroquinolonas Rifampicina Cardiovasculares Procainamida Quinidina Diltiazem Hidralazina Sistema nervoso central Carbamazepina Fenitoína Haloperidol Inibidores da recaptação da serotonina Diversos Bleomicina Interferon-α Interleucina-2 Alopurinol Cimetidina Halotano Tabela 1.3 27 1 Introdução às doenças infecciosas SJT Residência Médica – 2016 Abordagem de um paciente com FOI Abordagem inicial (1): � Constatação da existência da febre e suas características semióticas; história minuciosa e completa repetida por um ou- tro médico se houver dúvidas; exame físico detalhado e repetido sistematicamente durante a evolução; pareceres espe- cializados se for o caso; assegurar que a rotina inteligente de exames para o caso foi executada, incluindo a radiografia do tórax; suspender todos os medicamentos possíveis e trocar para outro grupo químico os que não puderem ser suspensos Investigação laboratorial básica ou mínima para a FOI sem indícios iniciais (2): � Hemograma completo, plaquetometria, VHS � Bioquímica: aminotransferases, bilirrubinas, fosfatase alcalina, ureia, creatinina, glicemia, DLH, CPK, proteínas totais e frações, cálcio e fósforo; TSH, T4; PSA � Parasitológico de fezes, pesquisa de sangue oculto nas fezes � Urina EAS; Urinocultura com contagem de colônias � Hemoculturas de três amostras: aeróbios, anaeróbios e fungos � Pesquisa de ANA e fator reumatoide � Sorologia para HIV, CMV, toxoplasmose e vírus de Epstein-Barr � Ecocardiografia transtorácica e transesofágica � US abdominal e pélvica; TC do abdome, pélvis e tórax; Doppler de membros inferiores � Scan com radionuclídeos, principalmente gálio Investigação em função indícios obtidos no item 2 e na evolução: � Varia em função das suspeitas de cada caso Tabela 1.4 US: ultrassonografia; TC: tomografia computadorizada. Febre maior que 38,3ºC em diversas ocasiões, durando pelo menos três semanas Avaliação diagnóstica mínima (hemograma, bioquímica de rotina, hemoculturas, sumário de urina, ultrassonogra�a abdominal e pélvica, sorologia para doenças infecciosas endêmicas regionais, suspensão de medicações não necessárias, PPD) história e exame físicos completos Diagnóstico? Não é FOI Sem diagnóstico? Revisão da história e do exame clínico Sem pistas diagnósticas Pistas diagnósticas potenciais Investigação adicional de primeira linha: Infecção - sorologia para apresentação incomum de doença comum, leucócitos marcados Neoplasia - avaliação de imagem (TC, RMN), eventualmente marcadores tumorais Doenças in�amatórias não infecciosas - FAN, autoanticorpos, provas in�amatórias Pistas Procedimentos diagnósticos orientados (especialmente biópsias ou outras investigações, como culturas etc.) Diagnóstico? Fim de investigação Iniciar conduta especí�ca Sem diagnóstico? Sem diagnóstico? Diagnóstico? Fim de investigação Iniciar conduta especí�ca Avaliação de segunda linha Testes diretos e sorologia para organismos raros Cultura para micro-organismos de difícil isolamento (HACEK) Medicina nuclear (imagem de corpo total com agentes inespecí�cos como Ga67 ou F-FDG-Scan) Diagnóstico? Fim de investigação. Iniciar conduta especí�ca Sem diagnóstico? Estratégia de observação clínica Testes terapêuticos Figura 1.2 Abordagem do paciente com FOI. HACEK: (Haemophilus sp., Actinobacillus actinomycetemcomitans, Cardiobacterium hominis, Eikenella corrodens e Kingella sp.) *Suspender todos os medicamentos não essenciais, caso a febre se resolva em menos de 72 horas, considerar febre induzida por medicamentos. 28 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 28 1 Introdução às doenças infecciosas Provas terapêuticas Vários autores são radicalmente contrários às pro vas terapêuticas sem bases clínicas e não haven- do estu dos controlados na FOI. A prova terapêutica ideal deveria ser realizada com medicamentos que atuassem apenas no alvo visado, com previsão da res- posta defi nida, se ela estiver correta. Esse fato não é o que ocor re quando se usam antibióticos ou corti- coides, os quais são capazes de interferir com mui- tas entidades pato lógicas e, dessa forma, induzir a conclusões errôneas. Outra desvantagem das provas terapêuticas é a possi bilidade de mudar o curso de muitas doenças, tornando-as ainda mais atípicas. O desgaste da relação médico-paciente é o que se deve esperar quando há in sucesso na prova. Os efeitos co- laterais dos medica mentos, o agravamento da verda- deira doença do paciente por corticoides, por exem- plo, o retardo ou a interferência na busca diagnostica e as respostas parciais são outras desvantagens das terapêuticas de pro va. Existem algumas situações em que há certa con cordância quanto ao uso de provas terapêuticas, que serão resumidas a seguir. Não exis- te um caso de FOI em que a hipótese de TB não esteja presente, mormente em nosso meio, onde continua sendo a etio logia mais comum. Várias publicações têm chamado a atenção para casos de TB só diagnos- ticados à necrop sia. A prova é comumente aventada toda vez que, em qualquer resultado histopatológico, aparecem granulomas nos quais não são demons- trados micro-organismos. O mesmo acontece nos doentes que apresentam infil trados pulmonares ou derrame pleural não bem es clarecidos, porém com o PPD reator. Outra situação em que a prova terapêutica tem sido indicada é a presença de um PPD reator, após uma exploração exaustiva da febre, sem nenhuma conclu- são, principalmente quando há rápido agravamento do paciente. Decidida a prova terapêutica, devem ser pe sados e muito bem controlados os paraefeitos das dro gas escolhidas. Habitualmente, dá-se preferência ao esquema mais potente, com isoniazida, rifampi- cina, pirazinamida e etambutol. Em geral, a resposta terapêutica se faz sentir em cerca de 14 dias, embora alguns casos pos sam demorar até seis semanas. Toda vez que a hipó tese de endocardite bacteriana não pode ser afastada com segurança razoável, indica-se o tra- tamento de prova com penicilina G (ou a ampicilina) associada à gentamicina, visando à endocardite suba- guda por Streptococcus sp. e enterococos, durante 10 a 14 dias, tempo habitual para haver uma resposta clíni- ca convin cente na ausência de complicações. Nos dias atuais, essa prova é cada vez menos comum, pois com a re petição da ecocardiografia e com as hemoculturas fei tas em bons laboratórios de microbiologia, dificil- mente deixar-se-á de fazer o diagnóstico. Alguns au- tores pre ferem realizar essa prova terapêutica com a associação de vancomicina e gentamicina. A doença de Still é comumente diagnosticada pela clínica e após a exclusão das doenças que com ela se confundem. O diagnóstico final é feito geralmente pela boa resposta aos AINHs ou ao uso de drogas mo- dificadoras da evolução da AR, como por exemplo me- totrexate. Considerada uma causa rara de FOI, a febre reumática, quando apresenta esse comportamen to, cursa geralmente com quadro articular ausente ou atí- pico, sem endocardite evidente e, em geral, com mio- cardite. A prova deve ser feita com a aspirina em dose anti-inflamatória, que, nos casos positivos, segue-se de excelente e rápida resposta da febre. Em algumas vasculites, não raro são necessárias provas terapêuticas baseadas no quadro clínico ou em dados histopatológicos pouco definidos em relação à etiologia da angeíte, principalmente em quadros gra- ves. A mais citada na literatura é o uso de corticoste- roides para a arte rite temporal, que é geralmente, nos casospositivos, acompanhada de uma resposta bri- lhante da febre em alguns dias. A resposta ao uso do AAS e imunoglobulina faz parte do critério diagnóstico da doença de Kawasaki. A polimialgia reumática também costuma ter uma ex- celente resposta aos corticoides e a sua suspeita é emi- nentemente clínica; a resposta aos corticoides também faz parte do diagnóstico dessa entidade. Outras colage- noses eventualmente precisam de provas terapêuticas com corticoides, geralmente em doentes que têm qua- dro clínico sugestivo de LES ou doença mista do tecido conjuntivo, mas sem com provação laboratorial. A embolia pulmonar de repetição está entre os di agnósticos mais comumente feitos nas necropsias de pacientes com FOI não esclarecidas em vida. Nos doentes com condições emboligênicas, a hipótese deve ser considerada com maior ênfase. Alterações sugesti- vas na cintigrafia pulmonar, à dopplermetria dos prin- cipais troncos venosos, podem reforçar a indicação do uso da heparina que, nos casos positivos, produz uma resposta excelente da febre em menos de 48 horas. A tromboflebite pélvica, mesmo quando evolui sem embolização pulmonar, é uma das causas de FOI que também costuma responder, de forma brilhante, ao uso da heparina. 29 1 Introdução às doenças infecciosas SJT Residência Médica – 2016 Nos casos de granulomas hepáticos, quando não é demonstrado nenhum agente na histopatologia e nas culturas do fragmento hepático, em nosso meio indica-se o tratamento de prova para tu berculose. Se não houver resposta, faz-se, então, a prova terapêuti- ca com esteroides visando à hepatite granulomatosa. A febre do Mediterrâneo tem um boa respos- ta à colchicina, inclusive na prevenção das recor- rências; essa prova terapêutica faz parte do critério diagnóstico dessa entidade. A resposta antitérmica ex celente da febre de neoplasias sólidas e de algumas do enças reumatológicas como a doença de Still ao na- proxeno sódico e à indometacina pode ajudar na ca- racterização dessas entidades, pois não costuma ser tão brilhante em outras patologias. Alguns autores con testam essas observações. A retirada de uma droga suspeita de estar cau- sando febre não deixa de ser uma prova terapêutica. Assinale-se que a resposta da tem peratura nesses ca- sos depende da droga empregada e, em geral, ocorre dentro de 48 a 72 horas. A persistên cia da hipertermia após uma semana de suspensão da droga quase afasta essa hipótese, embora a febre cau sada pelo iodo e pela penicilina G-benzatina possa durar várias semanas. Nota (Tabela 1.2): Febre do Mediterrâneo (febre botonosa): do- ença transmitida por carrapatos, caracteriza-se por febre alta, exantema e – na maioria das regiões geo- gráficas – por uma escara de inoculação (tache noire) no local da picada do carrapato. Observou-se uma forma grave da doença (taxa de mortalidade de 50%) em pacientes com diabete, alcoolismo ou insuficiên- cia cardíaca. O período médio de incubação é de 7 dias. A doença leve consiste em cefaleia, febre, escara e lin- fadenopatia regional. O exantema pode ser vesicular, esparso ou de todo ausente. O diagnóstico dessas febres maculosas trans- mitidas por carrapatos baseia-se nas manifestações clínicas e epidemiológicas e é confirmado por soro- logia, pela demonstração imuno-histoquímica de ri- quétsias em amostras de biópsia cutânea, pelo isola- mento em cultura celular ou RCP das biópsias de pele ou amostras de sangue. A identificação sorológica da infecção por uma espécie específica requer o conheci- mento de todos os agentes potenciais, bem como da absorção cruzada dispendiosa e trabalhosa do soro do paciente. Em uma região endêmica, os pacientes que se apresentam com febre, exantema e/ou lesão cutânea caracterizada por área de necrose negra ou crosta circundada por eritema devem ser considera- dos portadores de uma dessas febres maculosas cau- sadas por riquétsias. Síndrome de Sweet: dermatose neutrofílica febril que em muitos casos se expressa em pacientes com leucose aguda. No módulo da hematologia você terá oportunidade de rever este conceito. Síndrome de Kikuchi: a doença de Kikuchi- -Fujimoto (DKF), também conhecida como doença de Kikuchi ou linfadenite histiocítica necrosante, é rara, usualmente de curso benigno e de causa desconheci- da. Foi inicialmente descrita em 1972 no Japão em mulheres jovens com febre e linfadenopatia cervical. A patogênese é pouco entendida, mas pensa-se que seja uma reação hiperimune induzida por diferentes estímulos antigênicos ou um processo autoimune no qual a apoptose exerce papel importante. A maioria dos pacientes tem menos de 40 anos e são previamen- te hígidos, com uma razão homem:mulher que pode chegar até 1:4 em alguns estudos, ou aproximar-se em ambos os sexos. O início da doença é agudo ou subagudo, evo- luindo entre duas e três semanas. A forma de apresen- tação mais frequente é a linfadenopatia cervical (74 a 90% dos casos) ou supraclavicular. As adenopatias têm geralmente um tamanho inferior a 3 cm, de con- sistência firme e às vezes dolorosa à palpação. A lin- fadenopatia generalizada ocorre em uma minoria (5% dos casos). O envolvimento extranodal é raro, mas já descrito nos rins, fígado, trato gastrointestinal, tireoi- de, paratireoides, adrenais e medula óssea. O diagnós- tico da DKF é feito através da biópsia de linfonodo. Esta deve ser feita para excluir condições mais graves que podem causar confusão, como linfoma, tuberculo- se e doença de Kawasaki. Síndrome de Castleman: a doença de Castle- man é um distúrbio linfoproliferativo raro. Há três tipos histológicos: hialinovascular (mais comum), variante de células plasmáticas e forma mista. A forma hialinovascular é caracterizada tipicamente por apresentar uma evolução clínica benigna, sem sintomas constitucionais (doença localizada). É ge- ralmente tratada com cirurgia e/ou radioterapia. A doença multicêntrica apresenta sintomas sistêmi- cos. Ainda não há um consenso sobre qual a melhor abordagem terapêutica. 30 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 Modalidades de febre de origem indeterminada (Durack e Street) Clássica Hospitalar Em Neutropênicos Em HIV-Positivos Temperatura maior ou igual a 38,3°C em várias ocasiões Temperatura maior ou igual a 38°C em várias ocasiões em paciente hospitalizado Temperatura maior ou igual a 38°C em várias ocasiões Temperatura maior ou igual a 38°C em várias ocasiões Duração maior do que 3 semanas Ausência de infecção (ou infecção em incubação) à admissão Paciente com menos de 500 neutrófilos/mm3 no sangue periférico ou com expectativa de queda nas próximas 24 a 48 horas Prova sorológica positiva para HIV Diagnóstico dúbio apesar de investigação adequa- da após pelo menos três consultas ambulatoriais ou 3 dias de internação Diagnóstico dúbio após 3 dias, a despeito de investi- gação adequada, incluindo pelo menos 2 dias de incu- bação de culturas Diagnóstico dúbio após 3 dias, a despeito de investiga- ção adequada, incluindo pelo menos 2 dias de incubação de culturas Duração de mais de 4 sema- nas, para pacientes ambula- toriais, ou maior que 3 dias para pacientes hospitalizados Diagnóstico dúbio após 3 dias, a despeito de investi- gação apropriada, incluindo pelo menos 2 dias de incuba- ção de culturas Tabela 1.5 Febre de origem indeterminada. Causas de FOO com mais de 6 meses de duração Causa Casos (%) Nenhuma causa identificada Outras causas Causas factícias Hepatite granulomatosa Neoplasia Doença de Still Infecção Doença vascular do colágeno Febre familiar do Mediterrâneo Sem febreα 19 13 9 8 7 6 6 4 3 27 αNão se observou qualquer febre durante 2 a 3 semanas com o paciente internado. Inclui os pacientes com ritmo circadiano exagerado. Tabela 1.6 31 1 Introdução às doenças infecciosas SJT Residência Médica – 2016 CAPÍTULO 2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica Definição Muitas tentativas foram feitas para caracterizar o termo “choque” por completo,mas sem sucesso. Ele pode ser caracterizado como um estado em que ocor- re redução sistêmica significativa da perfusão tecidual, que resulta na diminuição da oferta de oxigênio, levan- do a uma lesão celular inicialmente reversível, mas que, perdurando, torna-se irreparável. Logo após, aparecem os sinais de hipoperfusão tecidual e disfunção orgânica. Em outras palavras, choque é o estado em que há um desequilíbrio entre a oferta e o consumo de oxigênio, resultando em perfusão orgânica inadequada e sofri- mento celular, caracterizado por grave alteração do me- tabolismo (que passa de aeróbio para anaeróbio). Fisiopatologia O aspecto comum entre as diversas síndromes de choque é a hipoperfusão, cujas consequências po- dem incluir hipóxia tecidual, metabolismo anaeróbio, acidose, produção de mediadores inflamatórios, is- quemia e reperfusão circulatória, ocasionando lesão celular ou até síndrome de disfunção de múltiplos ór- gãos. Quando há hipoperfusão e, consequentemente, insuficiência de oxigênio para as necessidades celula- res, ocorre glicólise anaeróbia, que leva a uma maior produção e acúmulo de lactato, ocasionando alteração do pH sanguíneo. A resposta cardiovascular global à acidose metabólica é determinada por efeitos diretos justamente da acidose e pela estimulação de catecóis. Como resposta sistêmica à hipoperfusão e à hipó- xia, ocorre o fenômeno homeostático da centralização: um desvio do fluxo sanguíneo a fim de garantir o apor- te de oxigênio para órgãos nobres como coração e cére- bro. Com essa redistribuição do fluxo sanguíneo para órgãos vitais, que os protege da isquemia, há um com- prometimento das circulações esplâncnica e intestinal. A primeira tem importância porque há uma relação do aumento da resistência vascular sistêmica com hipoper- fusão desta, ou seja, com a vasoconstrição esplâncnica. Quanto ao comprometimento intestinal, este pode per- petuar o estado de choque e resultar em irreversibilida- de, em resposta inflamatória sistêmica ressaltada e na síndrome da disfunção de múltiplos órgãos. 33 2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica SJT Residência Médica – 2016 Como há quatro grupos etiológicos de choque com muitos subtipos, classificados segundo o compro- metimento circulatório, existem algumas particulari- dades fisiopatológicas de relevância. Quadro clínico geral Alterações do nível de consciência levando a le- targia, confusão e sonolência costumam ser frequen- tes no estado de choque. A diminuição da perfusão pe- riférica leva a cianose, queda de temperatura e palidez em extremidades, e aumento do tempo de enchimento capilar. Além disso, taquicardia e taquipneia também ocorrem com frequência. Os pulsos periféricos costu- mam estar fracos e, em casos graves, apenas o pulso carotídeo e o femoral podem ser, cuidadosamente, palpados. A hipotensão geralmente está presente em virtude dos vários mecanismos fisiológicos apresenta- dos. Já o débito urinário se encontra diminuído tanto por um pequeno volume aferente quanto pela produ- ção hormonal em resposta à hipotensão. A distinção entre choque cardiogênico e choque hipovolêmico deve ser feita cuidadosamente, pois a te- rapia de ambos difere bruscamente. Os dois evoluem com redução do débito cardíaco associado à compen- sação simpática, que leva a taquicardia e elevação da resistência vascular periférica. O achado de turgência jugular, ritmo galope com B3 e estertores conduz a suspeita para o choque cardiogênico. Outros sinais e sintomas surgirão de acordo com o tipo de choque e a presença de patologia subjacente. No choque distributivo, por exemplo, a pele encontra- -se quente e hiperemiada na maior parte dos casos. No choque séptico, podem-se encontrar febre e sinais flo- gísticos. Dor torácica, turgência jugular, dispneia, dor abdominal e outros sintomas dependerão da etiologia do choque e de sua peculiar fisiopatologia. As principais manifestações clínicas encontradas no paciente com choque, de forma geral, estão resumi- das a seguir: sinais de hipoperfusão tecidual, hipoten- são, taquicardia, pulso fino e taquicárdico, pele fria e pegajosa, sudorese abundante, mucosas descoradas e secas, palidez, cianose, enchimento capilar lento, oli- gúria, diurese < 0,5 mL/kg/h, resfriamento das extre- midades, hipotermia, respiração superficial, rápida e irregular, sede, náuseas e vômitos, alterações neuros- sensoriais e alteração do nível de consciência. Diagnóstico O diagnóstico do estado de choque é baseado principalmente em parâmetros clínicos, ou seja, nos sinais e sintomas de hipoperfusão tecidual e seus me- canismos compensatórios (taquicardia, taquipneia), FC igual ou superior a 100 bpm, FR igual ou superior a 22 irpm, PAS abaixo de 90 mmHg e diurese abaixo de 0,5 mL/kg/h são sinais objetivos que podem ser ob- servados. Os achados laboratoriais incluem: lactato > 3 mmol/L, deficit de base < –5 mEq/L e PaCO2 < 32 mmHg. É importante lembrar que nenhum desses pa- râmetros deve ser avaliado isoladamente, pois o esta- do de choque é uma síndrome. Para uma avaliação completa dos pacientes em estado de choque, é necessário atentar aos parâmetros hemodinâmicos e de perfusão tecidual, os quais estão descritos a seguir (e serão comentados no decorrer deste capítulo): • PA, FC, diurese, nível de consciência, PVC/∆PVC, DC, POAP, ∆PP, ∆PS, lactato, SvcO2 e SvO2, ∆ PCO2, DO2, VO2 e quociente respiratório. Classificação dos tipos de choque Didaticamente, dividimos os tipos de choque em: � Choque distributivo: - Séptico. - Neurogênico. - Anafilático. - Insuficiência adrenal. � • Choque cardiogênico � • Choque hipovolêmivo � • Choque obstrutivo A seguir, descreveremos cada um dos tipos de cho- que e suas peculiaridades (Figura 2.1). Hipovolêmico Pré-carga Enchimento diastólico Cardiogênico Dano miocárdico Funções sistólica e diastólica Obstrutivo Enchimento diastólico Pós-carga ventricular Distributivo Função diastólica Função sistólica Depressão miocárdica Pré-carga RVS Má distribuição de uxo Débito cardíaco PAM CHOQUE Disfunção de múltiplos órgãos Figura 2.1 Tipos de choque. Fonte: Goldman C, Aus- iello D. Cecil’s textbook of medicine. 22. ed. Philadel- phia: Saunders, 2004. 34 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 Figura 2.2 Apresentação inicial dos tipos de choque. A figura mostra um algoritmo da apresentação inicial do paciente em choque (A); frequência relativa dos principais tipos de choque (B); e representações esquemáticas dos quatro prin- cipais tipos de choque (C). O algoritmo se inicia com a apresentação mais comum (hipotensão arterial), mas a hipoten- são, muitas vezes, pode ser mínima ou ausente. PVC = pressão venosa central, SvO2 = saturação venosa mista de oxigênio. Fonte: adaptado de NEJM 2013; 369:1726-34. 35 2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica SJT Residência Médica – 2016 Choque hipovolêmico Introdução O insuficiente aporte de oxigênio aos tecidos ocorre tanto por redução do débito cardíaco (fluxo de fluídos), secundário ao retorno venoso reduzido, quan- to por queda da hemoglobina, no caso do hemorrágico. A fim de preservar e manter a perfusão tissular, o orga- nismo apresenta mecanismos de defesa homeostáticos metabólicos e hemodinâmicos. Tratando-se do choque hemorrágico, mais comum entre os hipovolêmicos, a hemorragia ocasiona redução do retorno venoso e, consequentemente, do débito cardí- aco, o que resulta em uma queda dos níveis pressóricos e estimula receptores simpáticos do seio carotídeo. A con- sequência disso é a produção de noradrenalina, levando à constrição de arteríolas e vênulas. Como resposta à hemorragia, ocorre a produção de renina. Este hormônio converte o angiotensino- gênio em angiotensina, que subsequentemente leva à produção de angiotensina II aos pulmões e ao fíga- do. A angiotensina II atua causando vasoconstrição arteriolar de músculo liso e excitação de aldosterona pelo córtex adrenal, a qual acarreta retenção de sódio e águapelos néfrons. A medula adrenal também participa do choque, produzindo adrenalina. Esta, por sua vez, ocasiona au- mento da contratilidade cardíaca e da glicose periférica, buscando hemostase para a situação de estresse. Causas O choque hipovolêmico resulta da redução da pré-carga, uma vez que é um dos determinantes do volume sistólico. Quando diminui, ocorre queda do débito cardíaco. As causas de choque hipovolêmico podem ser di- vididas em dois grandes grupos: � Hemorragias: traumas, cirurgias, hemorragias digestivas altas ou baixas, ruptura de aneuris- ma de aorta ou ventricular, ruptura de hema- toma, pancreatite necro-hemorrágica, fratu- ras, entre outras. � Perda de fluidos orgânicos: diarreia, vômitos, aumento das perdas insensíveis (febre, quei- maduras), poliúria, sepse, extravasamento para o terceiro espaço (cirrose, obstrução in- testinal, pancreatite), reposição insuficiente (jejum prolongado, desidratação por privação de ingesta hídrica). Diagnóstico Quadro clínico: � Taquicardia, taquipneia. � Cianose periférica. � Hipotensão arterial: caracterizada por PA sistó- lica < 90 mmHg ou PAM < 60 mmHg ou redução de 40 mmHg na PA sistólica de base. � Redução no turgor e temperatura da pele por vasoconstrição. � Redução na umidade das mucosas e conjuntivas. � Perda súbita de peso. � Oligúria. � Hipotermia. � Hipotensão postural. � Alteração do estado mental. As manifestações da hipoperfusão serão mais ou menos exuberantes de acordo com a gravidade da per- da volêmica. Confira as características da classificação do choque hemorrágico na Tabela 2.1. Classificação do choque hemorrágico Classe I Classe II Classe III Classe IV Perda volêmica (%) < 15% 15%-30% 30%-40% > 40% Perda volêmica (mL) < 750 750-1.500 1.500-2.000 > 2.000 Frequência cardíaca < 100/min. > 100/min. > 120/min. > 140/min. Pressão arterial Sem alterações Sem alterações Hipotenso Hipotenso Enchimento capilar Sem alterações Reduzido Reduzido Reduzido Frequência respiratória < 20/min. 20-30/min. 30-40/min. > 35/min. Débito urinário (mL/h) > 30 20-30 5-20 Desprezível Nível de consciência Pouco ansioso Ansioso Ansioso-confuso Confuso-letárgico Reposição volêmica Cristaloide Cristaloide Cristaloide+CH* Cristaloide+CH* Tabela 2.1 Classificação do choque hemorrágico. Fonte: adaptado de ATLS. (CH*) – concentrado de hemácias. 36 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 Exames laboratoriais: � Aumento da densidade urinária. � Aumento da osmolaridade urinária > 450 mOs- mol/kg. � Concentração de sódio urinário < 25 mEq/L. � Fração de excreção de sódio < 1. � Hipernatremia. � Aumento da relação ureia/creatinina séricos (> 10:1). � Aumento no hematócrito. � Elevação do lactato sérico. � Acidose metabólica. Padrão Hemodinâmico do Choque Hipovolêmico A monitorização hemodinâmica pode ser feita de maneira invasiva ou não, de acordo com a gravi- dade do caso e a resposta às medidas iniciais. A me- dida da pressão venosa central (PVC) é a forma mais comum de inferir pré-carga. Essa medida apresenta diversas possibilidades de erros por motivos mecâ- nicos, sendo seu número absoluto pouco relacionado com o estado volêmico, no entanto, a análise de sua variação pode ser útil, embora bastante questionada por alguns autores. A medida da pressão da artéria pulmonar ocluída (PAPO) necessita da passagem do cateter de artéria pulmonar, possibilitando a cons- trução da curva de pressões de enchimento versus débito cardíaco na beira do leito, visando obter o melhor débito cardíaco na ressuscitação volêmica. Na presença de pressões baixas, estamos diante de hipovolemia relativa, estando indicada reposição vo- lêmica adequada. Pode-se lançar mão dos cateteres de artéria pulmonar volumétricos, os quais podem medir automática e seriadamente a fração de ejeção e o volume diastólico final do ventrículo direito. O emprego deste tipo de cateter ainda é limitado em decorrência dos riscos de um método invasivo. Há ainda outros tipos de monitorização hemodi- nâmica à beira do leito que podem auxiliar no diagnós- tico e no manuseio dos pacientes em choque. A literatu- ra tem dado enfoque maior aos tipos de monitorização hemodinâmica minimamente invasivos. Entre eles é possível citar monitores que utilizam outras formas de estimar o débito cardíaco diferentes do cateter de arté- ria pulmonar ou Swan-Ganz, como o Vigileo acoplado ao sensor FloTrac, o LiDCO, o PICCO, entre outros. O ecocardiograma e o ultrassom à beira leito têm ganhado cada vez mais espaço na prática clínica e maior atenção da comunidade científica. Podemos obter as seguintes medidas no pacien- te em choque hipovolêmico: � Variáveis hemodinâmicas: - ↑FC (frequência cardíaca). - ↓ PA média. - ↓ pressões de enchimento: ↓ PVC (pressão ve- nosa central) e ↓ POAP (pressão de oclusão da artéria pulmonar). - ↓ PAP (pressão da artéria pulmonar). - ↓ IC e DC (índice e débito cardíacos). - ↑ IRVS (índice de resistência vascular sistêmico). - ↓ IS (índice sistólico). - ↓ ITSVE e ITSVD (índices de trabalho sistólico dos ventrículos esquerdo e direito). - Variação da pressão de pulso (Dpp) > 13%. (Dpp PPmáx – Ppmín %) PPmédia � Pulso paradoxal ou interferência maior que o normal do ciclo respiratório na PA sistólica ou na pressão de pulso. - ↓ volume diastólico final do VD (ventrículo direito). A variação de pressão de pulso, um índice hemo- dinâmico muito útil na medida da volemia, tem sua variação no ciclo respiratório (∆pp) obtida subtrain- do-se a pressão de pulso máxima (obtida na inspira- ção) menos a pressão de pulso mínima (obtida na ex- piração). O resultado é dividido pela média dos dois valores. O ∆pp maior que 13% é indicativo de hipovo- lemia, possui valor preditivo positivo melhor que PVC e PAPO. Por ser menos invasivo, é um índice bastante útil na prática clínica, mas que possui algumas condi- ções necessárias para que sua medida seja fidedigna, como a necessidade de que o paciente esteja bem se- dado e, muitas vezes, curarizado, além de entubado sob ventilação mecânica e sem a presença de arritmias (especialmente FA), o que limita o uso deste método em algumas circunstâncias (Figura 2.2). PP máx PA PV A PP mín Figura 2.3 Variação da pressão de pulso em paciente ventilado com pressão positiva passiva. Fonte: arquivo pessoal dos autores. 37 2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica SJT Residência Médica – 2016 � Variáveis de perfusão tecidual: - ↓ SvO2 (saturação venosa mista de oxigênio). - ↓ ScO2 (saturação venosa central de oxigênio). - ↑ pCO2- gap (diferença entre a pressão parcial de CO2 da mucosa gástrica e pressão parcial de CO2 no sangue arterial, se estiver disponível tonometria gás- trica; ou diferença entre a pressão parcial de CO2 no sangue venoso menos no arterial). - ↑ níveis séricos de lactato arterial. - ↓ DO2 (oferta tecidual de oxigênio). - ↑TEO2 (taxa de extração tecidual de oxigênio). SvO2 A taxa de extração de oxigênio, determinada pela dosagem de saturação venosa mista de oxigênio (SvO2), pode ser obtida com o cateter de artéria pul- monar e também auxiliar diretamente no manejo da volemia, principalmente se monitorada de maneira contínua. A SvO2 recebe tal denominação por ser a sa- turação do sangue venoso (que ainda não passou pelos pulmões para ser oxigenado) contido na artéria pul- monar. Em pacientes com demanda de oxigênio está- vel, a SvO2 tem boa correlação com DC. ScvO2 A saturação central de oxigênio (ScvO2), colhida do sangue no acesso venoso central da veia cava supe- rior ou átrio direito, pode fazer as vezes da SvO2 em pacientes sem cateter de artéria pulmonar. O famoso estudo de Rivers et al. mostrou benefício de seu uso como guia da ressuscitação volêmica (manutenção da ScvO2 acima de 70%) em pacientes com choque sép- tico nas primeiras 6 horas. Em tal estudo, aplicando- -se o protocolo denominado early goal-directed therapy (Figura 2.3), conseguiu-se reduçãoda mortalidade em 16%, da disfunção orgânica e da necessidade de moni- torização invasiva. Estes resultados foram alcançados, provavelmente, em razão da melhor e mais precoce adequação da oferta de oxigênio, obtida pela menor deterioração cardiovascular e menor redistribuição de fluxo sanguíneo, acarretando na redução da resposta inflamatória e suas consequências. INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL OU OXIGÊNIO SUPLEMENTAR PRESSÃO VENOSA CENTRAL E PRESSÃO INVASIVA SEDAÇÃO OU PARALISIA CVP MAP ScvO 2 Objetivos alcançados Admissão hospitalar Não Sim > 70% > 65 e < 90 mmHg 8-12 mmHg < 8 mmHg Cristaloide Coloide Drogas vasoativas < 65 mmHg < 90 mmHg Transfusão de hemácias até hematócrito ≥ 30% < 70% < 70% ≥ 70% Agentes inotrópicos Figura 2.4 Terapia guiada por metas ou early goal- directed therapy. CVP: pressão venosa central; MAP: pressão arterial média; ScvO2: saturação venosa de ox- igênio. Fonte: Rivers E, Nguyen B; Havstad, S, et al. Early goal-di- rected therapy in the treatment of severe sepsis and septic shock. N Engl J Med. 2001; 345:1368-77. Ainda em relação a ScvO2 e SvO2, é importante salientar que ambas são úteis na avaliação da relação entre DO2 e VO2, podendo apresentar boa correlação com o débito cardíaco (DC) em determinadas situa- ções. Diversos fatores podem interferir na sua me- dida, como PaO2, aumento do consumo de O2 (por agitação, febre, convulsões), níveis de hemoglobina, entre outros (conforme demonstrado na Figura 2.4). VO2 DO2 DO2 VO2 Estresse Dor PaO2 (SaO2) Hb débito cardíaco PaO2 (SaO2) Hb débito cardíaco Hipotermia Anestesia 70% + – Figura 2.5 Fatores que interferem na SvO2. Fonte: arquivo pessoal dos autores. Apesar de não haver consenso, alguns trabalhos mostram que há boa correlação entre ScvO2 e SvO2, sa- lientando que ScvO2 é geralmente maior (em valores absolutos) nos estados de choque, com ambas apre- sentando comportamento semelhante ao longo do tempo (Figura 2.5). 38 Infectologia SJT Residência Médica – 2016 100 - 90 - 95 - 85 - 80 - 75 - 70 - 65 - 60 - 55- 50 - 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 SvO 2 ScvO 2 Sa tu ra çã o (% ) Figura 2.6 Correlação entre ScvO2 e SvO2. Sa- turação venosa de oxigênio na evolução da sepse. Fon- te: Reinhart K, Bloos F. The value of venous oximetry. Current Opinion in Critical Care. 2005; 11:259-63. Al- guns anos após a publicação de Rivers, citada anterior- mente, questionou-se a validade da medida de SvO2 e ScvO2 após as primeiras horas ou dias com intuito de guiar a terapia hídrica, não havendo benefício em se uti- lizar tais parâmetros tardiamente. Mais recentemente, o estudo ProCESS, publicado no NEJM, demonstrou não haver diferença na mortalidade quando comparada a estratégia de tratamento baseada em metas (early- -goal directed therapy) com a terapia convencional (ba- seada ou não em protocolo clínico). Dois outros estudos sobre a mesma questão estão em andamento: ARISE (Australasian Resuscitation in Sepsis Evaluation trial) e ProMISE (Protocolised Management in Sepsis trial). Aguardaremos seus resultados para chegarmos a uma recomendação definitiva. Lactato arterial O aumento dos níveis de lactato sérico, im- portante índice de oxigenação, reflete metabolismo anaeróbico em virtude da hipoperfusão nos estados de choque. Medidas de pressão parcial de oxigênio (PO2) tecidual falharam em mostrar hipóxia na pre- sença de acidose láctica no choque. Estudos sugerem que o aumento do lactato pode resultar mais de al- terações do metabolismo celular do que da hipoper- fusão tecidual. Além disso, o aumento da glicólise, a alta produção de piruvato e a menor depuração hepá- tica podem estar presentes nesse processo. Por isso, a análise contínua dos níveis do lactato e sua tendên- cia podem ser mais importantes que seu número ab- soluto. Conceito mais recentemente aplicado é o do clearance de lactato, ou seja, a porcentagem de queda do lactato após instituição da terapêutica. Ao final de 6 horas após a apresentação do choque séptico, cle- arance de lactato maior do que 10% se correlaciona com 52% de diminuição da mortalidade hospitalar. Também é importante salientar que valores ab- solutos iniciais de lactato sérico acima de 4 mmol/L (ou 36 mg/dL) estão correlacionados com pior prog- nóstico em pacientes sépticos, conforme demonstra- do na Figura 2.7. 50 - 40 - 30 - 20 - 10 - 0 0,0-2,0 (n=827) 2,1-3,9 (n=238) ≥ 4,0 (n=112) Valor de lactato inicial (mmol/L) = morte ≤ 3 dias = óbito hospitalar n=21 n=123 n=20 n=22n=59 n=43 M o rt al id ad e (% ) Figura 2.7 Correlação entre o valor do lactato sé- rico inicial e mortalidade. Fonte: Trzeciak S, Dellinger RP, Chansky ME, et al. Serum lactate as a predictor of mortality in patients with infection. Intensive Care Med 2007;33:970-7. ∆PCO2 O gap de CO2 começou a ser estudado inicial- mente, baseado em achados da tonometria gástrica, que possibilita a medida de pressão parcial de dióxi- do de carbono (PCO2) da mucosa gástrica, conside- rada um bom método para avaliar a perfusão local e é preditora de desfecho em pacientes graves. O intestino apresenta fluxo de contracorrente em sua microcirculação, levando a um maior risco de hipóxia da mucosa. A mucosa do trato gastrointestinal apre- senta um limiar menor para oferta crítica de oxigênio que outros órgãos e a isquemia intestinal é conside- rada fator perpetuador da cascata inflamatória no es- tado de choque. Este era o racional para utilizar-se o pCO2-gap (diferença entre pressão parcial de CO2 da mucosa gástrica e pressão parcial de CO2 no sangue arterial) para aferir perfusão local, estando essa me- dida aumentada nos estados de choque. Entretanto, a tonometria foi retirada do mercado. Com isso, utilizando-se raciocínio similar na prática clínica, o ∆PCO2 é calculado pela diferença entre a pressão parcial de CO2 no sangue venoso co- lhido do cateter central e a pressão parcial de CO2 no sangue arterial. Nos estados de choque, ocorre aumento da produção de CO2, em razão do meta- bolismo anaeróbio, combinado com diminuição da clearance de CO2, já que ocorre importante queda no fluxo sanguíneo local. Desta forma, há um acú- mulo de CO2 no sangue venoso, o que explica um au- mento no ∆PCO2 já que os valores de CO2 no sangue arterial se mantêm. 39 2 Estados de choque e monitorização hemodinâmica SJT Residência Médica – 2016 Alguns estudos demonstram boa correlação en- tre a medida do ∆PCO2 (venoso central – arterial) com o DC (Figura 2.8). Figura 2.8 Correlação entre ∆PCO2 e índice cardíaco. Fonte: Cuschieri J, Rivas EP, Donnino MW, et al. Central venous-arterial carbon dioxide difference as an indicator of cardiac index. Intensive Care Med. 2005; 31:818-22. Choque cardiogênico Introdução Este tipo de choque pode ocorrer por causas diversas, que podem ser agrupadas em quatro cate- gorias: doenças cardíacas isquêmicas, doença cardí- aca valvular, arritmias e trauma. Em cada caso, uma alteração relevante da função cardíaca resulta em hi- potensão por índice cardíaco diminuído, tal qual uma resposta neuroendócrina (Figura 2.9). Sistólica Disfunção miocárdica Diastólica Débito cardíaco Volume sistólico Pressão arterial Volume diastólico final do ventrículo esquerdo Perfusão sistêmica Perfusão coronariana Vasoconstrição Retenção de líquido Disfunção miocárdica progressiva Isquemia Hipoxemia Morte Figura 2.9 Fisiopatologia do choque cardiogênico. Fonte: arquivo pessoal dos autores. Causas Outra forma de classificar as causas de choque car- diogênico de maneira didática é: � Miopáticas: infarto do miocárdio, contusão miocárdica (trauma), miocardite, cardiomio- patia, depressão miocárdica séptica, farmaco- lógicas (bloqueadores do canal de cálcio). � Mecânicas: insuficiência valvar, cardiomiopatia hipertrófica, defeito do septo ventricular. � Arritmias: bradiarritmias, taquiarritmias.
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